A«√O AFIRMATIVA: HIST”RIA E DEBATES NO BRASIL SABRINA MOEHLECKE Doutoranda da Faculdade de EducaÁ„o da Universidade de S„o Paulo smoehlecke@yahoo.com RESUMO Este artigo tem por objetivo oferecer uma introduÁ„o ‡ recente discuss„o sobre polÌticas de aÁ„o afirmativa e sistemas de cotas no Brasil. De onde veio a express„o, quais os locais em que as cotas foram implementadas, as formas assumidas, os grupos beneficiados e diferentes definiÁıes dadas s„o alguns dos aspectos abordados. Num segundo momento, elaboramos um panorama do desenvolvimento dessas polÌticas, observando sua histÛria, caracterÌsticas que tÍm adquirido e experiÍncias colocadas em pr·tica. Por ˙ltimo, discutimos alguns pontos polÍmicos sobre elas, como sua legalidade e abrangÍncia. A aÁ„o afirmativa implica uma discriminaÁ„o ao avesso ou a garantia de direitos? … esta a melhor soluÁ„o? PolÌticas sociais mais amplas n„o seriam mais eficazes? O que est· em jogo nesse debate? A«√O SOCIAL ñ POLÕTICA SOCIAL ñ DISCRIMINA«√O SOCIAL ñ IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ABSTRACT AFFIRMATIVE ACTION: HISTORY AND DEBATES IN BRAZIL. The purpose of this article is to provide an introduction to the recent discussion on affirmative action policies and quota systems in Brazil. It addresses aspects such as where the expression affirmative action came from, where the quota system was implemented, their variors forms, the groups that benefited from them and different definitions applied to them. Subsequently, it offers on a panorama of affirmative action policiesí development, noting their history, the characteristics they have acquired and experiences put into practice. Finally, it discusses some related controversial issues, such as their legality and scope. Does affirmative action imply reverse discrimination or effectivelly assure rights? Is it the best solution? Would not broader social policies be more effective? What is at stake in this debate? SOCIAL ACTION ñ SOCIAL POLICIES ñ SOCIAL DISCRIMINATION ñ EQUAL OPPORTUNITIES Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ p. 197-217,2002 novembro/ 2002 197 A redemocratizaÁ„o no Brasil È ainda um processo recente e permeado por diversas lacunas n„o resolvidas. Uma delas refere-se ‡ permanÍncia de condiÁıes adscritas, isto È, caracterÌsticas n„o mut·veis inerentes a um indivÌduo, como cor e sexo, a influir na definiÁ„o das oportunidades de ingresso no mercado de trabalho, progress„o na carreira, desempenho educacional, acesso ao ensino superior, participaÁ„o na vida polÌtica. Dados sobre discriminaÁ„o e desigualdades nessas diferentes ·reas tÍm sido sistematicamente divulgados nos ˙ltimos anos, nacional e internacionalmente, e a quest„o n„o È mais novidade. Contudo, no campo pr·tico, s„o v·rias as controvÈrsias acerca de quais seriam as melhores soluÁıes, j· que essa situaÁ„o tem-se mostrado inalterada por dÈcadas. Uma das propostas que surgiram como resposta ao problema foram as polÌticas de aÁ„o afirmativa, tambÈm designadas ìpolÌtica de cotasî, ìreserva de vagasî, ìaÁ„o compensatÛriaî, que veiculam tema e experiÍncia relativamente novos no debate e ìagenda p˙blica brasileiraî. Entendemos que, antes de assumir uma posiÁ„o favor·vel ou contr·ria a essas polÌticas, seria importante conhecer e entender melhor o que s„o, sua histÛria e a direÁ„o assumida por algumas das polÍmicas que tÍm suscitado. Uma breve introduÁ„o e revis„o sobre o assunto, longe da pretens„o de esgot·-lo, È a proposta deste artigo. O QUE … A«√O AFIRMATIVA? O termo aÁ„o afirmativa chega ao Brasil carregado de uma diversidade de sentidos, o que em grande parte reflete os debates e experiÍncias histÛricas dos paÌses em que foram desenvolvidas. A express„o tem origem nos Estados Unidos, local que ainda hoje se constitui como importante referÍncia no assunto. Nos anos 60, os norte-americanos viviam um momento de reivindicaÁıes democr·ticas internas, expressas principalmente no movimento pelos direitos civis, cuja bandeira central era a extens„o da igualdade de oportunidades a todos. No perÌodo, comeÁam a ser eliminadas as leis segregacionistas vigentes no paÌs, e o movimento negro surge como uma das principais forÁas atuantes, com lideranÁas de projeÁ„o nacional, apoiado por liberais e progressistas brancos, unidos numa ampla defesa de direitos. … nesse contexto que se desenvolve a idÈia de uma aÁ„o afirmativa, exigindo que o Estado, para alÈm de garantir leis anti-segregacionistas, viesse tambÈm a assumir uma postura ativa para a melhoria das condiÁıes da populaÁ„o negra. Os Estados Unidos completam quase quarenta anos de experiÍncias, o que oferece boa opor- 198 Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 tunidade para uma an·lise de longo prazo do desenvolvimento e impacto dessa polÌtica. Mas a aÁ„o afirmativa n„o ficou restrita aos Estados Unidos. ExperiÍncias semelhantes ocorreram em v·rios paÌses da Europa Ocidental, na Õndia, Mal·sia, Austr·lia, Canad·, NigÈria, ¡frica do Sul, Argentina, Cuba, dentre outros. Na Europa, as primeiras orientaÁıes nessa direÁ„o foram elaboradas em 1976, utilizandose freq¸entemente a express„o ìaÁ„o ou discriminaÁ„o positivaî. Em 1982, a ìdiscriminaÁ„o positivaî foi inserida no primeiro ìPrograma de AÁ„o para a Igualdade de Oportunidadesî da Comunidade EconÙmica EuropÈia (Centro Feminista de Estudos e Assessoria, 1995, Estudos Feministas, 1996). Nesses diferentes contextos, a aÁ„o afirmativa assumiu formas como: aÁıes volunt·rias, de car·ter obrigatÛrio, ou uma estratÈgia mista; programas governamentais ou privados; leis e orientaÁıes a partir de decisıes jurÌdicas ou agÍncias de fomento e regulaÁ„o. Seu p˙blico-alvo variou de acordo com as situaÁıes existentes e abrangeu grupos como minorias Ètnicas, raciais, e mulheres. As principais ·reas contempladas s„o o mercado de trabalho, com a contrataÁ„o, qualificaÁ„o e promoÁ„o de funcion·rios; o sistema educacional, especialmente o ensino superior; e a representaÁ„o polÌtica. AlÈm desses aspectos, a aÁ„o afirmativa tambÈm envolveu pr·ticas que assumiram desenhos diferentes. O mais conhecido È o sistema de cotas, que consiste em estabelecer um determinado n˙mero ou percentual a ser ocupado em ·rea especÌfica por grupo(s) definido(s), o que pode ocorrer de maneira proporcional ou n„o, e de forma mais ou menos flexÌvel. Existem ainda as taxas e metas, que seriam basicamente um par‚metro estabelecido para a mensuraÁ„o de progressos obtidos em relaÁ„o aos objetivos propostos, e os cronogramas, como etapas a serem observadas em um planejamento a mÈdio prazo. Estabelecidos esses pontos iniciais, podemos tratar das definiÁıes propriamente ditas do que seria a aÁ„o afirmativa. Barbara Bergmann entende, de maneira ampla, que: AÁ„o afirmativa È planejar e atuar no sentido de promover a representaÁ„o de certos tipos de pessoas ñ aquelas pertencentes a grupos que tÍm sido subordinados ou excluÌdos ñ em determinados empregos ou escolas. … uma companhia de seguros tomando decisıes para romper com sua tradiÁ„o de promover a posiÁıes executivas unicamente homens brancos. … a comiss„o de admiss„o da Universidade da CalifÛrnia em Berkeley buscando elevar o n˙mero de negros nas classes iniciais [...]. AÁıes Afirmativas podem ser um programa formal e escrito, um plano envolvendo Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 199 m˙ltiplas partes e com funcion·rios dele encarregados, ou pode ser a atividade de um empres·rio que consultou sua consciÍncia e decidiu fazer as coisas de uma maneira diferente. (1996, p. 7) Segundo os anais do documento ìPerspectivas internacionais em aÁ„o afirmativaî, resultado de um encontro de pesquisadores, ocorrido em agosto de 1982, no Centro de Estudos e ConferÍncias de Bellagio, na It·lia, a aÁ„o afirmativa pode ser uma preferÍncia especial em relaÁ„o a membros de um grupo definido por raÁa, cor, religi„o, lÌngua ou sexo, com o propÛsito de assegurar acesso a poder, prestÌgio, riqueza (Contins, SantíAna, 1996, p.209). Essas definiÁıes introduzem a idÈia da necessidade de promover a representaÁ„o de grupos inferiorizados na sociedade e conferir-lhes uma preferÍncia a fim de assegurar seu acesso a determinados bens, econÙmicos ou n„o. Mas por que deverÌamos agir dessa forma, o que justifica essa polÌtica? Antonio Sergio Guimar„es (1997) apresenta uma definiÁ„o da aÁ„o afirmativa baseado em seu fundamento jurÌdico e normativo. A convicÁ„o que se estabelece na Filosofia do Direito, de que tratar pessoas de fato desiguais como iguais, somente amplia a desigualdade inicial entre elas, expressa uma crÌtica ao formalismo legal e tambÈm tem fundamentado polÌticas de aÁ„o afirmativa. Estas consistiriam em ìpromover privilÈgios de acesso a meios fundamentais ñ educaÁ„o e emprego, principalmente ñ a minorias Ètnicas, raciais ou sexuais que, de outro modo, estariam deles excluÌdas, total ou parcialmente.î (1997, p.233). AlÈm disso, a aÁ„o afirmativa estaria ligada a sociedades democr·ticas, que tenham no mÈrito individual e na igualdade de oportunidades seus principais valores. Desse modo, ela surge ìcomo aprimoramento jurÌdico de uma sociedade cujas normas e mores pautam-se pelo princÌpio da igualdade de oportunidades na competiÁ„o entre indivÌduos livresî, justificando-se a desigualdade de tratamento no acesso aos bens e aos meios apenas como forma de restituir tal igualdade, devendo, por isso, tal aÁ„o ter car·ter tempor·rio, dentro de um ‚mbito e escopo restrito (1997, p.233). Essa definiÁ„o sintetiza o que h· de semelhante nas v·rias experiÍncias de aÁ„o afirmativa, qual seja, a idÈia de restituiÁ„o de uma igualdade que foi rompida ou que nunca existiu. Na explicitaÁ„o desse objetivo, tambÈm se diferencia de pr·ticas discriminatÛrias raciais, Ètnicas ou sexuais, que tÍm como fim estabelecer uma situaÁ„o de desigualdade entre os grupos. No material desenvolvido pelo Grupo de Trabalho Interministerial para a ValorizaÁ„o da PopulaÁ„o Negra no Brasil encontramos essa distinÁ„o, em que a aÁ„o afirmativa È definida como uma medida que tem como objetivo: 200 Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 ...eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminaÁ„o e marginalizaÁ„o, decorrentes de motivos raciais, Ètnicos, religiosos, de gÍnero e outros. (Santos, 1999, p.25) William L. Taylor, participante da ConferÍncia de Bellagio, esforÁa-se por diferenciar o conceito de aÁ„o afirmativa de outros conceitos, como reparaÁ„o e redistribuiÁ„o. O primeiro, necessariamente, inclui como benefici·rios de seus programas todos os membros do grupo prejudicado. O segundo, por sua vez, pressupıe como critÈrio suficiente (ou mesmo exclusivo) a carÍncia econÙmica ou socioeconÙmica dos membros do grupo em quest„o, independentemente dos motivos dessa carÍncia. A aÁ„o afirmativa diferenciar-se-ia, no primeiro caso, porque ì...em programas de aÁ„o afirmativa, o pertencimento a um determinado grupo n„o È suficiente para que alguÈm seja beneficiado; outros critÈrios iniciais de mÈrito devem ser satisfeitos para que alguÈm seja qualificado para empregos ou posiÁıes..î. J· em relaÁ„o ‡ redistribuiÁ„o, ela distingue-se por configurar-se em medida de justiÁa, a qual constitui-se em argumento legal para seu pleito, tal como a jurisprudÍncia norte-americana a consagrou. (Contins, SantíAna, 1996, p.210) E a aÁ„o afirmativa teria: ...como funÁ„o especÌfica a promoÁ„o de oportunidades iguais para pessoas vitimadas por discriminaÁ„o. Seu objetivo È, portanto, o de fazer com que os beneficiados possam vir a competir efetivamente por serviÁos educacionais e por posiÁıes no mercado de trabalho. (Contins, SantíAna, 1996, p.210) De acordo com essa distinÁ„o, n„o basta ser membro de um grupo discriminado; È necess·rio que, alÈm disso, o indivÌduo possua determinadas qualificaÁıes. Esse È um importante aspecto da aÁ„o afirmativa e tem suscitado algumas controvÈrsias que discutiremos posteriormente. Outro ponto que Taylor estabelece È que a aÁ„o afirmativa n„o È especificamente uma polÌtica compensatÛria redistributiva, pois ela exige que a carÍncia socioeconÙmica dos indivÌduos seja identificada como conseq¸Íncia da discriminaÁ„o racial, Ètnica ou sexual, seu problema central. Mas como determinar essa relaÁ„o (entre discriminaÁ„o e desigualdades sociais de alguns grupos) diante da complexidade das relaÁıes sociais e da permanÍncia histÛrica de algumas estruturas na sociedade? O estudo histÛrico de James Jones Jr. (1993) traz uma contribuiÁ„o ‡ quest„o da relaÁ„o entre discriminaÁ„o e desigualdades sociais, ao separar o que chama de Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 201 conceito antigo e moderno de aÁ„o afirmativa. No primeiro, ela seria uma reparaÁ„o pÛs-sentenÁa ou parte do processo de sentenÁa. A reparaÁ„o somente passaria a existir depois que as partes tivessem julgado o problema perante os tribunais e que admitissem que um erro foi cometido. Esse poder de reparaÁ„o envolveria dois aspectos: a) o poder dos tribunais para garantir a reparaÁ„o daqueles identificados como vÌtimas da conduta do acusado; b) o poder e o dever dos tribunais de emitir tais ordens para assegurar a conformidade com a lei no futuro. Nesse sentido, È uma reparaÁ„o prospectiva, baseada na identificaÁ„o de uma violaÁ„o da lei e dos seus culpados e vÌtimas. O segundo conceito, que Jones Jr. entende como conceito moderno, teria como eixo o Plano Revisado da Philadelphia, utilizado nos Estados Unidos em 1969. Nele existe a intenÁ„o de remediar uma situaÁ„o indesej·vel socialmente, porÈm a quest„o n„o È formulada em termos da identificaÁ„o individual de culpados e vÌtimas; ela relaciona-se, antes, ‡ conformaÁ„o de um problema social existente. Para que os Estados possam adotar programas de aÁ„o afirmativa n„o È necess·rio que as mesmas impliquem o prÛprio Estado ou uma instituiÁ„o local na discriminaÁ„o. … suficiente demonstrar que a instituiÁ„o teve uma participaÁ„o passiva num sistema de exclus„o racial praticado por outros elementos da economia. Como observa Jones Jr., ...ambas est„o dirigidas para remediar uma situaÁ„o considerada socialmente indesej·vel. Na primeira, a situaÁ„o foi considerada pela corte uma violaÁ„o da lei existente. Na segunda, uma agÍncia legislativa ou executiva determina que algum problema merece uma atenÁ„o especial. (1993, p.349) Entretanto, Jones Jr. omite uma diferenÁa fundamental entre os dois conceitos, antigo e moderno, importante de ressaltarmos: No primeiro caso, existe uma pessoa que foi vÌtima de um tratamento discriminatÛrio, comprovado em Corte; no segundo, existem pessoas que tÍm grande probabilidade estatÌstica de virem a ser discriminadas, por pertencerem a um grupo. No primeiro caso, a aÁ„o È reparatÛria; no segundo, È preventiva, ou seja, procura evitar que indivÌduos de certos grupos de risco tenham seus direitos alienados. (Guimar„es, 1999, p.154) Nessa distinÁ„o, a segunda aÁ„o prescinde de um julgamento individual de um caso especÌfico como, por exemplo, de discriminaÁ„o racial. Ela poderia ser uma aÁ„o preventiva, adotada por instituiÁıes, baseada numa an·lise que indique uma situaÁ„o social desfavor·vel de determinado grupo ao longo do tempo. 202 Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 Bergmann (1996) introduz outra dimens„o possÌvel dessas polÌticas ñ a diversidade, tema que tem recebido especial atenÁ„o na ·rea educacional. De acordo com a autora, existiriam trÍs idÈias por tr·s da aÁ„o afirmativa. As duas primeiras seriam a necessidade de combater sistematicamente a discriminaÁ„o existente em certos espaÁos na sociedade, e de reduzir a desigualdade que atinge certos grupos, como aquela marcada pela raÁa ou gÍnero. Uma terceira proposta envolveria a busca da integraÁ„o dos diferentes grupos sociais existentes por meio da valorizaÁ„o da diversidade cultural que formariam. Essa idÈia tenta conferir uma identidade positiva ‡queles que antes eram definidos pela inferiorizaÁ„o e supıe que a convivÍncia entre pessoas diferentes ajudaria a prevenir futuras visıes preconceituosas e pr·ticas discriminatÛrias. As posiÁıes apresentadas procuraram introduzir os principais aspectos envolvidos e em debate na definiÁ„o de polÌticas de aÁ„o afirmativa. Num esforÁo de sÌntese e incorporando as diferentes contribuiÁıes, podemos falar em aÁ„o afirmativa como uma aÁ„o reparatÛria/compensatÛria e/ou preventiva, que busca corrigir uma situaÁ„o de discriminaÁ„o e desigualdade infringida a certos grupos no passado, presente ou futuro, atravÈs da valorizaÁ„o social, econÙmica, polÌtica e/ou cultural desses grupos, durante um perÌodo limitado. A Ínfase em um ou mais desses aspectos depender· do grupo visado e do contexto histÛrico e social. A CONSTRU«√O DAS A«’ES AFIRMATIVAS NO BRASIL1 Historicamente, as polÌticas p˙blicas brasileiras tÍm-se caracterizado por adotar uma perspectiva social, com medidas redistributivas ou assistenciais contra a pobreza baseadas em concepÁıes de igualdade, sejam elas formuladas por polÌticos de esquerda ou direita (Munanga, 1996). Com a redemocratizaÁ„o do paÌs, alguns movimentos sociais comeÁaram a exigir uma postura mais ativa do Poder P˙blico diante das questıes como raÁa, gÍnero, etnia, e a adoÁ„o de medidas especÌficas para sua soluÁ„o, como as aÁıes afirmativas. Observar o modo como polÌticas que respondam a essas demandas v„o sendo constituÌdas e as implicaÁıes que trazem para a sociedade exige uma compreens„o dos seus antecedentes sociais e histÛricos e do desenvolvimento das con- 1 Na ausÍncia de um consenso na sociedade brasileira sobre qual o melhor termo a ser utilizado, falaremos em ìaÁıes afirmativasî no intuito de indicar a diversidade de propostas existentes atualmente no paÌs. Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 203 junturas polÌticas e das aÁıes coletivas que as tornaram possÌveis (Guimar„es, 1999). Seguindo a linha dessa proposta, indicaremos algumas das discussıes e acontecimentos que influÌram na forma como aÁıes afirmativas est„o sendo delineadas hoje no Brasil, especialmente aquelas voltadas para a quest„o da discriminaÁ„o e desigualdades raciais. O primeiro registro encontrado da discuss„o em torno do que hoje poderÌamos chamar de aÁıes afirmativas data de 1968, quando tÈcnicos do MinistÈrio do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho manifestaram-se favor·veis ‡ criaÁ„o de uma lei que obrigasse as empresas privadas a manter uma percentagem mÌnima de empregados de cor (20%, 15% ou 10%, de acordo com o ramo de atividade e a demanda), como ˙nica soluÁ„o para o problema da discriminaÁ„o racial no mercado de trabalho (Santos, 1999, p.222). Entretanto, tal lei n„o chega a ser elaborada. Somente nos anos de 1980 haver· a primeira formulaÁ„o de um projeto de lei nesse sentido. O ent„o deputado federal Abdias Nascimento, em seu projeto de Lei n. 1.332, de 1983, propıe uma ìaÁ„o compensatÛriaî, que estabeleceria mecanismos de compensaÁ„o para o afro-brasileiro apÛs sÈculos de discriminaÁ„o. Entre as aÁıes figuram: reserva de 20% de vagas para mulheres negras e 20% para homens negros na seleÁ„o de candidatos ao serviÁo p˙blico; bolsas de estudos; incentivos ‡s empresas do setor privado para a eliminaÁ„o da pr·tica da discriminaÁ„o racial; incorporaÁ„o da imagem positiva da famÌlia afro-brasileira ao sistema de ensino e ‡ literatura did·tica e paradid·tica, bem como introduÁ„o da histÛria das civilizaÁıes africanas e do africano no Brasil. O projeto n„o È aprovado pelo Congresso Nacional, mas as reivindicaÁıes continuam. O momento È de reorganizaÁ„o e mobilizaÁ„o do movimento negro, que procura denunciar o ìmitoî da democracia racial e pressionar o Poder P˙blico para que responda aos problemas raciais existentes no paÌs. Em 1984, o governo brasileiro, por decreto, considera a Serra da Barriga, local do antigo Quilombo dos Palmares, patrimÙnio histÛrico do paÌs; em 1988, motivado pelas manifestaÁıes por ocasi„o do Centen·rio da AboliÁ„o, cria a FundaÁ„o Cultural Palmares, vinculada ao MinistÈrio da Cultura, a qual teria a funÁ„o de servir de apoio ‡ ascens„o social da populaÁ„o negra. No mesmo ano È promulgada a nova ConstituiÁ„o, que traz em seu texto novidades como a proteÁ„o ao mercado de trabalho da mulher, como parte dos direitos sociais, e a reserva percentual de cargos e empregos p˙blicos para deficientes. O TÌtulo II ñ Dos Direitos e Garantias Fundamentais, capÌtulo II ñ Dos Direitos 204 Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 Sociais, artigo 7o, estabelece como direito dos trabalhadores, a ìproteÁ„o do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos especÌficos, nos termos da leiî. E o TÌtulo III ñ Da OrganizaÁ„o do Estado, capÌtulo VII ñ Da AdministraÁ„o P˙blica, no seu artigo 37, estabelece que ìa lei reservar· percentual dos cargos e empregos p˙blicos para as pessoas portadoras de deficiÍncia e definir· os critÈrios de sua admiss„oî. Esse trecho È interpretado por alguns juristas como prova da legalidade das aÁıes afirmativas, quest„o que analisaremos adiante. Esse conjunto de iniciativas no ‚mbito do Poder P˙blico indica um parcial reconhecimento da existÍncia de um problema de discriminaÁ„o racial, Ètnica, de gÍnero e de restriÁıes em relaÁ„o aos portadores de deficiÍncia fÌsica no paÌs, sinalizado por meio de algumas aÁıes. Entretanto, estas ainda s„o muito circunstanciais e polÌticas mais substantivas n„o s„o implementadas. Os anos de 1990 trariam algumas mudanÁas. Em 1995, encontramos a primeira polÌtica de cotas adotada nacionalmente. AtravÈs da legislaÁ„o eleitoral, foi estabelecida uma cota mÌnima de 30% de mulheres para as candidaturas de todos os partidos polÌticos. Essa idÈia tem origem em uma experiÍncia semelhante utilizada anteriormente no Partido dos Trabalhadores2, em 1991, e na Central ⁄nica dos Trabalhadores ñ CUT3 ñ, em 1993, decorrente de reivindicaÁ„o e press„o do movimento feminista. No ‚mbito do movimento negro, a Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, representou um momento de maior aproximaÁ„o e press„o em relaÁ„o ao Poder P˙blico. O esforÁo no sentido de pensar propostas de polÌticas p˙blicas para a populaÁ„o negra pode ser observado no Programa de SuperaÁ„o do Racismo e da Desigualdade Racial, apresentado pelo movimento ao governo federal, e que inclui dentre suas sugestıes: incorporar o quesito cor em diversos sistemas de informaÁ„o; estabelecer incentivos fiscais ‡s empresas que adotarem programas de promoÁ„o da igualdade racial; instalar, no ‚mbito do MinistÈrio do Trabalho, a C‚mara Permanente de PromoÁ„o da Igualdade, que dever· se ocupar de diagnÛsticos e proposiÁ„o de polÌticas de promoÁ„o da igualdade no trabalho; regulamentar o artigo da ConstituiÁ„o Federal que prevÍ a proteÁ„o do mercado 2 A cota mÌnima de 30% de mulheres nas direÁıes partid·rias foi aprovada no 1∫ Congresso do PT, realizado entre 27 de novembro e 1∫ de dezembro de 1991. As direÁıes estaduais e municipais foram renovadas pela primeira vez com o dispositivo das cotas em 1992 e a direÁ„o nacional em 1993 (Godinho, 1996). 3 Para maiores informaÁıes sobre a adoÁ„o das cotas na CUT, ver: Delgado, 1996. Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 205 de trabalho da mulher, mediante incentivos especÌficos, nos termos da lei; implementar a ConvenÁ„o Sobre EliminaÁ„o da DiscriminaÁ„o Racial no Ensino; conceder bolsas remuneradas para adolescentes negros de baixa renda, para o acesso e conclus„o do primeiro e segundo graus; desenvolver aÁıes afirmativas para o acesso dos negros aos cursos profissionalizantes, ‡ universidade e ‡s ·reas de tecnologia de ponta; ìassegurar a representaÁ„o proporcional dos grupos Ètnicos raciais nas campanhas de comunicaÁ„o do governo e de entidades que com ele mantenham relaÁıes econÙmicas e polÌticasî (Marcha Zumbi, 1996). O Presidente da Rep˙blica recebe esse documento em 20 de novembro de 1995, data em que institui, por decreto, o Grupo de Trabalho Interministerial ñ GTI ñ, para desenvolver polÌticas de valorizaÁ„o e promoÁ„o da populaÁ„o negra. Em relaÁ„o ‡ discuss„o sobre aÁıes afirmativas, o grupo realizou dois semin·rios sobre o tema, em Salvador e VitÛria, a partir dos quais elaborou 46 propostas de aÁıes afirmativas, abrangendo ·reas como educaÁ„o, trabalho, comunicaÁ„o, sa˙de. Foram implementadas algumas destas polÌticas, contudo seus recursos s„o limitados e seu impacto permanece muito restrito. Alguns tratados internacionais tambÈm foram utilizados como estratÈgias de press„o de movimentos sociais em relaÁ„o ao Poder P˙blico, para que este assumisse uma postura mais ativa no combate ‡ discriminaÁ„o. Um exemplo foi o uso da ConvenÁ„o n.111, da OrganizaÁ„o Internacional do Trabalho ñ OIT ñ, concernente ‡ discriminaÁ„o em matÈria de emprego e profiss„o, ratificada em 1968 pelo Decreto n. 62.150, em que o Brasil se compromete a formular e implementar uma polÌtica nacional de promoÁ„o da igualdade de oportunidades e de tratamento no mercado de trabalho. Em 1992, diante do sistem·tico descumprimento dessa convenÁ„o, a CUT, em parceria com o CEERT4, envia documento ‡ OIT denunciando o Estado brasileiro. Como conseq¸Íncia, e depois de formalmente questionado pelo organismo, admite, em 1995, a existÍncia do problema no Brasil e cria o Grupo de Trabalho, para EliminaÁ„o da DiscriminaÁ„o no Emprego e na OcupaÁ„o ñ GTEDEO ñ, para implementar as medidas da convenÁ„o (Silva Jr., 1996). Formado por representantes do Poder Executivo e entidades sindicais e patronais, È vinculado ao MinistÈrio do Trabalho e tem como finalidade definir programa de aÁıes que 4 206 Centro de Estudos das RelaÁıes de Trabalho e Desigualdade ñ CEERT ñ È uma ONG do movimento negro de S„o Paulo, que tem como objetivo conscientizar democraticamente profissionais de recursos humanos e capacitar dirigentes sindicais para lidar com a quest„o racial nos locais de trabalho. Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 visem ao combate ‡ discriminaÁ„o no emprego e na ocupaÁ„o, propondo cronogramas, estratÈgias e Ûrg„os de execuÁ„o das aÁıes. No dia 13 de maio de 1996, È lanÁado o Programa Nacional dos Direitos Humanos ñ PNDH ñ, pela recÈm-criada Secretaria de Direitos Humanos, que estabelece como objetivo, dentre outras coisas, ìdesenvolver aÁıes afirmativas para o acesso dos negros aos cursos profissionalizantes, ‡ universidade e ‡s ·reas de tecnologia de pontaî, ìformular polÌticas compensatÛrias que promovam social e economicamente a comunidade negraî e ìapoiar as aÁıes da iniciativa privada que realizem discriminaÁ„o positivaî (Brasil, 1996, p.30). Em junho do mesmo ano temos a realizaÁ„o do semin·rio AÁıes Afirmativas: estratÈgias antidiscriminatÛrias?, realizado no Instituto de Pesquisa EconÙmica Aplicada ñ IPEA ñ, e, em julho, o semin·rio internacional Multiculturalismo e racismo: o papel da aÁ„o afirmativa nos estados democr·ticos contempor‚neos, promovido pelo MinistÈrio da JustiÁa em BrasÌlia. Mas o que tem sido realizado no que diz respeito ‡ discriminaÁ„o e desigualdades raciais? Na ·rea educacional, podemos perceber certa atenÁ„o, ainda que pontual, do Poder P˙blico no que concerne ‡ quest„o racial, como observamos nos Par‚metros Curriculares Nacionais, no Programa Nacional do Livro Did·tico e no manual Superando o racismo na escola. Entretanto, atÈ final dos anos de 1990, aÁıes voltadas ‡ melhoria do acesso e permanÍncia no ensino superior est„o restritas ‡ sociedade civil. Essas atividades s„o desenvolvidas por movimentos sociais, como o movimento negro, por parcerias deste com empresas privadas, apenas por empresas, por entidades ligadas ‡ igreja ou por grupos de estudantes em universidades. Dentre as experiÍncias em pr·tica podemos identificar trÍs tipos de aÁıes, n„o necessariamente excludentes entre si: a) aulas de complementaÁ„o, que envolveriam cursos preparatÛrios para o vestibular e cursos de ver„o e/ou de reforÁo durante a permanÍncia do estudante na faculdade; b) financiamento de custos, para o acesso e permanÍncia nos cursos, envolvendo o custeio da mensalidade em instituiÁıes privadas, bolsas de estudos, auxÌlio-moradia, alimentaÁ„o e outros; c) mudanÁas no sistema de ingresso nas instituiÁıes de ensino superior, pelo sistema de cotas, taxas proporcionais, sistemas de testes alternativos ao vestibular5. Na esfera do Poder Legislativo nacional, encontramos propostas de aÁıes afirmativas, especialmente no que diz respeito ao acesso ao ensino superior. Em 5 Para uma an·lise mais detalhada das experiÍncias existentes, ver: Moehlecke, 2000. Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 207 1993, encontramos a proposta de Emenda Constitucional do ent„o deputado federal Florestan Fernandes (PT/SP); em 1995, a ent„o senadora Benedita da Silva (PT/RJ) apresenta os projetos de Lei n. 13 e 14; no mesmo ano È encaminhado o projeto de Lei n. 1.239, pelo ent„o deputado federal Paulo Paim (PT/RS); em 1998, o deputado federal Luiz Alberto (PT/BA) apresenta os projetos de Lei n. 4.567 e 4.568; e, em 1999, temos o projeto de Lei n. 298, do senador Antero Paes de Barros (PSDB). Analisando o conjunto dos projetos, observamos que s„o apresentadas diferentes propostas: a concess„o de bolsas de estudo; uma polÌtica de reparaÁ„o que, alÈm de pagar uma indenizaÁ„o aos descendentes de escravos, propıe que o governo assegure a presenÁa proporcional destes nas escolas p˙blicas em todos os nÌveis; o estabelecimento de um Fundo Nacional para o Desenvolvimento de AÁıes Afirmativas; a alteraÁ„o no processo de ingresso nas instituiÁıes de ensino superior, estabelecendo cotas mÌnimas para determinados grupos. Na definiÁ„o dos grupos beneficiados, os projetos estabelecem critÈrios exclusivamente raciais/Ètnicos ou sociais, ou procuram utilizar ambos os critÈrios. Naqueles que estabelecem grupos raciais, temos como p˙blico-alvo os ìnegrosî, ìafro-brasileirosî, ìdescendentes de africanosî, ou setores ìetno-raciais socialmente discriminadosî, em que estaria incluÌda a populaÁ„o indÌgena. H· projetos especÌficos para a populaÁ„o denominada ìcarenteî ou para os alunos oriundos da escola p˙blica. Sobre a proporÁ„o daqueles atingidos pelas leis propostas, n„o h· um padr„o nesse dimensionamento: alguns projetos definem todo o grupo especificado, racial ou social, como benefici·rio; outros estabelecem um percentual, como 20% das vagas para alunos carentes, 10% das vagas para ìsetores etno-raciais discriminadosî, 45% dos recursos para ìafrodescendentesî; 50% das vagas para alunos oriundos das escolas p˙blicas; ou ainda uma percentagem proporcional ‡ representaÁ„o do grupo em cada regi„o. A definiÁ„o dos grupos e de sua abrangÍncia s„o aspectos importantes na formulaÁ„o de leis e polÌticas e, dependendo do nÌvel de aplicaÁ„o ñ se nacional, estadual ou municipal ñ , necessitam incorporar diferenÁas regionais. Dentre as justificativas que legitimam os projetos, encontramos referÍncia ‡ import‚ncia atribuÌda ‡ educaÁ„o, vista como um instrumento de ascens„o social e de desenvolvimento do paÌs; a exposiÁ„o de dados estatÌsticos que mostram o insignificante acesso da populaÁ„o pobre e negra ao ensino superior brasileiro e a incompatibilidade dessa situaÁ„o com a idÈia de igualdade, justiÁa e democracia; o 208 Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 resgate de razıes histÛricas, como a escravid„o ou o massacre indÌgena, que contribuÌram para a situaÁ„o de desigualdade ou exclus„o dos negros e Ìndios e implicam uma dÌvida do Poder P˙blico para com esses setores. AtÈ o final dos anos de 1990, nenhum dos projetos de lei citados tinha sido aprovado ou implementado. Somente a partir de 2001 foram aprovadas polÌticas de aÁ„o afirmativa para a populaÁ„o negra por decis„o do Poder P˙blico, seguindo a mesma linha dos projetos anteriores e tendo como base o sistema de cotas e a idÈia da necessidade de representaÁ„o desse setor em diversas esferas da sociedade. O Ministro do Desenvolvimento Agr·rio, por exemplo, assinou, em setembro de 2001, portaria que cria uma cota de 20% para negros na estrutura institucional do MinistÈrio e do INCRA, devendo o mesmo ocorrer com as empresas terceirizadas, contratadas por esses Ûrg„os. O Ministro da JustiÁa, em dezembro de 2001, assinou portaria que determina a contrataÁ„o, atÈ o fim de 2002, de 20% de negros, 20% de mulheres e 5% de portadores de deficiÍncias fÌsicas para os cargos de assessoramento do MinistÈrio. O mesmo princÌpio ser· aplicado ‡s empresas de prestaÁ„o de serviÁos para o Ûrg„o federal. O MinistÈrio de RelaÁıes Exteriores decidiu que, a partir de 2002, ser„o concedidas vinte bolsas de estudo federais a afrodescendentes que se preparam para o concurso de admiss„o ao Instituto Rio Branco, encarregado da formaÁ„o do corpo diplom·tico brasileiro. Medidas semelhantes tambÈm s„o encontradas em outras inst‚ncias. No ‚mbito do ensino superior, a primeira lei com esse perfil foi aprovada no Rio de Janeiro e entrar· em vigor a partir da seleÁ„o de 2002/2003. Por meio de lei estadual, foi estabelecido que 50% das vagas dos cursos de graduaÁ„o das universidades estaduais sejam destinadas a alunos oriundos de escolas p˙blicas selecionados por meio do Sistema de Acompanhamento do Desempenho dos Estudantes do Ensino MÈdio ñ Sade. Essa medida dever· ser aplicada em conjunto com outra, decorrente de lei aprovada em 2002, a qual estabelece que as mesmas universidades destinem 40% de suas vagas a candidatos negros e pardos. No Paran·, o governo estadual regulamentou uma lei que garante trÍs vagas em cada uma das cinco universidades estaduais a membros da comunidade indÌgena da regi„o, a entrar em vigÍncia tambÈm em 2002. A avaliaÁ„o do rumo de polÌticas t„o recentes no Brasil, como o das aÁıes afirmativas, tem necessariamente um car·ter tempor·rio e limitaÁıes provenientes do contexto polÌtico, social e econÙmico. Desse modo, o que apresentamos foi menos o que s„o em definitivo essas polÌticas e mais um retrato de sua forma e trajetÛria atÈ o presente momento. Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 209 ALGUMAS DAS QUEST’ES EM DEBATE Considerando que o tema È ainda pouco conhecido no paÌs, seria interessante explorar algumas das questıes polÍmicas a respeito das aÁıes afirmativas. A adoÁ„o de polÌticas de aÁ„o afirmativa no Brasil caracterizaria a garantia de um direito ou o estabelecimento de um privilÈgio? Aqueles que as percebem como um privilÈgio, atribuem-lhes um car·ter inconstitucional. Significariam uma discriminaÁ„o ao avesso, pois favoreceriam um grupo em detrimento de outro e estariam em oposiÁ„o ‡ idÈia de mÈrito individual, o que tambÈm contribuiria para a inferiorizaÁ„o do grupo supostamente beneficiado, pois este seria visto como incapaz de ìvencer por si mesmoî. Para os que as entendem como um direito, elas estariam de acordo com os preceitos constitucionais, ‡ medida que procuram corrigir uma situaÁ„o real de discriminaÁ„o. N„o constituiriam uma discriminaÁ„o porque seu objetivo È justamente atingir uma igualdade de fato e n„o fictÌcia. Elas n„o seriam contr·rias ‡ idÈia de mÈrito individual, pois teriam como meta fazer com que este possa efetivamente existir. Seria, nesse caso, a sociedade brasileira a incapaz, e n„o o indivÌduo; seria incapaz de garantir que as pessoas venÁam por suas qualidades e esforÁos ao invÈs de vencer mediante favores, redes de amizade, cor, etnia, sexo. O que est· em disputa nessas posiÁıes s„o diferentes interpretaÁıes da ConstituiÁ„o e posturas distintas em termos normativos com relaÁ„o ‡ noÁıes de igualdade e justiÁa. O princÌpio da igualdade perante a lei est· presente nas constituiÁıes brasileiras desde o ImpÈrio, passando por algumas transformaÁıes ao longo desse perÌodo; afinal, parte da populaÁ„o brasileira, escravizada, n„o era por ele contemplada em 1824. No que concerne ‡s polÌticas de aÁ„o afirmativa, seria possÌvel encontrar sustentaÁ„o legal para sua aplicaÁ„o ou elas seriam inconstitucionais, principalmente por ferirem o princÌpio da igualdade garantido na ConstituiÁ„o de 1988? Em parecer elaborado pela Comiss„o de ConstituiÁ„o, JustiÁa e Cidadania, a respeito do projeto de Lei n. 13, de 1995, apresentado pela senadora Benedita da Silva, que ìdispıe sobre a instituiÁ„o de cota mÌnima de 20% das vagas das instituiÁıes p˙blicas de ensino superior para alunos carentesî, concluiu-se pela sua inconstitucionalidade e inadequaÁ„o aos preceitos constitucionais. A iniciativa do projeto de oferecer melhores condiÁıes para o acesso de alunos carentes ao ensino universit·rio foi considerada meritÛria, todavia, entendeu-se que ela feriria as normas constitucionais, como a presente no artigo 5o. De acordo com o relatÛrio, o princÌpio da igualdade, como igualdade perante a lei, que significa dizer ìque a lei e sua aplicaÁ„o tratam a todos igualmente, sem levar em conta distinÁıesî, sempre 210 Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 esteve presente nas constituiÁıes do paÌs e a ConstituiÁ„o de 1988 manteria essa tradiÁ„o. Dessa forma, o parecer afirma que a ConstituiÁ„o atual em nada alterou o princÌpio da igualdade e sustenta sua inconstitucionalidade utilizando a interpretaÁ„o feita por Pontes de Miranda sobre o princÌpio ìtodos s„o iguais perante a leiî da ConstituiÁ„o de 1946: Para aquele ilustre jurista, o princÌpio ìtodos s„o iguais perante a leiî, dito princÌpio de isonomia (legislaÁ„o igual), È princÌpio de igualdade formal: apenas diz que o concedido pela lei a A, se A satisfaz os pressupostos, deve ser concedido a B, se B tambÈm os satisfaz, para que se n„o trate desigualmente a B. T„o saturada desse princÌpio est· a nossa civilizaÁ„o que causaria esc‚ndalo a lei que dissesse, e.g., sÛ os brasileiros nascidos no Estado-membro A podem obter licenÁa para venda de bebidas no Estado-membro A. SÛ existem exceÁıes ao princÌpio da igualdade perante a lei, que È direito fundamental, [...] quando a ConstituiÁ„o mesma as estabelece. (Brasil, 1997, p.3) As posiÁıes jurÌdicas que sustentam a constitucionalidade de polÌticas como as de aÁıes afirmativas, no Brasil, adotam uma perspectiva diversa, principalmente porque identificam mudanÁas significativas envolvendo normas de igualdade a partir da ConstituiÁ„o de 1988. Na an·lise de SÈrgio Martins, com relaÁ„o ao princÌpio da igualdade, a ìConstituiÁ„o de 1988 inaugurou na tradiÁ„o constitucional brasileira o reconhecimento da condiÁ„o de desigualdade material vivida por alguns setores e propıe medidas de proteÁ„o, que implicam a presenÁa positiva do Estado.î Assim o entende pois, ìpara alÈm da igualdade formal, a Magna Carta estabeleceu no seu texto a possibilidade do tratamento desigual para pessoas ou segmentos historicamente prejudicados nos exercÌcios de seus direitos fundamentaisî (Martins, 1996, p.206). Exemplo disso seria a proteÁ„o ao mercado de trabalho da mulher, como parte dos direitos sociais, e a reserva percentual de cargos e empregos p˙blicos para deficientes. Se admitirmos que o princÌpio de diferenciaÁ„o para certos grupos j· est· contemplado constitucionalmente, a dificuldade residiria apenas em justificar a validade do mesmo tratamento a ser aplicado em outras ·reas ou mesmo ‡ populaÁ„o negra. Celso Antonio Bandeira de Mello (1995) afirma que o princÌpio da igualdade perante a lei, como encontramos na ConstituiÁ„o Brasileira, n„o se restringe a nivelar os cidad„os diante da norma legal, mas exige que a prÛpria lei n„o pode ser editada em desconformidade com a isonomia. O princÌpio da igualdade restringe um tratamento desuniforme ‡s pessoas mas, como observa o autor, È prÛprio da lei dispensar tratamentos desiguais, pois ìas normas legais nada mais fazem que discri- Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 211 minar situaÁıes, ‡ moda que as pessoas compreendidas em umas ou em outras vÍm a ser colhidas por regimes diferentesî (1995, p.12). Mas quais os limites da discriminaÁ„o permitida pela lei? Lembrando a afirmaÁ„o de AristÛteles, segundo a qual a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, Mello entende-a como v·lida somente como um meio ou ponto de partida, mas n„o como objetivo a ser alcanÁado. Dessa forma, questiona-se sobre ...qual o critÈrio legitimamente manipul·vel ñ sem agravos ‡ isonomia ñ que autoriza distinguir pessoas e situaÁıes em grupos apartados para fins de tratamentos jurÌdicos diversos? Afinal, que espÈcie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminaÁ„o de situaÁıes e de pessoas, sem quebra e agress„o aos objetivos transfundidos no princÌpio constitucional da isonomia? (Mello, 1995, p.11) Mello demonstra que caracteres como sexo, raÁa e credo religioso n„o entram em choque com o princÌpio da isonomia que estabelece trÍs aspectos em que a lei permite o tratamento desigual sem a quebra desse princÌpio, buscando criar meios operativos para avaliar aÁıes concretas relativas ao assunto: a) qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situaÁıes, pode ser escolhido pela lei como fator discriminatÛrio, donde se segue que, de regra, n„o È no traÁo de diferenciaÁ„o escolhido que se deve buscar algum desacato ao princÌpio isonÙmico. (1995, p.17) b) o segundo reporta-se ‡ correlaÁ„o lÛgica abstrata existente entre o fator erigido em critÈrio de discrÌmen e a disparidade estabelecida no tratamento jurÌdico diversificado (1995, p.21), reforÁando a necessidade de uma pertinÍncia lÛgica, justificada e n„o arbitr·ria, para a discriminaÁ„o. O artigo 5o da ConstituiÁ„o, nesse sentido, apenas buscou esclarecer que o sexo, a raÁa, o credo religioso n„o podem gerar, sÛ por sÛ, uma discriminaÁ„o. (1995, p.18) c) a terceira atina ‡ conson‚ncia desta correlaÁ„o lÛgica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados. (1995, p.21) N„o È qualquer diferenÁa, conquanto real e logicamente explic·vel, que possui suficiÍncia para discriminaÁıes legais. [...] Requer-se, demais disso, que o vÌnculo demonstr·vel seja constitucionalmente pertinente. … dizer: as vantagens calÁadas em alguma peculiaridade distintiva h„o de ser conferidas prestigiando situaÁıes conotadas positivamente ou, quando menos, compatÌveis com os interesses acolhidos no sistema constitucional. (1995, p. 42) SÛ o respeito aos trÍs aspectos garante o princÌpio da isonomia, ou seja, a situaÁ„o avaliada deve estar em conformidade com todos eles. 212 Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 … possÌvel afirmar que o artigo constitucional referente ‡ proteÁ„o do mercado de trabalho para a mulher est· dentro do primeiro critÈrio estabelecido por Mello; sua lÛgica, segundo critÈrio, se estabelece diante das desigualdades observadas socialmente no acesso da mulher ao mercado de trabalho; e a constitucionalidade, terceiro critÈrio, tambÈm est· contemplada, pois a promoÁ„o do bem de todos, sem preconceitos e discriminaÁ„o de sexo; È um objetivo positivo e est· entre os fundamentos da ConstituiÁ„o brasileira. A mesma an·lise poderia ser realizada em relaÁ„o ‡ populaÁ„o negra. Diante das posiÁıes expostas, podemos observar que a discuss„o normativa acerca da validade das aÁıes afirmativas encontra sustentaÁ„o legal em algumas interpretaÁıes, apesar de estas n„o serem, atÈ o momento, majorit·rias. Essa È uma ·rea em disputa. Nem mesmo nos Estados Unidos as posiÁıes jurÌdicas sobre a constitucionalidade dessas aÁıes foram consensuais e livres de controvÈrsias. A mesma Lei de Direitos Civis, nos seus artigos 6∫ e 7∫, que serviu de sustentaÁ„o ‡s decisıes favor·veis da Suprema Corte ‡ implementaÁ„o das aÁıes afirmativas, hoje, por exemplo, tem servido para restringi-las. Existe um tÍnue equilÌbrio na sua validade legal, fato esse que exige uma atenÁ„o ‡ justificativa moral que essas aÁıes teriam perante a sociedade, ou seja, È necess·rio observar a sua legitimidade social. Outra polÍmica estrutura-se em torno da oposiÁ„o entre polÌticas de aÁ„o afirmativa e polÌticas universalistas/sociais mais amplas. No ‚mbito do acesso ao ensino superior, esse debate contrapıe o uso do sistema de cotas a um maior investimento na educaÁ„o b·sica e na expans„o da educaÁ„o superior. O problema comum È a existÍncia de uma seleÁ„o velada, que situa brancos e negros, ricos e pobres, em posiÁ„o de desigualdade quanto ‡s oportunidades de acesso ao ensino superior. Aqueles que defendem polÌticas universalistas argumentam que È necess·rio olhar a raiz do problema, no caso, a baixa qualidade do ensino b·sico na esfera p˙blica e as poucas vagas oferecidas pelas instituiÁıes de ensino superior. Para os que apÛiam polÌticas de aÁıes afirmativas, n„o deveria haver uma oposiÁ„o entre as polÌticas adotadas mas, sim, uma combinaÁ„o entre elas. De acordo com Guimar„es (1999), aÁıes afirmativas n„o dispensam, mas exigem, uma polÌtica mais ampla de igualdade de oportunidades implemantada conjuntamente, j· que as aÁıes afirmativas s„o polÌticas restritas e limitadas, uma exceÁ„o utilizada apenas naqueles locais em que o acesso de um grupo È comprovadamente inadequado. Dessa forma, enquanto o ensino fundamental e mÈdio exigem uma universalizaÁ„o, o ensino superior necessitaria de medidas que garan- Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 213 tissem o ingresso de certos grupos dele sistematicamente excluÌdos, n„o pelo mÈrito ou dotes intelectuais, mas por critÈrios raciais e sociais. Uma segunda quest„o, ainda relacionada a essa polÍmica, È o debate entre o uso de polÌticas redistributivas (de car·ter social) ou de polÌticas contr·rias ‡ discriminaÁ„o (de car·ter racial), ou uma combinaÁ„o de ambas. No Brasil, ainda È forte a idÈia de que uma polÌtica direcionada ‡ populaÁ„o pobre necessariamente tambÈm beneficiaria os negros, por exemplo, j· que estariam em maioria nessa camada. Aqueles que discordam dessa posiÁ„o argumentam que ela esquece a especificidade do problema racial, j· que a exclus„o social n„o seria a mesma coisa que a discriminaÁ„o racial. Uma an·lise da efic·cia de cada uma dessas polÌticas ou mesmo de suas interdependÍncias exigiria um acompanhamento de seus impactos e resultados a mÈdio e longo prazo, o que no momento atual È tarefa difÌcil de realizar. Entretanto, alguns estudos desenvolvidos em outros paÌses podem trazer uma contribuiÁ„o para pensar tal debate. Martin Carnoy (1995), em amplo estudo sobre a situaÁ„o socioeconÙmica dos negros norte-americanos no perÌodo que vai dos anos 30 ao final do sÈculo XX, procura observar que fatores contribuÌram para a melhoria de suas condiÁıes de vida e para a diminuiÁ„o das desigualdades entre os grupos raciais. Controlando diversas vari·veis, observa que os maiores ganhos da populaÁ„o negra ocorreram nos anos 40, 60 e inÌcio dos 70, quando governos sociais democratas intervinham na sociedade, desenvolvendo polÌticas de equalizaÁ„o de oportunidades. J· nos anos 50 e 80, quando os governos eram menos participativos e mais conservadores em termos sociais, os ganhos foram baixos, ainda que a economia estivesse em ritmo de crescimento, o desemprego fosse baixo e os nÌveis educacionais tivessem aumentado. Carnoy conclui de sua an·lise que a participaÁ„o ativa do Estado na definiÁ„o de polÌticas p˙blicas e a combinaÁ„o de polÌticas antipobreza e antidiscriminaÁ„o s„o os principais fatores respons·veis pela melhora ou degradaÁ„o das condiÁıes de igualdade social e econÙmica da populaÁ„o negra nos Estados Unidos. A partir do contexto norte-americano, alguns poderiam argumentar que as desigualdades entre os grupos raciais apenas diminuÌram, em momentos mais favov·veis, mas nunca chegaram a ser eliminadas. Qual o sentido, ent„o, de defender aÁıes afirmativas para a populaÁ„o negra? N„o seria melhor, em vez disso, defender mudanÁas de base, mais profundas e que cheguem ‡ raiz do problema? Vejamos um exemplo de mudanÁas radicais nas estruturas da sociedade, como a RevoluÁ„o Cubana, e seus impactos sobre as desigualdades entre os grupos raciais. 214 Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 Tanya K. Hernandez (2000) pesquisou no contexto cubano a eficiÍncia de polÌticas sociais para a garantia de igualdade racial. A idÈia que prevalecia ‡ Època da revoluÁ„o ocorrida em Cuba, e presente tambÈm nos discursos de Fidel Castro, era que a discriminaÁ„o e desigualdades raciais desapareceriam assim que o privilÈgio de classe fosse erradicado. Foi proibida qualquer forma de discriminaÁ„o e abolido o uso de classificaÁıes raciais ou referÍncias ‡ raÁa, pois n„o existiriam cubanos brancos ou cubanos negros, mas apenas cubanos. O uso de polÌticas com enfoque racial era visto como divisivo, malÈfico e desnecess·rio. Podemos dizer que as polÌticas sociais utilizadas como medida para garantir uma igualdade substantiva foram abrangentes. Mas qual o seu impacto sobre as desigualdades raciais? Do que pode ser observado pela pesquisa realizada por Hernandez, houve ganhos da populaÁ„o negra cubana em relaÁ„o ‡ situaÁ„o em que vivia anteriormente. No entanto, as mudanÁas n„o foram suficientes para extinguir as desigualdades raciais, que persistem em diversos setores como o educacional, de bem-estar, da sa˙de, do mercado de trabalho, da representaÁ„o polÌtica. Em 1997, durante a Reuni„o do 5∫ Congresso do Partido Comunista Cubano, Fidel Castro reconhece que negros e mulheres est„o sub-representados nos postos de lideranÁa do governo e do Estado. Na ocasi„o, discutiu-se ainda a possibilidade de elaborar um programa de aÁıes afirmativas para esses setores, sendo que a proposta de utilizar um mÈtodo de representaÁ„o numÈrica para negros e mulheres j· estava em debate na 3a Reuni„o do Congresso, que data de 1986 (Hernandez, 2000, p.1.156-1.157). O que È importante ressaltar dessa pesquisa È o reconhecimento, por parte do governo cubano, de que polÌticas sociais apenas, mesmo que num contexto de revoluÁ„o e profundas transformaÁıes, n„o s„o suficientes para lidar com o problema da discriminaÁ„o e desigualdades raciais. Hernandez chega ‡ conclus„o de que se disparidades raciais continuam a existir numa naÁ„o como Cuba, que destinou extensos recursos para assegurar uma igualdade econÙmica substantiva aos seus residentes, È pouco prov·vel que um programa mais modesto de polÌtica redistributiva possa extinguir as desigualdades raciais existentes nos Estados Unidos. Uma polÌtica que se baseia em critÈrios unicamente sociais para responder a disparidades de ordem racial È incapaz de solucionar de modo eficiente a discriminaÁ„o racial ou a estratificaÁ„o socioeconÙmica, pois n„o consegue desfazer as interconexıes de raÁa e classe. Em ambos os contextos, que experimentaram uma histÛria de escravid„o e discriminaÁ„o racial, o problema racial est· associado ao social e um aspecto n„o pode ser solucionado sem que se considere tambÈm o outro (Hernandez, 2000, p.1.159). Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 215 Desde 2000, ex-alunos, negros e brasileiros, do curso preparatÛrio para o vestibular Educafro s„o, mediante convÍnio, selecionados para estudar em faculdades de Medicina em Cuba. Sem desmerecer a iniciativa, fica o questionamento: n„o ser· esta a oportunidade de refletirmos mais seriamente sobre soluÁıes para o Brasil, que rompam com o ciclo de discriminaÁıes e desigualdades que se perpetuam por geraÁıes? Esperamos ter, com essa breve introduÁ„o ‡s aÁıes afirmativas, contribuÌdo de alguma forma para a reflex„o daqueles que comeÁam a se dedicar ao estudo do assunto. REFER NCIAS BIBLIOGR¡FICAS BERGMANN, B. In defense of affirmative action. New York: BasicBooks, 1996. BRASIL. Senado. Comiss„o de ConstituiÁ„o, JustiÁa e Cidadania do Senado. Projeto de lei n. 13: RelatÛrio; Relator Lucio Alcantra. 25 jun. 1997. BRASIL. MinistÈrio da JustiÁa. Programa Nacional de Direitos Humanos. BrasÌlia,1996. CAPPELLIN, P. 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Recebido em: julho 2002 Aprovado para publicaÁ„o em: julho 2002 Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 217