Uploaded by Nicolas Martins

MACROECONOMIA - Richard Froyen

advertisement
Richard T. Froyen
Macroeconomia
Teorias e aplicações
2ª edição
Tradução: Cecília Camargo Bartalotti
Rua Henrique Schaumann, 270
Pinheiros – São Paulo – SP – CEP: 05413-010
Fone PABX: (11) 3613-3000 • Fax: (11) 3611-3308
Televendas: (11) 3613-3344 • Fax vendas: (11) 3268-3268
Site: http://www.saraivauni.com.br
Filiais
AMAZONAS/RONDÔNIA/RORAIMA/ACRE
Rua Costa Azevedo, 56 – Centro
Fone/Fax: (92) 3633-4227 / 3633-4782 – Manaus
BAHIA/SERGIPE
Rua Agripino Dórea, 23 – Brotas
Fone: (71) 3381-5854 / 3381-5895 / 3381-0959 – Salvador
BAURU/SÃO PAULO (sala dos professores)
Rua Monsenhor Claro, 2-55/2-57 – Centro
Fone: (14) 3234-5643 – 3234-7401 – Bauru
CAMPINAS/SÃO PAULO (sala dos professores)
Rua Camargo Pimentel, 660 – Jd. Guanabara
Fone: (19) 3243-8004 / 3243-8259 – Campinas
CEARÁ/PIAUÍ/MARANHÃO
Av. Filomeno Gomes, 670 – Jacarecanga
Fone: (85) 3238-2323 / 3238-1331 – Fortaleza
DISTRITO FEDERAL
SIA/SUL Trecho 2, Lote 850 – Setor de Indústria e Abastecimento
Fone: (61) 3344-2920 / 3344-2951 / 3344-1709 – Brasília
GOIÁS/TOCANTINS
Av. Independência, 5330 – Setor Aeroporto
Fone: (62) 3225-2882 / 3212-2806 / 3224-3016 – Goiânia
MATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSO
Rua 14 de Julho, 3148 – Centro
Fone: (67) 3382-3682 / 3382-0112 – Campo Grande
MINAS GERAIS
Rua Além Paraíba, 449 – Lagoinha
Fone: (31) 3429-8300 – Belo Horizonte
PARÁ/AMAPÁ
Travessa Apinagés, 186 – Batista Campos
Fone: (91) 3222-9034 / 3224-9038 / 3241-0499 – Belém
PARANÁ/SANTA CATARINA
Rua Conselheiro Laurindo, 2895 – Prado Velho
Fone: (41) 3332-4894 – Curitiba
PERNAMBUCO/ ALAGOAS/ PARAÍBA/ R. G. DO NORTE
Rua Corredor do Bispo, 185 – Boa Vista
Fone: (81) 3421-4246 / 3421-4510 – Recife
RIBEIRÃO PRETO/SÃO PAULO
Av. Francisco Junqueira, 1255 – Centro
Fone: (16) 3610-5843 / 3610-8284 – Ribeirão Preto
RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO
Rua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 – Vila Isabel
Fone: (21) 2577-9494 / 2577-8867 / 2577-9565 – Rio de Janeiro
RIO GRANDE DO SUL
Av. A. J. Renner, 231 – Farrapos
Fone: (51) 3371- 4001 / 3371-1467 / 3371-1567 – Porto Alegre
SÃO JOSÉ DO RIO PRETO/SÃO PAULO (sala dos professores)
Av. Brig. Faria Lima, 6363 – Rio Preto Shopping Center – V. São José
Fone: (17) 3227-3819 / 3227-0982 / 3227-5249 – São José do Rio Preto
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS/SÃO PAULO (sala dos professores)
Rua Santa Luzia, 106 – Jd. Santa Madalena
Fone: (12) 3921-0732 – São José dos Campos
SÃO PAULO
Av. Antártica, 92 – Barra Funda
Fone PABX: (11) 3613-3666 – São Paulo
350.445.002.001
ISBN 9788502175228
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA
FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
F961m
2. ed.
Froyen, Richard T.
Macroeconomia: teorias e aplicações / Richard T. Froyen; tradução: Cecília
Camargo Bartalotti. - 2. ed. - São Paulo: Saraiva, 2013.
ISBN 9788502175228
1. Macroeconomia. I. Título.
CDD-339
CDU-330.101.541
038699
12-6270.
Traduzido de Macroecnomics – Theories and policies, 9th ed., de Richard T.
Froyen.
Tradução autorizada da edição em inglês publicada por Pearson Prentice Hall.
Copyright © Richard T. Froyen, 2009
2013 Editora Saraiva
Todos os direitos reservados.
Direção editorial Flávia Alves Bravin
Coordenação editorial Rita de Cássia da Silva
Editora – Aquisições Ana Paula Matos
Editora – Universitário Luciana Cruz
Editora – Técnico Alessandra Borges
Editora – Negócios Gisele Folha Mós
Produção editorial
Daniela Nogueira Secondo
Rosana Peroni Fazolari
Produção digital Nathalia Setrini Luiz
Suporte editorial Najla Cruz Silva
Tradução Cecília Camargo Bartalotti
Arte e produção Conexão Editorial
Capa Leandro Correia
Contato com o editorial
editorialuniversitario@editorasaraiva.com.br
2ª edição
Nenhuma parte desta publicação
poderá ser reproduzida por
qualquer meio ou forma sem a
prévia autorização da Editora
Saraiva. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido na
lei nº 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.
À Linda, Katherine, Sara e Andrea
Agradecimentos
Muitas pessoas ajudaram a preparar as várias edições deste livro. Foram
muito úteis os comentários de Roger Waud, Art Benavie, Alfred Field,
William Parke, Mike Aguilar e Pat Conway, todos da University of North
Carolina, bem como Lawrence Davidson, Indiana University; Dennis
Appleyard e Peter Hess, Davidson College; Alfred Guender, University of
Canterbury; Ed Tower, Duke University; Homer Erekson, Miami University;
Sharon Erenberg, Eastern Michigan University; Ryan Herzog, Gonzaga
University; David Van Hoose, Baylor University; Michael Bradley, George
Washington University; Art Goldsmith, Washington and Lee University; Sang
Sub Lee, Freddie Mac; David Bowles, Clemson University; e Rody Borg,
Jacksonville University. Ezequiel Cabezon e Mustafa Attar, da University of
North Carolina, também ofereceram comentários e atualizaram números da
edição anterior.
Sou grato a Lindsey Sloan, David Alexander e Noel Kamm Seibert, da
Pearson, por sua cooperação editorial com esta revisão, e a Karen Slaght pela
revisão do manuscrito.
Prefácio
O termo macroeconomia foi usado pela primeira vez pelo economista
norueguês Ragnar Frisch em 1933. Ela é claramente a irmã mais nova na
família Economia e não é coincidência que tenha surgido como um ramo
importante da economia em meio às condições caóticas da Grande Depressão
da década de 1930. Os sérios problemas econômicos do período conferiram
importância ao tema da macroeconomia e ao comportamento da economia
como um todo. O livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, de John
Maynard Keynes, desenvolveu um modelo abrangente em que considera a
análise sistemática do comportamento de variáveis econômicas agregadas,
como o emprego e o produto. Durante as duas décadas seguintes à Segunda
Guerra Mundial, os seguidores de Keynes elaboraram e ampliaram suas
teorias.
Desde o final da década de 1960, porém, surgiram questionamentos
importantes à economia keynesiana. Nos anos 1970, aumentou o interesse pelo
monetarismo, o núcleo da teoria que Milton Friedman e outros haviam
desenvolvido a partir da década de 1940. Uma nova escola de teoria
macroeconômica, a economia novo-clássica, também entrou em cena nos anos
1970. Na década de 1980, as prescrições de política keynesiana passaram a
ser contestadas por um grupo chamado economistas da oferta. Essa década
também presenciou o desenvolvimento de duas novas linhas de pesquisa
macroeconômica: a teoria dos ciclos reais de negócios e a economia novokeynesiana.
Neste livro, procurei explicar a macroeconomia, incluindo seus avanços
mais recentes, de uma maneira coerente, mas sem tentar encobrir as
divergências fundamentais entre os macroeconomistas sobre questões teóricas
e política econômica. As principais teorias macroeconômicas modernas são
apresentadas e comparadas, e as semelhanças e diferenças importantes são
discutidas.
O que há de novo na 2ª edição
• A crise financeira e a recessão profunda de 2007-09 foram os choques
macroeconômicos mais sérios que atingiram a economia mundial desde a
Grande Depressão. A discussão dos modelos teóricos nas Partes 2 e 3 do
livro foi revisada para refletir essa experiência. Muitos exemplos foram
acrescentados para mostrar como os modelos explicam os eventos
recentes. O modo como a crise e a recessão profunda afetam uma
avaliação das diferentes teorias macroeconômicas é examinado.
• Os Capítulos da Parte 5 sobre Políticas Econômicas foram ampliados
para levar em conta as respostas de políticas à crise financeira e à
recessão. Ao longo de todo o livro, iniciativas de políticas importantes
são descritas e avaliadas.
• Os Capítulos 16 e 17 foram revisados para incluir mais detalhes sobre
bancos e outras partes do setor financeiro. O congelamento dos mercados
de crédito durante a crise financeira é explicado dentro do contexto da
criação de depósitos e crédito. Foi acrescentado material sobre os novos
instrumentos e iniciativas de política monetária que se classificam sob o
título de facilitação quantitativa. O problema do limite zero que levou à
necessidade dessas novas iniciativas de política é explicado.
• O Capítulo 14 sobre economia aberta inclui uma discussão atualizada da
evolução dos desequilíbrios de conta corrente no período de 2007-11 e
uma nova abordagem da crise da dívida soberana europeia.
• A discussão da política fiscal no Capítulo 18 inclui agora material sobre
a dívida pública norte-americana. A questão do peso da dívida também é
examinado.
• Novos quadros Perspectivas foram acrescentados e outros foram
expandidos com relação a tópicos como: a hipótese de mercados
eficientes para a precificação de ativos, o programa de incentivo fiscal
(ARRA) de 2009, as taxas de juros dos títulos europeus, o setor
financeiro no modelo keynesiano e a sequência de eventos durante a
recente crise financeira.
Organização
A Parte I (Capítulos 1 e 2) discute o tema da macroeconomia, o
comportamento recente da economia norte-americana nas últimas décadas e as
questões de mensuração. A Parte II (Capítulos 3-8) dá início a nossa
comparação de modelos macroeconômicos. Começamos pelo sistema clássico
e seguimos para o modelo keynesiano. A Parte III aborda contestações ao
sistema keynesiano e refutações a esses questionamentos. O Capítulo 9
examina o monetarismo e os temas da controvérsia entre monetaristas e
keynesianos. O Capítulo 10 analisa visões alternativas do trade-off
desemprego-inflação e a teoria da taxa natural. O Capítulo 11 apresenta a
teoria novo-clássica com seus conceitos centrais de expectativas racionais e
equilíbrio de mercado. No Capítulo 12, são examinados dois rumos recentes
na pesquisa macroeconômica. Um, muito fortemente arraigado na tradição
clássica, é a teoria dos ciclos reais de negócios. O segundo, a economia
novo-keynesiana, está, como o nome indica, firmemente apoiado na tradição
keynesiana. O Capítulo 13 resume e compara os diferentes modelos
examinados nas Partes II e III.
A Parte IV aborda a macroeconomia de economias abertas. O Capítulo 14
focaliza a determinação das taxas de câmbio e o sistema monetário
internacional. O Capítulo 15 usa o modelo de Mundell-Fleming para examinar
os efeitos de políticas monetárias e fiscais em economias abertas.
A Parte V trata das políticas macroeconômicas. Os Capítulos 16 e 17
focalizam políticas monetárias. O Capítulo 18 examina políticas fiscais.
A Parte VI estende o horizonte de tempo da análise para além do curto
prazo. O Capítulo 19 aborda o crescimento em períodos de médio prazo de
uma ou duas décadas. O Capítulo 20 examina o crescimento de equilíbrio a
longo prazo.
Sumário
PARTE I - INTRODUÇÃO E MENSURAÇÃO
Capítulo 1 - Introdução
Capítulo 2 - Mensuração de variáveis macroeconômicas
PARTE II - A ECONOMIA CLÁSSICA E A REVOLUÇÃO
KEYNESIANA
Capítulo 3 - Macroeconomia clássica (I): produto e emprego
Capítulo 4 - Macroeconomia clássica (II): moeda, preços e juros
Capítulo 5 - O sistema keynesiano (I): o papel da demanda agregada
Capítulo 6 - O sistema keynesiano (II): moeda, juros e renda
Capítulo 7 - O sistema keynesiano (III): efeitos de políticas econômicas no
modelo IS-LM
Capítulo 8 - O sistema keynesiano (IV): oferta e demanda agregadas
PARTE III - A TEORIA MACROECONÔMICA DEPOIS DE
KEYNES
Capítulo 9 - A contrarrevolução monetarista
Capítulo 10 - Produto, inflação e desemprego: visões alternativas
Capítulo 11 - A economia novo-clássica
Capítulo 12 - Os ciclos reais de negócios e a economia novo-keynesiana
Capítulo 13 - Modelos macroeconômicos: um resumo
PARTE IV - MACROECONOMIA EM ECONOMIA ABERTA
Capítulo 14 - Taxas de câmbio e o sistema monetário internacional
Capítulo 15 - Políticas monetária e fiscal em economia aberta
PARTE V - POLÍTICAS ECONÔMICAS
Capítulo 16 - Moeda, o sistema bancário e taxas de juros
Capítulo 17 - Política monetária ótima
Capítulo 18 - Política fiscal
PARTE VI - CRESCIMENTO ECONÔMICO
Capítulo 19 - Políticas para o crescimento de médio prazo
Capítulo 20 - Crescimento econômico de longo prazo: origens da riqueza
das nações
GLOSSÁRIO
PARTE I
Introdução e Mensuração
A Parte I discute o tema da macroeconomia, o comportamento da economia e
a mensuração de variáveis macroeconômicas. O Capítulo 1 define
macroeconomia e mostra as tendências macroeconômicas nos Estados Unidos
desde a Segunda Guerra Mundial, apresentando algumas questões centrais. O
Capítulo 2 trata da mensuração e define os principais agregados
macroeconômicos. Um ponto central nessa tarefa é o exame das contas
nacionais americanas.
CAPÍTULO 1
Introdução
1.1 O que é macroeconomia?
Este livro examina o ramo da economia chamado macroeconomia. O
economista britânico Alfred Marshall definiu economia como “o estudo do
homem nos negócios comuns da vida; ela examina a parte da ação individual e
social que está mais estreitamente ligada à obtenção e ao uso dos requisitos
materiais do bem-estar”.1 Em macroeconomia, estudamos esses “negócios
comuns da vida” de forma agregada. Observamos o comportamento da
economia como um todo. Entre as variáveis-chave que estudamos estão o
produto total da economia, o nível agregado de preços, emprego e
desemprego, taxas de juros, taxas salariais e taxas de câmbio. O tema da
macroeconomia inclui fatores que determinam tanto os níveis dessas variáveis
como suas mudanças ao longo do tempo: a taxa de crescimento do produto, a
taxa de inflação, as mudanças na taxa de desemprego em períodos de
expansão e recessão e a apreciação ou depreciação das taxas de câmbio.
A macroeconomia é orientada para políticas públicas. Ela questiona: em
que grau as políticas governamentais podem afetar o produto e o emprego?
Em que grau a inflação é resultado de políticas governamentais malsucedidas?
Quais políticas do governo são ótimas no sentido de obter o comportamento
mais desejável de variáveis agregadas, como o nível de desemprego ou a taxa
de inflação? A política governamental deve tentar atingir metas para as taxas
de câmbio?
Por exemplo, poderíamos perguntar em que grau as políticas econômicas
do governo podem ser responsabilizadas pelo desemprego em massa durante
a Grande Depressão da década de 1930 ou pelas taxas simultaneamente altas
de desemprego e inflação da década de 1970. Qual o papel do governo no
declínio da inflação e no aumento do desemprego? Em que grau as políticas
governamentais foram responsáveis pelo forte declínio da taxa média de
inflação nos Estados Unidos e em outros países industrializados que ocorreu
nas duas últimas décadas? Qual foi a eficácia dos programas de estímulo
implantados após a crise financeira de 2007-09?
Os economistas divergem quanto a questões de políticas públicas. Em
parte, a controvérsia nesse tema deriva de diferentes visões a respeito dos
fatores que determinam as variáveis-chave mencionadas anteriormente.
Questões de teoria e políticas estão inter-relacionadas. Nossa análise examina
diferentes teorias macroeconômicas e as conclusões de políticas decorrentes
delas. Seria mais satisfatório apresentar a teoria macroeconômica e
prescrição de política pública. Poderia ser satisfatório, mas tal apresentação
seria enganosa, porque existem diferenças fundamentais entre as várias
escolas da macroeconomia. Ao comparar as diferentes teorias, porém, vemos
que há áreas importantes de concordância tanto quanto de discordância.
Controvérsia não significa caos. Nossa abordagem é identificar as questõeschave que dividem os macroeconomistas e explicar a base teórica de cada
posição.
Analisamos a ortodoxia macroeconômica como ela existia no início da
década de 1970, que recebe o nome de economia keynesiana. Explicamos as
raízes da teoria keynesiana como um ataque a uma ortodoxia anterior, a
economia clássica. Examinamos, então, os questionamentos à posição
keynesiana, teorias que vieram a ser chamadas de monetarismo e economia
novo-clássica. Por fim, consideramos duas teorias recentes. Uma delas,
fortemente arraigada na tradição clássica, é a teoria dos ciclos reais de
negócios. A outra, a teoria novo-keynesiana, segue, como seu nome indica, a
tradição keynesiana. O modo como cada teoria explica os eventos desde a
década de 1970 até o presente, bem como as políticas propostas por cada
grupo de economistas para possibilitar um melhor desempenho econômico
futuro, são preocupações centrais de nossa análise.
1.2 O desempenho econômico americano após a Segunda
Guerra Mundial
Nossas tarefas, aqui, são traçar o quadro amplo do desempenho
macroeconômico americano durante o período seguinte à Segunda Guerra
Mundial e sugerir algumas questões centrais que serão analisadas
posteriormente.
1.2.1 Produção
A Figura 1.1 mostra a taxa de crescimento do produto nos Estados Unidos
nos anos de 1953 a 2006. A medida do produto na figura é o produto interno
bruto (PIB) real. O produto interno bruto mede a produção atual de bens e
serviços; real significa que as medidas na Figura 1.1 foram corrigidas pela
variação de preços. Os dados medem o crescimento na quantidade de bens e
serviços produzidos.
Produto interno bruto (PIB)
Medida de todos os bens e serviços finais
atualmente produzidos.
Os dados na figura mostram uma variação considerável no crescimento do
PIB ao longo das últimas cinco décadas. Durante a década de 1960, houve um
crescimento constante e relativamente alto do PIB. Em todas as outras
décadas, houve anos de crescimento negativo; o PIB declinou em pelo menos
1 ano. Ainda assim, pode-se dizer que o período de meados da década de
1980 até 2007 foi de relativa estabilidade. Note-se que, nesse período de
mais de 20 anos, houve apenas um ano em que o PIB declinou. De maneira
geral, ao longo desse período, os movimentos ano a ano do PIB foram
moderados. Isso levou os economistas a chamar esse período de “a grande
moderação”. Parecia que o ciclo de negócios havia se tornado menos
pronunciado. Assim, a queda abrupta do PIB quando a economia entrou na
recessão severa de 2007-09 pegou muitos de surpresa.
FIG 1.1 Variação percentual anual do PIB real nos Estados Unidos, 19532010
Tabela 1.1 - Crescimento do PIB real nos Estados Unidos, variação
percentual média em períodos selecionados
Anos
Porcentagem
1953-69
3,8
1970-81
2,7
1982-95
3,0
1996-2006
3,2
2007-2011
1,0
A Tabela 1.1 resume as tendências de crescimento nos últimos cinquenta
anos. A tabela indica um declínio de cerca de 1 ponto percentual na taxa de
crescimento do PIB no período pós-1970. Houve alguns sinais de reversão
modesta dessa desaceleração do crescimento a partir de meados da década de
1990. O crescimento no período de 2007-2011 é baixo devido à recessão que
começou no final de 2007 e ao ritmo lento da recuperação na parte final do
período.
1.2.2 Desemprego
A Figura 1.2 mostra a taxa de desemprego nos Estados Unidos para cada
ano desde 1953. A taxa de desemprego é a porcentagem da força de trabalho
que não está empregada.
Taxa de desemprego
Número de pessoas desempregadas
expresso como porcentagem da força de
trabalho.
O crescimento mais lento do produto no período pós-1970 reflete-se no
desemprego crescente durante esses anos, como também pode ser observado
na Tabela 1.2, que mostra as taxas de desemprego médias para períodos
selecionados. No final da década de 1990, pareceu haver uma reversão dessa
tendência, com a taxa de desemprego caindo para pouco menos de 4%, o nível
mais baixo em 30 anos. Depois, quando o ritmo de crescimento do produto
caiu após 2000, a taxa de desemprego subiu para quase 6%. Embora essa taxa
não seja especialmente alta pelos padrões de recessões anteriores, o
desemprego permaneceu alto mesmo com a retomada do crescimento do
produto depois de 2002, levando a que se falasse em uma “recuperação sem
empregos”. O desemprego teve um aumento acentuado durante a mais recente
recessão a partir de 2007 e permanecia muito alto mesmo mais de dois anos
após o início da recuperação.
FIG 1.2 Taxa de desemprego nos Estados Unidos, 1953-2010.
Tabela 1.2 - Taxa de desemprego nos Estados Unidos, médias para períodos
selecionados.
Anos
Porcentagem
1953-69
4,8
1970-81
6,4
1982-95
6,9
1996-2006
5,0
2007-2011
7,7
1.2.3 Inflação
A Figura 1.3 mostra a taxa de inflação para 1953-2010. Para calcular a
taxa de inflação, usamos um índice de preços que mede o nível de preços
agregado (ou geral) relativo a um ano base. A taxa de inflação é então
calculada como a taxa percentual de variação no índice de preços em um
período determinado. Na Figura 1-3, a taxa de inflação é medida pelo índice
de preços ao consumidor (IPC); outros índices de preços serão examinados
no próximo capítulo. O IPC mede os preços de varejo de uma “cesta de
mercado” fixa de milhares de bens e serviços comprados pelas famílias.
Inflação
Elevação no nível geral de preços.
Índice de preços
Medida do nível de preços agregado
relativo a um ano-base escolhido.
Índice de preços ao consumidor
(IPC)
Medida dos preços de varejo de uma
“cesta de mercado” fixa de milhares de
bens e serviços comprados pelas famílias.
Pode-se ver na figura e na Tabela 1.3 que a taxa de inflação nos Estados
Unidos foi baixa e relativamente estável na década de 1950 e início da
década de 1960. No final dos anos 1960, observa-se uma tendência de
crescimento da inflação. Essa tendência ascendente continuou e intensificouse na década de 1970. No início dos anos 1980, houve um período de
desinflação, o que significa um declínio na taxa de inflação. A taxa de
inflação permaneceu razoavelmente baixa durante toda essa década. Houve
um pico na taxa de inflação em 1990, em parte devido ao aumento acentuado
nos preços dos combustíveis após a invasão do Kuwait, país rico em
petróleo, pelo Iraque. Isso foi revertido no início de 1991, quando os preços
dos combustíveis caíram depois da vitória dos aliados na Guerra do Golfo. A
inflação, então, permaneceu baixa, no resto do período.
Um novo elemento ao considerar o comportamento do IPC ou de outros
índices é sugerido pela queda abaixo de zero na taxa de inflação em 2009,
conforme observado na Figura 1.3. A preocupação relacionada ao nível de
preços durante o período após a Segunda Guerra Mundial sempre havia sido
de que os preços subissem depressa demais e que a inflação fosse muito alta.
Na última década, a deflação, um declínio no nível de preços, tornou-se uma
preocupação pela primeira vez desde a Grande Depressão da década de
1930. A meta de política econômica é a estabilidade de preços. Por razões
que examinaremos, nem inflação alta nem deflação são desejáveis.
FIG 1.3 Taxa de inflação nos Estados Unidos, 1953-2010.
Tabela 1.3 - Taxa de inflação nos Estados Unidos, médias para períodos
selecionados.
Anos
Porcentagem
1953-1960
1,4
1961-1969
2,6
1970-1981
8,0
1982-1995
3,8
1996-2006
2,6
2007-2010
2,1
1.2.4 Inflação e desemprego
A Figura 1.4 mostra a taxa de desemprego anual para 1953-2006 junto com
a taxa de inflação anual nesse mesmo período. Note-se que, na porção inicial
do período, até o final da década de 1960, houve uma relação negativa entre a
taxa de inflação e a taxa de desemprego; anos de inflação relativamente alta
são anos de desemprego relativamente baixo. No período a partir de 1970,
não há evidência de nenhuma relação simples. Em partes da década de 1970 –
por exemplo, 1973-75 –, tanto a taxa de desemprego como a taxa de inflação
subiram de forma acentuada. No início da década de 1980, a relação negativa
pareceu retornar, com um forte aumento do desemprego e queda da inflação.
Mais tarde nessa década, a taxa de inflação continuou baixa, enquanto a taxa
de desemprego registrou um declínio contínuo. Entre 1990 e 1991, a taxa de
desemprego subiu e a taxa de inflação caiu, mas o comportamento da taxa de
inflação parece ter sido resultado de fatores associados à Guerra do Golfo e
não a qualquer relação subjacente desemprego-inflação. De 1992 a 1999,
tanto a taxa de desemprego como a de inflação baixaram. A partir de 2001, a
taxa de desemprego aumentou e a taxa de inflação caiu. Ambas as séries
inverteram seu curso em 2003, uma vez mais movendo-se em direções
opostas. Durante a recessão de 2007-09, o desemprego subiu acentuadamente,
enquanto a inflação caiu.
FIG 1.4 Taxas de desemprego e inflação nos Estados Unidos, 1953-2010.
Essas mudanças na relação entre a taxa de inflação e a taxa de desemprego
podem ser observadas na Figura 1.5. Nas partes a e b do gráfico, a taxa de
inflação é medida no eixo vertical e a taxa de desemprego no eixo horizontal.
A parte a refere-se aos anos 1953-69 e a relação negativa entre as duas
variáveis é evidente. A parte b refere-se a 1970-2010 e, nesses anos, não há
uma relação aparente entre inflação e desemprego.
FIG 1.5a Relação entre inflação e desemprego, 1953-1969
FIG 1.5b Relação entre inflação e desemprego, 1970-2010
1.2.5 O orçamento federal americano e os déficits da balança
comercial
Como foi comentado, o período de meados da década de 1980 a 2007 foi
chamado de grande moderação, devido à estabilidade relativa do crescimento
do produto durante esses anos. A inflação também foi moderada. Durante boa
parte desse período, porém, houve preocupação com dois desequilíbrios
estruturais: os altos déficits do orçamento federal e um aumento vertiginoso
do déficit da balança comercial. Essas preocupações aumentaram quando a
economia caiu em uma profunda recessão em 2007-08.
A Figura 1.6 mostra em um gráfico o déficit do orçamento federal nos
anos de 1953-2010. Nas décadas de 1950 e 1960, os déficits orçamentários
foram pequenos e, por vezes, o orçamento esteve até superavitário. Os
déficits do orçamento foram um pouco maiores na década de 1970,
particularmente durante períodos de recessão. Foi nos anos 1980 e início de
1990 que começaram a surgir déficits muito grandes. Por exemplo, os déficits
de 1985-86 e 1990-91 totalizaram cada um aproximadamente 5% do PIB, um
nível não registrado desde a Segunda Guerra Mundial. Depois, a partir de
1993, uma combinação de cortes dos gastos governamentais e aumentos de
impostos começou a reduzir o déficit e, em 1998, o orçamento voltou a
registrar superávit. No início do novo século, porém, o orçamento moveu-se
novamente para uma situação deficitária, com déficits similares em magnitude
aos das décadas de 1980 e 1990.
Déficit do orçamento federal
Receitas tributárias menos dispêndios do
governo federal.
A recessão profunda de 2007-2009 e os programas de incentivo para
reverter a contração fizeram o déficit crescer a níveis sem precedentes para
tempos de paz em magnitude absoluta (como é mostrado na Figura 1.6) e
como porcentagem do PIB. Entre 2007 e 2010, as receitas tributárias caíram
de 18,9% para 16,7% do PIB. Os gastos do governo federal subiram de
20,6% para 25,5% do PIB.
FIG 1.6 Déficit do orçamento federal americano, 1953-2010.
A Figura 1.7 mostra o déficit da balança comercial americano nos anos
desde 1953. O déficit comercial é o excesso de importações em relação às
exportações. Os Estados Unidos começaram a registrar déficits comerciais no
final da década de 1970, mas, como no caso dos déficits do orçamento
federal, foi na década de 1980 que o déficit comercial se expandiu
enormemente, subindo a mais de US$ 150 bilhões em 1988. O déficit então
recuou por alguns anos, mas começou a subir novamente em meados da
década de 1990, ultrapassando US$ 260 bilhões em 1999, subindo a mais de
US$ 500 bilhões em 2003 e a mais de US$ 700 bilhões em 2005.
Déficit da balança comercial
Excesso de importações em relação às
exportações.
A recessão recente fez o déficit da balança comercial cair, uma vez que o
crescimento das importações teve uma desaceleração maior que o
crescimento das exportações. Ainda assim, o déficit permanecia em níveis
historicamente altos em 2011.
FIG 1.7 Balança de bens e serviços americana, 1953-2010
1.3 Questões centrais em macroeconomia
Os dados das tabelas e figuras nas páginas anteriores sugerem algumas
questões macroeconômicas importantes.
1.3.1 Instabilidade do produto
Na década de 1970 e início dos anos 1980, o produto, o emprego e a
inflação tornaram-se significativamente mais instáveis, depois de um período
de expansão consistente na década de 1960. Nos anos desde o final da década
de 1980, a estabilidade do produto e do emprego aumentou.
No período de 1970 a 1984, houve quatro recessões, épocas em que
ocorreu uma queda persistente no produto e no emprego. Duas dessas
recessões foram sérias. Nos anos de 1985 a 2007, houve apenas duas
recessões e nenhuma delas foi grave. A estabilidade aparentemente aumentada
do produto durante o período de meados da década de 1980 a 2007 foi
chamada de “grande moderação”. Veio, então, a grave recessão de 2007-09,
que foi chamada por alguns de “a grande recessão”.
Questão 1: O que determina o comportamento cíclico do produto e do
emprego? O que causa recessões?
A resposta a essa questão requer uma teoria do comportamento do produto
e do emprego em períodos de 1 a 4 anos: uma teoria do comportamento
cíclico do produto e do emprego.
1.3.2 Movimentos da taxa de inflação
Em nosso panorama da economia americana, vimos que houve variações
significativas na taxa de inflação ao longo do tempo. A década de 1970 foi o
período da “grande inflação em tempos de paz”. Tanto antes como depois
desse período, a taxa de inflação foi bem mais baixa.
Questão 2: Quais são os determinantes da taxa de inflação? Que papel as
políticas macroeconômicas desempenham na determinação da inflação?
1.3.3 A relação produto-inflação
Questão 3: Que relação existe entre inflação e desemprego? Por que tanto
a taxa de desemprego como a taxa de inflação foram tão altas durante boa
parte da década de 1970 nos Estados Unidos? O que houve com a relação
negativa que existia entre essas duas variáveis nas décadas de 1950 e 1960
(ver Figura 1.5a)?
A presença de altas taxas de inflação e altas taxas de desemprego durante a
década de 1970 foi especialmente intrigante para os macroeconomistas. A
experiência das décadas de 1950 e 1960 tinha levado os economistas a
explicar uma inflação elevada como sintoma de um nível alto demais de
demanda total pelo produto. Um desemprego substancial foi considerado
resultado de demanda inadequada. Essa explicação é coerente com a relação
negativa entre inflação e desemprego no período de 1953-69, como mostra a
Figura 1-5a. Quando a demanda era alta, a inflação era alta e o desemprego
era baixo; quando a demanda era baixa, a inflação era baixa, mas o
desemprego era alto. Mas essa linha de raciocínio não pode explicar taxas
simultaneamente altas de desemprego e inflação. A demanda total por produto
não pode ser ao mesmo tempo muito alta e muito baixa.
Os acontecimentos da década de 1970 levaram os economistas a
reconsiderar e modificar teorias anteriores de inflação e desemprego, como
vemos na análise a seguir. Uma parte importante dessa reconsideração de
teorias existentes refere-se ao papel da demanda total por bens e serviços,
chamada demanda agregada, na determinação do produto, emprego e
inflação.
Demanda agregada
Soma das demandas pelos bens e serviços
atuais em cada setor comprador da
economia: famílias, empresas, governo e
compradores estrangeiros de exportações.
Questões adicionais sobre a relação entre inflação e desemprego foram
suscitadas pelo comportamento das duas variáveis em meados e final da
década de 1990. Quando o desemprego caiu a níveis baixos, muitos
economistas esperaram um aumento da inflação. Em vez disso, a inflação
permaneceu baixa. Por quê?
No geral, a relação entre desemprego e inflação foi muito mais complexa
no período pós-1970 do que em anos anteriores. As teorias macroeconômicas
que examinaremos tentam explicar as razões.
1.3.4 Desaceleração do crescimento e reversão?
O que explica o declínio na taxa de crescimento do produto, conforme
medida pelo PIB, nos anos depois de 1970? Como vimos na Tabela 1-1, o
produto cresceu a uma taxa anual média de 3,8% no período de 1953-69, em
comparação com 2,7% em 1970-1981 e 3,0% em 1982-95. Acompanhando a
queda no crescimento do produto, houve declínios no crescimento da
produtividade da mão de obra e dos salários reais. Em meados da década de
1990, muitos americanos, especialmente os jovens, reclamavam da escassez
de bons empregos.
Durante boa parte do período, houve também a questão da escassez de
empregos per se. Isso certamente foi significativo depois da recessão
profunda de 2007-2009. No final de 2011, a taxa de desemprego era de 9,0%.
O desemprego entre os adolescentes (16-19 anos) era de 24%.
Nos Estados Unidos, durante a década de 1990, houve sinais de que a
desaceleração do crescimento havia sido revertida. Uma leve recessão em
2001 foi um solavanco no que parecia ser uma estrada para um crescimento
maior do produto e da produtividade do trabalho. Aqui, novamente, a queda
cíclica da economia a partir do final de 2007 fez com que ficasse difícil
discernir tendências de longo prazo.
Questão 4: O que determina a taxa de crescimento do produto em
períodos de uma ou duas décadas? E em períodos mais longos como um
século?
Pode-se fazer essa pergunta para um país ao longo do tempo ou em
comparação com outros países. Por que alguns países crescem muito
rapidamente e outros mais lentamente?
1.3.4.1 Implicações de déficits e superávits
Quando o déficit do orçamento federal americano subiu rapidamente nos
anos 1980, os observadores fizeram especulações sobre seus efeitos. O
Financial Times indagou se a economia estaria se encaminhando para um
“encontro com o desastre”. Outros acreditavam que o déficit representava
problemas de uma ordem mais sutil e de longo prazo, mais como “cupins no
porão” do que como “o lobo à porta”. Quando o orçamento se tornou
superavitário no final da década de 1990, o problema se desfez. Na verdade,
houve até preocupação com os enormes superávits projetados, que
implicavam que a dívida interna seria encerrada completamente até 2012. A
preocupação foi injustificada.
Hoje, há uma vez mais preocupação com grandes déficits atuais e
projetados para o futuro. Se a dívida do país vai aumentar, como serão
financiados os compromissos do governo com as aposentadorias da geração
baby boom, em termos de benefícios da Seguridade Social e planos de saúde?
Os empréstimos tomados pelo governo para financiar os déficits elevarão as
taxas de juros e retardarão os investimentos e o crescimento? Haverá uma
crise da dívida como a enfrentada por alguns países europeus?
O rápido aumento do déficit da balança comercial americana também foi
motivo de preocupação. Os Estados Unidos tomam empréstimos externos para
financiar esse déficit. Assim, déficits persistentes refletiram-se em um
crescimento da dívida externa americana. Muitos preocupam-se com os
efeitos dos déficits e da dívida sobre a estabilidade futura do dólar e dos
mercados de ativos dos Estados Unidos.
Em 2006, o déficit da balança comercial havia crescido para 6% do PIB.
As dúvidas sobre a sustentabilidade de déficits nessa faixa eram gerais.
Então, o declínio da economia reduziu o crescimento das importações em
ritmo mais rápido que o crescimento das exportações e o déficit da balança
comercial caiu para a metade, antes de reverter a tendência e começar a subir
outra vez em 2010.
Conclusão
Não são poucas as perguntas. Os capítulos a seguir apresentam teorias que
tentam explicar os dados discutidos aqui e oferecer respostas para as questões
que levantamos. Antes de examinar essas teorias, no Capítulo 2 estudamos a
mensuração das principais variáveis macroeconômicas de interesse.
Questões de revisão
1. Cite algumas das variáveis importantes que constituem o campo da
macroeconomia. Como a macroeconomia difere da microeconomia, o
outro grande ramo da teoria econômica?
2. Resuma o comportamento das taxas de inflação e desemprego nos Estados
Unidos desde 1990. Os movimentos dessas taxas nesse período são mais
parecidos com os da década de 1960 ou com os de 1950 e 1960?
3. Houve várias mudanças na relação produto-inflação ao longo do período
de 1953-2002. Explique a natureza dessas mudanças.
4. Usando o Economic Report of the President ou outras fontes para os anos
mais recentes, atualize os dados das Tabelas 1.1 a 1.3.
5. Resuma o comportamento dos déficits do orçamento federal americano e
os déficits da balança comercial dos Estados Unidos desde 1953. Esse
comportamento sugere uma relação entre os dois déficits? Talvez em
alguns momentos e não em outros?
CAPÍTULO 2
Mensuração de variáveis macroeconômicas
O que eu quero agora são Fatos. Não ensine nada a esses rapazes e
moças que não sejam Fatos. Na vida, precisamos somente de Fatos. Não
plante nada mais, e retire todo o resto. Só é possível formar as mentes de
seres que raciocinam com base em Fatos; nada mais que isso lhes será
de utilidade… Atenha-se aos Fatos, senhor!1
Em capítulos subsequentes, examinaremos modelos macroeconômicos.
Esses modelos são representações simplificadas da economia que tentam
captar fatores importantes para a determinação de variáveis agregadas como
produto, emprego e nível de preços. Os elementos desses modelos são
relações teóricas entre variáveis econômicas agregadas, entre elas variáveis
de política macroeconômica. Para ajudar a entender essas relações, este
capítulo começa definindo os equivalentes no mundo real das variáveis de
nossos modelos. Ele examina também relações contábeis que existem entre
essas variáveis, porque usamos essas relações para construir nossos modelos.
Começamos pela descrição das variáveis-chave que são medidas nas contas
nacionais.
2.1 As contas nacionais
Baseados em dados rudimentares como índices de ações, quantidade de
fretes realizados e indicadores incompletos de produção industrial, os relatos
de alguns presidentes sobre as políticas econômicas de combate à Grande
Depressão dos anos 1930 chegam a espantar. O fato é que, à época, não
existiam medidas abrangentes do produto ou da renda nacional. A Depressão
enfatizou a necessidade de tais medidas e levou ao desenvolvimento de um
conjunto abrangente de contas nacionais.2
Como as contas de uma empresa, as contas nacionais têm dois lados: o do
produto e o da renda. O lado do produto mede produção e vendas. O lado da
renda mede a distribuição do resultado monetário das vendas.
No lado do produto há duas medidas amplamente utilizadas de produção
geral: o produto interno bruto (PIB), que vimos no Capítulo 1, e o produto
nacional bruto (PNB). Eles diferem em seu tratamento das transações
internacionais. O PNB, ao contrário do PIB, inclui as rendas dos residentes e
das empresas domésticas auferidas no exterior. O PIB, por sua vez, inclui as
rendas de empresas ou residentes estrangeiros que atuam no país; o PNB
exclui esses itens. Por exemplo, os lucros auferidos no país por uma empresa
de propriedade estrangeira seriam incluídos no PIB, mas não no PNB.
Para países como os Estados Unidos, há pouca diferença entre essas duas
medidas, porque relativamente poucos residentes americanos trabalham no
exterior e os ganhos de empresas americanas no exterior são praticamente os
mesmos que os ganhos de empresas estrangeiras nos Estados Unidos. A
diferença entre PIB e PNB é grande para países como o Paquistão, com um
grande número de residentes trabalhando no exterior, ou para o Canadá, onde
há muito mais investimentos estrangeiros no país do que investimentos
canadenses no exterior. Em 1991, os responsáveis pela contabilidade nacional
americana deslocaram a ênfase do PNB para o PIB. Nossa explicação do lado
do produto das contas nacionais concentra-se, portanto, no PIB. O conceito de
PNB entrará na discussão posteriormente.
Do lado da renda das contas nacionais, a medida central é a renda
nacional, mas outros conceitos de renda relacionados também serão
analisados.
2.2 Produto interno bruto
O produto interno bruto (PIB) é uma medida de todos os bens e serviços
finais produzidos em determinado período de tempo, avaliados a preços de
mercado. Alguns aspectos dessa definição requerem esclarecimento.
2.2.1 Produzidos em determinado período de tempo
O PIB inclui apenas os bens e serviços produzidos em determinado
momento. É uma medida do fluxo de produção por intervalo de tempo – por
exemplo, por trimestre ou por ano – e inclui apenas bens e serviços
produzidos durante esse período. Transações de mercado como transferências
de casas, carros ou fábricas produzidos anteriormente não entram no PIB.
Operações com ativos financeiros, como ações e títulos, são exemplos de
outras transações de mercado que não envolvem diretamente a produção
corrente de bens e serviços e, portanto, não são incluídas no PIB.
2.2.2 Bens e serviços finais
Apenas a produção de bens e serviços finais entra no PIB. Bens usados
para produzir outros bens e não para serem vendidos aos compradores finais,
os chamados bens intermediários, não são contabilizados separadamente no
PIB. Esses bens, contudo, aparecem no PIB na medida em que contribuem
para formar o valor dos bens finais de cuja produção participam. Contabilizálos separadamente seria contá-los duas vezes. Por exemplo, não seria
adequado contabilizar o valor da farinha usada para fazer pães separadamente
e, depois, incluí-la novamente quando os pães forem vendidos.
No entanto, dois tipos de bens usados no processo de produção são
contabilizados no PIB. O primeiro são os bens de capital produzidos no
período corrente – compras de instalações e equipamentos. Esses bens de
capital acabam sendo usados no processo de produção, mas, dentro do
período específico, apenas uma parte do valor do bem de capital é consumida
na produção. Essa parte, denominada depreciação, pode ser considerada
embutida no valor dos bens finais que são vendidos. Não incluir os bens de
capital separadamente no PIB seria equivalente a pressupor que eles são
totalmente depreciados no período de tempo considerado. No PIB, o valor
total do bem de capital é incluído como um item individual. Em certo sentido,
isso é uma contabilidade dupla, porque, como foi observado, o valor da
depreciação é embutido no valor dos bens finais. Mais adiante, subtrairemos
a depreciação para construir uma medida do produto líquido.
Bens de capital
Recursos de capital como fábricas e
máquinas usados para produzir outros
bens.
Depreciação
Parte do estoque de capital que se desgasta
a cada ano.
O outro tipo de bens intermediários que faz parte do PIB são os
investimentos em estoques – a variação líquida nos estoques de bens finais
que aguardam para serem vendidos ou de materiais usados no processo de
produção. Os acréscimos aos estoques de bens finais pertencem ao PIB
porque são produção do período corrente. Esses acréscimos devem ser
contabilizados no período atual quando são acrescentados aos estoques para
que o tempo do produto nacional seja definido corretamente; não devem ser
contabilizados mais tarde, quando são vendidos para os compradores finais.
Investimentos em estoques de matérias-primas pertencem similarmente ao PIB
porque também representam produção corrente cujo valor não está embutido
nas vendas do produto final realizadas no período. Note-se que o
investimento em estoques pode ser negativo ou positivo. Se as vendas finais
excederem a produção, por exemplo, devido a uma diminuição dos estoques
(investimento negativo em estoques), o PIB será menor que o valor total das
vendas finais.
2.2.3 Avaliados a preços de mercado
O PIB é o valor de bens e serviços determinado pela régua comum dos
preços de mercado. Este é o truque que permite medir maçãs mais laranjas
mais vagões, etc. Mas isso exclui do PIB bens que não são vendidos em
mercados, como os serviços de donas de casa ou a produção de hortas
caseiras, bem como a produção não declarada de atividades ilegais, como
venda de narcóticos, jogo e prostituição3. Além disso, por ser uma medida do
valor da produção em termos de preços de mercado, o PIB, que é
essencialmente uma medida quantitativa, é sensível a variações no nível
médio de preços. A mesma produção física corresponderá a um nível de PIB
diferente conforme o nível médio dos preços de mercado varia. Para corrigir
isso, além de calcular o PIB em termos de preços de mercado vigentes, um
conceito denominado PIB nominal, os contadores da renda nacional também
calculam o PIB real, que é o valor do produto interno em termos de preços
constantes. O modo de fazer este cálculo será explicado mais adiante neste
capítulo.
O PIB pode ser dividido nos componentes mostrados na Tabela 2.1. Os
valores de cada componente para anos selecionados também são mostrados na
tabela.
O componente consumo do PIB consiste nas compras pelas famílias de
bens e serviços produzidos no período. O consumo pode ser dividido em bens
de consumo duráveis (por ex., automóveis, televisores), bens de consumo não
duráveis (por ex., alimentos, bebidas, roupas) e serviços (por ex., serviços
médicos, cabeleireiros). O consumo é o maior componente do PIB dos
Estados Unidos, compreendendo de 65% a 70% do PIB em anos recentes.
Consumo
Demanda das famílias por bens e serviços
para uso corrente.
Tabela 2.1 - PIB nominal e seus componentes, anos selecionados (bilhões de
dólares)*
*A soma dos componentes pode não equivaler exatamente ao total devido ao erro de
arredondamento.
Fonte: Bureau of Economic Analysis, Ministério do Comércio.
O componente investimento do PIB na Tabela 2.1 é constituído de três
subcomponentes. O maior deles é o investimento fixo das empresas. Esses
investimentos consistem em compras de instalações e equipamentos
produzidos no período – os bens de capital discutidos acima. O segundo
subcomponente do investimento é o investimento em construção civil, a
construção de unidades residenciais para uma ou muitas famílias. O último
subcomponente é o investimento em estoques, que é a variação nos estoques
das empresas. Como já foi mencionado, o investimento em estoques pode ser
positivo ou negativo. Em 2010, o investimento em estoques nos Estados
Unidos foi de US$ 71,7 bilhões, o que significa que houve esse montante de
aumento nos estoques durante o ano.
Investimento
Parte do PIB comprada pelo setor
empresarial mais construção civil.
Ao longo dos anos cobertos pela Tabela 2.1, o investimento foi um
componente volátil do PIB americano, tendo variado de 3,0% do PIB em
1933 para 18,4% do PIB em 1950. Em 2010, o investimento foi de 12,5% do
PIB, tendo caído de 14,8% em 2007 quando teve início uma recessão. A
volatilidade cíclica do investimento tem implicações para os modelos
macroeconômicos examinados adiante.
Os números na Tabela 2.1 são brutos e não líquidos, o que significa que
não foi feito nenhum ajuste para a depreciação. O investimento total na tabela
é o investimento bruto, não o investimento líquido (o investimento líquido
equivale ao investimento bruto menos a depreciação). Em 2010 nos Estados
Unidos, por exemplo, a depreciação, também chamada provisão para
consumo de capital, foi de aproximadamente dois terços do investimento
bruto4.
O componente seguinte do PIB na tabela são as compras governamentais
de bens e serviços. Esta é a parcela da produção corrente adquirida pelo setor
público, que inclui os governos federal, estaduais e municipais. Nem todos os
gastos do governo são parte do PIB, porque nem todos os gastos do governo
representam uma demanda por bens e serviço de produção no período.
Pagamentos de transferências a indivíduos (por exemplo, pagamentos da
Previdência Social) e pagamentos de juros são exemplos de gastos não
incluídos no PIB. A tabela mostra que a participação do governo no PIB dos
Estados Unidos cresceu no período após a Segunda Guerra Mundial em
comparação com o período pré-guerra. Em 1929, as compras governamentais
de bens e serviços eram 9,1% do produto total. Não é surpresa que, em 1945,
o componente governamental do produto, inchado pelo orçamento militar
durante a Segunda Guerra Mundial, tenha subido para 42%. No período pósguerra, o setor público não retornou ao seu tamanho anterior à guerra.
Compras governamentais
Bens e serviços que são parte do produto
corrente e vão para o setor governamental
federal, estadual e municipal.
As aquisições governamentais de bens e serviços foram de aproximadamente
20% do PIB em 1960, 1990 e 2010. As tendências do tamanho do orçamento
do governo – tanto referentes às compras de bens e serviços como a outros
componentes não incluídos nas contas nacionais – são analisadas em um
capítulo posterior, quando tratarmos da política fiscal.
O último componente do PIB apresentado na Tabela 2.1 são as
exportações líquidas, que equivalem às exportações totais (brutas) menos as
importações. As exportações brutas são os bens e serviços de produção
corrente vendidos a compradores estrangeiros. Elas são parte do PIB.
Importações são aquisições por compradores domésticos de bens e serviços
produzidos no exterior e não devem ser contabilizadas no PIB. No entanto, os
bens e serviços importados estão incluídos nos totais de consumo,
investimentos e gastos do governo que entram no PIB. Portanto, precisamos
subtrair o valor das importações para chegar ao valor total dos bens e
serviços produzidos internamente. As exportações líquidas permanecem como
o efeito direto (líquido) de transações do setor externo sobre o PIB. Como a
tabela mostra, as exportações líquidas dos Estados Unidos foram fortemente
negativas em 2007, refletindo o grande déficit da balança comercial do país.
As exportações líquidas ainda eram negativas, mas de magnitude menor, em
2010; o déficit da balança comercial havia caído durante a recessão.
2.3 Renda nacional
Voltamo-nos agora para o lado da renda das contas nacionais. Para
calcular a renda nacional, nosso ponto de partida é o PNB total, não o PIB. A
razão é que, como explicado acima, o PNB inclui a renda auferida no exterior
por residentes e firmas domésticos, mas exclui da produção doméstica as
rendas de residentes e firmas estrangeiras. Este é o ponto de partida adequado
porque queremos uma medida da renda de residentes e firmas do país.
Para passar do PIB ao PNB, somamos as rendas no exterior de residentes e
firmas domésticas. Subtraímos, então, as rendas no país de residentes e firmas
estrangeiros. Esse cálculo resulta em um PNB de US$ 14.848,7 bilhões para
os Estados Unidos, em comparação com um PIB de US$ 14.660,4 bilhões.
Como foi observado antes, há pouca diferença entre essas duas medidas de
produção para os Estados Unidos.
A renda nacional é a soma das rendas dos fatores da produção de bens e
serviços no período. Essas rendas são os ganhos dos fatores de produção:
terra, trabalho e capital. Cada unidade monetária do PNB é uma unidade
monetária de vendas finais e, se não houvesse outros encargos sobre o PNB
além da renda dos fatores, o PNB e a renda nacional seriam iguais. Há, de
fato, alguns outros encargos sobre o PNB que fazem a renda nacional e o PNB
divergirem, mas os dois conceitos permanecem estreitamente relacionados.
Os ajustes necessários para passar do PNB à renda nacional, com números de
2010, são mostrados na Tabela 2.2.
Renda nacional
Soma das rendas de todos os fatores de
produção originadas da produção
corrente.
Exportações líquidas
Exportações totais (brutas) menos
importações.
PERSPECTIVAS 2.1 - O QUE O PIB NÃO É
O PIB é a medida mais abrangente da atividade econômica de uma nação. Os
formuladores de políticas usam números do PIB para monitorar flutuações de
curto prazo na atividade econômica e tendências de longo prazo da economia. É
útil, porém, reconhecer algumas limitações importantes do conceito de PIB.
AS ATIVIDADES PRODUTIVAS EXTERNAS
AO MERCADO SÃO EXCLUÍDAS
Como os bens e serviços são avaliados a preços de mercado no PIB, a
produção fora dos mercados é excluída (por exemplo, os serviços das
donas de casa). Comparações do PIB entre países superestimam as
diferenças de produção entre países altamente industrializados e nações
menos desenvolvidas, onde a produção extramercado, em grande
medida agrícola, é de maior importância.
A ECONOMIA SUBTERRÂNEA É EXCLUÍDA
Também são excluídas do PIB atividades econômicas ilegais e atividades legais
que não são declaradas para fugir dos impostos – a economia subterrânea. Jogo
e tráfico de drogas são exemplos do primeiro tipo. As atividades não declaradas
para evitar os impostos assumem muitas formas; por exemplo, pessoas que
fazem serviços de consertos e recebem seu pagamento em dinheiro podem
declarar um valor menor ou nem declarar essa renda. É difícil estimar o
tamanho da economia subterrânea por razões óbvias. Estimativas aproximadas
para os Estados Unidos variam de 5% a 15% do PIB.
O PIB NÃO É UMA MEDIDA DE BEM-ESTAR
O PIB mede a produção de bens e serviços; ele não é uma medida de bem-estar
ou mesmo de conforto material. Para começar, o PIB não leva em conta o
lazer. Se todos começássemos a trabalhar 60 horas por semana, o PIB
aumentaria, mas nós estaríamos melhor?
O PIB também não subtrai alguns custos de bem-estar da produção. Por
exemplo, se a produção de eletricidade causa chuva ácida e, em consequência,
poluição da água e morte de florestas, nós contabilizamos a produção de
eletricidade no PIB, mas não subtraímos a perda econômica derivada da
poluição. Na verdade, se o governo gasta dinheiro para tentar limpar a poluição,
isso entra como um acréscimo no PIB também! O PIB é uma medida útil do
nível geral da atividade econômica, não do bem-estar.
PIB E FELICIDADE
Se o PIB não é uma medida de bem-estar, não se esperaria que pudesse ser
uma medida de felicidade. Em anos recentes, porém, houve muito interesse na
relação, ou falta de relação, entre PIB e felicidade. Pesquisas mostram que PIB
e felicidade, medida em termos de “satisfação com a vida”, têm pouca relação.
As pessoas em Gana são mais satisfeitas com sua vida que as pessoas nos
Estados Unidos; as da Nigéria são mais satisfeitas que as da França. Embora
essas pesquisas possam não ser confiáveis, outras evidências também indicam
pouca relação entre o PIB e várias medidas de felicidade. Talvez a renda
relativa em uma sociedade seja mais importante do que a renda absoluta.
Alternativamente, pode ser importante a renda relativa à renda passada. Em
pesquisas feitas no início do século, as pessoas das ex-repúblicas soviéticas
estavam menos satisfeitas com a vida. Sua renda, em média, havia declinado.
No reino do Butão, nos Himalaias, o governo centrou o foco na felicidade
nacional bruta (FNB) em vez do PIB. As Nações Unidas oferecem índices de
bem-estar social como alternativas a medidas padrão do PIB. Teríamos de nos
desviar muito para examinar essas alternativas, mas é bom ter em conta que
felicidade é mais uma coisa que o PIB não é.
Tabela 2.2 - Relação entre o PNB e a renda nacional, 2010 (bilhões de
dólares)
PNB
14.848,7
Menos: Depreciação
1.868,9
Produto nacional líquido
12.979,8
Menos: Impostos indiretos e outros
158,2
Renda nacional
12.821,6
Fonte: Bureau of Economic Analysis, Ministério do Comércio.
O primeiro encargo sobre o PNB que não está incluído na renda nacional é
a depreciação. A parte do estoque de capitais consumida precisa ser subtraída
das vendas finais antes de calcular a renda nacional; a depreciação representa
um custo de produção, não uma renda de fator. Fazendo essa subtração,
obtemos o produto nacional líquido (PNL), as medidas de produção líquidas
mencionadas anteriormente. Desse total na Tabela 2.2, subtraímos uma
discrepância estatística que deriva de medições do lado da renda cuja soma
não equivale às do lado do produto e alguns outros pequenos ajustes.
Produto nacional líquido
PNB menos depreciação.
A Figura 2.1 mostra os componentes da renda nacional americana
(pagamentos dos fatores) como porcentagens do total para 1959 e 2006 (o ano
anterior à recessão mais recente). Em 2006, o trabalho, que inclui ordenados
e salários mais os complementos (benefícios), representava 64% da renda
nacional. Isso não é muito diferente da porcentagem em 1959. Hoje, no
entanto, uma parte maior da remuneração pelo trabalho é representada por
benefícios e uma parte menor por ordenados e salários, em comparação com
1959.
Os lucros empresariais estiveram entre 12% e 14% da renda nacional nos
dois anos. Os outros componentes principais da renda nacional são a renda
dos proprietários, que é a renda de empresas não constituídas em sociedade, a
renda de aluguéis e a renda de juros. Por fim, uma parte da renda nacional é
paga em impostos como impostos de consumo e impostos sobre importações.
FIG 2.1 Componentes da renda nacional dos Estados Unidos
Fonte: Survey of Corrent Business, Ministério do Comércio.
2.4 Renda pessoal e renda pessoal disponível
A renda nacional mede a renda obtida com a produção de bens e serviços
em um determinado período. Para alguns propósitos, porém, é útil ter uma
medida da renda recebida por indivíduos, independentemente da fonte. Por
exemplo, os gastos de consumo das famílias são influenciados pela renda. O
conceito de renda relevante é toda a renda recebida por indivíduos. Além
disso, queremos uma medida da renda depois de deduzir os pagamentos de
impostos pessoais. Nas contas nacionais, a renda pessoal é a medida da
renda recebida por indivíduos, incluindo todas as fontes geradoras. Quando
deduzimos da renda pessoal os pagamentos dos impostos pessoais, obtemos a
renda pessoal disponível (após dedução dos impostos).
Renda pessoal
Medida da renda recebida por indivíduos,
incluindo todas as fontes geradoras.
Para passar da renda nacional para a renda pessoal, subtraímos elementos
da renda nacional que não são recebidos por indivíduos e acrescentamos as
rendas de indivíduos provenientes de outras fontes que não a produção
corrente de bens e serviços. Os detalhes dos ajustes necessários não são
fundamentais para o nosso enfoque. Resumidamente, eles são os seguintes. O
primeiro dos itens principais subtraídos da renda nacional na passagem para a
renda pessoal são as partes dos lucros empresariais nas contas nacionais que
não são pagos como dividendos para indivíduos. Essas partes incluem os
pagamentos de impostos sobre os lucros e os lucros não distribuídos (lucros
acumulados). Também subtraem-se da renda nacional para calcular a renda
pessoal as contribuições feitas pelo empregador e pelo empregado à
Previdência Social. Esses impostos sobre a folha de pagamentos são
incluídos no item “remuneração aos empregados” na renda nacional, mas vão
para o governo, não diretamente para os indivíduos.
Os itens acrescentados ao passar da renda nacional para a renda pessoal
são pagamentos a indivíduos que não decorrem da produção corrente de bens
e serviços. O primeiro item são os pagamentos de transferências. Estes são
predominantemente transferências de dinheiro feitas pelo governo, como
pagamentos da Previdência Social, pensões para veteranos de guerra e
aposentadorias pagas a funcionários do governo federal. O outro item
acrescentado na passagem da renda nacional para a renda pessoal são
pagamentos de juros pelo governo a indivíduos. Os pagamentos de juros pelo
governo são feitos sobre títulos previamente emitidos pelos governos federal,
estaduais e municipais. Com esses ajustes, podemos calcular a renda pessoal.
Subtraímos, então, os impostos pessoais para obter a renda pessoal
disponível. Em 2010, a renda pessoal disponível nos Estados Unidos era de
US$ 11.374,7 bilhões.
A Tabela 2.3 mostra como os residentes dos Estados Unidos usaram sua
renda disponível em 2010. A maior parte dela foi gasta com consumo, as
compras de bens e serviços pelo setor das famílias. Houve dois outros tipos
de gastos. O primeiro foram juros pagos a empresas (prestações de crédito e
juros de cartão de crédito). O segundo, um componente muito pequeno dos
gastos pessoais, foram transferências para estrangeiros (por ex., presentes
para parentes no exterior). A poupança pessoal é a parte da renda pessoal
disponível que não é gasta. Em 2010, a poupança pessoal nos Estados Unidos
foi de US$ 653,9 bilhões, ou 5,7% da renda pessoal disponível. Essa foi uma
taxa de poupança alta em comparação com o passado recente. A recessão de
2007-09 havia sido caracterizada por uma queda nos preços dos ativos. A
riqueza das famílias foi reduzida e as famílias aumentaram a poupança para
restaurar seu balanço patrimonial.
Tabela 2.3 - Distribuição da renda pessoal disponível, 2010 (bilhões de
dólares)
Renda pessoal disponível
11.374,7
Menos
Gastos com consumo pessoal
10.349,1
Juros pagos a empresas
198,9
Transferências pessoais a estrangeiros (líquido) 172,8
Poupança pessoal
653,9
Fonte: Bureau of Economic Analysis, Ministério do Comércio.
2.5 Algumas identidades contábeis da renda nacional
As interrelações entre PIB, renda nacional e renda pessoal formam a base
para algumas definições contábeis, ou identidades, usadas para construir os
modelos macroeconômicos examinados em capítulos posteriores. Ao derivar
essas identidades, simplificamos a estrutura contábil ignorando uma série de
itens discutidos anteriormente.
As simplificações aplicadas são as seguintes:
1. O setor externo será omitido. Isso significa que excluímos o item
“exportações líquidas” do PIB (veja Tabela 2.1) e o item “transferências
líquidas para o exterior” das despesas pessoais na subdivisão da distribuição
da renda pessoal (veja Tabela 2.3). O setor externo será reintroduzido em
nossos modelos mais adiante, quando examinarmos questões de
macroeconomia internacional. Ao excluir o setor externo, excluímos também
os ganhos no exterior de residentes e empresas domésticos, bem como os
ganhos no país de residentes e empresas estrangeiros. O PIB e o PNB são,
assim, iguais. Os termos PIB e PNB são usados de forma intercambiável,
exceto quando reintroduzirmos o setor externo.
2. Impostos indiretos e as outras discrepâncias entre o PNB e a renda
nacional são ignorados (veja Tabela 2.2). Consideraremos que a renda
nacional e o produto nacional sejam iguais. Os termos renda nacional e
produto nacional são usados de forma intercambiável ao longo deste livro.
3. A depreciação é ignorada (exceto quando explicitamente indicado).
Portanto, o produto nacional bruto e líquido são idênticos.
4. Várias simplificações são feitas na relação entre renda nacional e renda
pessoal disponível. Pressupomos que todos os lucros empresariais sejam
pagos como dividendos; não há lucros acumulados ou pagamentos de
impostos empresariais. Consideramos que todos os impostos, incluindo
contribuições à Previdência Social, incidam diretamente sobre as famílias.
Em consequência, podemos especificar a renda pessoal disponível como
sendo a renda (ou produto) nacional menos os pagamentos de impostos (Tx)
mais as transferências governamentais (Tr), que inclui os pagamentos de juros
pelo governo. Considerando os impostos líquidos (T) iguais aos pagamentos
de impostos menos as transferências,
temos renda (pessoal) disponível YD igual à renda nacional (Y) menos os
impostos líquidos:
YD ≡ Y – Tx + Tr ≡ Y - T
Com essas simplificações, temos as identidades contábeis a seguir. O PIB
(Y) é definido como
ou seja, como consumo (C) mais investimento realizado (Ir) mais compras
governamentais de bens e serviços (G)5. O subscrito (r) no termo do
investimento é incluído porque queremos distinguir entre esse investimento
realizado total que aparece nas contas nacionais e o nível desejado de gastos
em investimentos.
Do lado da renda das contas nacionais, uma vez mais usando as
simplificações 1 a 4 e ignorando os juros pagos a empresas (na Tabela 2.3),
temos a identidade
que afirma que, com as suposições simplificadoras que fizemos, toda a
renda disponível, que é igual à renda nacional (Y) menos os pagamentos de
impostos líquidos (T ≡ pagamentos de impostos menos transferências), vai
para gastos com consumo ou poupança pessoal (S). Podemos escrever (2.3)
como
Y≡C+S+T
e, como Y é tanto a renda como o produto nacional, podemos combinar
(2.2) e (2.3) e escrever
C + Ir + G ≡ C + S + T
Essa identidade afirma que os gastos no PIB (C + Ir + C) são, por
definição, iguais ao uso da renda nacional (C + S + T).
PERSPECTIVAS 2.2 - CONTAS NACIONAIS DA
INGLATERRA E PAÍS DE GALES EM 1688
As contas nacionais oferecem um perfil da vida econômica de um país. Embora
só depois da Segunda Guerra Mundial os governos tenham passado a registrar
sistematicamente essas contas, há estimativas de épocas anteriores. Estas são de
interesse para acompanhar as mudanças sofridas pelas economias.
As Tabelas 2.4 e 2.5 mostram o PNB e as contas nacionais para Inglaterra e
País de Gales (combinados) em 1688, o ano da Revolução Gloriosa. Eles foram
compilados por Gregory King e mais de um século se passou antes que os
registros administrativos permitissem a repetição de cálculos desse tipo. Em
termos de completude e consistência, os cálculos de King permaneceram únicos
até o século XXa.
A Tabela 2.4 mostra que, para a Inglaterra e País de Gales em 1688 em relação
à economia americana de 2010, o consumo representava uma fração muito
maior do produto nacional total (90% versus 70%). Os investimentos e gastos
governamentais eram frações muito menores do produto. As importações e
exportações representavam, cada uma, 10% do PNB, um pouco menos que na
maioria das economias modernas. Ainda assim, essa era uma economia “aberta”
com um comércio exterior significativo.
Os números na Tabela 2.5 para os componentes da renda nacional mostram
que, na Inglaterra e País de Gales em 1688, os ordenados e salários
compreendiam uma fração muito menor e aluguéis, lucros e juros uma parcela
muito maior em relação à economia americana atual. Ordenados e salários eram
37% da renda nacional, em comparação com 64% atuais. Aluguéis, lucros e
juros eram quase três vezes maiores como fração da renda nacional na
Inglaterra e País de Gales em 1688 que nos Estados Unidos hoje.
No geral, o quadro da Inglaterra e País de Gales em 1688 é o de uma economia
agrícola. Estima-se que 70% a 80% da população estivesse ocupada na
agricultura. Mas era uma economia aberta e havia investimentos significativos.
O quadro não é de uma economia de subsistência. Estimativas de outras fontes
sugerem que a renda per capita na época talvez fosse um oitavo da renda per
capita atual da Inglaterra e País de Gales.
Tabela 2.4 - PNB da Inglaterra e País de Gales, 1688 (milhões de
libras)
Consumo
46,0
Investimentos
1,7
Compras governamentais 2,4
Exportações
5,1
Menos importações
4,4
PNB
50,8
Tabela 2.5 - Componentes da renda nacional de Inglaterra e País de
Gales, 1688 (milhões de libras)
Ordenados e salários
17,7
Aluguéis
13,0
Lucros e juros
14,7
Camponeses e indigentes 2,6
Renda nacional
48,0
a As estimativas nas tabelas são tiradas de DEANE, Phyllis; COLE W.A. British
Economic Growth: 1688-1959. London: Cambridge University Press, 1967. p.
2. As estimativas baseiam-se nos manuscritos e planilhas originais de King e em
outras fontes da época.
2.6 Medição das variações de preços: PIB real versus PIB
nominal
Até aqui, os números que estivemos examinando referem-se ao PIB
nominal, que mede bens e serviços produzidos no período, avaliados aos
preços de mercado vigentes. O PIB é o valor dos bens e serviços produzidos
no período medido a preços de mercado, portanto ele mudará quando o nível
de preços geral e o volume efetivo de produção mudarem. Para muitos fins,
precisamos de uma medida de produto que varie apenas com a quantidade de
bens produzidos. Essa medida estaria, por exemplo, mais estreitamente
relacionada ao emprego.
PIB nominal
PIB medido em unidades monetárias
correntes
A medida do PIB que muda apenas quando quantidades, não preços,
mudam é chamada de PIB real. O modo tradicional de construir o PIB real é
medir o produto em termos de preços constantes tendo como referência um
ano base. Usando 2005, por exemplo, podemos calcular o valor do PIB em
1960, 1980 ou 2010 em termos do nível de preços ou do valor da moeda em
2005. As variações no PIB medidas em unidades monetárias pelo valor de
2005 proporcionam, então, uma medida das mudanças de quantidade entre
esses anos. A mensuração do PIB real em termos de preços relativos a um ano
base tem, porém, vários inconvenientes, que iremos discutir. Por causa disso,
em 1995 o U.S. Bureau of Labor Statistics começou a construir uma
alternativa à medida do PIB real, chamado PIB real pelo índice de preços
ponderado da cadeia produtiva (chain-weighted). Examinaremos esses dois
procedimentos separadamente.
2.6.1 PIB real em preços relativos a um ano-base
A coluna 1 da Tabela 2.6 mostra o PIB nominal para anos selecionados. A
coluna 2 mostra o valor do PIB real conforme medido em preços de 2005
para cada um desses anos. Em 2005, a renda nominal e a renda real são
iguais, porque os preços no ano-base são os preços vigentes nesse ano. Em
anos anteriores, quando os preços correntes eram mais baixos que os preços
de 2005, o PIB real era mais alto que o nominal. Inversamente, nos anos
depois de 2005, quando os preços eram mais altos, o PIB nominal foi maior
que o PIB real.
A Tabela 2.6 mostra que o PIB real com frequência comporta-se de
maneira muito diferente do PIB nominal. O PIB nominal muda sempre que a
quantidade de bens produzidos se altera ou quando o preço de mercado
desses bens muda; o PIB real muda apenas quando a produção muda. Portanto,
em épocas de forte variação dos preços, os movimentos das duas medidas
divergem drasticamente. A tabela mostra, por exemplo, que, enquanto o PIB
nominal dos Estados Unidos subiu cerca de US$ 250 bilhões de 1973 a 1975,
o PIB real declinou. Novamente, entre 1979 e 1980, houve um rápido aumento
no PIB nominal, mas uma queda no PIB real. Em ambos os períodos, o PIB
real declinou porque a produção de bens e serviços diminuiu. Os preços,
porém, subiram com rapidez suficiente nesses anos inflacionários para fazer o
PIB nominal aumentar.
Tabela 2.6 - PIB nominal, PIB real e deflator implícito do PIB, anos
selecionados
Fonte: Bureau of Economic Analysis, Ministério do Comércio.
Agora, consideremos os números na coluna 3 da Tabela 2.6, que mostra a
razão entre o PIB nominal e o PIB real (PIB nominal ÷ PIB real), em que a
razão é multiplicada por 100 (seguindo o procedimento das contas nacionais).
A razão entre o PIB nominal e o PIB real é uma medida do valor da produção
corrente em preços correntes (por ex., em 2010) em relação ao valor dos
mesmos bens e serviços em preços do ano base (2005). Como os mesmos
bens e serviços aparecem na parte superior e na parte inferior, a razão entre o
PIB nominal e o PIB real é simplesmente o quociente do nível de preços
corrente dos bens e serviços em relação ao nível de preços no ano base. Ele é
uma medida do nível agregado (ou geral) de preços, que no capítulo anterior
chamamos de índice de preços. Esse índice dos preços de bens e serviços no
PIB é chamado de deflator implícito do PIB.
Índice de preços
Mede o nível agregado de preços em
relação a um ano base escolhido.
Deflator implícito do PIB
Índice dos preços de bens e serviços
incluídos no PIB.
Medimos variações no nível agregado de preços comparando os valores
do deflator implícito do PIB em diferentes anos. Primeiro, comparemos o
deflator implícito de preços entre o ano base, 2005, e 2010. No ano base, o
PIB real e o PIB nominal são iguais e o deflator implícito de preços tem um
valor 100. Pela Tabela 2.6, vemos que, em 2010, o valor do deflator implícito
do PIB americano era 111. Isso significa que o PIB a preços vigentes em 2010
(PIB nominal) foi 11% mais alto que os mesmos bens e serviços avaliados a
preços de 2005. O nível agregado de preços, conforme medido pelo deflator
do PIB, subiu 11% entre 2005 e 2010.
Podemos usar também o deflator implícito do PIB para medir variações de
preços entre dois anos diferentes do ano base. Entre 2009 e 2010, o deflator
implícito do PIB subiu de 109,7 para 111. Conforme medido por esse índice,
o aumento percentual do nível agregado de preços (a taxa de inflação) entre
2009 e 2010 foi
[(111,0 – 109,7) ÷ 109,7] × 100 = 1,2%.
Antes de prosseguir, veremos por que o deflator do PIB recebeu esse
nome. A razão entre o PIB nominal e o PIB real é chamada de deflator porque
podemos dividir o PIB nominal por essa razão para corrigir o efeito da
inflação sobre o PIB, ou seja, para deflacionar o PIB. Isso acontece porque
O deflator do PIB é um índice de preços implícito no sentido de que
primeiro construímos uma medida de quantidade, o PIB real, depois
comparamos o movimento do PIB em moeda corrente e constante para
calibrar as variações nos preços. Não medimos explicitamente o movimento
médio dos preços. Dois exemplos de índices de preços explícitos são
examinados na próxima seção.
2.6.2 PIB real pelo índice de preços ponderado da cadeia
produtiva (chain-weighted)
Dois problemas surgem quando o PIB real é medido usando preços de um
ano base. Um problema é que, toda vez que o ano base muda, os pesos dados
a diferentes setores são alterados e a história é reescrita. Quando, por
exemplo, o ano base foi alterado de 2000 para 2005, as recessões da década
de 1970 assumiram um padrão ligeiramente diferente.
Um segundo e mais sério problema envolve variações em preços relativos
e substituições consequentes entre as categorias de produtos contidas no PIB.
Por exemplo, nos anos desde 2005, o preço relativo de computadores
pessoais vem caindo e isso levou a que os consumidores deslocassem seus
gastos para compras de computadores. Se, ao calcular o PIB real, usarmos os
preços mais altos de 2005 para ponderar o componente referente a
computadores, os computadores serão superestimados como componente do
PIB.
Para lidar com esses problemas, o Bureau of Economic Analysis (BEA), a
agência governamental americana responsável pelas contas nacionais,
introduziu, recentemente, uma nova medida do PIB real baseada nos preços
ponderados da cadeia produtiva. Em vez de usar os preços de um ano base
para definir os pesos, essa medida usa a média de preços em um determinado
ano e os preços do ano anterior. Assim, o PIB real em 2010 é calculado
usando os preços de 2009 e 2010 como pesos. Na prática, a base move-se
para frente a cada ano para eliminar o problema causado por substituições
relativas induzidas pelo preço como as que aconteceram no exemplo dos
computadores.
2.7 O índice de preços ao consumidor e o índice de preços no
atacado
Como o deflator do PIB mede variações nos preços de todos os bens e
serviços produzidos no período, ele é a medida mais abrangente da taxa de
variação de preços. Dois outros índices de preços, porém, são amplamente
registrados e têm seus usos e vantagens.
O índice de preços ao consumidor (IPC) mede os preços de varejo de
uma “cesta de mercado” fixa que inclui milhares de bens e serviços
comprados pelas famílias. O IPC é um índice de preços explícito no sentido
de que mede diretamente movimentos ao longo do tempo da média ponderada
dos preços dos bens e serviços incluídos na cesta de mercado. O IPC é o
índice de preços mais relevante para os consumidores, porque mede os
preços de bens e serviços comprados diretamente por eles. Muitas pensões
governamentais americanas, incluindo benefícios da Previdência Social, e
alguns reajustes salariais são indexados ao IPC, o que significa que há
provisões para aumentos automáticos atrelados a aumentos do IPC.
Índice de preços ao consumidor
(IPC)
Mede os preços de varejo de uma “cesta
de mercado” fixa de milhares de bens e
serviços comprados pelas famílias.
Outro índice de preços amplamente usado é o índice de preços por
atacado (IPA), que, no caso do Brasil, em 2010, passou a ser chamado de
índice de preços ao produtor amplo. Este índice registra as variações de
preços de produtos agropecuários e industriais nas transações
interempresariais, isto é, nos estágios de comercialização anteriores ao
consumo final.6
Índice de preços no atacado
(IPA)
Mede os preços no atacado de
aproximadamente 3.000 itens.
Como itens vendidos no atacado incluem muitas matérias-primas e bens
semiacabados, os movimentos no IPA sinalizam movimentos futuros nos
preços de varejo, como os que são medidos no IPC. Tanto o IPC como o IPA
têm a vantagem de estar disponíveis mensalmente, enquanto o deflator
implícito do PIB só está disponível em intervalos maiores (trimestralmente
nos Estados Unidos).
A Figura 2.2 mostra as taxas de inflação anuais americanas para o período
1967-2010, medidas pelos três índices de preços que examinamos. Em termos
dos movimentos amplos da taxa de inflação, os três índices apresentam
padrões similares. A aceleração da inflação nos períodos 1973-75 e 1979-80
é evidente em todas as séries, assim como a deflação nos anos pós-1980. Há,
contudo, algumas diferenças entre as três séries que refletem sua composição
diferente. O IPA, por exemplo, dá maior peso a matérias-primas do que os
outros índices e, portanto, teve um aumento mais acentuado que o IPC ou o
deflator do PIB em 1973 e 1974, quando os preços agrícolas e do petróleo
bruto subiram vertiginosamente. Por outro lado, quando os preços dessas
matérias-primas caíram durante o período 1982-86 e novamente em 1996-97,
o declínio na taxa de inflação registrado pelo IPA foi o maior entre as três
medidas de inflação. Na última década, o IPA foi especialmente volátil em
relação às outras medidas de inflação.
FIG 2.2 Três medidas de inflação, 1967-2010
Fonte: Ministério do Comércio, Survey of Current Business.
2.8 Medidas da variação cíclica do produto
A maior parte deste livro foca movimentos de curto prazo, ou cíclicos, do
produto e do emprego – flutuações ao longo de períodos de talvez um a quatro
anos. Nesses períodos, as flutuações no produto e no emprego decorrem
essencialmente de variações do produto efetivo em torno do produto
potencial, que é definido como o nível de produto que a economia poderia
produzir se operasse a altas taxas de utilização dos recursos. Esses
movimentos de curto prazo do produto consistem em mudanças nas taxas de
utilização de trabalho e capital. É no prazo mais longo que o crescimento do
produto potencial, que implica crescimento da quantidade disponível de
fatores de produção (capital e trabalho), torna-se um determinante importante
do crescimento do produto. Já discutimos a mensuração do produto real
efetivo (PIB); agora falta explicar a mensuração do produto potencial.
Produto potencial
Nível que seria alcançado se os recursos
produtivos (trabalho e capital) estivessem
sendo usados nos níveis de referência
elevados.
Surge um problema na mensuração do produto potencial. Quais seriam os
níveis altos sustentáveis de alocação de recursos? Na década de 1960, o
President’s Council of Economic Advisors, que na época compilava as
estimativas oficiais do produto potencial, simplesmente estimava o nível de
produto que correspondia a uma taxa de desemprego de 4%. Em anos
posteriores, economistas e formuladores de políticas concluíram, em parte
com base na experiência dos anos 1960, que 4% era uma taxa de desemprego
baixa demais para ser mantida sem produzir pressão inflacionária. Na década
de 1980, era usada com frequência uma taxa de desemprego na faixa de 5,5%
a 6% como referência de alto nível de emprego. Em anos recentes, porém, tem
havido menos certeza de que qualquer taxa de desemprego seja uma
referência apropriada; em 2000, por exemplo, a taxa de desemprego havia
despencado para abaixo de 4% sem nenhum desenvolvimento aparente de
pressão inflacionária. Os órgãos governamentais, para quem uma medida
precisa do produto potencial é importante, desenvolveram uma série de
maneiras sofisticadas de calcular o PIB potencial. O Congressional Budget
Office dos Estados Unidos, por exemplo, usa modelos de crescimento
econômico do tipo que examinaremos em um capítulo posterior para construir
uma medida do produto potencial. Outros órgãos usam métodos de “filtros” e
estimativas de tendências nos dados.
Felizmente, para nossos propósitos não é importante ter uma medida
precisa do produto potencial. Conforme avançamos, queremos apenas
distinguir os movimentos cíclicos do produto que nossos modelos tentam
explicar e o crescimento do produto potencial que resulta de aumentos nos
fatores de produção e de mudanças tecnológicas.
PERSPECTIVAS 2.3 - DATAÇÃO DOS CICLOS DE
NEGÓCIOS
Falamos de recessões como períodos em que o produto efetivo cai bem abaixo
do produto potencial e o desemprego sobe acima do nível de referência de alto
emprego, mas como, precisamente, medimos quando começa e quando termina
uma recessão? Por exemplo, se o produto começar a declinar em janeiro, subir
um pouco em fevereiro e, então, iniciar um declínio constante em março, a
recessão começou em janeiro ou em março? Além disso, a data em que o
desemprego começa a subir pode não coincidir com o início da queda do
produto.
Não há uma maneira precisa de datar recessões ou expansões. É preciso usar
discernimento. Nos Estados Unidos, o mais perto que se chegou de uma
datação oficial de ciclos de negócios é a realizada pelo Business Cycle Dating
Group do National Bureau of Economic Research (NBER), uma organização
privada de pesquisas. A Tabela 2.7 mostra a datação pelo NBER dos ciclos de
negócios americanos após a Segunda Guerra Mundial.
O pico mede o final de uma expansão e o vale indica o final de cada recessão.
Em média, as expansões duraram pouco menos de 50 meses e as recessões
pouco mais de 10 meses. Nenhuma das recessões pós-guerra chegou perto do
período de contração econômica de 43 meses que deu início à Grande
Depressão da década de 1930. A expansão econômica que começou em março
de 1991 e terminou em março de 2001 foi a mais longa do período posterior à
Segunda Guerra Mundial (120 meses).
Tabela 2.7 - Ciclos de negócios pós-guerra nos Estados Unidos
Conclusão
Examinamos aqui os equivalentes no mundo real das principais variáveis
que aparecem nos modelos da próxima seção – com uma exceção. A exceção
é a moeda. A quantidade de moeda é uma variável-chave em todos os
modelos que analisaremos a seguir. O controle da quantidade de moeda por
meio da política monetária é um tipo importante de política de estabilização.
A definição de moeda revela-se um pouco mais complicada do que parece à
primeira vista e será melhor que a adiemos até mais tarde, quando questões de
oferta e demanda de moeda forem examinadas de modo detalhado. Por
enquanto, é adequado usar o termo moeda em nossos modelos com referência
ao estoque de moeda corrente mais depósitos à vista (depósitos que podem
ser sacados com cheques).
Moeda
O que quer que seja comumente aceito
como pagamento em troca de bens e
serviços (e pagamento de dívidas e
impostos).
política monetária
Uso pelo banco central de controle da
oferta de moeda e da taxa de juros para
influenciar o nível de atividade
econômica.
Voltaremos a questões de mensuração em vários pontos adiante. Além da
discussão da definição empírica da moeda, precisamos considerar as taxas de
câmbio e medidas de transações internacionais (Capítulo 14) e examinar mais
detalhadamente o orçamento federal (Capítulo 18). Algumas outras variáveis
(por ex., os salários e a taxa de juros) serão definidas à medida que
aparecerem em nossa análise.
Este capítulo começou com um dos personagens de Charles Dickens
aconselhando um professor a “Ater-se aos fatos”. Mas Lord Jim, de Conrad,
reclama que “Eles queriam fatos. Fatos! Exigiam fatos dele, como se fatos
pudesses explicar qualquer coisa”. Neste ponto, passamos a explicar, em vez
de apenas medir, o comportamento de variáveis macroeconômicas.
Questões de revisão
1. Defina o termo produto interno bruto. Explique quais transações na
economia são incluídas no PIB.
2. Qual é a diferença entre PIB e PNB?
3. Defina o termo renda nacional. Por que a renda nacional não é igual ao
PNB?
4. Defina os termos renda pessoal e renda pessoal disponível.
Conceitualmente, como essas medidas de renda diferem da renda
nacional? Qual é a utilidade dessas medidas?
5. Três índices de preços foram examinados neste capítulo: o deflator do
PIB, o IPC e o IPA. Explique as diferenças entre essas diferentes medidas
do nível de preços.
6. Usando os dados da Tabela 2.6, calcule a variação percentual no nível de
preços entre 1960 e 1970, entre 1973 e 1980 e entre 1960 e 2010.
7. Explique o conceito de PIB real pelo índice de preços ponderado da
cadeia produtiva. Que problemas na medida anterior do PIB real levaram
à introdução dessa nova medida?
8. Explique o conceito de produto potencial. Por que o produto potencial é
difícil de medir?
9. Suponha que a renda de um trabalhador fosse US$ 15.000 em 1960 e US$
45.000 em 2010. Usando o deflator do PIB como índice de preços, calcule
se a renda real do trabalhador aumentou ou diminuiu ao longo desse
período.
PARTE II
A economia clássica e a revolução keynesiana
Os capítulos desta parte dão início à nossa análise de modelos
macroeconômicos. Começamos pelo modelo clássico e, então, passamos ao
modelo keynesiano que se desenvolveu como um ataque ao sistema clássico –
a chamada revolução keynesiana.
CAPÍTULO 3
Macroeconomia clássica (I): produto e emprego
3.1 O ponto de partida
O termo macroeconomia originou-se na década de 1930, década que
testemunhou um progresso substancial no estudo de questões econômicas
agregativas. As forças que determinam renda, emprego e preços vinham
recebendo maior atenção desde a virada do século XX, depois de um período
em que questões microeconômicas dominaram o campo da economia. A
Depressão mundial, que teve início em 1929, intensificou a urgência do
estudo de questões macroeconômicas. Os resultados dessa pesquisa foram as
teorias do “ciclo de negócios” e as prescrições de políticas públicas para
estabilizar a atividade econômica. Uma teoria e um conjunto de conclusões de
políticas sobressairam entre as demais e tornaram-se uma nova ortodoxia no
pensamento macroeconômico. O livro que contém essa teoria era A teoria
geral do emprego, do juro e da moeda, de John Maynard Keynes,1 e o
processo de mudança no pensamento econômico resultante dessa obra foi
chamado de revolução keynesiana. Mas, revolução contra o quê? Qual era a
ortodoxia antiga? Keynes denominou-a “economia clássica” e é esse
pensamento macroeconômico que estudaremos neste capítulo e no próximo.
As ideias que formaram a revolução keynesiana, bem como a evolução
dessas ideias no período pós-keynesiano, são fundamentais para nossa
análise. Um pré-requisito para prosseguirmos é o conhecimento do sistema
clássico a que Keynes se contrapôs. A teoria clássica também tem um papel
positivo no desenvolvimento posterior da macroeconomia. Embora muitos
dos primeiros autores keynesianos considerassem a teoria clássica como
pronta para a lata de lixo das ideias ultrapassadas, no decorrer do tempo, essa
reação excessiva amenizou-se e a economia keynesiana moderna contém
muitas ideias que se originaram com os economistas clássicos. O modelo
clássico também proporciona o ponto de partida para questionamentos que
foram levantados contra a teoria keynesiana por monetaristas, economistas
novo-clássicos e teóricos dos ciclos reais de negócios.
Keynes usou o termo clássico para se referir a praticamente todos os
economistas que haviam escrito sobre questões macroeconômicas antes de
1936. A terminologia mais convencional distingue dois períodos no
desenvolvimento da teoria econômica antes de 1930. O primeiro, denominado
clássico, é o período dominado pela obra de Adam Smith (A riqueza das
nações, 1776), de David Ricardo (Princípios de economia política, 1817) e
de John Stuart Mill (Princípios de economia política, 1848). O segundo,
denominado período neoclássico, tem como seus representantes ingleses mais
importantes Alfred Marshall (Princípios de economia, 1920) e A. C. Pigou (A
teoria do desemprego, 1933). Keynes acreditava que a teoria
macroeconômica dos dois períodos era homogênea o bastante para ser
abordada como uma coisa só.
Para os economistas clássicos, o nível de equilíbrio do produto a qualquer
momento era um ponto de pleno emprego ou, em termos das variáveis
descritas no Capítulo 2, um ponto em que o produto efetivo fosse igual ao
produto potencial. O equilíbrio para uma variável é o estado no qual todas as
forças que atuam sobre essa variável estão balanceadas e, consequentemente,
não há nenhuma tendência para que a variável mova-se desse ponto. Era um
princípio importante dos economistas clássicos que apenas os pontos de pleno
emprego podiam ser posições de equilíbrio, mesmo no curto prazo. Na
ausência de pleno emprego, os economistas clássicos pressupunham que as
forças fora de equilíbrio atuassem no sentido de levar o produto para o nível
de pleno emprego. A economia clássica do equilíbrio examinava os fatores
que determinavam o nível de produto para o pleno emprego, ao lado dos
níveis associados de outros agregados importantes, como emprego, preços,
salários e taxas de juros.
3.2 A revolução clássica
A economia clássica surgiu como uma revolução contra um conjunto de
doutrinas econômicas conhecido como mercantilismo. O pensamento
mercantilista estava associado à ascensão do Estado-Nação na Europa,
durante os séculos XVI e XVII. Os dois princípios fundamentais do
mercantilismo eram (1) o metalismo, a crença de que a riqueza e o poder de
uma nação eram determinados por seu estoque de metais preciosos, e (2) a
crença na necessidade de ação estatal para direcionar o desenvolvimento do
sistema capitalista.
A adesão ao metalismo levou países a tentar garantir um excedente de
exportações sobre importações a fim de ganhar ouro e prata por meio do
comércio exterior. Os métodos usados para assegurar essa balança comercial
favorável incluíam subsídios às exportações, impostos sobre as importações e
desenvolvimento das colônias para que atuassem como mercados para as
exportações. Acreditava-se que a ação estatal era necessária para fazer com
que o sistema capitalista em desenvolvimento agisse de acordo com os
interesses do Estado. O comércio exterior era atentamente regulado e a
exportação de metais preciosos era proibida para atender os objetivos do
metalismo. O uso de ação estatal também era defendido em uma frente mais
ampla, para desenvolver a indústria local, reduzir o consumo de bens
importados e desenvolver recursos naturais e humanos.
Em contraste com os mercantilistas, os economistas clássicos enfatizaram a
importância de fatores reais na determinação da “riqueza das nações” e
destacaram as tendências otimizadoras do livre mercado na ausência de
controle estatal. A análise clássica era, essencialmente, uma análise real; o
crescimento de uma economia era resultado do aumento dos estoques dos
fatores de produção e de avanços nas técnicas de produção. A moeda tinha um
papel apenas por facilitar as transações como meio de troca. A maioria das
questões em economia podia ser respondida sem analisar o papel da moeda.
Os economistas clássicos desconfiavam do governo e enfatizavam a harmonia
de interesses individuais e nacionais quando o mercado era deixado livre de
regulamentações governamentais, exceto aquelas necessárias para garantir que
o mercado permanecesse competitivo. Esses dois aspectos da economia
clássica – a ênfase em fatores reais e a crença na eficácia do mecanismo de
livre mercado – desenvolveram-se no curso de controvérsias sobre questões
de longo prazo, referentes aos determinantes do desenvolvimento econômico.
Essas posições clássicas quanto a questões de longo prazo foram, contudo,
importantes para moldar as ideias dos economistas clássicos sobre questões
de curto prazo.
A oposição ao metalismo levou os economistas clássicos a enfatizar que a
moeda não tinha nenhum valor intrínseco. A moeda era importante apenas em
função dos bens que podia comprar. Os economistas clássicos focaram o
papel da moeda como um meio de troca. Outro papel que a moeda havia
desempenhado, na visão mercantilista, era o de estimular a atividade
econômica. No curto prazo, afirmavam os mercantilistas, um aumento na
quantidade de moeda levaria a um aumento na demanda por mercadorias e
estimularia a produção e o emprego. Para os economistas clássicos, atribuir
esse papel à moeda na determinação de variáveis reais, mesmo no curto
prazo, era perigoso diante de sua redução da importância da moeda.
O ataque clássico à visão mercantilista, da necessidade de ação estatal
para regular o sistema capitalista, também teve implicações para a análise
macroeconômica de curto prazo. Um papel da ação estatal no mercantilismo
era assegurar que existissem mercados para todos os bens produzidos. O
consumo, tanto doméstico como externo, devia ser incentivado à medida que a
produção aumentasse. A resposta clássica é oferecida por John Stuart Mill:
Em oposição a esses absurdos palpáveis, foi triunfantemente
estabelecido pelos economistas políticos que o consumo nunca precisa
de estímulo.2
Como em outras áreas, os economistas clássicos achavam que o
mecanismo de livre mercado atuaria para criar mercados para qualquer bem
que fosse produzido: “O legislador, portanto, não precisa preocupar-se com o
consumo”3. A doutrina clássica era que, no agregado, a produção de uma
determinada quantidade de produto gerará demanda suficiente por esse
produto; nunca poderia haver uma “falta de compradores para todas as
mercadorias”4. Em consequência, os economistas clássicos davam pouca
atenção explícita a fatores que determinam a demanda geral por mercadorias,
que, no Capítulo 1, chamamos de demanda agregada.
Demanda agregada
Soma das demandas pelo produto corrente
por parte de cada um dos setores
compradores da economia: famílias,
empresas, governo e compradores
estrangeiros.
Assim, duas características da análise clássica destacavam-se como parte
do ataque ao mercantilismo:
1. A economia clássica enfatizava o papel de fatores real em oposição a
fatores monetários na determinação do produto e do emprego. A moeda
só tinha papel na economia como meio de troca.
2. A economia clássica enfatizava as tendências de autoajuste da economia.
Políticas governamentais para assegurar uma demanda adequada pelo
produto eram consideradas desnecessárias e, de modo geral,
prejudiciais.
Voltamo-nos agora para o modelo construído pelos economistas clássicos
para dar suporte a essas posições.
3.3 Produção
Uma relação central no modelo clássico é a função produção agregada. A
função produção, que é baseada na tecnologia de firmas individuais, é uma
relação entre o nível de produto e o nível de insumos. Para cada nível de
insumos, a função produção mostra o nível resultante de produto e é expressa
como
Função produção
Resume a relação entre os insumos totais e
os produtos totais, pressupondo uma
determinada tecnologia.
onde Y é o produto, K é o estoque de capital (instalações e equipamentos) e
N é a quantidade do insumo trabalho homogêneo5. No curto prazo, considerase que o estoque de capital seja fixo, conforme indicado pela barra sobre o
símbolo do capital. O estado da tecnologia e a população também são
considerados constantes ao longo do período especificado. Nesse período de
curto prazo, o produto varia unicamente em função de variações no insumo
trabalho (N) oriundo da população fixa.
Tabela 3.1 - A relação entre produto, estoque de capital fixo e trabalho
Os números na Tabela 3.1 ilustram a relação fundamental entre uma
mudança no insumo trabalho e a mudança resultante no produto, mantendo o
estoque de capital K constante. Os valores da Tabela 3.1 estão representados
nos gráficos das Figuras 3.1a e 3.1b.
FIG 3.1 Função produção e curvas de PMN
Na Figura 3.1a, a função produção, Y = F(K, N), indica o produto que seria
produzido pela utilização eficiente de cada nível de insumo trabalho. Como é
mostrado, a função produção tem várias características. Em níveis baixos do
insumo trabalho, a função é uma linha reta. A inclinação da reta mostra o
aumento no produto para um dado aumento no insumo trabalho, portanto essa
parte em linha reta (inclinação constante) da função produção exibe
rendimentos constantes de escala. Para níveis muito baixos de utilização de
mão de obra, seria possível presumir que trabalhadores adicionais poderiam
ser introduzidos a uma quantidade dada de instalações e equipamentos sem
queda na produtividade do último trabalhador contratado. Na maior parte das
vezes, no entanto, consideramos situações em que o acréscimo de mão de obra
resultará em aumento do produto total, mas com o tamanho dos aumentos do
produto declinando conforme mais mão de obra é acrescentada. Essa parte da
função produção exibe rendimentos decrescentes de escala. Rendimentos
negativos de escala ocorrem quando um acréscimo no insumo trabalho resulta
em redução do produto total. As firmas não operariam nessa parte da função
produção, uma vez que a contratação de mão de obra adicional resulta em uma
diminuição do produto total.
Na Figura 3.1b, o gráfico mostra a variação no produto em função de uma
variação do insumo trabalho. Este é o produto marginal do trabalho (PMN).
O PMN é a inclinação da função produção (ΔY/ΔN) na Figura 3.1a.6
Produto marginal do trabalho
(PMN)
Aumento do produto total devido ao
acréscimo de uma unidade de trabalho
(mantendo-se constante a quantidade de
outros insumos).
Na faixa de rendimentos constantes de escala, aumentos de N produzem um
gráfico de inclinação plana. Conforme mais trabalhadores são contratados,
porém, a inclinação torna-se negativa, indicando que, embora o produto
marginal de cada trabalhador contratado seja positivo, é menor que o produto
marginal do trabalhador anterior. Essa área representa rendimentos
decrescentes de escala. Na área de rendimentos negativos de escala, o
produto marginal do trabalhador adicional fica abaixo do eixo horizontal.
A função produção de curto prazo representada na Figura 3.1a é uma
relação tecnológica que determina o nível de produto, para um determinado
nível de insumo trabalho (emprego). O estoque de capital, assim como o nível
existente de tecnologia e o nível de capacitação da força de trabalho, é
mantido constante. Os economistas clássicos pressupunham que a quantidade
de mão de obra empregada seria determinada pelas forças de demanda e
oferta do mercado de trabalho.
3.4 Emprego
A marca da análise clássica do mercado de trabalho é a pressuposição de
que o mercado funciona bem. As firmas e os trabalhadores individuais
otimizam. Eles têm informações perfeitas sobre os preços relevantes. Não há
barreiras para o ajuste dos salários; o mercado se equilibra.
3.4.1 Demanda por trabalho
Os compradores de serviços de mão de obra são as firmas. Para ver como
a demanda agregada por trabalho é determinada, começamos examinando a
demanda por trabalho por parte de uma firma individual, designado como a
firma i-ésima. No modelo clássico, as firmas são competidores perfeitos que
escolhem seu produto de forma a maximizar os lucros. No curto prazo, o
produto varia unicamente pela alteração do insumo trabalho, de modo que a
escolha do nível do produto e da quantidade do insumo trabalho é uma única
decisão. A firma perfeitamente competitiva aumentará o produto até que o
custo marginal de produzir uma unidade de produto seja igual à receita
marginal recebida por sua venda. Para a firma perfeitamente competitiva, a
receita marginal é igual ao preço do produto (P).7 Como o trabalho é o único
fator de produção variável, o custo marginal de cada unidade adicional de
produto é o custo marginal do trabalho. O custo marginal do trabalho é igual
ao salário monetário dividido pelo número de unidades de produto
produzidas por unidade de trabalho adicional. Definimos as unidades de
produto produzidas por unidade de trabalho adicional empregada como o
PMN. Assim, o custo marginal para a i-ésima firma (CMi) é igual ao salário
monetário (W) dividido pelo produto marginal do trabalho para essa firma
(PMgNi)8.
A condição para a maximização do lucro no curto prazo no mercado
puramente competitivo é
Usando na equação (3.2a) a expressão para o custo marginal (CM) da
equação (3.2), temos a posição de maximização do lucro no curto prazo para
a firma que compra mão de obra no mercado de insumos:
Multiplicando ambos os lados da equação (3.3) por PMN e dividindo
ambos os lados por P, temos a expressão
A condição de maximização do lucro na equação (3.4) pode ser explicada
como se segue: a firma contratará até o ponto em que o produto adicional
obtido pela contratação de mais um trabalhador (PMN) seja exatamente igual
ao salário real (W/P) pago para contratar esse trabalhador.
A condição para a maximização do lucro na equação (3.4) é ilustrada na
Figura 3.2. A curva de demanda por trabalho da firma, representada no
gráfico em função do salário real, é a curva de PMgN da Figura 3.1. A curva
de demanda por trabalho tem inclinação descendente devido à lei dos
rendimentos decrescentes. Para um salário real como 8,0 (por ex., um salário
monetário de $8 e um preço de produto de $1), a firma contratará 3
trabalhadores. Para uma quantidade de mão de obra abaixo de 3, digamos 2, o
PMgN (10) é maior que o salário real (8,0). O pagamento para o trabalhador
em termos reais é menor que o produto real produzido. Os lucros serão
aumentados pela contratação de unidades adicionais de mão de obra.
Alternativamente, para quantidades de insumo trabalho acima de 3, se o
salário real for 8, o salário real fica acima do PMgN. O pagamento da mão de
obra excede o produto marginal real do trabalhador e o custo marginal excede
o preço do produto. A firma reduzirá a mão de obra para aumentar o lucro.
FIG 3.2 Demanda por trabalho de uma firma
A condição para maximização do lucro é encontrada no ponto em que o
salário real (W/P) é igual ao PMN, conforme mostrado na equação (3.4). Se o
salário real for 8, a firma maximizará os lucros contratando 3 trabalhadores,
uma vez que o PMN é 8,0. Isso é mostrado no ponto D no gráfico da demanda
por trabalho, PMN. Para fazer a firma contratar mais mão de obra, o salário
real precisa cair, já que o produto adicional gerado por cada trabalhador
adicional é decrescente.
Assim, a quantidade de mão de obra maximizadora do lucro, demandada
por uma firma para cada nível de salário real, é dada pela quantidade do
insumo trabalho que faz o salário real ser igual ao PMN. A curva do produto
marginal é a curva de demanda por trabalho da firma. A implicação é que a
demanda por trabalho depende inversamente do nível do salário real. A curva
de demanda por trabalho tem inclinação descendente devido à lei dos
rendimentos decrescentes. Quanto mais alto o salário real, por exemplo, mais
baixo o nível do insumo trabalho que fará o salário real ser igual ao PMN. Na
Figura 3.2, se o salário fosse 5, em vez de 8, a demanda por trabalho seria 4
em vez de 3. A curva de demanda por trabalho é a combinação das curvas de
demanda das firmas individuais na economia inteira. Para cada salário real,
essa curva dará a soma das quantidades de insumo trabalho demandadas pelas
firmas na economia. Escrevemos essa função demanda por trabalho agregada
(Nd) como
onde no agregado, como nas firmas individuais, um aumento no salário real
reduz a demanda por trabalho.
3.4.2 Oferta de trabalho
A última relação necessária para determinar o emprego e o produto no
sistema clássico é a curva de oferta de trabalho. Os serviços de trabalho são
fornecidos por trabalhadores individuais. Os economistas clássicos
pressupunham que o indivíduo procura maximizar a utilidade (ou satisfação).
O nível de utilidade depende positivamente tanto da renda real, que dá ao
indivíduo controle sobre bens e serviços, quanto do lazer. Há, no entanto, um
trade-off entre as duas metas, porque a renda é aumentada pelo trabalho, que,
por sua vez, reduz o tempo disponível para o lazer.
Vejamos, por exemplo, como o indivíduo j aloca um período de 24 horas
entre horas de lazer e horas de trabalho: (Njs) é a oferta de trabalho do
indivíduo. A Figura 3.3 ilustra a escolha com que se depara esse indivíduo.
No eixo horizontal, medimos horas de lazer por dia. O máximo, claro, são 24
horas. O intercepto horizontal, onde o indivíduo escolhe nenhum trabalho e só
lazer, é 24. O número de horas trabalhadas é, portanto, 24 menos o número de
horas de lazer selecionadas. A renda real é medida no eixo vertical e é igual
ao salário real, W/P, multiplicado pelo número de horas que o indivíduo
trabalha. Cada intercepto vertical é o salário real multiplicado por 24 horas
no dia, o que ocorreria se o indivíduo escolhesse só trabalho e nenhum lazer –
isto é, (W/P × 24). As curvas no gráfico (identificadas como U1,U2,U3) são
curvas de indiferença. Os pontos ao longo de uma dessas curvas são
combinações de renda e lazer que dão igual satisfação ao indivíduo; assim, a
pessoa é indiferente quanto a qual ponto de uma determinada curva é
selecionado. A inclinação da curva de indiferença dá a taxa em que o
indivíduo está disposto a trocar lazer por renda – ou seja, o aumento na renda
que a pessoa teria de receber para se sentir igualmente satisfeito após
renunciar a uma unidade de lazer. Na verdade, o custo de escolher cada hora
de lazer é o salário real, W/P, uma vez que o indivíduo está escolhendo não
trabalhar em cada hora de lazer. Além disso, todos os pontos ao longo de U2,
por exemplo, produzem maior satisfação para o indivíduo do que qualquer
ponto em U1, já que qualquer ponto em uma curva de diferença situada mais à
direita indica uma renda maior para aquele nível dado de lazer (ou para o
mesmo número de horas trabalhadas). Daí as tentativas do indivíduo de
alcançar a curva de indiferença mais alta possível. Quanto mais alto o salário
real, mais alta a satisfação que o indivíduo pode selecionar (representada por
uma curva de indiferença situada mais à direita).
FIG 3.3 Decisão individual de oferta de trabalho
A parte a mostra a escolha trabalho-lazer do indivíduo. O indivíduo ofertará trabalho
(Njs) até o ponto no qual a taxa em que o trabalho pode ser trocado por lazer no
mercado, que é dada pelo salário real (W/P), for igual à taxa em que o indivíduo está
disposto a trocar trabalho (renunciar ao lazer) por renda, que é medida pela inclinação
das curvas de indiferença do indivíduo (U1, U2, U3). Para um salário real de 2,0, o
indivíduo escolherá 18 horas de lazer, o ponto A no gráfico de trade-off renda-lazer.
As horas de trabalho escolhidas serão, nesse caso, 6 (24 horas no dia - 18 horas de
lazer). Isso é mostrado no ponto A da curva de oferta de trabalho. Para um salário real
de 3,0, o indivíduo escolherá 16 horas de lazer, o ponto B no gráfico de trade-off
renda-lazer. As horas de trabalho escolhidas então serão 8 (24 horas no dia - 16 horas
de lazer). Isso é mostrado no ponto B da curva de oferta de trabalho. Para um salário
real de 4,0, o indivíduo escolherá 15 horas de lazer, o ponto C no gráfico de trade-off
renda-lazer. As horas de trabalho escolhidas serão, então, 9 (24 horas no dia - 15
horas de lazer). Isso é mostrado no ponto C da curva de oferta de trabalho.
Os raios originados no ponto de 24 horas no eixo horizontal representam as
linhas de orçamento do indivíduo. Começando em 24 horas (nenhum trabalho,
só lazer), o indivíduo pode trocar lazer por renda a uma taxa igual ao salário
real por hora, W/P. A inclinação da linha de orçamento é o salário real.
Quanto mais alto o salário real, mais inclinada a linha de orçamento,
refletindo o fato de que, com um salário real mais alto, um indivíduo que
aumente as horas de trabalho em 1 unidade (mova-se uma unidade para a
esquerda ao longo do eixo horizontal) receberá um aumento maior de renda
(subirá mais no eixo vertical ao longo da linha de orçamento) do que teria
recebido com um salário real mais baixo. Três linhas de orçamento,
correspondentes a salários reais de 2,0, 3,0 e 4,0, são mostradas na Figura
3.3a. Note-se que, a um salário real mais alto, o indivíduo pode escolher uma
curva de indiferença que produz maior satisfação.
Na Figura 3.3b, construímos a curva de oferta de trabalho para o indivíduo
j. Essa curva de oferta consiste em pontos como A, B e C da Figura 3.3a, que
indicam a quantidade de trabalho que o indivíduo ofertará a cada salário real.
Essa curva de oferta agregada de trabalho pode ser escrita como
Duas características da teoria da oferta de trabalho clássica requerem mais
comentários. Primeiro, note que a variável salário é o salário real. A oferta de
trabalho é determinada pelo salário real, não pelo salário monetário. O
trabalhador recebe utilidade, em última instância, do consumo e, ao tomar a
decisão trabalho-lazer, ele está preocupado com o poder de compra de bens e
serviços que lhe é dado por uma unidade de trabalho. Por exemplo, partindo
do ponto C no gráfico de trade-off renda-lazer, se o salário monetário for $4 e
o preço for 1,0, o salário real é 4,0 (4/1) e o indivíduo escolherá 15 horas de
lazer e trabalhará 9 horas (o ponto C na curva de oferta de trabalho). Se o
salário monetário ainda for $4, mas o preço agora for $2,0, o salário real do
indivíduo será 2,0 (4/2). O indivíduo selecionará agora o ponto A no gráfico
de trade-off renda-lazer, escolhendo 18 horas de lazer. As horas de trabalho
diminuem para 6 (24 – 18), que é o ponto A na curva de oferta de trabalho.
Claramente, quando o salário real aumenta (diminui), o lazer diminui
(aumenta) e as horas de trabalho aumentam (diminuem). Esse é o significado
da equação (3.6). Como o salário real (W/P) é medido ao longo do eixo
vertical da curva de oferta de trabalho, se o salário monetário ou o preço (ou
ambos) mudarem, o número de horas trabalhadas será determinado pelo
deslocamento ao longo da curva de oferta de trabalho.
Em segundo lugar, pela construção da Figura 3.3, a curva de oferta de
trabalho tem inclinação positiva; supõe-se que mais trabalho é ofertado com
salários reais mais altos. Essa relação reflete o fato de que um salário real
mais alto significa um preço maior para o lazer em termos de renda não
realizada. Nesse preço mais alto, pressupomos que o trabalhador escolherá
menos lazer. Esse efeito é análogo ao efeito substituição na teoria da
demanda do consumidor. Há ainda outro efeito: o equivalente ao efeito renda
na teoria da demanda do consumidor. Conforme o salário real aumenta, o
trabalhador consegue alcançar um nível mais alto de renda real. Em níveis
mais altos de renda real, o lazer pode tornar-se mais desejável em relação a
aumentos adicionais na renda. Com aumentos sucessivos no salário real,
pode-se chegar a um ponto em que o trabalhador escolha ofertar menos
trabalho quando o salário real aumenta e consumir mais lazer. Nesse ponto, o
efeito renda supera o efeito substituição; a curva de oferta de trabalho assume
uma inclinação negativa e dobra-se para trás no sentido do eixo vertical.
Quase certamente, com salários extremamente altos chegaríamos a uma
porção da curva de oferta de trabalho voltada para trás, e talvez os salários
nem precisem ser tão “extremamente” altos. Embora as evidências empíricas
sobre essa questão sejam inconclusivas, pressuporemos que, para os salários
observados em nações industrializadas, a curva de oferta agregada de
trabalho de fato tem uma inclinação positiva; que o efeito substituição supera
o efeito renda.
3.5 Produto e emprego de equilíbrio
Até aqui, foram derivadas as seguintes relações:
Essas relações, junto com a condição de equilíbrio para o mercado de
trabalho,
determinam o produto, o emprego e o salário real. Na terminologia comum,
produto, emprego e salário real são designados como as variáveis endógenas
no modelo apresentado até aqui, em que uma variável endógena é aquela que
é determinada dentro do modelo.
O equilíbrio dentro do modelo clássico é ilustrado na Figura 3.4. O gráfico
a mostra a determinação dos níveis de equilíbrio do emprego (N0) e do
salário real (W/P)0 no ponto de intersecção entre as curvas da demanda
agregada por trabalho e da oferta agregada de trabalho. Esse nível de
equilíbrio do insumo trabalho (N0) resulta em um nível de equilíbrio do
produto (Y0) dado pela função produção, conforme mostrado na Figura 3.4b.
FIG 3.4 Teoria clássica do produto e do emprego
A parte a mostra o equilíbrio do mercado de trabalho para o salário real (W/P)0 no
ponto de equilíbrio A. No agregado, a oferta de trabalho é igual à demanda por
trabalho, Nd = Ns. O nível de equilíbrio para o emprego é N0. Substituindo o emprego
de equilíbrio na função produção na parte b, encontramos o produto agregado de
equilíbrio, Y0, no ponto A.
3.5.1 Os determinantes do produto e do emprego
Examinaremos, agora, quais fatores são os determinantes fundamentais do
produto e do emprego na teoria clássica. Considerando-se como variáveis
exógenas aquelas que são determinadas fora do modelo, quais são as
variáveis exógenas que, quando alteradas, causam variações no produto e no
emprego? No modelo clássico, os fatores que determinam o produto e o
emprego são aqueles que determinam as posições das curvas de demanda e
oferta de trabalho e a posição da função produção agregada.
A função produção é deslocada por mudanças técnicas que alterem a
quantidade de produto derivada de determinados níveis de insumos. Como é
mostrado no gráfico da Figura 3.4b, a função produção também se desloca
conforme o estoque de capital muda ao longo do tempo. A curva de demanda
por trabalho é a curva PMgN (produto marginal do trabalho), a inclinação da
função produção. Consequentemente, a posição da curva de demanda por
trabalho se deslocará se a produtividade do trabalho mudar por causa de uma
mudança técnica ou de formação de capital. Pela derivação da curva de oferta
de trabalho, pode-se ver que essa relação mudaria com a variação do tamanho
da força de trabalho. O crescimento populacional, por exemplo, deslocaria a
curva de oferta de trabalho para a direita. A curva de oferta de trabalho
também seria deslocada por mudanças nas preferências dos indivíduos com
relação às trocas trabalho-lazer (isto é, U1, U2, U3 na Figura 3.3a).
Uma característica comum aos fatores que determinam o produto no
modelo clássico é que todos são variáveis que afetam o lado da oferta do
mercado do produto, ou seja, a quantidade que as firmas escolhem produzir.
No modelo clássico, os níveis de produto e emprego são determinados
unicamente por fatores de oferta.
Como a determinação do produto e do emprego pela oferta é um aspecto
crucial do sistema clássico, vale a pena demonstrar essa propriedade de
maneira mais formal. Para fazê-lo, vamos examinar melhor as propriedades
das funções demanda e oferta de trabalho discutidas acima. A Figura 3.5a
reproduz as curvas de oferta e demanda agregadas por trabalho. A Figura 3.5b
mostra a oferta de trabalho e a demanda por trabalho como funções do salário
monetário (W). Examinaremos primeiro a forma destas últimas relações. Para
a oferta de trabalho, podemos traçar uma curva de inclinação positiva como
Ns(P1), que dá a quantidade de trabalho ofertada para cada valor do salário
monetário, dado o nível de preços P1. A curva tem inclinação ascendente
porque, em um determinado nível de preços, um salário monetário maior é um
salário real maior. Os trabalhadores estão interessados no salário real,
portanto cada nível de preços terá uma curva diferente. Para um dado salário
monetário, cada nível de preços significará um salário real diferente e, assim,
uma quantidade ofertada de trabalho diferente. A um nível de preços 2P1, ou
seja, o dobro de P1, a curva de oferta de trabalho na Figura 3.5b desloca-se
para Ns(2P1); menos trabalho é ofertado para qualquer salário monetário,
porque, a um nível de preços mais alto, um determinado salário monetário
corresponde a um salário real mais baixo. Uma elevação no nível de preços
desloca a curva de oferta de trabalho (traçada em relação ao salário
monetário) para cima e para a esquerda. A constatação de que o trabalhador
individual está interessado apenas no salário real pode ser observada no fato
de que o mesmo nível de trabalho(N1) é ofertado a um salário monetário W1 e
a um nível de preços P1 (salário real W1/P1) e nas combinações de salário
monetário e preço 2W1 2P1 ou 3W1, 3P1 (salário real = W1/P1 em ambos os
pontos). Aumentos (ou diminuições) equiproporcionais nos salários
monetários e no nível de preços deixam inalterada a quantidade de trabalho
ofertada.
Agora, examinemos a curva de demanda por trabalho traçada em relação
ao salário monetário. Na Figura 3.5, usamos para isso o fato de que as curvas
de demanda por trabalho [f(W/P) ] e PMgN são equivalentes. Lembremos que
a condição satisfeita em todos os pontos da curva de demanda por trabalho é
Se quisermos saber a quantidade de trabalho que será demandada a um
determinado nível de salário monetário, a resposta depende, como no caso da
quantidade ofertada, do nível de preços. Dado o salário monetário, a firma
escolherá o nível de emprego em que
A níveis de preços sucessivamente mais altos (P1, 2P1, 3P1), a curva de
demanda por trabalho traçada em relação às mudanças no salário monetário
desloca-se para a direita (de PMgN × P1 para PMgN × 2P1 para PMgN ×
3P1). Para um dado salário monetário, níveis de preços mais altos aumentam a
demanda por trabalho, porque esse salário monetário corresponde a um
salário real mais baixo9. A demanda por trabalho depende do salário real.
Aumentos equiproporcionais no salário monetário e no nível de preços de
(W1, P1) para (2W1, 2P1) e (3W1, 3P1) deixam a demanda por trabalho
inalterada no nível N1. E deixam o salário real inalterado em W1/P1, que
corresponde à demanda N1 na Figura 3.5a.
As informações na Figura 3.5 são úteis para construir a função oferta
agregada clássica – uma relação que deixa claro como o produto no modelo
clássico é determinado pela oferta. A curva de oferta agregada é a análoga
macroeconômica do conceito microeconômico da curva de oferta da firma.
Para a firma, a curva de oferta mostra a produção obtida em cada nível de
preço do produto. Para a firma perfeitamente competitiva, os lucros são
maximizados, como vimos, quando o custo marginal (W/PMNi para a i-ésima
firma) é igual ao preço do produto (P), ou, equivalentemente, quando
Função oferta agregada
Análogo macroeconômico da curva de
oferta da firma individual, que mostra a
produção obtida em cada nível de preço
do produto. A curva de oferta agregada
mostra o produto total que as firmas
ofertarão em cada valor do nível agregado
de preços.
FIG 3.5 Equílibrio do mercado de trabalho e o salário monetário
A parte a mostra o emprego de equilíbrio (em N1) em que a oferta de trabalho é igual
à demanda por trabalho. Na parte b, a oferta e a demanda por trabalho são
representadas como funções do salário monetário. Aumentos no nível de preços (de
P1 para 2P1, depois para 3P1) deslocam as curvas de oferta e demanda por trabalho
proporcionalmente para cima. O salário monetário aumenta proporcionalmente ao
nível de preços (de W1 para 2W1, depois para 3W1). O salário real e o nível de
emprego permanecem inalterados.
o produto marginal é igual ao salário real. A firma individual mantém fixo o
salário monetário ao decidir sobre o produto ótimo a ser ofertado e, portanto,
sobre a quantidade de trabalho a contratar. Uma firma individual não espera
que sua iniciativa de contratar mais mão de obra possa causar uma alteração
no salário monetário, porque ela é uma parte pequena do mercado total.
Como o salário monetário é considerado fixo, a curva de oferta do produto
para a firma tem inclinação positiva. Preços mais altos significam salários
reais mais baixos; em consequência, a firma demanda mais trabalho e produz
mais produto. Ao construir a curva de oferta agregada para a economia, não
podemos considerar que o salário monetário se mantenha fixo quando produto
e trabalho variam. O salário monetário precisa ajustar-se para manter o
equilíbrio no mercado de trabalho. Com essa diferença importante, a curva de
oferta agregada aborda a mesma questão que sua análoga microeconômica:
como variará o nível de produção ofertado quando mudarmos o preço do
produto?
Na Figura 3.6, construímos a função oferta agregada clássica.
Consideremos o produto ofertado nos três níveis de preços sucessivamente
mais altos P1, 2P1 e 3P1 que foram representados na Figura 3.5. No nível de
preços P1 e salário monetário W1, o emprego era N1 e pressupomos que o
produto resultante seja Y1’ conforme mostrado na Figura 3.610. Como será a
variação do produto ofertado quando passarmos a um nível de preços 2P1? A
um nível de preços 2P1, se o salário monetário permanecesse em W11,
podemos ver na Figura 3.5b que a demanda por trabalho aumentaria para N2.
O preço mais alto representaria um salário real mais baixo e as firmas
tentariam expandir tanto o emprego como o produto. O salário monetário,
porém, não permanecerá em W1 Em um nível de preços 2P1, a curva de oferta
de trabalho na Figura 3.5b terá se deslocado para Ns(2P1) e, a um salário
monetário W1, a oferta de trabalho será de apenas N’2 unidades. Haverá um
excesso de demanda por trabalho igual a (N2 - N’2) unidades e o salário
monetário subirá.
FIG 3.6 Curva de oferta agregada clássica
A curva de oferta agregada clássica vertical reflete o fato de que valores mais altos do
nível de preços requerem níveis proporcionalmente mais altos do salário monetário
para que haja equilíbrio no mercado de trabalho. O salário real, o emprego e, portanto,
o nível do produto são os mesmos em P1, 2P1 e 3P1.
O processo em ação aqui é que algumas firmas reagem aos preços mais
altos tentando expandir o emprego e a produção. Para expandir o emprego,
elas elevam os salários monetários em um esforço de atrair trabalhadores de
outras firmas. As firmas que se atrasam no processo de elevar os salários
monetários sofrem taxas de demissão mais altas e perdem trabalhadores. Esse
processo de elevação dos salários monetários só parará quando o salário
monetário tiver subido o suficiente para reequilibrar a oferta e a demanda no
mercado de trabalho. Como pode ser visto na Figura 3.5b, o reequilíbrio
ocorre em um salário monetário de 2W1, onde o salário monetário aumentou
proporcionalmente ao nível de preços. Nesse ponto, o salário real inicial é
restaurado e o emprego volta a seu nível original. Em consequência, a
produção ofertada no nível de preços 2P1 é igual a Y1, o mesmo nível de
produto do nível de preços P1. Em um nível de preços ainda mais alto 3P1, o
salário monetário sobe para 3W1, mas, também neste caso, o produto
permanece inalterado em Y1. A curva de oferta agregada é vertical. Os preços
mais altos só estimulam a produção quando não são acompanhados de
salários monetários proporcionalmente mais altos – apenas se baixarem o
salário real. No entanto, dadas as pressuposições que fizemos, o equilíbrio no
mercado de trabalho requer que os salários monetários subam
proporcionalmente aos preços para manter o salário real de equilíbrio nesse
mercado.
A curva de oferta agregada vertical ilustra a determinação do produto pela
oferta no modelo clássico. Para que o produto esteja em equilíbrio,
precisamos estar na curva de oferta; o produto precisa estar em Y1.
PERSPECTIVAS 3.1 - CICLOS REAIS DE NEGÓCIOS:
UM COMENTÁRIO INICIAL
Afirmou-se, na Seção 3.5, que os determinantes do produto no modelo clássico
são todos variáveis do lado da oferta. A visão tradicional era de que essas
variáveis do lado da oferta mudam apenas lentamente ao longo do tempo. Mas se
o produto é determinado por variáveis que mudam apenas lentamente, como o
modelo clássico pode explicar movimentos cíclicos bruscos no produto? O PIB
real, por exemplo, caiu 2,5% nos Estados Unidos em 1982, subiu 6,8% em 1984
e caiu 30% entre 1929 e 1933. Essa aparente falha do modelo de equilíbrio
clássico para explicar movimentos cíclicos no produto levou à revolução
keynesiana.
No período pós-1980, porém, alguns economistas argumentaram que o ciclo de
negócios é de fato causado por mudanças em variáveis reais do lado da oferta,
mais ou menos como defendia a posição clássica. Esses economistas não aceitam
a noção de que fatores do lado da oferta mudam apenas lentamente ao longo do
tempo. Eles acreditam que mudanças na tecnologia e choques que afetam a
formação de capital e a produtividade do trabalho, bem como perturbações que
influenciem a disponibilidade e os preços de recursos naturais, podem explicar as
flutuações de curto prazo no produto, assim como sua trajetória de crescimento a
longo prazo. Os modelos que esses economistas construíram são chamados de
modelos dos ciclos reais de negócios. No modelo descrito neste capítulo, os
teóricos dos ciclos reais de negócios veem as flutuações no produto real e no
emprego como resultantes de deslocamentos das curvas da função produção e de
demanda por trabalho na Figura 3.4. Se as preferências dos trabalhadores mudam,
a curva de oferta de trabalho também pode se deslocar.
Eventos como o choque dos preços do petróleo promovido pela OPEP
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo), em 1974, levaram todos os
economistas a reconhecer que, às vezes, choques do lado da oferta podem afetar
o comportamento cíclico do produto. No entanto, a visão de que fatores reais do
lado da oferta podem explicar totalmente os ciclos de negócios é controversa. A
recessão profunda que se seguiu à crise financeira de 2007-2008 acrescentou
intensidade à controvérsia. Vamos examinar detalhadamente os modelos de ciclos
reais de negócios no Capítulo 12.
3.5.2 Fatores que não afetam o produto
Agora, consideremos os fatores que não afetarão o produto e o emprego no
modelo clássico. Como o produto e o emprego são determinados pela oferta,
o nível de demanda agregada não terá nenhum efeito sobre o produto.
Conforme aconselhou John Stuart Mill ao legislador, “Não é preciso se
preocupar com a demanda por produto”. Fatores como a quantidade de
moeda, nível de gastos governamentais e nível de demanda por bens de
investimento por parte do setor empresarial são todos fatores do lado da
demanda que não têm participação na determinação do produto e do emprego.
O caso da política tributária governamental é mais complexo. Mudanças nos
impostos, na medida em que afetem o lado da demanda, não afetarão o
produto ou o emprego. Porém, mudanças nas alíquotas tributárias também
geram incentivos ou efeitos do lado da oferta que são importantes para o
produto e o emprego, como veremos no Capítulo 4.
Conclusão
A característica marcante do modelo clássico é o fato de produto e
emprego serem determinados pela oferta. Essa propriedade decorre da curva
de oferta agregada vertical. A curva de oferta agregada clássica é vertical
devido às pressuposições que fizemos sobre o mercado de trabalho. É útil
reconhecer explicitamente a natureza dessas pressuposições. Em geral, o
quadro dos mercados de trabalho e do produto apresentado neste capítulo
pode ser caracterizado pelo termo mercado de leilão. Considera-se que
trabalho e produto sejam trocados em mercados que estão continuamente em
equilíbrio e em que todos os participantes tomam decisões com base em
salários reais e preços de produtos anunciados. Duas pressuposições
implícitas nessa representação clássica do mercado de trabalho são as
seguintes:
1. Preços e salários perfeitamente flexíveis;
2. Informações perfeitas sobre os preços de mercado por parte de todos os
participantes desse mercado.
Para qualquer período de tempo em que pressupusermos que o modelo de
equilíbrio determine o emprego e o produto, o equilíbrio precisa ser
alcançado. Se tal modelo for usado para explicar o emprego e o produto no
curto prazo, os preços e salários devem ser perfeitamente flexíveis nesse
período de tempo.
A caracterização do mercado de trabalho como mercado de leilão também
requer que os participantes do mercado tenham informações perfeitas sobre os
preços de mercado. Tanto fornecedores como compradores de trabalho
precisam conhecer os preços de troca relevantes. Essa condição requer que,
ao vender e comprar trabalho a um dado salário monetário (W), tanto
trabalhadores como empregadores conheçam o poder de compra de
mercadorias que resultará desse salário (W/P).
Essas duas pressuposições, essenciais para a natureza da teoria do
equilíbrio clássica do emprego e do produto, são os elementos da teoria
clássica que Keynes combate. Antes de examinarmos esse ataque,
discutiremos outros elementos importantes da teoria clássica.
Questões de revisão
1. Em que aspectos a oposição clássica ao mercantilismo foi importante para
moldar as ideias dos economistas clássicos sobre questões
macroeconômicas?
2. Explique o conceito de função produção agregada. Como você esperaria
que a função produção da Figura 3.1 fosse afetada por um aumento na
produtividade média e marginal do trabalho para um dado nível de
produto, devido, por exemplo, a um aumento da instrução da força de
trabalho? Como esse deslocamento da função produção afetaria os níveis
de produto e emprego no modelo clássico?
3. Explique as teorias clássicas de oferta e demanda por trabalho. Por que a
curva de demanda por trabalho tem inclinação descendente quando
representada em relação ao salário real, enquanto a curva de oferta de
trabalho tem inclinação ascendente no mesmo gráfico?
4. Suponha que o gosto do público mude de tal maneira que o lazer torne-se
mais desejável que mercadorias. Como você esperaria que essa mudança
afetasse o produto, o emprego e o salário real no modelo clássico?
5. Chamamos a visão clássica do mercado de trabalho de um mercado de
leilão. Que pressuposições estão na base dessa caracterização?
6. Em microeconomia, esperamos que a curva de oferta da firma tenha
inclinação positiva para a direita quando traçada em relação ao preço. A
curva de oferta agregada clássica baseia-se nessa teoria microeconômica
da firma, mas é vertical. Por quê?
7. Quais são os principais determinantes do produto e do emprego no sistema
clássico? Que papel tem a demanda agregada na determinação do produto
e do emprego?
8. Suponha que, devido, por exemplo, à reconstrução depois de uma guerra,
o estoque de capital de uma nação aumente. Use o modelo gráfico da
Figura 3.4 para ilustrar o efeito que o aumento do estoque de capital teria
sobre o produto, o emprego e o salário real no modelo clássico.
9. Considere os efeitos de um subsídio governamental ao emprego em que o
governo pagasse 10% dos salários de novos trabalhadores contratados.
Como o emprego e o produto seriam afetados pelo programa no modelo
clássico? Qual seria o efeito sobre a posição da curva de oferta agregada
na Figura 3.6?
CAPÍTULO 4
Macroeconomia clássica (II): moeda, preços e juros
Neste capítulo, completamos o exame do modelo clássico. Analisamos a
teoria clássica da determinação do nível agregado de preços, que introduz o
lado de demanda do modelo. A determinação da taxa de juros também é
abordada. Em seguida, examinamos as conclusões de políticas públicas que
emergem do modelo clássico – as concepções clássicas sobre política
monetária e fiscal.
4.1 A teoria quantitativa da moeda
Para compreender a determinação do nível de preços no sistema clássico,
analisaremos o papel da moeda. Na teoria clássica, a quantidade de moeda
determina a demanda agregada, que, por sua vez, determina o nível de preços.
4.1.1 A equação de trocas
O ponto de partida da teoria quantitativa da moeda clássica é a equação
de trocas, uma identidade que relaciona o volume de transações pelos preços
vigentes à oferta de moeda multiplicada pela taxa de circulação de cada
unidade monetária. Essa velocidade de circulação da moeda, que mede o
número médio de vezes que cada unidade monetária é usada em transações
durante o período, é chamada de velocidade da moeda. Na forma usada pelo
teórico quantitativista americano Irving Fisher, essa identidade é expressa
como
onde M é a quantidade de moeda, Vt é a velocidade de transações da moeda,
Pt é o índice de preços dos itens transacionados e T é o volume de transações.
Essa relação é uma identidade por causa da definição ex post de velocidade.
Se, por exemplo, ao longo de um determinado período, o valor de transações
em moeda corrente (PtT) fosse $3.600 bilhões e a oferta de moeda (M) fosse
$300 bilhões, definimos a velocidade de transações (ou velocidade de
circulação) da moeda como o número de vezes, em média, que a mesma
moeda foi usada em transações:
Teoria quantitativa da moeda
Teoria clássica que afirma que o nível de
preços é proporcional à quantidade de
moeda.
Velocidade da moeda
Velocidade em que a moeda circula em
transações do PIB durante um determinado
período: ou seja, o número médio de
vezes que cada unidade monetária é usada
em transações incluídas no PIB.
A variável de transações (T) inclui não só vendas e compras de bens
recém-produzidos, mas também trocas de ativos financeiros e bens
produzidos anteriormente. Outra expressão da equação de trocas foca apenas
as transações em termos de renda:
onde M é novamente a quantidade de moeda e V é agora a velocidade-renda
da moeda, o número de vezes, em média, que a mesma moeda é usada em uma
transação envolvendo a produção corrente. O índice de preços para o produto
produzido no período é dado por P e o nível de produção corrente por Y. Uma
vez mais, essa relação seria uma identidade na medida em que a velocidaderenda fosse definida residualmente, como o nível necessário para fazer a
igualdade ser verdadeira:
Na equação (4.3), as variáveis são mais fáceis de medir e são
fundamentais para nossos interesses, portanto vamos nos centrar nessa forma
da equação.
A equação de trocas é um truísmo e não explica as variáveis que contém.
Fisher e outros teóricos quantitativistas, porém, postularam que os valores de
equilíbrio dos elementos da equação de trocas, com exceção do nível de
preços, são determinados por outras forças. Portanto, a equação de trocas
determina o nível de preços. Nas palavras de Fisher:
Encontramos que, nas condições consideradas, o nível de preços varia
(1) diretamente com a quantidade de moeda em circulação (M), (2)
diretamente com a velocidade de sua circulação (V), (3) inversamente
com o volume de transações realizadas por meio dela (T). A primeira
dessas três relações merece destaque. Ela constitui a “teoria
quantitativa da moeda”.1
O produto é uma medida da atividade econômica real. Como vimos no
Capítulo 3, os economistas clássicos consideravam que essa variável fosse
determinada pela oferta. Em termos mais simples, pressupunha-se uma moeda
metálica, como ouro, mas levar em consideração o papel-moeda e depósitos
bancários não complica seriamente a análise. O pressuposto importante era
que a quantidade de moeda era controlada exogenamente pela autoridade de
política monetária.
Fisher argumentava que, no equilíbrio, a velocidade da moeda era
determinada pelos hábitos de pagamento e pela tecnologia de pagamentos da
sociedade. Por exemplo, fatores como a extensão média do período de
pagamento, a prática de usar contas ou cartões de crédito e o uso de crédito
comercial entre empresas afetam a velocidade de circulação. Períodos de
pagamento mais curtos levam a retenção média mais curta de moeda ao longo
do período de pagamento para qualquer nível de renda dado e, assim, a um
aumento na velocidade da moeda. O uso frequente de contas de crédito por
consumidores ou de crédito comercial por empresas também aumenta a
velocidade, o número de transações por unidade monetária. De acordo com
Fisher e outros teóricos quantitativistas, o nível de equilíbrio da velocidade
era determinado por tais fatores institucionais e podia ser considerado fixo
no curto prazo.
Se a velocidade for predeterminada e não simplesmente definida
residualmente a fim de igualar MV e PY, a equação de trocas não é meramente
uma definição. Com o produto fixado pelo lado da oferta, a equação de trocas
agora expressa uma relação de proporcionalidade entre a oferta de moeda
definida exogenamente e o nível de preços:
ou
A barra sobre o V e o Y indica que esses termos podem ser tomados como
fixos. A equação (4.6) indica como o nível de preços depende da oferta de
moeda. Se M dobra, P dobra, ou um aumento de 10% em M leva a um
aumento de 10% em P. Esse é o resultado básico da teoria quantitativa da
moeda: A quantidade de moeda determina o nível de preços.
4.1.2 A abordagem de Cambridge para a teoria quantitativa
A matemática da teoria quantitativa pode estar clara pelas equações (4.5) e
(4.6), mas e a economia? Como mudanças na oferta de moeda afetam o nível
de preços? Essa pergunta poderá ser respondida mais facilmente depois de
examinarmos mais uma variante da teoria quantitativa: a abordagem de
Cambridge.
A abordagem de Cambridge, que deriva seu nome da Universidade de
Cambridge, o lar acadêmico de seus criadores, Alfred Marshall e A. C.
Pigou, também demonstrava a relação proporcional entre a quantidade de
moeda e o nível agregado de preços. A base dessa relação era, no entanto,
menos mecanicista do que a versão centrada em transações, ou fisheriana (de
Irving Fisher), da teoria quantitativa. Marshall começou focalizando a decisão
do indivíduo quanto à quantidade ótima de moeda a ser mantida. Alguma
moeda será mantida pela conveniência que a moeda proporciona nas
transações em comparação com outras formas de armazenar valor. A moeda
também oferece segurança, por reduzir a possibilidade de inconveniência ou
de falência por não conseguir atender a obrigações inesperadas. Mas, como
observou Pigou, “a moeda mantida na mão não gera renda”, portanto a moeda
será mantida apenas na medida em que suas vantagens em termos de
conveniência e segurança superem a renda perdida por não investir em uma
atividade produtiva ou a satisfação perdida por não usar simplesmente a
moeda para comprar bens de consumo. Com base nesses critérios, de quanto
seria o montante ótimo de moeda a ser mantido?
Abordagem de Cambridge
Versão da teoria quantitativa da moeda
centrada na demanda por moeda (Md =
kPY).
Marshall e os outros economistas de Cambridge consideraram que a
demanda por moeda seria uma proporção da renda. A equação de Cambridge
é escrita como
A demanda por moeda (Md) seria uma proporção (k) da renda nominal, ou
seja, o nível de preços (P) vezes o nível de renda real (Y). A característica
desejável da moeda é sua utilidade para transações, portanto, a demanda por
moeda depende do nível de transações, que se pode supor que varie em
estreita conexão com a renda. A proporção ótima de renda a ser mantida em
forma de moeda (k) é considerada estável no curto prazo, dependendo, como
na formulação fisheriana, dos hábitos de pagamento da sociedade.
No equilíbrio, a oferta exógena de moeda deve ser igual à quantidade de
moeda demandada:
Com k fixo no curto prazo e o produto real (Y) determinado, como antes,
pelas condições de oferta, a equação de Cambridge também se reduz a uma
relação proporcional entre o nível de preços e a oferta de moeda. Como na
abordagem fisheriana, a quantidade de moeda determina o nível de preços.
A equivalência formal entre a equação de Cambridge e a versão de Fisher
da equação de trocas pode ser percebida reescrevendo a equação (4.8) como
Comparando isso com a equação de Fisher (4.5), podemos ver que as duas
formulações são equivalentes, com V igual a 1/k. Por exemplo, se indivíduos
quiserem manter um montante igual a um quarto da renda nominal na forma de
moeda, o número de vezes que a moeda média é usada em transações de renda
será quatro.
Embora as duas formulações da teoria quantitativa sejam formalmente
equivalentes, a versão de Cambridge representa um passo na direção de
teorias monetárias mais modernas. O foco de Cambridge era na teoria
quantitativa como uma teoria da demanda por moeda. A relação proporcional
entre a quantidade de moeda e o nível de preços resultava do fato de que a
proporção de renda nominal que as pessoas queriam manter na forma de
moeda (k) era constante e o nível de produto real era fixado pelas condições
de oferta. Dando seguimento à análise de Pigou das alternativas a manter
riqueza em forma de moeda, Keynes contrapôs-se à teoria quantitativa
apresentando uma nova teoria de demanda por moeda.
Além disso, o foco de Cambridge na demanda por moeda leva a uma
resposta à pergunta sobre o modo como a moeda afeta o nível de preços.
Vamos supor que comecemos no equilíbrio e, então, examinemos os efeitos de
duplicar a quantidade de moeda. Inicialmente, há um excesso de oferta de
moeda em relação ao montante demandado. Os indivíduos tentam reduzir seus
estoques de moeda à proporção ótima de sua renda dando a esse excedente
usos alternativos de consumo e investimento. Eles aumentam sua demanda por
mercadorias. Essa demanda aumentada por mercadorias pressiona os preços
para cima. Na linguagem dos economistas clássicos, há moeda demais à
procura de bens insuficientes. Se o produto ficar inalterado, como seria no
modelo clássico, e k for constante, um novo equilíbrio só será alcançado
depois que o nível de preços for dobrado. Nesse ponto, a renda nominal e,
portanto, a demanda por moeda, terão dobrado. Essa era a ligação no sistema
clássico entre moeda e preços; uma oferta de moeda excessiva levava a uma
demanda aumentada por mercadorias e a uma pressão de alta sobre o nível de
preços.
4.1.3 A curva de demanda agregada clássica
A teoria quantitativa é a teoria implícita da demanda agregada por produto
dentro do sistema clássico. Podemos usar a teoria quantitativa para construir a
curva de demanda agregada clássica da Figura 4.1. Para tornar o exemplo
mais concreto, atribuímos valores numéricos às variáveis que nos interessam.
Vamos supor que o valor de k seja um quarto, portanto a velocidade é 4.
Inicialmente, suponhamos que a oferta de moeda seja de 300 unidades. Para
que as equações (4.8) ou (4.5) sejam válidas, P × Y (renda nominal) deve ser
igual a 1.200 (4 × 300). Na Figura 4.1, com o preço no eixo vertical e o
produto real no eixo horizontal, a curva identificada como Yd (M = 300)
conecta todos os pontos em que P × Y é igual a 1.200 unidades.2 Os pontos na
curva são, por exemplo, níveis de renda real de 300 e 600 com níveis de
preços correspondentes de 4,0 e 2,0, respectivamente.
Agora, consideremos um valor mais alto da oferta de moeda, por exemplo,
400 unidades. Para satisfazer as equações (4.8) ou (4.5), com k ainda igual a
um quarto (V = 4), (P × Y) deve agora ser igual a 1.600. A curva Yd (M = 400)
correspondente a um valor de M igual a 400 está acima e à direita da curva Yd
(M = 300) e mostra todas as combinações (P × Y) iguais a 1.600. Um aumento
na oferta de moeda desloca a curva de demanda agregada para a direita.
Para uma dada oferta de moeda, traçamos uma curva de demanda agregada
de inclinação negativa que pode ser combinada à curva de oferta agregada
vertical da Figura 3.6 para ilustrar a determinação do preço e do produto no
modelo clássico. Isso é feito na Figura 4.2.
FIG 4.1 Curva de demanda agregada clássica
A curva de demanda agregada clássica mostra combinações do nível de preços (P) e
do produto (Y) compatíveis com a equação da teoria quantitativa PY = MV, para uma
dada oferta de moeda (M) e velocidade fixa (V). Com M = 300 e considerando-se que
a velocidade seja 4, pontos como P = 12,0 e Y = 100 ou P = 6,0 e Y = 200 (PY =
1.200 = MV em cada caso) estão na curva de demanda agregada. Um aumento na
oferta de moeda para M = 400 desloca a curva de demanda agregada para a direita.
A Figura 4.2 reproduz a curva de oferta agregada vertical (Y1s) da Figura
3.6 e mostra várias curvas de demanda agregada [Yd (M1), Yd (M2), Yd (M3)]
traçadas para valores sucessivamente mais altos da oferta de moeda (M1, M2,
M3). Como acabamos de explicar, o aumento da oferta de moeda desloca a
curva de demanda agregada para cima e para a direita. Como a curva de
oferta é vertical, aumentos na demanda não afetam o produto. Apenas o nível
de preços aumenta. Note-se também que, para um valor dado de k (ou V), uma
mudança na quantidade de moeda é o único fator que desloca a curva de
demanda agregada. Como o valor de equilíbrio de k (ou V) era considerado
estável no curto prazo, a demanda agregada variava apenas com a oferta de
moeda.
A teoria clássica da demanda agregada foi chamada de teoria implícita. A
teoria não é explícita no sentido de focalizar os componentes da demanda
agregada e explicar os fatores que determinam seu nível. Em vez disso, na
teoria clássica, um dado valor de MV [ou M(1/k) ] implica o nível de P × Y
que é necessário para o equilíbrio no mercado de moeda – para a demanda
por moeda ser igual à oferta de moeda existente. Se a demanda por moeda
exceder (não alcançar) a oferta de moeda, haverá um transbordamento
(spillover) para o mercado de mercadorias, com os indivíduos tentando
reduzir (aumentar) seus gastos em mercadorias. Os pontos ao longo da curva
Yd são pontos em que as firmas e famílias estão em equilíbrio com relação à
moeda que mantêm e, portanto, também estão nas taxas de equilíbrio de seus
gastos com mercadorias.
FIG 4.2 Oferta e demanda agregadas no sistema clássico
Aumentos sucessivos na oferta de moeda, de M1 para M2 e depois para M3, deslocam
a curva de demanda agregada para a direita, de Yd (M1) para Yd (M2) para Yd (M3). O
nível de preços aumenta de P1 para P2 para P3. O produto, que é determinado pela
oferta, fica inalterado (Y1 = Y2 = Y3).
4.2 A teoria clássica da taxa de juros
No sistema clássico, os componentes da demanda agregada – consumo,
investimento e gastos governamentais – desempenham um papel explícito na
determinação da taxa de juros. É, de fato, a taxa de juros que garante que
mudanças exógenas nos componentes específicos da demanda não afetem a
demanda agregada.
A taxa de juros de equilíbrio na teoria clássica era a taxa em que o
montante de fundos que os indivíduos desejassem emprestar fosse exatamente
igual ao montante que outros desejassem tomar emprestado. Para simplificar,
consideramos que tomar um empréstimo consista em vender um título padrão,
ou seja, uma promessa de pagar determinados montantes monetários no futuro.
Emprestar consiste em comprar esses títulos. Mais adiante, examinaremos as
propriedades dos títulos mais detalhadamente; por enquanto, o pressuposto
mais simples é que o título padrão seja uma perpetuidade, um título que pague
um fluxo perpétuo de juros sem nenhum retorno do principal. A taxa de juros
mede o retorno de se manter títulos e, equivalentemente, o custo de tomar
empréstimos. A taxa de juros depende dos fatores que determinam os níveis
de oferta de títulos (tomar empréstimos) e de demanda por títulos (emprestar).
PERSPECTIVAS 4.1 - A MOEDA NAS
HIPERINFLAÇÕES
A relação entre a moeda e o nível de preços postulada pela teoria quantitativa
pode ser observada claramente durante hiperinflações. Uma hiperinflação é um
período em que o nível de preços explode. Quando isso acontece, a oferta de
moeda sempre explode também. Isso pode ser observado olhando para exemplos
históricos de hiperinflação. Na Alemanha entre agosto de 1922 e novembro de
1923, a taxa de inflação mensal foi de 322%. O crescimento da oferta de moeda
no mesmo período foi de 314% ao mês. Na Hungria entre agosto de 1945 e julho
de 1946, a taxa de inflação mensal foi de 19.800%; o crescimento da oferta de
moeda foi de 12.200%.
A Tabela 4.1 mostra as taxas de inflação e de crescimento da oferta de moeda
em alguns países que enfrentaram taxas de inflação altas e persistentes em um
período mais recente. Aqui, uma vez mais, há uma forte relação positiva entre
inflação e crescimento da oferta de moeda.
Como será visto em capítulos posteriores, muitos economistas não aceitam a
aplicação da teoria quantitativa da moeda a economias em circunstâncias
normais. Os dados da Tabela 4.1, porém, ilustram uma implicação da teoria
quantitativa sobre a qual há amplo consenso: taxas de inflação persistentemente
muito altas requerem o acompanhamento de altas taxas de crescimento
monetário.
Tabela 4.1 - Inflação e crescimento monetário em algumas economias com
alta inflação, 1985-95
Taxa de inflação Taxa de crescimento monetário
(% anual)
(% anual)
Nicarágua
962
836
Brasil
875
996
Peru
399
389
Argentina
256
258
Fonte: Banco Mundial
No sistema clássico, os fornecedores de títulos eram as firmas, que
financiavam todos os gastos em investimentos pela venda de títulos, e o
governo, que poderia vender títulos para financiar os gastos que
ultrapassassem as receitas tributárias.3
O nível do déficit público (excesso de gastos sobre as receitas), bem como
a parte do déficit que o governo poderia escolher financiar vendendo títulos
para o público, são variáveis exógenas de política econômica. No modelo
clássico, o nível de investimento das empresas era uma função da
rentabilidade esperada de projetos de investimento e da taxa de juros.
Considerava-se que a rentabilidade esperada de projetos de investimento
variasse de acordo com as expectativas de demanda pelo produto ao longo da
vida desses projetos e o estado dessas expectativas estava sujeito a variações
exógenas.
Para uma dada rentabilidade esperada, os gastos com investimentos
variavam inversamente à taxa de juros. Os economistas clássicos explicavam
essa relação da seguinte forma: uma firma teria um número de projetos de
investimento possíveis, com retornos esperados diversos. Ela poderia
classificar esses projetos de acordo com o nível de retornos esperados. A
taxa de juros representa o custo de tomar recursos emprestados para financiar
esses projetos de investimento. A uma taxa de juros alta, menos projetos serão
lucrativos após a dedução do custo dos juros. As taxas de juros
sucessivamente mais baixas (custos de empréstimo menores), cada vez mais
projetos serão lucrativos após desconto dos custos dos juros e o investimento
aumentará. Examinaremos os investimentos mais detalhadamente adiante, mas
o resultado geral será o mesmo. O investimento depende inversamente da taxa
de juros. Assim, no lado da oferta (tomada de empréstimos) do mercado de
títulos, a oferta de títulos do governo é exógena e a oferta de títulos pelas
empresas é igual ao nível dos gastos com investimentos. O investimento varia
inversamente com a taxa de juros e é também influenciado por mudanças
exógenas na rentabilidade esperada dos projetos de investimento.
No lado da demanda (concessão de empréstimos) do mercado de títulos
estão os poupadores individuais que compram os títulos. No modelo clássico,
a poupança era considerada uma função positiva da taxa de juros. O ato de
poupar é o ato de adiar o consumo atual para ter um poder de compra sobre os
bens em um período futuro, ou seja, uma troca de consumo atual por consumo
futuro. Quando a taxa de juros sobe, os termos da troca tornam-se mais
favoráveis. Uma unidade monetária poupada hoje renderá um retorno de juros
mais alto para o poupador e um poder de compra maior de bens de consumo
em um período futuro. Os economistas clássicos consideravam que os
indivíduos decidiriam aproveitar essa troca mais favorável; eles poupariam
mais a taxas de juros mais altas.
Mas a poupança não precisa ser direcionada para títulos; a moeda também
é um depósito de riqueza potencial. Como a moeda não pagava juros, os
economistas clássicos pressupunham que os títulos seriam preferidos como
forma de manter riqueza. Conforme discutido anteriormente, alguma moeda
seria mantida pela conveniência e segurança oferecidas. No entanto, a riqueza
acumulada por meio de novas poupanças seria mantida em títulos. Os
economistas clássicos acreditavam que as pessoas poderiam transferir sua
riqueza para a forma de moeda em tempos de graves crises econômicas.
Nesses momentos, com a prevalência de pânico bancário e falências, as
pessoas poderiam se preocupar com a possibilidade de inadimplência dos
títulos e decidir guardar moeda, mas, em tempos normais, a pressuposição
clássica era que a poupança era uma demanda por títulos.
A determinação da taxa de juros é ilustrada na Figura 4.3. A poupança (S)
é representada como uma função positiva da taxa de juros. A poupança
proporciona a demanda por títulos ou, como diziam os economistas clássicos,
a oferta de fundos de empréstimo. O investimento (I) é uma curva de
inclinação negativa em relação à taxa de juros. O investimento mais o déficit
governamental exogenamente determinado (G – T), todo o qual seria
financiado pela venda de títulos, equivale à oferta de títulos. Na terminologia
clássica, essa é a demanda por fundos de empréstimo. No gráfico, r0 é a taxa
de juros de equilíbrio, a taxa de juros que iguala a demanda e a oferta de
fundos de empréstimo.
FIG 4.3 Determinação da taxa de juros no sistema clássico
A taxa de juros de equilíbrio r0 é a taxa que iguala a oferta de fundos de empréstimo,
que consiste na poupança (S), e a demanda por fundos de empréstimo, que é o
investimento (I) mais o déficit público financiado por títulos (G – T).
A taxa de juros tem uma função estabilizadora no sistema clássico, como
pode ser visto pelo exame dos efeitos de uma mudança da rentabilidade
esperada dos investimentos. Lembremos que, no curto prazo, o investimento
depende da taxa de juros e da rentabilidade futura esperada de projetos de
investimento. Vamos supor que, como resultado de um evento exógeno (por
ex., medo de uma guerra futura), os administradores de empresas em geral
baixem sua expectativa quanto a lucros futuros dos investimentos. O efeito
seria uma redução dos investimentos e, assim, uma diminuição da demanda
por fundos de empréstimo em todas as taxas de juros.
A Figura 4.4 ilustra o efeito desse declínio autônomo da demanda por
investimento. Para simplificar, pressupomos que o orçamento do governo
esteja equilibrado (G = T), de modo que não haja tomadas de empréstimo
governamentais. O investimento é a única fonte da demanda por fundos de
empréstimo. A queda na rentabilidade esperada de projetos de investimento é
mostrada como um deslocamento da curva de investimento para baixo, de 10
para 11. A uma dada taxa de juros, a magnitude do declínio no investimento é
medida por ΔI na Figura 4.4.
À taxa de juros de equilíbrio inicial r0, após a queda nos investimentos, a
oferta de fundos de empréstimo excede a demanda, pressionando para baixo a
taxa de juros. Conforme a taxa de juros declina, dois ajustes ocorrem.
Primeiro, a poupança declina; assim, o consumo (C) aumenta. A magnitude
desse declínio da poupança e o aumento equivalente do consumo são dados
pela distância marcada como A na Figura 4.44. Segundo, o investimento é
retomado em alguma medida pelo declínio da taxa de juros. Esse aumento do
investimento induzido pela taxa de juros é medido pela distância B na Figura
4.4. O equilíbrio é restaurado na taxa de juros r1, com a poupança (a oferta de
fundos de empréstimo) novamente igual ao investimento (a demanda por
fundos de empréstimo). No novo equilíbrio, o aumento do consumo (queda da
poupança) mais o aumento do investimento causado pela queda da taxa de
juros, a distância A + B na Figura 4.4, é exatamente igual ao declínio
autônomo original da demanda por investimento, a distância Δl na Figura 4.4.
Devido ao ajuste da taxa de juros, a soma das demandas do setor privado (C
+ I) não é afetada pelo declínio autônomo da demanda por investimento.
Esse papel estabilizador da taxa de juros é importante para o sistema
clássico. O ajuste da taxa de juros é a primeira linha de defesa do pleno
emprego. Choques que afetem a demanda por consumo, a demanda por
investimento ou a demanda do governo não afetarão a demanda total pelo
produto. Esses choques não deslocarão a curva de demanda agregada da
Figura 4.2. Mesmo que o fizessem, não haveria efeito sobre o produto ou
sobre o emprego, devido às propriedades de autoajuste do mercado de
trabalho clássico, conforme refletidas na curva de oferta agregada vertical – a
segunda linha de defesa do pleno emprego.
FIG 4.4 Declínio autônomo da demanda por investimento
Um declínio autônomo do investimento desloca a curva de investimento para a
esquerda, de I0 para I1 – a distância ΔI. A taxa de juros de equilíbrio cai de r0 para
r1. Conforme a taxa de juros diminui, há um aumento no investimento induzido pela
taxa de juros – a distância B. Há também uma queda induzida pela taxa de juros na
poupança, que é igual ao aumento no consumo – a distância A. Os aumentos do
consumo e do investimento induzidos pela taxa de juros equilibram exatamente o
declínio autônomo do investimento.
4.3 As implicações de política econômica do modelo de
equilíbrio clássico
Nesta seção, analisamos os efeitos de ações de política fiscal e monetária
no modelo clássico. Examinamos os efeitos que diversas mudanças nas
políticas terão sobre o produto, o emprego, o nível de preços e a taxa de
juros.
4.3.1 Política fiscal
A política fiscal é o estabelecimento do orçamento federal e, assim,
envolve decisões sobre gastos governamentais e tributação. Ao analisar a
visão clássica da política fiscal, é conveniente começar pelos gastos
governamentais.
4.3.1.1 Gastos governamentais
Considere os efeitos de um aumento dos gastos governamentais. A primeira
questão que surge é como financiar os gastos aumentados. Como uma empresa
ou uma família, o governo tem uma restrição orçamentária: a condição de que
todos os gastos possam ser financiados por alguma fonte. O governo tem três
fontes de recursos: tributação, venda de títulos para o público (tomar
empréstimo de recursos do público) ou criação de mais moeda. A criação de
mais moeda pode assumir várias formas, mas, em nossa discussão aqui, não
será prejudicial pressupor que o governo simplesmente emita mais moeda
para financiar seus gastos.
Para aumentar os gastos, portanto, o governo precisa aumentar a
arrecadação tributária, vender mais títulos ao público ou aumentar a oferta de
moeda. Por enquanto, para evitar introduzir uma mudança na política
monetária, vamos pressupor que a oferta de moeda seja fixa. Pressuporemos,
também, que a arrecadação tributária seja fixa. Os gastos governamentais
aumentados, portanto, seriam financiados vendendo títulos ao público.
De nossa análise, até este ponto, decorre que um aumento dos gastos do
governo financiado por títulos não afetará os valores de equilíbrio do produto
ou do nível de preços. Isso ocorre porque construímos tanto a curva de
demanda agregada como a de oferta agregada, que, juntas, determinam o
produto e o nível de preços, sem fazer referência ao nível de gastos
governamentais. O produto não é afetado por mudanças nos gastos do
governo, portanto o emprego também não deve ser afetado. Para compreender
esses resultados, examinaremos como uma mudança nos gastos do governo
afeta a taxa de juros.
A Figura 4.5 mostra o efeito sobre o mercado de fundos de empréstimo de
um aumento nos gastos governamentais financiado por uma venda de títulos
para o público. Se os gastos do governo forem maiores que a receita
tributária, então (G – T) é positivo, onde G são os gastos governamentais, T é
a receita tributária e (G – T) é o déficit público. Pressupomos que, antes do
aumento dos gastos, o orçamento do governo estivesse equilibrado, ou seja,
(G = T). O déficit do governo é, então, igual ao aumento dos gastos públicos,
(G – T)1. Inicialmente, sem nenhum déficit governamental, o mercado de
fundos de empréstimo está em equilíbrio no ponto E. Pressupondo que não
haja nenhuma tomada de empréstimo por parte do governo, a taxa de juros de
equilíbrio, r0, iguala a oferta de fundos de empréstimo à demanda por fundos
de empréstimo. Inicialmente, o investimento, l, é a única fonte de demanda por
fundos de empréstimo. Se o aumento nos gastos do governo for financiado
pela venda de títulos, então a demanda total por fundos de empréstimo inclui
tanto investimento, l, como empréstimos tomados pelo governo, (G – T)1. O
aumento na demanda por fundos de empréstimo é mostrado como um
deslocamento para a direita na demanda, de I para I + (G – T)1, movendo o
ponto de equilíbrio E para o ponto de equilíbrio F. Note-se que a distância do
deslocamento horizontal na curva mede a magnitude do aumento dos gastos
públicos deficitários. Essa magnitude é medida pela distância (G – T)1 na
Figura 4.5.
O aumento dos gastos governamentais cria uma demanda aumentada por
fundos de empréstimo, conforme o governo vende títulos ao público para
financiar os novos gastos. Isso cria um excesso de tomadores de empréstimos
em relação aos emprestadores na taxa de juros inicial r0, o que empurra a taxa
de juros para cima, até r1 O aumento da taxa de juros tem dois efeitos. A
poupança aumenta de S0 para S1; essa é a distância A na Figura 4.5. Como foi
explicado na seção anterior, um aumento na poupança reflete-se em um
declínio igual no consumo. Segundo, a quantidade de investimento diminui
com a taxa de juros mais alta. Em r1, encontramos o novo nível de
investimento I1 na curva I. O declínio no investimento é a distância B na
Figura 4.5.
A figura mostra que o declínio no consumo, que é igual à magnitude do
aumento da poupança (distância A), mais o declínio no investimento
(distância B) é exatamente igual à magnitude do aumento dos gastos do
governo (G – T)1. O aumento dos gastos governamentais financiado pela
venda de títulos ao público empurra a taxa de juros para cima o suficiente
para deslocar (crowd out) uma quantidade igual de gastos privados (consumo
mais investimento). Os gastos privados são desestimulados, porque as taxas
de juros mais elevadas fazem as famílias substituírem consumo imediato por
consumo futuro – em outras palavras, poupar mais. O investimento declina
porque menos projetos parecem lucrativos com os custos mais altos dos
empréstimos. É esse deslocamento que impede a demanda agregada de
aumentar quando o componente governamental da demanda sobe. Como a
demanda agregada não se altera, os aumentos nos gastos governamentais
financiados por títulos não afetam o nível de preços.
Quais são os efeitos de um aumento dos gastos governamentais se,
alternativamente, o governo emitir moeda para financiar os novos gastos?
Nesse caso, como a quantidade de moeda é alterada, o nível de preços
mudará proporcionalmente. Analisamos anteriormente como um aumento na
oferta de moeda desloca a curva de demanda agregada para cima ao longo da
curva de oferta agregada vertical, elevando o nível de preços (veja a Figura
4.2). No sistema clássico, a fonte do aumento da oferta de moeda não importa.
Uma dada mudança na oferta de moeda tem o mesmo efeito quer essa moeda
entre na economia para financiar um aumento dos gastos governamentais ou de
alguma outra maneira. Em outras palavras – e este é o ponto crucial –, o
aumento dos gastos governamentais não tem nenhum efeito independente
sobre a demanda agregada.
FIG 4.5 Efeito de um aumento dos gastos governamentais no modelo clássico
No ponto de equilíbrio E, a taxa de juros r0 iguala a oferta de fundos de empréstimo,
S, e a demanda por fundos de empréstimo, I. O aumento dos gastos governamentais
deficitários, (G – T)1, desloca a demanda por fundos de empréstimo para a direita. A
taxa de juros de equilíbrio sobe para r1 no ponto F. O aumento da taxa de juros causa
um declínio no investimento de I0 para I1, a distância B, e um aumento na poupança,
que corresponde a um declínio igual no consumo, de S0 para S1, a distância A. O
declínio no investimento e no consumo compensa exatamente o aumento nos gastos
do governo.
4.3.1.2 Política tributária
Efeitos do lado da demanda. Se considerarmos apenas os efeitos sobre a
demanda, a análise de uma mudança nos impostos produz resultados que são
análogos aos dos gastos governamentais. Por exemplo, por aumentar a renda
disponível das famílias, um corte nos impostos estimularia o consumo. Se,
contudo, o governo vendesse títulos ao público para substituir as receitas
perdidas pelo corte nos impostos, ocorreria o mesmo processo de
deslocamento (crowding-out) que no caso de um aumento dos gastos
governamentais financiado por títulos. A taxa de juros de equilíbrio subiria, o
investimento cairia e haveria também um aumento da poupança induzido pela
taxa de juros, fazendo com que o consumo voltasse ao patamar anterior ao
corte nos impostos. No caso de uma redução de impostos, como no aumento
dos gastos governamentais, a demanda agregada não seria afetada.
Se a receita perdida devido ao corte de impostos fosse substituída por
meio da emissão de moeda, então, como no caso de um aumento nos gastos do
governo, a criação de moeda aumentaria a demanda agregada e a redução de
impostos faria o nível de preços subir. Uma vez mais, porém, seria
simplesmente o aumento da oferta de moeda que afetaria o nível de preços. O
corte nos impostos não teria nenhum efeito independente sobre a demanda
agregada.
FIG 4.6 Efeitos do lado da oferta de uma redução no imposto de renda
Efeitos do lado da oferta. Se o corte de impostos fosse fixo e uniforme
(lumpsum), por exemplo, se todas as famílias tivessem uma redução de
impostos de $100, só seria preciso levar em conta os efeitos do lado da
demanda.5 Mas suponhamos que o corte
FIG 4.6 Efeitos do lado da oferta de uma redução no imposto de renda
Na parte a, uma redução na alíquota marginal do imposto de renda (de 0,40 para
0,20) aumenta o salário real após o imposto em relação a um determinado valor do
salário real antes do imposto. A curva de oferta de trabalho desloca-se para a direita. O
equilíbrio move-se do ponto A para o ponto B. O emprego e o produto aumentam,
como é mostrado na parte b do gráfico, movendo-se do ponto A para o ponto B na
função produção. Esse aumento do produto é representado pelo deslocamento para a
direita da curva de oferta agregada vertical na parte c.
de impostos ocorresse na forma de uma redução nas alíquotas do imposto de
renda. Suponhamos que a alíquota marginal do imposto de renda fosse cortada
de iniciais 40% para uma nova alíquota de 20%. Em vez de pagar 0,40 de
imposto a cada unidade monetária adicional recebida, seria preciso pagar
apenas 0,20. No modelo clássico, essa mudança teria um efeito de incentivo
sobre a oferta de trabalho. A mudança afetaria o lado da oferta do modelo e
afetaria o produto e o emprego.
A Figura 4.6 ilustra o efeito de uma redução na alíquota marginal do
imposto de renda dentro do modelo clássico. A parte a mostra os efeitos no
mercado de trabalho. Um corte na alíquota do imposto aumentaria a oferta de
trabalho em qualquer valor do salário real (antes do imposto) e deslocaria a
curva de oferta de trabalho para a direita. Esse deslocamento acontece porque
o trabalhador está interessado no salário real após o imposto, que, neste caso,
é (1 – ty)W/P, onde ty é a alíquota marginal do imposto de renda. Se
tivéssemos incluído um imposto sobre a renda em nosso modelo clássico no
Capítulo 3, a função oferta de trabalho seria
Para um dado salário real antes do imposto (W/P), um corte no imposto de
renda representa um aumento no salário real após o imposto e, portanto,
aumenta a oferta de trabalho.
Na Figura 4.6a, quando a alíquota marginal do imposto de renda cai de
0,40 para 0,20, a curva de oferta de trabalho desloca-se de NS(ty = 0,40) para
NS(ty = 0,20). O nível de emprego de equilíbrio sobe de N0 para N1. A parte b
da Figura 4.6 mostra a função produção agregada. O aumento do emprego de
N0 para Nt como resultado do aumento da oferta de trabalho leva a um
aumento do produto de Y0 para Y1.
Na parte c da figura, esse aumento no nível de produto (de Y0 para Y1)
determinado pela oferta é mostrado como um deslocamento para a direita da
curva de oferta agregada, de YS(ty = 0,40) para YS(ty = 0,20). Como a demanda
agregada permanece inalterada (determinada pelo nível de oferta de moeda),
esse aumento da oferta agregada resulta em uma queda no nível de preços6.
Em suma, mudanças nos gastos governamentais ou nos impostos não têm
efeitos independentes sobre a demanda agregada, por causa do ajuste da taxa
de juros e dos efeitos de deslocamento resultantes sobre componentes da
demanda do setor privado. Mudanças nas alíquotas marginais do imposto de
renda têm efeitos adicionais no lado da oferta. Uma redução da alíquota
marginal do imposto de renda, por exemplo, estimula a oferta de trabalho e
leva a um aumento do emprego e do produto.
PERSPECTIVAS 4.2 - A ECONOMIA DO LADO DA
OFERTA – UMA VISÃO CLÁSSICA MODERNA
Os economistas clássicos do século XIX e início do século XX não deram muita
atenção aos efeitos no lado da oferta de mudanças nas alíquotas do imposto de
renda. Na época, a alíquota marginal do imposto de renda era baixa e dizia
respeito apenas aos relativamente ricos. Nos Estados Unidos a alíquota marginal
média do imposto de renda (a média das faixas de imposto) em 1920 era de
menos de 5%. Além disso, na década de 1920 menos de 15% das famílias
americanas tinham renda suficientemente alta para ser obrigadas a fazer
declaração de imposto de renda.
A situação mudou no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Em 1980,
as alíquotas federais efetivas do imposto de renda eram muito mais altas e uma
grande maioria das famílias americanas tinha renda suficientemente alta para
estar sujeita ao imposto de renda. Além disso, impostos da Seguridade Social e
do Medicare haviam entrado em vigor. Na década de 1970, um grupo que ficou
conhecido como economistas do lado da oferta argumentou, mais ou menos
segundo as linhas da análise desta subseção, que esses impostos formavam uma
“cunha” entre o salário real pago pelos empregadores e o recebido pelo
trabalhador.
A redução do tamanho dessa cunha, afirmavam eles, aumentaria os incentivos
para a oferta de trabalho e resultaria em produto e emprego mais altos,
conforme ilustrado na Figura 4.6.
No final da década de 1970, economistas como Robert Mundell da Columbia
University e Arthur B. Laffer, então na University of Southern California,
haviam popularizado a ideia de que cortes de impostos teriam efeitos fortemente
favoráveis no lado da oferta. O deputado Jack Kemp e o senador William Roth
aceitaram o argumento dos economistas do lado da oferta e, em 1977,
apresentaram um projeto de lei propondo cortes gerais de 10% nas alíquotas do
imposto de renda para pessoa física por três anos sucessivos. Em 1980, Ronald
Reagan endossou a proposta de Kemp-Roth e, em 1981, foi aprovada a lei
tributária Reagan-Kemp-Roth, que determinava uma redução geral de 23% no
imposto de renda durante três anos. Mais tarde, a Lei de Reforma Fiscal de
1986 reduziu ainda mais as alíquotas marginais do imposto de renda.
Em geral, ao longo das três décadas após 1980, as alíquotas do imposto de
renda da maioria das famílias apresentaram uma tendência de queda. As
alíquotas tributárias para previdência social) subiram na década de 1980, depois
se estabilizaram. Houve um aumento nas alíquotas marginais do imposto de
renda, especialmente na faixa mais alta, durante a administração Clinton, como
parte de um pacote de política fiscal que levou o orçamento federal a situação
de superávit em 2000. As alíquotas gerais mais baixas ocorreram em 2002-08,
depois das reduções tributárias durante o governo de George W. Bush. Esse
padrão pode ser observado na Tabela 4.2, que mostra as alíquotas federais
efetivas médias em anos selecionados. As alíquotas mais baixas depois das
reduções tributárias do governo Bush e o declínio nas receitas causado pela
recessão profunda de 2007-2009 produziram uma queda nas receitas tributárias
de 20% para 15% do PIB entre 2000 e 2010. A recessão levou a aumentos dos
gastos com itens como seguro-desemprego e auxílio-alimentação. Os gastos
com duas guerras e outros gastos discricionários somaram-se a esses para inchar
as despesas orçamentárias federais para 24% do PIB em 2010. O resultado
dessas mudanças nas receitas e despesas foi um enorme déficit orçamentário
federal. Mesmo com a recuperação da economia, as projeções orçamentárias de
médio e longo prazo mostram déficits grandes e crescentes para as próximas
décadas como resultado do aumento dos custos com assistência de saúde e o
envelhecimento da população. As propostas dos economistas do lado da oferta
para lidar com esses déficits centraram-se em cortar gastos e evitar aumentos de
impostos. A posição do lado da oferta foi especialmente influente entre os
deputados Republicanos na Câmara norte-americana.
Tabela 4.2 - Alíquota federal efetiva do imposto de renda nos Estados
Unidos, anos selecionados (%)
FONTE: Congressional Budget Offices.
4.3.2 Política monetária
No sistema clássico, a quantidade de moeda determina o nível de preços e
o nível de renda nominal. Nesse sentido, a política monetária era muito
importante para os economistas clássicos. Uma moeda estável era um
requisito para preços estáveis.
Em outro sentido, a moeda não era importante. A quantidade de moeda não
afetava os valores de equilíbrio das variáveis reais no sistema: produto,
emprego e taxa de juros. A determinação de produto e emprego com base na
oferta foi o tema do Capítulo 3. A teoria da taxa de juros de equilíbrio que
construímos aqui é uma teoria real que não mencionava a quantidade de
moeda. Os fatores determinantes da taxa de juros eram a demanda real por
investimento, a poupança real e o valor real do déficit governamental – o que
os economistas clássicos chamavam de forças de “produtividade e
poupança”.
Conclusão
Os economistas clássicos enfatizaram as tendências de autoajuste da
economia. Livre de ações desestabilizadoras do governo, o setor privado
seria estável e o pleno emprego seria alcançado. O primeiro desses
mecanismos autoestabilizadores é a taxa de juros, que se ajusta para evitar
que choques em demandas setoriais afetem a demanda agregada. O segundo
conjunto de estabilizadores são preços e salários monetários livremente
flexíveis, que impedem que mudanças na demanda agregada afetem o produto.
A flexibilidade de preços e salários é crucial para as propriedades de pleno
emprego do sistema clássico. A estabilidade inerente ao setor privado levou
os economistas clássicos a conclusões de políticas econômicas não
intervencionistas. Sem dúvida muitas das políticas mercantilistas
intervencionistas a que os economistas clássicos se opunham (tarifas,
monopólios comerciais, etc.) estavam bem longe das políticas de
estabilização macroeconômica atuais, mas o modelo em si defende a nãointervenção em um sentido muito geral.
Um segundo aspecto central do sistema clássico é a dicotomia entre os
fatores que determinam as variáveis reais e nominais. Na teoria clássica,
fatores reais (do lado da oferta) determinam variáveis reais. Produto e
emprego dependem essencialmente da população, tecnologia e formação de
capital. A taxa de juros depende de produtividade e poupança. A moeda é um
véu que determina os valores nominais pelos quais as quantidades são
medidas, mas fatores monetários não participam da determinação dessas
quantidades reais.
No próximo sistema teórico que examinaremos, a teoria keynesiana, vamos
ver conclusões de política econômica que são mais intervencionistas.
Veremos também que as variáveis monetárias e reais estão mais estreitamente
relacionadas.
Questões de revisão
1. Explique o papel da moeda no sistema clássico. Especificamente, no
modelo clássico, qual o papel da moeda na determinação do produto real,
emprego, nível de preços e taxa de juros? Explique como a moeda afeta
essas variáveis; ou, se a moeda não tiver efeito sobre algumas delas,
explique por quê.
2. Quais são as diferenças entre as versões fisheriana e de Cambridge da
teoria quantitativa da moeda?
3. Defina o termo velocidade da moeda. Que fatores determinam a
velocidade da moeda no sistema clássico? Qual é a relação entre a
velocidade da moeda e o k de Cambridge?
4. Explique como a demanda agregada é determinada no modelo clássico.
Quais seriam os efeitos no produto e no nível de preços de um aumento na
demanda agregada?
5. Os economistas clássicos consideravam que a velocidade era estável no
curto prazo. Mas vamos supor que, devido a uma mudança no mecanismo
de pagamentos – por exemplo, maior uso de cartões de crédito –, houvesse
uma elevação exógena na velocidade da moeda. Que efeito tal mudança
teria sobre o produto, emprego e nível de preços no modelo clássico?
6. Explique como a taxa de juros é determinada na teoria clássica.
7. Explique como a taxa de juros funciona no sistema clássico para
estabilizar a demanda agregada diante de mudanças autônomas em
componentes da demanda agregada como investimento ou gastos
governamentais.
8. Na forma de Cambridge da teoria quantitativa, a demanda por moeda é
dada por Md = kPY. Suponha que a renda (Y) seja definida em 300
unidades e a oferta de moeda seja fixa em 200 unidades. Suponha também
que o valor de k seja inicialmente ¼; inicialmente, os indivíduos querem
manter saldos de moeda iguais a um quarto de sua renda. Suponha, então,
que os indivíduos aumentem a demanda por moeda para um terço de sua
renda; k sobe para â…“. Como esse aumento da demanda por moeda afeta o
valor de equilíbrio do nível agregado de preços (P)? Qual era o nível de
preços de equilíbrio inicial? Qual é o valor depois do aumento da
demanda por moeda? Explique o processo que leva à mudança no nível
agregado de preços.
9. Ao derivar a curva de oferta de trabalho na Figura 3.3, consideramos
implicitamente que a alíquota marginal do imposto de renda (ty) fosse
igual a zero. Suponha que, em vez disso, ty = 0,20. Desenhe novamente a
figura com essa modificação e compare a curva de oferta de trabalho
resultante com a que aparece na Figura 3.3b.
10. No modelo clássico, analise os efeitos de um aumento na alíquota
marginal do imposto de renda. Explique como o produto, o emprego e o
nível de preços são afetados. Considere casos em que a receita maior
produzida pelo aumento do imposto resulte em um declínio nas vendas de
títulos para o público e em que ela resulte em menos criação de moeda.
11. Quais são as principais conclusões de política econômica da economia
clássica? Explique como essas conclusões de política decorrem dos
pressupostos-chave do sistema teórico clássico.
CAPÍTULO 5
O sistema keynesiano (I): o papel da demanda agregada
5.1 O problema do desemprego
A economia keynesiana desenvolveu-se tendo como pano de fundo a
Grande Depressão da década de 1930. O efeito da Depressão na economia
americana pode ser observado na Figura 5.1, que mostra as taxas anuais de
desemprego para os anos 1929-41. A taxa de desemprego subiu de 3,2% da
força de trabalho em 1929 para 25,2% em 1933, o ponto mais baixo da
atividade econômica durante a Depressão. O desemprego permaneceu acima
de 10% ao longo de toda a década. O produto nacional bruto real caiu 30%
entre 1929 e 1933 e demorou até 1939 para voltar ao nível de 1929.
O economista britânico John Maynard Keynes, cujo livro A teoria geral do
emprego, do juro e da moeda é a base do sistema keynesiano, foi influenciado
mais fortemente pelos acontecimentos em seu próprio país do que pela
situação dos Estados Unidos. Na Grã-Bretanha, o alto desemprego começou
no início da década de 1920 e persistiu por toda a década de 1930.1 O alto
nível de desemprego na Grã-Bretanha levou a um debate entre economistas e
formuladores de políticas sobre as causas e as políticas adequadas para lidar
com o problema. Keynes participou desse debate e, ao longo dele,
desenvolveu sua teoria macroeconômica revolucionária.
De acordo com a teoria de Keynes, o alto desemprego na Grã-Bretanha e
nos Estados Unidos (bem como em outros países industrializados) era
resultado de uma deficiência na demanda agregada. A demanda agregada era
baixa demais devido a uma demanda inadequada por investimento. A teoria de
Keynes proporcionou a base para que as políticas econômicas combatessem o
desemprego estimulando a demanda agregada. Na época da Depressão,
Keynes defendia medidas de política fiscal, principalmente gastos
governamentais em projetos de obras públicas, para estimular a demanda. De
maneira mais geral, a teoria keynesiana propõe o uso de políticas monetárias
e fiscais para regular a demanda agregada. Para compreender a natureza
revolucionária dessa teoria, consideremos o estado do pensamento
macroeconômico sobre o desemprego como questão de política econômica na
época em que o sistema de Keynes foi desenvolvido.
Os economistas clássicos reconheciam o custo humano do desemprego,
conforme expresso, por exemplo, por Alfred Marshall:
A interrupção forçada do trabalho é um mal penoso. Aqueles cujo
sustento está garantido, ganham saúde física e mental com férias felizes
e bem aproveitadas. Mas a falta de trabalho, com a longa e contínua
ansiedade, consome as melhores forças de um homem sem trazer nada
em troca. Sua esposa emagrece; seus filhos ficam, por assim dizer, com
uma marca horrível em suas vidas, que talvez nunca seja superada.2
FIG 5.1 Taxa de desemprego nos Estados Unidos, 1929-1941
Mas Marshall não tinha muito a dizer sobre as causas do desemprego. Ele
observou que o desemprego já existia desde o começo dos tempos e afirmou
que o conhecimento era a cura, no sentido de que aumentaria as capacitações
para o trabalho e também evitaria que os trabalhadores e as firmas tomassem
decisões econômicas ruins que resultariam em falências e desemprego.
Quando Marshall sugeriu maneiras de diminuir as flutuações no emprego, esta
foi a primeira apresentada:
As causas da descontinuidade que estão em nosso âmbito de ação, e que
são remediáveis, ligam-se principalmente, de uma maneira ou de outra,
à falta de conhecimento; mas há uma que é voluntariosa: é a moda. Até
pouco tempo atrás, apenas os ricos podiam trocar suas roupas de acordo
com as recomendações volúveis de seus costureiros; mas, agora, todas
as classes fazem isso. As histórias do comércio de alpaca, do comércio
de rendas, do comércio de chapéus de palha, do comércio de fitas e de
uma infinidade de outros relatam explosões de atividade febril
alternando-se com inatividade sepulcral.3
Para o leitor moderno, essa análise parece esquisita; não pode ser
considerada uma base para propor soluções para o problema do desemprego
na Grã-Bretanha na década de 1920. Marshall e os outros economistas que se
apoiavam na teoria clássica de equilíbrio não tinham muito mais a oferecer.
Boa parte do debate sobre política econômica na Grã-Bretanha, nessa
época, centrava-se na conveniência de gastos governamentais em obras
públicas como uma cura para o desemprego, o que chamaríamos agora de uma
ação de política fiscal expansionista. Keynes e outros argumentavam que tais
ações aumentariam o produto e o emprego. Esses gastos atuariam tanto direta
como indiretamente, porque aumentariam a renda e, por conseguinte, os gastos
em consumo daqueles que estivessem empregados nos projetos de obras
públicas, gerando empregos secundários.
Os que argumentavam contra a concepção de Keynes apoiavam-se
principalmente na análise clássica que apresentamos nos Capítulos 3 e 4.
Aumentos nos gastos do governo, a menos que fossem financiados por criação
de moeda e, portanto, mudanças na política monetária, não afetariam nem o
emprego nem o nível de preços. Se projetos de obras públicas fossem
financiados pela criação de moeda, o nível de preços seria afetado, mas não
os níveis de produto ou emprego. Essa teoria clássica foi a base para a
posição oficial do Partido Conservador da Grã-Bretanha, que esteve no poder
durante a maior parte da década de 1920 e começo da década de 1930. Como
Winston Churchill explicou: “É dogma ortodoxo do Tesouro, firmemente
mantido, que, quaisquer que possam ser as vantagens políticas e sociais, como
regra geral, muito pouco emprego pode ser de fato criado por meio de
tomadas de empréstimos e gastos estatais”.
Nos Estados Unidos, as prescrições clássicas para políticas públicas
também eram influentes. Longe de tentar elevar a demanda ou estimular o
produto e o emprego durante o auge da Depressão em 1932, a administração
de Herbert Hoover projetou um grande aumento de impostos. A razão de
Hoover para aumentar as alíquotas de impostos era equilibrar o orçamento
federal depois da queda das receitas tributárias que acompanhou o declínio da
renda. Como, no sistema clássico, a política fiscal não tinha nenhum efeito
sobre a renda, a administração prudente do orçamento passara a significar
simplesmente equilibrar os gastos com receita tributária.4 Quando Franklin
Roosevelt concorreu contra Hoover para a presidência em 1932, ele criticou
Hoover por não conseguir equilibrar o orçamento e defendeu cortes nos
gastos governamentais. Bernard Baruch, consultor de vários presidentes,
assim expressou a prescrição de política convencional: “Equilibrar os
orçamentos, parar de gastar o dinheiro que não temos. Fazer sacrifícios pela
frugalidade e pela receita. Cortar os gastos do governo – cortá-los como
rações são cortadas em um estado de sítio. Tributar – tributar todo mundo por
tudo”.5
A elevação dos impostos ou o corte nos gastos governamentais não
reduziriam a demanda agregada, o produto e o emprego? Não no sistema
clássico, porque o produto e o emprego eram determinados pela oferta. De
qualquer modo, no modelo clássico a política fiscal não afetava a demanda
agregada. Como vamos ver, tal aumento de impostos ou corte de gastos é
exatamente o oposto da ação de política “correta” segundo o modelo
keynesiano.
Em suma, a situação no início da década de 1930 era de um desemprego
maciço, que não era bem explicado pelo sistema clássico e para o qual os
economistas clássicos não ofereciam nenhum remédio. Muitos economistas e
políticos defenderam várias ações de política econômica, incluindo projetos
de obras públicas, para tentar aumentar a demanda agregada. Essas políticas
não funcionariam no sistema clássico, em que o produto e o emprego não eram
determinados pela demanda. Como observou Keynes: “A força da escola do
autoajuste decorre de ela ter atrás de si quase todo o conjunto de doutrina e
pensamento econômico organizado dos últimos cem anos”.6 Keynes colocavase entre os “heréticos” em relação à visão clássica das propriedades de
autoajuste da economia. Sobre os heréticos, ele escreveu: “Eles estão
profundamente insatisfeitos. Acreditam que a simples observação é suficiente
para mostrar que os fatos não correspondem ao raciocínio ortodoxo. Eles
propõem remédios induzidos pelo instinto, pelo discernimento, pelo bom
senso prático, pela experiência do mundo – parcialmente certos, a maioria
deles, e parcialmente errados”.7 Keynes achava que os heréticos jamais
prevaleceriam até que a falha da teoria clássica ortodoxa fosse encontrada.
Ele acreditava que essa falha estivesse na falta de uma teoria explícita da
demanda agregada pelo produto e, assim, do papel da demanda agregada na
determinação do produto e do emprego. Examinaremos, em seguida, a teoria
apresentada por Keynes e seus seguidores para corrigir essa falha.
5.2 O modelo keynesiano simples: condições para o produto
de equilíbrio
Uma noção central no modelo keynesiano é que um nível de equilíbrio do
produto requer que o produto seja igual à demanda agregada. Em nosso
modelo, essa condição de equilíbrio pode ser expressa como
em que Y é igual ao produto total (PIB) e E é igual à demanda agregada ou aos
gastos desejados com o produto. A demanda agregada (E) é constituída de três
componentes: consumo das famílias (C), demanda desejada por investimentos
pelas empresas (I) e demanda por bens e serviços por parte do setor
governamental (G). Assim, no equilíbrio, temos
A forma simples de (5.2) e das identidades discutidas adiante resulta de
desconsiderar algumas complexidades das definições de PIB e renda
nacional. Essas simplificações, explicadas no Capítulo 2, são brevemente
relembradas aqui. As exportações e importações não aparecem na equação
(5.2). Por enquanto, estamos lidando com uma economia “fechada” e
desconsiderando o comércio internacional. O papel de importações e
exportações no modelo keynesiano simples será examinado na Seção 5.7.
Note que, para uma economia fechada, não precisamos distinguir entre PIB e
PNB, a outra medida de produto definida no Capítulo 2. A depreciação
também é desconsiderada, de modo que não precisamos distinguir entre o PIB
e o produto nacional líquido. Também consideramos que o PIB e a renda
nacional sejam equivalentes. Isso significa que não incluímos no modelo itens
que causem uma discrepância entre os dois totais (essencialmente os impostos
comerciais indiretos). Uma pressuposição final relaciona-se às unidades em
que cada uma das variáveis é medida. Neste capítulo, consideramos que o
nível agregado de preços é fixo. Todas as variáveis são variáveis reais e
todas as mudanças são mudanças em termos reais.
PERSPECTIVAS 5.1 - CONTROVÉRSIAS
MACROECONÔMICAS
Nesta parte, consideramos diferentes escolas macroeconômicas. A ênfase é nas
controvérsias. Deve-se ter em mente, porém, que estamos interessados em
diferenças fundamentais, que sejam parte integrante dos modelos
macroeconômicos, e não em disputas partidárias sobre políticas. A linha
divisória entre elas nem sempre é clara, mas, para ver que a linha existe,
consideremos o seguinte.
Lionel Robbins foi um representante de destaque da economia clássica.
Rechaçando alguns críticos dessa teoria, ele escreveu:
Nessa esfera, não só qualquer conhecimento real dos autores clássicos é
inexistente, como também seu lugar foi tomado por um grupo de figuras
mitológicas, que se apresentam com os mesmos nomes, mas com não pouca
frequência são investidas de atitudes quase exatamente opostas às que os
originais adotavam. Essas réplicas são mesmo criaturas muito malignas… Eles
não conseguem ver nenhuma função para o Estado que não seja a de vigia
noturno… Assim sendo, quando um autor popular da época quiser apresentar
seu ponto de vista em uma luz especialmente favorável, só o que tem a fazer é
destacar o contraste com a atitude dessas pessoas repreensíveis e o efeito
desejado é produzido.a
Robbins reconheceu a necessidade de reexaminar criticamente os escritos dos
economistas clássicos para verificar “em que medida sua teoria do mercado é
sustentada pelos resultados das análises mais recentes? Até que ponto elas
estavam justificadas em sua esperança de que controles financeiros (sobre cuja
natureza exata nunca se chegou a um acordo) fossem suficientes para manter a
estabilidade do envelope de demanda agregada? Estavam certos os Economistas
Clássicos em suas apreensões quanto ao coletivismo em geral?”b
O fato de que Robbins não via Keynes como um autor popular da época, mas
como um crítico muito sério, pode ser percebido em uma descrição que ele
oferece em um contexto diferente:
Keynes estava em sua condição mais lúcida e persuasiva; e o efeito foi
irresistível. Em tais momentos, eu com frequência me pego pensando que
Keynes deve ser um dos homens mais notáveis que já viveram – a lógica
rápida, a intuição abrangente, a imaginação viva, a visão ampla, acima de tudo o
incomparável senso da adequação das palavras, tudo se combina para produzir
algo vários graus acima do limite da realização humana comum… Ele usa o
estilo clássico de nossa vida e linguagem, é verdade, mas isso é permeado por
algo que é não-tradicional, um tom sublime e único de que só se pode dizer que
é puro gênio.c
A citação mostra a admiração que Keynes despertava (pelo menos às vezes)
mesmo naqueles a que se opunha. Também uso isto para indicar que as
discussões de Keynes com os economistas clássicos e as críticas posteriores à
teoria de Keynes por economistas como Milton Friedman e Robert Lucas
constituem contribuições de algumas das mais importantes figuras intelectuais
de nossa época.
a ROBBINS, Lionel. The theory of economic policy. London: Macmillan, 1952.
p. 5.
b ROBBINS, 1952, p. 206.
c Citado de SKIDELSKY, Robert. John Maynard Keynes, fighting for freedom,
1937-1946. New York: Viking, 2001. p. 341.
Com o produto nacional Y também medindo a renda nacional, podemos
escrever
A equação (5.3) é uma definição contábil, ou identidade, que afirma que
a renda nacional, a qual seria paga às famílias em troca dos serviços de
fatores de produção (salários, juros, aluguéis, dividendos), é consumida (C),
paga em impostos (T) ou poupada (S).8 Além disso, a partir do fato de que Y é
o produto nacional, podemos escrever
A equação (5.4) define o produto nacional como consumo mais
investimento realizado (Ir) mais gastos do governo.9
Usando as definições dadas nas equações (5.3) e (5.4), podemos
reescrever a condição para a renda de equilíbrio dada na equação (5.2) de
duas maneiras alternativas, que nos ajudarão a compreender a natureza do
equilíbrio no modelo. Por (5.2), Y deve ser igual a (C + I + G) no equilíbrio,
e, em (5.3), Y é definido como (C + S + T); no equilíbrio, portanto,
C+S+T≡ Y=C+I +G
ou, de modo equivalente,
De maneira similar, pelas equações (5.2) e (5.4) podemos ver que, no
equilíbrio,
C + Ir + G ≡ Y = C + I + G
ou, cancelando termos,
Há, então, três maneiras equivalentes de expressar a condição de
equilíbrio no modelo:
Para ajudar a interpretar essas condições, voltamo-nos para o fluxograma
da Figura 5.2. Cada item na figura (cada uma das variáveis em nosso modelo)
é uma variável de fluxo. As variáveis são medidas em unidades monetárias
por período. Nas contas nacionais, elas são medidas, por exemplo, como
bilhões de reais por trimestre ou ano. O fluxo marcado pela seta mais no alto
na figura é o fluxo de renda nacional do setor empresarial para o setor
familiar. Esse fluxo consiste em pagamentos por serviços dos fatores. A soma
de tais pagamentos dá a renda nacional, que é igual ao produto nacional. Há
um fluxo correspondente do setor familiar para o setor empresarial, que
consiste nos serviços dos fatores fornecidos pelo setor familiar. Esse fluxo e
fluxos similares não são mostrados no diagrama porque não são fluxos
monetários.
A renda nacional é distribuída pelas famílias em três fluxos. Há um fluxo
de gastos de consumo que volta para o setor empresarial como uma demanda
por produto. Portanto, o ciclo interno de nosso diagrama ilustra um processo
pelo qual as firmas produzem produto (Y), que gera um montante igual de
renda para o setor familiar, o que, por sua vez, gera uma demanda pelo
produto (C).
FIG 5.2 Fluxo circular de renda e produto
Nem toda a renda nacional retorna diretamente às firmas como demanda
por produto. Há dois fluxos que saem do setor familiar além dos gastos com
consumo: o fluxo de poupança e o fluxo de pagamentos de impostos. Se
virmos o ciclo interno de nosso diagrama, que liga as famílias (como
fornecedores de serviços de fatores de produção e demandadores de produto)
e o setor empresarial (como fornecedores de produto e demandadores de
serviços de fatores), como o mecanismo central de geração de renda e
produto, os fluxos de poupança e impostos são vazamentos desse ciclo
central.
O vazamento da poupança flui para os mercados financeiros, o que
significa que a parte da renda que é poupada é mantida na forma de algum
ativo financeiro (moeda corrente, depósitos bancários, títulos, ações, etc.). O
fluxo de impostos é pago ao setor governamental. O fluxo de impostos no
diagrama corresponde aos impostos líquidos, ou seja, os pagamentos brutos
de impostos menos os pagamentos de transferências do governo para as
famílias (benefícios da Previdência Social, pagamentos de segurodesemprego, etc.). Portanto, em referências posteriores neste texto, um
aumento de impostos ou um corte de impostos podem ser interpretados como
mudanças equivalentes, em direções opostas, no nível de pagamentos de
transferências.
Embora cada unidade monetária de produto e, portanto, da renda nacional
não gere diretamente uma unidade monetária de demanda por produto por
parte do setor familiar, isso não significa que a demanda total tenha de ser
menor que o produto. Há demandas adicionais por produto por parte do
próprio setor empresarial para investimento e do setor governamental. Em
termos do fluxo circular, estas são injeções no ciclo central de nosso
diagrama. A injeção de investimento é mostrada como um fluxo dos mercados
financeiros para o setor empresarial. Os compradores dos bens de
investimento são as próprias firmas do setor empresarial. Essas compras,
porém, precisam ser financiadas por empréstimos. Assim, o montante
monetário dos investimentos representa um fluxo equivalente de fundos
emprestados às firmas. Os gastos governamentais são uma demanda pelo
produto do setor empresarial e são mostrados como o fluxo monetário do
governo para as firmas.
Podemos agora examinar as três expressões equivalentes do equilíbrio
dadas pelas equações (5.2), (5.5) e (5.6). A produção de um nível de produto,
Y, gera um nível de renda equivalente para as famílias. Uma parte dessa
renda, igual à demanda por consumo (C), retorna diretamente às firmas na
forma de uma demanda por produto. O nível de produto estará em equilíbrio
se essa demanda diretamente gerada (C), quando somada aos gastos com
investimentos desejados das firmas (I) e aos gastos do governo (G), produzir
uma demanda total igual a Y, ou seja, se
Na segunda versão da condição para a renda de equilíbrio
vemos que um fluxo de produto estará em estado de equilíbrio se os
vazamentos (S + T) do ciclo central de nosso diagrama forem equilibrados
exatamente por injeções (I + G) nesse fluxo circular central de renda e
produto. Esse nível de produto garante que o montante de renda que as
famílias não gastam em produto (S + T) e, portanto, a quantidade de produto
que é produzida, mas não é vendida para as famílias (Y – C ≡ S + T), seja
exatamente igual à quantidade que os outros dois setores desejam comprar (I
+ G). Isso é equivalente a dizer que o produto total é igual à demanda
agregada e, assim, é também equivalente ao primeiro modo de expressar a
condição de equilíbrio.
A terceira forma de expressar a condição de equilíbrio, a equação (5.6) (I
= Ir), afirma que, no equilíbrio, o investimento desejado deve ser igual ao
investimento realizado. O que significa o investimento desejado diferir do
investimento realizado? A contabilidade do PIB computa o investimento como
o volume total de gastos das firmas com instalações e equipamentos, mais o
investimento em estoques, ou seja, o aumento (ou declínio) dos estoques.10
Pressupomos que os gastos desejados com instalações e equipamentos sejam
iguais aos gastos efetivos conforme registrados pela contabilidade do PIB. É
na última categoria, investimento em estoques, que os totais desejado e
realizado podem diferir. A contabilidade do PIB registrará como investimento
em estoque todos os bens que são produzidos por uma firma e não vendidos –
quer esse investimento tenha sido planejado ou não.
Para ver como os investimentos em estoque realizados e planejados podem
ser diferentes, consideremos o que acontece quando é produzido um nível de
produto (Y ≡ C + Ir + G) que excede a demanda agregada (E = C + I + G).
Nesse caso,
onde Ir – I é o acúmulo não planejado de estoque. A quantidade em que o
produto excede a demanda agregada (Ir – I) será produto não vendido acima
da quantidade de investimento em estoque que a firma desejava. Esse excesso
é um acúmulo não planejado de estoque.
Na situação inversa, em que a demanda agregada excede o produto, temos
onde I – Ir é a insuficiência de estoque não planejada. A demanda é
maior que o produto e as firmas vendem mais do que era planejado. Os
estoques acabam ficando em um nível menor que o desejado. O ponto de
equilíbrio (I = Ir) é um nível de produção que, depois de feitas todas as
vendas, deixa o investimento em estoque no nível desejado pelas firmas.
Como podemos ver pela equação (5.7) ou (5.8), esse é o nível em que o
produto é igual à demanda agregada e, assim, é equivalente aos outros dois
modos de expressar a condição de equilíbrio.
Essa terceira forma de expressar a condição de equilíbrio no modelo
mostra claramente por que não pode haver um equilíbrio em nenhum outro
ponto. Se, em um dado nível de produto, as firmas estiverem acumulando
estoques indesejados ou vendo seus estoques se esgotarem, há uma tendência
de que o produto mude. Se a produção exceder a demanda (Y > E), as firmas
estão acumulando estoques não desejados (Ir > I) e há uma tendência de que o
produto caia, com as firmas diminuindo a produção para reduzir os estoques.
Se, por outro lado, a demanda for maior que a produção (E > Y), há uma
insuficiência de estoques (Ir < I) e uma tendência de aumento do produto com
as firmas tentando evitar novas quedas nos estoques. As firmas só estarão
satisfeitas com seu nível atual de produção quando a demanda agregada for
igual ao produto.
5.3 Os componentes da demanda agregada
Expressamos a condição de equilíbrio no modelo keynesiano simples em
termos dos componentes da demanda agregada. Para ver os fatores que
determinam o nível de renda, consideramos os fatores que afetam os
componentes da demanda agregada: consumo, investimento e gastos
governamentais. Poupança e impostos também entram em nossa análise.
5.3.1 Consumo
Os gastos com consumo são o maior componente da demanda agregada,
representando de 60% a 70% do PIB americano em anos recentes.
Keynes acreditava que o nível de gastos em consumo era uma função
estável da renda disponível, em que a renda disponível (YD) em nosso modelo
simples é a renda nacional menos os pagamentos líquidos de impostos (YD =
Y – T).11 Keynes não negava que outras variáveis além da renda afetassem o
consumo, mas acreditava que a renda fosse o fator dominante para determinar
o consumo. Em uma primeira aproximação, as outras influências podiam ser
deixadas de lado.
A forma específica da relação consumo-renda, denominada função
consumo, proposta por Keynes era a seguinte:
Função consumo
Relação keynesiana entre renda e
consumo.
A Figura 5.3 mostra em um gráfico essa relação. O termo intercepto a, que
pressupomos ser positivo, é o valor do consumo quando a renda disponível é
igual a zero. Assim, a pode ser considerado uma medida do efeito sobre o
consumo de outras variáveis que não a renda, as quais não são explicitamente
incluídas neste modelo simples. O parâmetro b, a inclinação da função,
informa o aumento nos gastos com consumo a cada aumento unitário na renda
disponível. Em notação, usamos com frequência
onde, como no Capítulo 3, o símbolo diferenciador, Δ, indica a mudança na
variável que vem em seguida. O valor do incremento nos gastos de consumo
por unidade de incremento na renda (b) é chamado de propensão marginal a
consumir (PMgC). O pressuposto keynesiano é que o consumo aumentará
com um aumento da renda disponível (b > 0), mas que o aumento no consumo
será menor do que o aumento na renda disponível (b < 1).
Propensão marginal a consumir
(PMgC)
Aumento no consumo por unidade de
aumento da renda disponível.
FIG 5.3 A função consumo keynesiana
A função consumo mostra o nível de consumo (C) correspondente a cada nível de
renda disponível (YD). A inclinação da função consumo (ΔC/ΔYD) é a propensão
marginal a consumir (b), ou seja, aumento no consumo por aumento unitário da renda
disponível. O intercepto da função consumo (a) é o nível (positivo) de consumo em
um nível zero de renda disponível.
A partir da definição de renda nacional,
podemos escrever
que mostra que a renda disponível é, por definição, consumo mais poupança.
Assim, uma teoria da relação consumo-renda também determina
implicitamente a relação poupança-renda. No caso da teoria keynesiana,
temos
Se o consumo é de a unidades com YD igual a 0, então, nesse ponto,
S ≡ YD – = 0 – a
= –a
Se um aumento de 1 unidade na renda disponível leva a um aumento de b
unidades no consumo, o resto (1 – b) corresponde ao aumento na poupança:
Esse incremento da poupança por unidade de aumento da renda disponível
(1 – b) é chamado de propensão marginal a poupar (PMgS). O gráfico da
função poupança é mostrado na Figura 5.4.
Como foi observado anteriormente, Keynes considerava que a renda era o
principal determinante dos gastos de consumo. Teorias do consumo
posteriores expandiram a teoria de Keynes em várias direções. Para um dado
nível de renda, a riqueza maior leva a um nível maior de gastos de consumo.
A riqueza familiar inclui o valor de ativos financeiros como ações e títulos
mantidos pela família. Inclui também o patrimônio imobiliário, definido como
o valor da residência menos a dívida com o financiamento imobiliário.
Outra direção tomada por pesquisas recentes sobre consumo foi a
expansão do conceito de renda, passando da renda atual para um conceito
mais amplo chamado de renda permanente, que consiste em uma média dos
níveis de renda atual e esperado para o futuro. Vamos voltar a um exame
dessas teorias do consumo mais complexas em pontos posteriores de nossa
análise. Ao desenvolver o modelo keynesiano neste capítulo, permaneceremos
com a função consumo simples dada na equação (5.9).
5.3.2 Investimento
O investimento também era uma variável fundamental no sistema
keynesiano. Mudanças nos gastos desejados de investimento das firmas eram,
para Keynes, um dos principais fatores responsáveis por mudanças na renda.
Conforme observado anteriormente, Keynes acreditava que o consumo era
uma função estável da renda disponível. Essa noção não implicava que os
gastos com consumo seriam estáveis ao longo do tempo. Implicava
simplesmente que, na ausência de outros fatores que fizessem a renda mudar,
os gastos com consumo não seriam uma fonte independente importante de
variabilidade da renda. O consumo era, primariamente, um gasto induzido, ou
seja, um gasto diretamente dependente da renda.
Propensão marginal a poupar (PMgS)
Aumento da poupança por unidade de aumento da renda
disponível.
Para explicar as causas subjacentes dos movimentos da demanda agregada
e, assim, da renda, Keynes voltou-se para os componentes autônomos da
demanda agregada. Esses componentes eram determinados, em grande
medida, independentemente da renda corrente. Quando esses componentes de
gastos variavam, faziam a renda variar. Keynes acreditava que o investimento
era o mais fortemente variável entre os componentes autônomos da demanda
agregada. Ele achava que os gastos variáveis em investimentos eram o
principal responsável pela instabilidade da renda.
A Tabela 5.1 contém números referentes a investimentos e consumo como
porcentagens do PNB nos Estados Unidos, em anos selecionados. Os dados
contrastam os gastos em investimento e consumo em anos prósperos (1929,
1955, 1973, 1979, 1989, 2000, 2006) com os gastos correspondentes em anos
subsequentes de depressão ou recessão (1933, 1958, 1975, 1982, 1991, 2001,
2008). Os gastos com investimentos de fato parecem ser mais voláteis e são
uma escolha lógica como um fator para explicar a variabilidade da renda. A
pergunta permanece: o que determina o investimento?
FIG 5.4 Função poupança keynesiana
A função poupança mostra o nível de poupança (S) em cada nível de renda disponível
(YD). A inclinação da função poupança é a PMgS (1 – b), o aumento na poupança por
aumento unitário da renda disponível. O intercepto da função poupança (–a) é o nível
(negativo) de poupança em um nível zero de renda disponível.
Tabela 5.1 - Consumo e investimento como porcentagem do PNB, anos
selecionados
Ano
Investimento
Consumo
1929
15,7
74,8
1933
2,5
82,1
1955
17,1
63,5
1958
13,8
64,5
1973
16,1
62,6
1975
12,5
64,0
1979
16,0
62,7
1982
13,1
65,3
1989
11,0
67,1
1991
9,6
68,5
2000
17,7
68,7
2001
16,0
69,8
2006
16,7
69,7
2008
14,7
70,1
Keynes sugeriu duas variáveis como os principais determinantes dos
gastos com investimentos no curto prazo: a taxa de juros e o estado das
expectativas das firmas.
Ao explicar a relação entre investimento e taxa de juros, a análise de
Keynes não era diferente da visão clássica. O nível de investimento estaria
inversamente relacionado ao nível da taxa de juros. Com taxas de juros mais
altas, menos projetos de investimento têm um retorno esperado alto o bastante
para justificar a contratação de empréstimos para financiá-los. Essa ligação
será importante no Capítulo 6. Por enquanto, como não explicamos como a
taxa de juros é determinada no modelo keynesiano, vamos deixar de lado o
efeito da taxa de juros sobre o investimento e concentrar-nos no segundo fator
que determina o investimento: o retorno esperado de projetos de investimento.
As expectativas dos administradores das firmas quanto à rentabilidade
futura de projetos de investimento são um elemento central da análise
keynesiana. Keynes enfatizou o “conhecimento incerto” em que é preciso
basear as expectativas sobre o futuro. Para prever a rentabilidade de um
projeto que gerará produto durante 20 ou 30 anos, um administrador precisa
de muito conhecimento sobre o futuro. Ele precisa conhecer a demanda futura
pelo produto, o que requer conhecimento dos gostos futuros dos consumidores
e do estado da demanda agregada. Precisa de conhecimento sobre custos
futuros, incluindo salários monetários, taxas de juros e alíquotas de impostos;
não há como fazer uma previsão bem fundamentada dessas variáveis para 20
ou 30 anos no futuro.
Mesmo assim, decisões de investimento são tomadas. Keynes achava que
administradores racionais, vendo-se diante da necessidade de tomar decisões
sob incerteza extrema, formavam expectativas usando as técnicas a seguir:
1. Eles tendiam a extrapolar tendências passadas para o futuro, ignorando
possíveis mudanças futuras, a menos que houvesse informações
específicas sobre alguma mudança esperada.
2. “Sabendo que nossa própria opinião individual não tem valor,
procuramos recorrer à opinião do resto do mundo, que, talvez, seja mais
bem informado. Ou seja, procuramos conformar-nos ao comportamento
da maioria ou da média. A psicologia de uma sociedade de indivíduos,
cada um deles procurando copiar os outros, leva ao que podemos
chamar rigorosamente de opinião convencional. ”12
Keynes acreditava que uma expectativa formada dessa maneira teria a
seguinte característica.
Em particular, por ser apoiada em uma base tão frágil, ela está sujeita a
mudanças súbitas e violentas. A prática da calma e da imobilidade, da
certeza e da segurança, de repente se rompe. Novos temores e
esperanças virão se apossar, sem aviso prévio, da conduta humana. As
forças da desilusão podem subitamente impor uma nova base
convencional de avaliação. Todas essas técnicas bonitas e bemcomportadas, feitas para uma sala de reuniões bem decorada, podem
entrar em colapso. Em todos os momentos, os vagos temores de pânico e
as esperanças igualmente vagas e desarrazoadas não estão de fato
apaziguados e permanecem logo abaixo da superfície.13
Em suma, as expectativas de rentabilidade futura de projetos de
investimento apoiavam-se em uma base de conhecimento precária e Keynes
achava que essas expectativas podiam mudar com frequência, às vezes
drasticamente, em resposta a novas informações e eventos. Em consequência,
a demanda por investimento era instável.
5.3.3 Gastos governamentais e impostos
Os gastos governamentais (G) são um segundo elemento dos gastos
autônomos. Pressupõe-se que os gastos do governo sejam controlados pelos
formuladores de políticas e, portanto, não dependam diretamente do nível de
renda.
Consideramos que o nível de arrecadação tributária (T) também seja
controlado pelos formuladores de políticas e que seja, assim, uma variável de
política econômica. Uma suposição mais realista seria que o formulador de
políticas define a alíquota do imposto e que a arrecadação tributária varie
com a renda. Essa suposição complicaria nossos cálculos, mas não mudaria
as conclusões essenciais (estruturas tributárias mais complexas são
examinadas no Capítulo 18, onde abordamos a política fiscal mais
detalhadamente).
5.4 Determinação da renda de equilíbrio
Temos agora todos os elementos necessários para determinar a renda
(produto) de equilíbrio.14 A primeira forma da condição para um nível de
equilíbrio da renda é
A renda de equilíbrio (Y) é a variável endógena a ser determinada. Os
termos de gastos autônomos I e G são dados, assim como o nível de T; estas
são as variáveis exógenas determinadas por fatores externos ao modelo. O
consumo é, em sua maior parte, um gasto induzido determinado
endogenamente pela função consumo
onde a segunda igualdade usa a definição de renda disponível (YD = Y – T).
Substituindo a equação de consumo dada pela equação (5.9) na condição
de equilíbrio (5.2), podemos resolver a equação para Y, o nível de equilíbrio
da renda, como se segue:
FIG 5.5 Determinação da renda de equilíbrio
Na parte a, a renda de equilíbrio é Y, no ponto A, onde a curva C + I + G = E corta a
reta de 45°. Nesse ponto, os gastos agregados são iguais ao produto, (C + I + G) = Y.
No ponto A na parte b, no nível de equilíbrio do produto, Y, as curvas S + T e I + G
se cruzam, de modo que S + T = I + G. No nível de renda YL, que é menor que o
produto de equilíbrio Y, a demanda agregada excede o produto, (C + I + G) > Y. Em
pontos acima do produto de equilíbrio Y, o produto excede a demanda agregada.
A Figura 5.5 mostra a determinação da renda de equilíbrio. A renda é
medida no eixo horizontal e os componentes da demanda agregada são
medidos no eixo vertical. A reta de 45° é traçada para dividir o quadrante
positivo do gráfico.
Todos os pontos nessa reta indicam que os gastos agregados são iguais ao
produto agregado. O valor das variáveis medidas no eixo vertical, (C + I +
G), é igual ao valor da variável medida no eixo horizontal, (Y). A função
consumo (C = a + bYD) é mostrada no gráfico, assim como a curva (C+ I +
G) ou de gastos agregados (E), que é obtida somando os componentes de
gastos autônomos (investimento e gastos governamentais) aos gastos com
consumo em cada nível de renda. Como os componentes de gastos autônomos
(I, G) não dependem diretamente da renda, a curva (C + I + G) fica acima da
função consumo a uma distância constante.
Como é mostrado na Figura 5.5b, a reta que mostra apenas esses
componentes dos gastos autônomos, a reta I + G, é horizontal porque seu nível
não depende de Y. A reta de inclinação positiva, identificada como S + T no
gráfico, representa o valor de poupança mais impostos. Essa curva tem
inclinação ascendente porque a poupança varia positivamente com a renda.
Na Figura 5.5a, o nível de equilíbrio da renda é mostrado no ponto em que
a curva (C + I + G) cruza a reta de 45° e a demanda agregada, portanto, é
igual à renda (Y). Essa intersecção ilustra a condição de equilíbrio expressa
na equação (5.2). No equilíbrio, é preciso também que a curva (S + T) corte a
curva horizontal (I + G). Essa intersecção, mostrada na Figura 5.5b, ilustra a
condição de equilíbrio expressa na equação (5.5).
Agora, vejamos porque outros pontos no gráfico não são pontos de
equilíbrio. Consideremos um nível de renda abaixo de Y, por exemplo, o
ponto identificado como YL na Figura 5.5a. Um nível de renda igual a YL gera
consumo conforme mostrado na função consumo. Quando esse nível de
consumo é somado aos gastos autônomos (I + G), a demanda agregada excede
a renda; a curva (C + I + G) está acima da reta de 45°. De maneira
equivalente, nesse ponto I + G é maior que S + T, como pode ser visto na
Figura 5.5b. Segue-se disso também que, com a demanda superando a
produção, o investimento desejado excederá o investimento efetivo em pontos
como YL(C + I + G > Y ≡ C + Ir + G; portanto, I > Ir). Haverá uma
insuficiência de estoques não planejada nesses pontos abaixo de Y e, portanto,
uma tendência ao aumento do produto.
Inversamente, em níveis de renda acima de Y na Figura 5.5a, e 5.5b, o
produto excederá a demanda (a reta de 45° está acima da curva C + I + G) e
estará havendo investimento não planejado em estoque (Y = C + Ir + G > C +
I + G; portanto, Ir > I) e o produto tenderá a cair. É apenas em Y que o
produto é igual à demanda agregada; não há insuficiência ou acúmulo não
planejados de estoque e, em consequência, nenhuma tendência de alteração do
produto.
Voltando à nossa expressão da renda de equilíbrio, a equação (5.14),
podemos reescrever essa equação em uma forma que apresenta a essência da
visão de Keynes sobre a determinação da renda. Nossa expressão do
equilíbrio é composta de duas partes:
O primeiro termo, 1/(1 – b), é chamado de multiplicador dos gastos
autônomos. Note-se que b é a fração de qualquer incremento da renda
disponível que vai para consumo: a propensão marginal a consumir (PMgC).
O termo 1/(1 – b) ou 1/(1 – PMgC) é, então, 1 dividido por uma fração e,
assim, um número maior do que 1. Alguns exemplos são os seguintes:
Multiplicador dos gastos autônomos)
Dá a mudança no produto de equilíbrio por unidade de
mudança nos gastos autônomos (por ex., gastos
governamentais).
Chamamos esse termo de multiplicador dos gastos autônomos porque
cada unidade monetária de gasto autônomo é multiplicada por esse fator para
obter sua contribuição para a renda de equilíbrio.
O segundo termo na expressão é o nível de gastos autônomos. Já
examinamos dois elementos dos gastos autônomos, o investimento (I) e os
gastos governamentais (G). Os dois primeiros termos (a e –bT) requerem
algumas palavras de explicação. Esses termos medem o componente
autônomo dos gastos com consumo (a) e o efeito autônomo das deduções
tributárias sobre a demanda agregada (–bT), que também opera por meio do
consumo. O consumo é, em sua maior parte, um gasto induzido, como já foi
explicado. Os dois termos (a e –bT), porém, afetam a quantidade de consumo
para um dado nível de renda (Y). Em termos da Figura 5.5, eles determinam a
altura da função consumo. Como G e I, eles afetam o nível de demanda
agregada para um dado nível de renda, em vez de ser eles próprios
diretamente determinados pela renda. São, assim, mais apropriadamente
incluídos como fatores autônomos que afetam a demanda agregada.
Gastos autônomos
Gastos determinados em grande medida
por fatores que não a renda corrente.
A teoria de Keynes em sua forma mais simples pode ser expressa da
seguinte maneira. O consumo é uma função estável da renda; ou seja, a PMgC
é estável. Mudanças na renda derivam principalmente de mudanças nos
componentes autônomos da demanda agregada, em especial de mudanças no
instável componente investimento. Uma dada mudança em um componente
autônomo da demanda agregada causa uma mudança maior na renda de
equilíbrio devido ao multiplicador, por razões que explicaremos adiante. A
equação (5.15) deixa claro que, na ausência de políticas governamentais para
estabilizar a economia, a renda será instável por causa da instabilidade do
investimento. Na equação (5.15) pode-se ver também que, por meio de
mudanças apropriadas nos gastos governamentais (G) e nos impostos (T), o
governo poderia contrabalançar os efeitos de mudanças no investimento.
Mudanças apropriadas em G e T poderiam manter a soma dos termos entre
parênteses (gastos autônomos) constante mesmo diante de mudanças
indesejáveis no termo I.
5.5 Mudanças na renda de equilíbrio
Consideremos o efeito sobre a renda de equilíbrio de uma mudança na
demanda por investimentos autônomos. Pressupomos que os outros
determinantes dos gastos autônomos, os outros itens entre parênteses na
equação (5.15), sejam fixos. Encontramos a mudança na renda de equilíbrio
pela equação (5.15) da seguinte maneira:
ou
Uma mudança de 1 unidade no investimento causa uma mudança na renda
de 1/(1 – b) unidades. Se b for 0,8, por exemplo, Y muda 5 unidades para cada
mudança de 1 unidade no investimento. Por que a renda muda por um múltiplo
da mudança no investimento e por que a quantidade precisa de 1/(1 – b)?
Uma analogia para o processo subjacente ao multiplicador é o “efeito
cascata” de uma pedra jogada em um lago. Há o efeito inicial quando a pedra
perturba a água. Soma-se a isso o efeito no resto da superfície quando a água
deslocada pela pedra espalha-se pelas águas contíguas, com uma intensidade
que diminui com a distância do ponto de impacto inicial. A mudança no
investimento é a perturbação inicial; vamos supor que isso seja igual a 100
unidades. À medida que algumas firmas experimentam um aumento da
demanda como resultado desse investimento maior, seu produto aumenta. Em
consequência, seus pagamentos a fatores de produção (salários, aluguéis,
juros, dividendos) aumentam. Para as famílias, isso representa um aumento na
renda e, como os impostos são fixos, um aumento igual na renda disponível. O
consumo, então, aumentará, embora menos que o aumento na renda. Esse é o
início dos efeitos indiretos do choque. Com ΔI igual a 100 como supusemos,
se a PMgC fosse 0,8, por exemplo, haveria agora 80 unidades adicionais de
demanda por parte dos consumidores.
O processo não para aí; as 80 unidades de novos gastos de consumo, com o
aumento resultante na produção, geram uma segunda rodada de aumento na
renda para as famílias, de 80 unidades. Haverá um novo aumento na demanda
por consumo (64 unidades se o PMgC for 0,8). Assim, a razão pela qual a
renda sobe mais que o crescimento autônomo do investimento é que o aumento
nos investimentos leva a aumentos induzidos na demanda por consumo à
medida que a renda aumenta.
Por que o aumento na renda por unidade monetária de investimento é
exatamente igual a 1/(1 – b)? Com os outros elementos de gastos autônomos
mantidos fixos, podemos escrever a mudança na renda de equilíbrio quando o
investimento varia como
A restauração da igualdade da renda e da demanda agregada requer que a
renda de equilíbrio aumente em um montante igual ao aumento no investimento
(ΔI) mais o aumento induzido pela renda na demanda por consumo.
Rearranjando os termos na equação (5.18), temos
ΔY – ΔC = ΔI
ou15
A equação (5.19) também resulta de nossa segunda maneira de expressar a
condição para a renda de equilíbrio:
Com T e G fixos, para restaurar o equilíbrio S deve aumentar a mesma
quantidade do aumento de I, conforme requerido pela equação (5.19). A
restauração do equilíbrio requer que a renda suba o suficiente para gerar nova
poupança igual ao novo investimento.
Como ΔS é igual a (1 – b)ΔY, temos, a partir da equação (5.19),
Por exemplo, se b for igual a 0,8, a propensão marginal a poupar (PMgS =
1 – b) é igual a 0,2. Cada aumento de um real na renda gerará 20 centavos de
aumento na poupança, e será necessário um aumento de 5 reais na renda para
gerar 1 real de nova poupança de modo a equilibrar um aumento de 1 real no
investimento. O valor do multiplicador nesse caso é 5.
O efeito de um aumento no investimento autônomo é ilustrado na Figura
5.6. Inicialmente, com o investimento em I0 e os gastos governamentais e
impostos em G0 e T0, a renda de equilíbrio está em Y0. Agora, suponhamos
que o investimento aumente para o nível mais alto I1. A curva da demanda
agregada (E) desloca-se para cima pela quantidade (ΔI = I1 – I0), de E0 (= C
+ I0 + G0) para E1 (= C + I1 + G0). A curva (I + G) desloca-se a mesma
quantidade para cima. O equilíbrio é restaurado em Y1, onde a renda é agora
igual ao valor mais alto da demanda agregada. Note-se que o aumento na
renda é igual ao aumento inicial no investimento mais um aumento induzido no
consumo (ΔC), como é mostrado no gráfico. Note-se também que, no novo
equilíbrio, a poupança aumentou a mesma quantidade que o investimento (ΔS
= ΔI).
O conceito do multiplicador é central na teoria de Keynes, porque explica
como deslocamentos no investimento causados por mudanças nas expectativas
das firmas desencadeiam um processo que faz variar não só o investimento,
mas também o consumo. O multiplicador mostra como choques em um setor
são transmitidos por toda a economia. A teoria de Keynes também implica que
outros componentes de gastos autônomos afetam o nível geral da renda de
equilíbrio. O efeito sobre a renda de equilíbrio de uma mudança em cada um
dos elementos de gastos autônomos controlados por políticas públicas –
gastos governamentais e impostos – pode ser calculado pela equação (5.15).
FIG 5.6 Efeito de um aumento no investimento autônomo sobre a renda de
equilíbrio
Na parte a, começando no equilíbrio A, um aumento no investimento autônomo, de I0
para I1, desloca a curva de gastos agregados para cima, de E0 = C + I0 + G0 para E1 =
C + I1 + G0. A renda de equilíbrio aumenta do ponto A para o ponto B, de Y0 para Y1
O aumento na renda é igual ao aumento inicial no investimento (mostrado como um
aumento no intercepto), de I0 para I1, mais um aumento induzido pela renda no
consumo. Esse aumento no consumo é mostrado quando nos movemos pela função
de gastos mais alta, E1, do ponto C para o ponto B. Na parte b, começando no
equilíbrio A, a curva I + G desloca-se para cima de I0 + G0 para I1 + G0. A renda de
equilíbrio aumenta do ponto A para o ponto B, Y0 para Y1.
Procedemos como fizemos ao considerar os efeitos de uma mudança no
investimento e supomos que um componente dos gastos autônomos mude
enquanto todos os outros permanecem constantes. Para uma mudança nos
gastos governamentais (G), temos
Para uma mudança nos impostos, temos
FIG 5.7 Efeito de um aumento nos impostos sobre a renda de equilíbrio
Um aumento nos impostos de T0 para T1 desloca a curva de gastos agregados para
baixo na parte a, de (C + I + G)0 para (C + I + G)1, para o ponto de equilíbrio B, uma
vez que os impostos estão no intercepto. A renda de equilíbrio cai de Y0 para Y1. Na
parte b, começando no ponto de equilíbrio A, a curva de poupança mais impostos
desloca-se para cima, de S + T0 para S + T1. O equilíbrio move-se de A para B.
Para os gastos do governo, um aumento de um real tem o mesmo efeito que
um aumento de 1 real no investimento. Ambos são aumentos de 1 real em
gastos autônomos. O processo multiplicador, pelo qual o aumento inicial na
renda gera aumentos induzidos no consumo, é o mesmo para um aumento nos
gastos do governo e no investimento.
Em termos da Figura 5.6, na parte a, um aumento nos gastos do governo de
ΔG deslocaria a curva de gastos para cima pela mesma quantidade que um
aumento igual no investimento. Nesse caso, o intercepto se deslocaria para
cima devido a um aumento nos gastos do governo. Na parte b, um aumento nos
gastos do governo de ΔG deslocaria a curva I + G para cima de I0 + G0 para
I0 + G1, a mesma quantidade que um aumento igual no investimento. Em
ambas as figuras, ΔY será o mesmo, Y0 para Y1.
Pela equação (5.22), vimos que o efeito de um aumento nos impostos tem
direção oposta aos efeitos de um aumento nos gastos governamentais ou no
investimento. Um aumento nos impostos reduz o nível de renda disponível (Y
– T) em qualquer nível de renda nacional (Y). Esse efeito desloca a curva de
demanda agregada para baixo, porque reduz os gastos com consumo em
qualquer nível de renda nacional. O efeito de um aumento dos impostos
sobre a renda de equilíbrio é ilustrado na Figura 5.7. Supomos que os
impostos subam ΔT, de T0 para T1. A curva de demanda agregada desloca-se
para baixo de (C + I + G)0 para (C + I + G)1. Isso é consequência do
deslocamento para baixo da função consumo causado pela elevação dos
impostos de T0 para T1. A renda de equilíbrio cai de Y0 para Y1.
Note-se que a curva de demanda agregada desloca-se para baixo em
(–bΔT), ou seja, apenas uma fração (b) do aumento nos impostos. A razão é
que, em um dado nível de renda, um aumento de 1 real nos impostos reduz a
renda disponível em 1 real, mas diminui o componente consumo da demanda
agregada em apenas b reais. O restante do declínio da renda disponível é
absorvido por uma queda de (1 – b) reais na poupança. Ao contrário de
mudanças nos gastos governamentais e no investimento, que têm um efeito “um
para um” sobre a demanda agregada autônoma, uma mudança de uma unidade
monetária nos impostos desloca a curva de demanda agregada apenas por uma
fração (–b) da unidade monetária. Essa fração (–b) vezes o multiplicador dos
gastos autônomos, 1/(1 – b), dá o efeito sobre a renda de equilíbrio de uma
mudança de uma unidade monetária nos impostos, –b/(1 – b).
Há uma relação entre os valores absolutos dos multiplicadores dos
impostos e dos gastos do governo, que pode ser observada nos exemplos a
seguir:
O multiplicador dos impostos é, em valor absoluto, um a menos que o
multiplicador dos gastos governamentais. Esse fato tem uma implicação
importante para os efeitos de um aumento nos gastos governamentais
acompanhado de um aumento igual nos impostos, ou seja, um aumento com
equilíbrio do orçamento. Para encontrar os efeitos dessa combinação de
mudanças de políticas, somamos os multiplicadores das duas políticas e
obtemos a seguinte expressão:
Um aumento de uma unidade monetária nos gastos governamentais
financiado por um aumento de uma unidade monetária nos impostos aumenta a
renda de equilíbrio em 1 unidade monetária. Esse resultado, denominado
multiplicador do orçamento equilibrado, reflete o fato de que mudanças nos
impostos têm um impacto menor por unidade monetária sobre a renda de
equilíbrio do que mudanças nos gastos. O valor de 1 para o multiplicador
decorre de o multiplicador dos impostos ser uma unidade a menos, em valores
absolutos, que o valor do multiplicados dos gastos. Este último resultado não
se mantém em muitos modelos mais complexos, mas o resultado de que
mudanças nos impostos afetam menos a demanda agregada, por unidade
monetária, do que mudanças nos gastos governamentais é bastante geral.
Multiplicador do orçamento
equilibrado
Dá a mudança no produto de equilíbrio
que resulta de um aumento ou redução de
uma unidade monetária simultaneamente
nos impostos e nos gastos governamentais.
5.6 Política de estabilização fiscal
FIG 5.8 Um exemplo de política de estabilização fiscal
Partindo do ponto de equilíbrio A na parte a, um declínio nos gastos autônomos em
investimentos de I0 para I1 desloca a curva de gastos agregados para baixo, de EP =
(C + I0 + G0) para EL = (C + I1 + G0), movendo o sistema para o ponto de equilíbrio
B. Um aumento compensatório nos gastos discricionários do governo de G0 para G1
desloca a curva de gastos agregados de volta para o ponto de equilíbrio A, onde (C +
I1 + G1) = Ep = (C + I0 + G0). A renda de equilíbrio está novamente em Yp.. Na parte
b, partindo do ponto de equilíbrio A, o declínio nos gastos autônomos em
investimentos desloca a curva I + G para baixo, de I0 + G0 para I1 + G0, movendo o
equilíbrio para o ponto B e reduzindo a renda de YP para YL. Um aumento
compensatório nos gastos discricionários do governo de G0 para G1 desloca a curva I
+ G para cima, para I1 + G1 retornando ao ponto de equilíbrio A e elevando a renda
de volta para Yp.
Como a renda de equilíbrio é afetada por mudanças nos gastos
governamentais e nos impostos, esses instrumentos de política fiscal podem
ser alterados de várias maneiras para estabilizar o total dos gastos autônomos
e, assim, a renda de equilíbrio, mesmo que o componente investimento seja
instável.
Um exemplo de política de estabilização fiscal é ilustrado na Figura 5.8.
Considera-se que a economia esteja em equilíbrio em um nível potencial Yp,
com a demanda agregada em Ep igual a (C + I0 + G0). Suponhamos que, a
partir desse ponto, o investimento autônomo decline de I0 para I1, como
resultado de uma mudança desfavorável nas expectativas das firmas. Na
ausência de uma ação de política, a demanda agregada declina para EL, igual
a (C + I1 + G0). O novo nível da renda de equilíbrio está abaixo do produto
potencial, YL.
Dentro do modelo, uma resposta de política fiscal apropriada seria
aumentar os gastos governamentais em um grau suficiente para restaurar o
equilíbrio em Yp. No gráfico, uma elevação dos gastos do governo de G0 para
G1 desloca a curva de demanda agregada para cima, de volta para Ep, agora
igual a (C + I1 + G1). Alternativamente, seria possível usar uma redução dos
impostos para recuperar o nível inicial da demanda agregada. Como o
multiplicador dos impostos é menor, o corte apropriado nos impostos seria
maior que o aumento dos gastos necessário.
PERSPECTIVAS 5.2 - A POLÍTICA FISCAL NA
PRÁTICA : EXEMPLOS DE DUAS DÉCADAS
Um exemplo de política de estabilização fiscal é a redução de impostos da
administração Kennedy-Johnson em 1964. Houve uma grave recessão em
1958, durante a qual a taxa de desemprego subiu para 6,8%. A recuperação
dessa recessão teve vida curta. A economia mergulhou novamente em recessão
em 1960. A administração Kennedy tomou posse em 1961 com um programa
para “colocar a economia em movimento outra vez” – chamado de nova
economia –, que se baseava na aplicação da teoria keynesiana à política
macroeconômica. Kennedy propunha um grande corte de impostos tanto para
pessoas físicas como jurídicas.
Os consultores econômicos de Kennedy achavam que a demanda agregada
estava baixa demais para que a economia operasse no nível de pleno emprego,
ou potencial. A taxa de desemprego em 1961, por exemplo, era de 6,7%, em
comparação com os 4,0% que eram considerados “pleno” emprego na época.
Em termos da Figura 5.8, a economia no início da década de 1960 estava em
um ponto como YL. O objetivo do corte nos impostos era descolar a curva de
demanda agregada para cima, de modo a mover a economia para o produto
potencial (Yp na Figura 5.8).
A administração Kennedy não conseguiu que o Congresso aprovasse o corte de
impostos, principalmente porque os líderes congressistas preocupavam-se como
o déficit orçamentário que isso criaria. Depois do assassinato de Kennedy, o
presidente Lyndon Johnson convenceu o Congresso a aprovar a redução de
impostos de 20% para pessoas físicas e 10% para as empresas no início de
1964. O produto e o emprego cresceram rapidamente, com a taxa de
desemprego caindo para 4,8% na primeira metade de 1965 e para 3,8% em
1966. Esse foi o ponto alto de influência para a teoria keynesiana de política
fiscal.
Com o envolvimento crescente dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã no
período de 1966-68, os gastos do governo com defesa aumentaram
sensivelmente. Esse aumento na demanda agregada, com a economia já no
produto potencial, gerou pressões inflacionárias. Em termos da Figura 5.8, a
curva de demanda agregada estava sendo empurrada para cima do nível
compatível com o produto potencial (YP). A década de 1960 demonstrou que,
na prática, a política fiscal podia tanto desestabilizar como estabilizar a
economia.
Em décadas posteriores no século XX, embora tenham ocorrido alguns
exemplos de programas de estabilização fiscal, as políticas de estabilização
foram dominadas pela política monetária. Então, durante a recessão profunda
de 2007-2009, a política monetária mostrou-se inadequada para carregar todo o
fardo e o governo voltou-se uma vez mais para uma iniciativa fiscal
significativa. A Lei Americana de Recuperação e Reinvestimento (American
Recovery and Reinvestment Act – ARRA) foi aprovada em fevereiro de 2009.
Incluíam-se na lei iniciativas de gastos como ajuda para os estados, ampliação
do auxílio-desemprego e financiamento de projetos de construção e outros
projetos de obras públicas. A ARRA também incluiu uma série de cortes de
impostos para pessoas físicas e jurídicas. O custo total da lei foi de
aproximadamente US$ 800 bilhões ao longo de vários anos.
A ARRA representa mais um teste potencial da eficácia de políticas de
estabilização fiscais keynesianas e tem sido alvo de muitas controvérsias. O
órgão não partidário Congressional Budget Office estima que a ARRA produziu
um aumento do PIB entre 1,1% e 3,5% no quarto trimestre de 2010 e criou de
1,8 a 3,5 milhões de empregos até o final de 2010.
5.7 Exportações e importações no modelo keynesiano
simples
Tanto as importações como as exportações vêm crescendo como
porcentagem do PIB em décadas recentes. Em 1960, as importações
americanas de bens e serviços totalizavam 4,4% do PIB. Em 2010, esse
número era de 16,3% do PIB. As exportações subiram de 4,9% do PIB em
1960 para 12,7% em 2010. No geral, a economia dos Estados Unidos ficou
muito mais estreitamente ligada à das outras nações nos últimos 50 anos. Esta
seção focaliza o papel de importações e exportações na determinação da
renda de equilíbrio no modelo keynesiano simples. Lembremos do Capítulo 2
que o PIB (Y) é composto de consumo, investimento e gastos governamentais
mais exportações líquidas. Exportações líquidas são exportações menos
importações. A condição para o produto de equilíbrio na economia aberta
(incluindo exportações e importações) é
Comparando com a equação (5.2), a condição de equilíbrio na economia
fechada, nós somamos as exportações (X) à demanda agregada e subtraímos
as importações (Z). Exportações são a demanda estrangeira por produto
doméstico e, portanto, são parte da demanda agregada. Além disso, como as
importações estão incluídas em C, I e G, mas não são demandas por bens
domésticos, temos de subtraí-las da demanda agregada.
Para encontrar uma expressão que mostre o PIB de equilíbrio no modelo
de economia aberta, seguimos o mesmo procedimento que no caso da
economia fechada; consideramos investimento e gastos governamentais como
exógenos, ou seja, como componentes dos gastos autônomos. O consumo é
dado pela função consumo
onde, por não desempenharem nenhum papel essencial em nossa análise
aqui, deixamos de fora os impostos e, portanto, não é preciso fazer a distinção
entre PIB (Y) e renda disponível (YD = Y – T). Para calcular o produto de
equilíbrio no caso da economia aberta, precisamos especificar os
determinantes de importações e exportações.
Para simplificar nossa análise, consideramos que as importações
consistam unicamente em bens de consumo. A demanda por importações
dependeria da renda e teria um componente autônomo.
O parâmetro u representa o componente autônomo das importações. O
parâmetro v é a propensão marginal a importar, ou seja, o aumento na
demanda por importações por unidade de aumento no PIB, que é um conceito
análogo à PMgC (b) em (5.24).16
A demanda por exportações domésticas é parte da demanda estrangeira
por importações. A demanda estrangeira por importações depende do nível de
renda estrangeira e é determinada por uma função demanda por importações
análoga à equação (5.25). Pela perspectiva doméstica, a renda estrangeira e,
assim, a demanda por exportações locais são exógenas.
Variáveis adicionais que esperaríamos que influenciassem tanto a demanda
doméstica por importações como a demanda estrangeira por exportações
domésticas são os níveis de preços relativos nos dois países e o nível da taxa
de câmbio. Essas variáveis determinam os custos relativos dos produtos dos
dois países para seus residentes. Note-se que estamos considerando que os
níveis de preços e a taxa de câmbio sejam fixos. Os efeitos sobre importações
e exportações de mudanças no nível de preços ou na taxa de câmbio são
estudados na Parte IV.
Com as importações dadas pela equação (5.25) e as exportações
consideradas exógenas, podemos calcular a renda de equilíbrio pela equação
(5.23), como se segue:
Para examinar os efeitos do comércio exterior no modelo, comparamos a
equação (5.26) com a expressão equivalente para a renda de equilíbrio do
modelo de economia fechada, a equação (5.14). Essa expressão, omitindo a
variável de impostos (T), pode ser escrita como
Em ambas as equações (5.26) e (5.27), a renda de equilíbrio é expressa
como o produto de dois termos: o multiplicados dos gastos autônomos e o
nível de gastos autônomos. Vejamos como cada um deles é alterado quando se
acrescentam importações e exportações ao modelo.
Peguemos primeiro o multiplicador dos gastos autônomos, 1/(1 – b + v) na
equação (5.26), em contraste com 1/(1 – b) na equação (5.27) para o modelo
de economia fechada. Como v, a propensão marginal a importar, é maior que
zero, o multiplicador em (5.26), 1/(1 – b + v), será menor que o multiplicador
em (5.27), 1/(1 – b). Por exemplo, se b = 0,8 e v = 0,3, teríamos
e
Por essas expressões, pode-se observar que, quanto mais a economia for
aberta para o comércio exterior (quanto maior for v), menor será o
multiplicador dos gastos autônomos.
O multiplicador dos gastos autônomos fornece a mudança na renda de
equilíbrio por mudança unitária nos gastos autônomos. Disso decorre,
portanto, que, quanto mais aberta for uma economia (quanto maior for v),
menor será a reação da renda a choques de demanda agregada, como
mudanças nos gastos governamentais ou mudanças autônomas na demanda por
investimento. O declínio no valor do multiplicador dos gastos autônomos com
a elevação de v pode ser explicado com referência ao processo multiplicador
(Seção 5.5). Uma mudança nos gastos autônomos – uma mudança nos gastos
do governo, por exemplo – terá um efeito direto sobre a renda e um efeito
induzido sobre o consumo, com um novo efeito sobre a renda. Quanto mais
alto for o valor de v, maior a proporção desse efeito induzido que
representará uma mudança na demanda por bens de consumo estrangeiros,
não domésticos. Em consequência, o efeito induzido sobre a demanda por
bens domésticos e, assim, sobre a renda doméstica será menor.17 O aumento
nas importações por unidade de renda constitui mais um vazamento do fluxo
circular de renda (doméstica) em cada rodada do processo multiplicador e
reduz o valor do multiplicador dos gastos autônomos.
Agora, consideremos o segundo termo da expressão da renda de equilíbrio
no caso da economia aberta [equação (5.26)], o nível de gastos autônomos.
Além dos elementos de uma economia fechada (a + I + G), os gastos
autônomos na economia aberta incluem exportações e o componente autônomo
das importações. Lembremos que os componentes autônomos da demanda
agregada não são diretamente determinados pela renda. Em vez disso,
deslocamentos nos componentes dos gastos autônomos afetam o nível de
demanda agregada para um dado nível de renda e resultam em mudanças na
renda de equilíbrio. Assim, mudanças nas exportações e mudanças autônomas
na demanda por importações são choques adicionais que alterarão a renda de
equilíbrio.
Pela equação (5.26), podemos calcular os efeitos multiplicadores de
mudanças em X e u.
Um aumento na demanda por exportações domésticas é um aumento na
demanda por produtos produzidos no próprio país e aumentará a renda de
equilíbrio da mesma forma como o faria um aumento nos gastos
governamentais ou um aumento autônomo no investimento.18
Em contraste, um aumento autônomo na demanda por importações, ou seja,
um aumento em u, causará um declínio na renda de equilíbrio. Um aumento
autônomo na demanda por importações representa um deslocamento da
demanda por bens domésticos para a demanda por bens estrangeiros. Por
exemplo, por causa dos grandes aumentos nos preços da gasolina na década
de 1970, os consumidores americanos deslocaram a demanda de automóveis
domésticos para automóveis estrangeiros (menores). Assim sendo, o aumento
autônomo na demanda por importações é um declínio na demanda por produto
doméstico e faz a renda de equilíbrio diminuir.
Em suma, um aumento na demanda pelas exportações domésticas tem um
efeito expansionista sobre a renda de equilíbrio, enquanto um aumento
autônomo nas importações tem um efeito de contração sobre a renda de
equilíbrio. Esse resultado não deve ser interpretado como um indicador de
que exportações são boas e importações são prejudiciais em seus efeitos
econômicos. Os países importam bens que podem ser produzidos mais
eficientemente no exterior e o comércio aumenta a eficiência geral da
alocação internacional de recursos. No entanto, o efeito de expansão de
aumentos nas exportações e o efeito de contração de aumentos nas
importações de fato explicam por que, às vezes, as nações têm tentado
estimular a economia doméstica promovendo as exportações e restringindo as
importações.
Conclusão
O modelo apresentado neste capítulo é incompleto. Precisamos levar em
conta a moeda e as taxas de juros e explicar o comportamento de preços e
salários antes de completar nossa análise do sistema keynesiano. No entanto,
este modelo simples destaca várias características do sistema.
O modelo simples ilustra com clareza o papel da demanda agregada na
determinação da renda no sistema keynesiano. Como veremos adiante, ele
exagera o papel da demanda agregada. Seja como for, um aspecto-chave de
todos os modelos keynesianos é que a demanda desempenha um papel crucial
na determinação da renda. Na visão keynesiana, mudanças nos elementos
autônomos da demanda agregada, em especial a demanda por investimento,
são fatores fundamentais que causam mudanças no nível de equilíbrio da
renda. Por meio do processo multiplicador, tais mudanças nos gastos
autônomos induzem também mudanças nos gastos com consumo. O
investimento inadequado, e um consequente nível baixo de demanda agregada,
foram a explicação keynesiana para o desemprego maciço na Depressão da
década de 1930.
O modelo também ilustra o papel da política de estabilização fiscal na
administração da demanda agregada para proteger o produto de equilíbrio de
deslocamentos na instável demanda por investimento. Embora as expressões
simples que derivamos para os multiplicadores dos gastos do governo e dos
impostos requeiram modificações, os princípios que as fundamentam
permanecem intactos.
Além disso, este capítulo examinou o papel de importações e exportações
no modelo keynesiano simples. Mudanças exógenas nesses componentes da
demanda agregada são fatores adicionais que alteram a renda de equilíbrio.
Vimos também que a abertura da economia afeta o valor do multiplicador dos
gastos autônomos e, assim, a vulnerabilidade da economia tanto a mudanças
estrangeiras como domésticas nos gastos autônomos.
Questões de revisão
1. Explique como as origens da revolução keynesiana podem ser encontradas
no problema do desemprego.
2. Interprete cada uma das três maneiras de expressar a condição da renda de
equilíbrio no modelo keynesiano simples [equações (5.2), (5.5) e (5.6)].
Explique por que as três maneiras são equivalentes.
3. Explique a diferença entre investimento realizado e investimento desejado.
Em qual componente do investimento ocorre a discrepância entre os dois
totais?
4. Explique a teoria de Keynes sobre como as expectativas afetam a demanda
por investimento. Como essa teoria se relaciona à noção de Keynes de que
a demanda agregada seria instável na ausência de políticas de
estabilização governamentais?
5. Considere os números da Tabela 5.1 que apresentam o consumo como uma
porcentagem da renda em anos prósperos (1929, 1955, 1973, 1979, 1989,
2000, 2006) comparados a anos de recessão (1933, 1958, 1975, 1982,
1991, 2001, 2008). Note que, em todos os casos, o consumo é mais alto
como porcentagem da renda nos anos de recessão. Seria esse o resultado
previsto com base na função consumo de Keynes dada pela equação (5.9)?
Explique.
6. No modelo keynesiano simples, um aumento de 1 unidade monetária nos
gastos autônomos fará a renda de equilíbrio aumentar por um múltiplo
desse aumento de 1 unidade. Explique o processo pelo qual isso acontece.
7. Explique detalhadamente por que o multiplicador dos impostos [ΔY/ΔT =
–b/(1 – b)] é negativo e por que ele é menor em valor absoluto que o
multiplicador dos gastos governamentais [ΔY/ΔG = 1/(1 – b)].
8. Suponha que, para uma determinada economia e período, o investimento
fosse igual a 100, os gastos governamentais fossem iguais a 75, os
impostos líquidos fossem fixos em 100 e o consumo (C) fosse dado pela
função consumo
C = 25 + 0,8YD
onde YD é a renda disponível e Y é o PIB.
a. Qual é o nível da renda de equilíbrio (Y)?
b. Qual é o valor do multiplicador dos gastos governamentais (ΔY/ΔG)? E
do multiplicador dos impostos (ΔY/ΔT)?
c. Suponha que o investimento tenha declinado 40 unidades, para um nível
de 60. Qual será o novo nível da renda de equilíbrio?
9. Suponha que a renda de equilíbrio fosse inicialmente 200 unidades e que
esse fosse também o nível de renda de pleno emprego. Considere que a
função consumo seja
C = 25 + 0,8D
e que, partindo desse nível de equilíbrio inicial, tenhamos agora um
declínio no investimento de 8 unidades. Qual será o novo nível de
equilíbrio da renda? Que aumento nos gastos governamentais seria
necessário para levar a renda de volta ao nível inicial de 200?
Alternativamente, que redução na arrecadação tributária seria suficiente
para restaurar o nível de renda de 200?
10. Suponha que os gastos governamentais tenham aumentado em 10 unidades
e que esse aumento tenha sido financiado por um aumento de 10 unidades
nos impostos. A renda de equilíbrio mudaria ou permaneceria a mesma
como resultado dessas duas ações de política? Se a renda de equilíbrio
mudar, em que direção ela se moveria e quanto? Explique.
11. Suponha que, em vez de um nível de impostos fixo, tivéssemos um imposto
de renda tal que
T = T1Y
onde T1 fosse a alíquota do imposto de renda. Seguindo o procedimento da
Seção 5.4, derive uma expressão para a renda de equilíbrio Y análoga à
equação (5.14) para este caso em que o nível de arrecadação tributária
depende da renda. Qual é a expressão equivalente ao multiplicador dos
gastos autônomos [1/(1 – b)] para este caso de um imposto de renda?
12. Na pergunta 8, suponha que, partindo da posição de equilíbrio inicial
(investimento igual a 100, gastos governamentais iguais a 75 e impostos
líquidos fixos em 100), houvesse uma queda autônoma no consumo e um
aumento na poupança de modo que a função consumo se deslocasse de
C = 25 + 0,8YD
para
C = 5 + 0,8YD
a. Calcule a mudança na renda de equilíbrio resultante desse aumento
autônomo na poupança.
b. Calcule o nível de poupança antes e depois do deslocamento do
consumo e, portanto, a função poupança. Como você explica esse
resultado?
13. Suponha que, na versão de economia aberta do modelo keynesiano na
Seção 5.7, incluamos agora os impostos. A renda disponível (YD = Y – T),
portanto, substitui o PIB (Y) na função consumo (5.24). Calcule a
expressão da renda de equilíbrio para essa versão do modelo de economia
aberta. Calcule uma expressão para o multiplicador dos impostos (ΔY/ΔT)
no modelo.
14. Na versão da economia aberta do modelo keynesiano, incluindo impostos
(ver pergunta 13), suponha que ocorra um aumento autônomo nas
importações de 20 unidades [u na equação (5.25) tem um aumento de 20].
Para contrabalançar os efeitos dessa contração na demanda agregada
doméstica, suponha que o governo corte os impostos em 20 unidades. A
renda de equilíbrio aumentará ou diminuirá? Quanto? Explique.
CAPÍTULO 6
O sistema keynesiano (II): moeda, juros e renda
No Capítulo 5, ignoramos a taxa de juros e a política monetária. Aqui,
explicamos o papel da taxa de juros e da moeda no sistema keynesiano e
construímos um modelo que mostra como a taxa de juros e a renda são
determinadas conjuntamente. Para fazer isso, também é necessário levar em
conta os ativos financeiros, além da moeda - considerar estoques alternativos
de riqueza no modelo. No Capítulo 7, usamos esse modelo para oferecer uma
visão mais realista de como a renda depende da demanda agregada e deixar
claro como a política monetária pode afetar a renda por seu efeito sobre a
demanda agregada. Veremos como a instabilidade nos mercados de ativos
financeiros pode ser uma fonte adicional de instabilidade para a demanda
agregada. Veremos também como os resultados do Capítulo 5 referentes à
política fiscal são modificados pela inclusão de mercados financeiros no
modelo.
6.1 A moeda no sistema keynesiano
Era fundamental para a teoria da moeda de Keynes a noção de que a moeda
afeta a renda por intermédio da taxa de juros. Um aumento na oferta de moeda,
por exemplo, reduz a taxa de juros, e a taxa de juros mais baixa, por sua vez,
aumenta a demanda agregada e a renda. Precisamos examinar duas ligações na
cadeia de eventos que conectam mudanças na oferta de moeda e mudanças na
renda. A primeira é a relação entre moeda e taxa de juros. A segunda é o
efeito da taxa de juros sobre a demanda agregada. Começaremos por esta
última.
6.1.1 Taxas de juros e demanda agregada
Já examinamos as razões pelas quais o investimento das firmas depende da
taxa de juros. Resumidamente, um projeto de investimento será levado adiante
apenas se sua rentabilidade esperada superar o custo de tomar empréstimos
para financiá-lo, em um montante suficiente para justificar os riscos do
projeto. Com uma taxa de juros alta (custo de tomar empréstimo), menos
projetos satisfazem o critério.
Ao considerar as possíveis influências da taxa de juros, levamos em conta
também outros componentes da demanda agregada além do investimento das
firmas. O primeiro deles é o investimento em construção residencial. A
construção residencial é um componente do investimento nas contas nacionais,
mas a razão pela qual esse investimento é afetado pelo nível da taxa de juros
requer uma explicação mais detalhada. O valor das novas residências entra
nas contas do PIB quando as casas são construídas. Um elemento do custo de
construção é o custo de empréstimos tomados a curto prazo para financiar a
construção de uma casa. Taxas de juros mais altas significam custos mais altos
para o construtor e, sendo constantes os outros fatores, esses custos mais altos
desestimulam a construção. Além disso, um fator importante que determina a
taxa de novas construções residenciais é o estado geral da demanda por
moradias, existentes e novas. A maioria das compras de casas é financiada
por empréstimos de longo prazo tomados no mercado de financiamento
imobiliário, cujas taxa de juros acompanham as altas taxas de juros nos outros
mercados. As altas taxas de juros imobiliários aumentam o custo da compra
de uma casa e reduzem a demanda por novas residências e pelas já existentes.
Essa demanda reduzida no mercado imobiliário faz cair o volume de novas
construções residenciais.
Outros componentes da demanda agregada não são contados como
investimentos pelas contas nacionais, mas podem ser afetados por mudanças
na taxa de juros. O primeiro deles são os gastos com consumo de bens
duráveis. Esses gastos entram como consumo corrente nas contas nacionais,
mas, para o consumidor, a compra de um carro ou de um aparelho como um
computador ou um televisor é uma forma de investimento. Essas compras com
frequência são financiadas por empréstimos, especialmente as compras de
carros. Taxas de juros elevadas aumentam o custo da compra e devem reduzir
esse componente da demanda agregada.
Um último componente da demanda agregada que pode ser afetado pelas
taxas de juros é um subcomponente dos gastos governamentais. Os gastos
governamentais nas contas nacionais incluem os gastos de governos estaduais
e municipais com serviços, bens de consumo e bens de investimento. Nos
modelos construídos aqui, consideramos que os gastos governamentais sejam
fixados exogenamente pelo formulador de políticas. O formulador de políticas
econômicas seria, de fato, o governo federal e a variável de política
apropriada são os gastos do governo federal. Os gastos dos governos
estaduais e municipais podem ser mais adequadamente incluídos com os
gastos privados com consumo e investimento. Boa parte dos gastos dos
governos estaduais e municipais é financiada por empréstimos tomados por
meio de emissões de títulos. Taxas de juros elevadas devem, em teoria,
aumentar os custos desses empréstimos e desestimular essa parte dos gastos
governamentais estaduais e municipais. Há, porém, muitos determinantes da
magnitude e do momento de execução desses projetos de gastos dos governos
estaduais e municipais e, na prática, a importância das taxas de juros
permanece incerta.
Dentro do modelo simples do Capítulo 5, os efeitos sobre a demanda
agregada e a renda de equilíbrio como resultado de uma mudança na taxa de
juros são ilustrados na Figura 6.1. Inicialmente, supomos que a economia
esteja em equilíbrio em Y0 com a demanda agregada em E0 igual a (C + I0 +
G0), correspondendo a uma taxa de juros r0. Um declínio na taxa de juros para
r1 desloca a curva de demanda agregada para cima até E1, igual a (C + I1 +
G0). Esse deslocamento representa os efeitos combinados da taxa de juros
sobre o investimento das firmas, o investimento em construção residencial, os
gastos de consumo com bens duráveis e os gastos com investimentos dos
governos estaduais e municipais. A renda de equilíbrio sobe para Y1.
Um fator importante para determinar a variação da renda de equilíbrio (Y1
– Y0) que ocorrerá para uma dada mudança na taxa de juros é o tamanho do
deslocamento da demanda agregada, causado pela mudança na taxa de juros.
Quanto mais sensíveis forem os componentes da demanda agregada a
mudanças na taxa de juros, maior será o deslocamento da função demanda
agregada na Figura 6.1 e maior o efeito sobre a renda de equilíbrio. A
sensibilidade da demanda agregada aos juros, portanto, será importante para
determinar a eficácia da política monetária para influenciar a renda de
equilíbrio.
FIG 6.1 Efeito de uma redução da taxa de juros sobre o investimento e a
renda de equilíbrio
Na parte a, quando a taxa de juros cai de r0 para r1, o investimento sobe de I0 para
I1. Na parte b, esse aumento no investimento, ΔI, desloca a curva de gastos agregados
para cima, uma vez que o intercepto é maior, de E0 =C + I0 + G0 para E1 = C + I1 +
G0. A renda sobe de Y0 para Y1.
A Figura 6.1a ilustra a ideia de que o investimento está negativamente
relacionado à taxa de juros. À taxa de juros r0, o investimento é I0 no ponto A
da curva de investimento. Se a taxa de juros cair para r1, o investimento
aumenta para I1 no ponto B. Olhando a Figura 6.1b, como o investimento é um
componente dos gastos agregados, a curva de gastos desloca-se para cima, do
ponto de equilíbrio A para o ponto de equilíbrio B, e a renda de equilíbrio
aumenta de Y0 para Y1.
Em nossos modelos, representamos o efeito das taxas de juros sobre os
gastos agregados como um efeito em I, o componente de investimento dos
gastos agregados. Deve-se ter em mente, porém, o que foi discutido nesta
seção. Para captar plenamente os efeitos das taxas de juros sobre os gastos
agregados, precisamos definir investimento de forma ampla, incluindo os
outros componentes dos gastos agregados examinados aqui.
6.1.2 A teoria keynesiana da taxa de juros
A próxima relação que examinaremos é entre a quantidade de moeda e a
taxa de juros. Keynes acreditava que a quantidade de moeda desempenhava
um papel fundamental na determinação da taxa de juros e estruturou sua teoria
de modo a destacar esse papel.
PERSPECTIVAS 6.1 - O SETOR FINANCEIRO NO
SISTEMA KEYNESIANO
O modelo clássico continha um papel para a moeda e a política monetária.
Keynes, no entanto, quis integrar a moeda e outros ativos financeiros entre si e
com o processo na determinação do produto. Ele via um papel muito mais
central para o setor financeiro na economia real. Antes de prosseguir com o
desenvolvimento do modelo keynesiano, é interessante dar um passo atrás e
considerar o setor financeiro na economia norte-americana atual. A moeda é um
ativo no modelo de Keynes, assim como no modelo clássico. Outro grupo de
ativos na economia real são os ativos do mercado monetário. Esses são ativos
com prazos de menos de um ano. Um exemplo de um ativo de mercado
monetário é um título do Tesouro dos Estados Unidos. Títulos do Tesouro são
instrumentos da dívida com vencimento de curto prazo emitidos pelo Tesouro
americano para prazos como 3 ou 6 meses. Outros ativos do mercado
monetário são títulos negociáveis, que são emissões de instrumentos de dívida
de curto prazo por grandes empresas, e Certificados de Depósito negociáveis
emitidos por grandes bancos. Uma propriedade comum desses ativos é que eles
têm um baixo risco de não pagamento. Títulos do Tesouro dos Estados Unidos,
por exemplo, são essencialmente livres de risco. Também por serem de curto
prazo, eles não têm um risco de preço. Em geral, seu portador os mantém até o
vencimento e recebe seu valor nominal.
A outra categoria importante é constituída de ativos negociados em mercados de
capitais. Esses incluem títulos do Tesouro americano com vencimentos de 10
ou 30 anos, títulos corporativos, títulos municipais emitidos por governos
estaduais ou locais, títulos lastreados em hipotecas e uma série de outros ativos
de longo prazo. Os ativos de mercados de capitais têm graus variáveis de risco
de não pagamento, que vão de essencialmente zero no caso de títulos do
Tesouro americano a um risco muito alto no caso de títulos corporativos sem
grau de investimento (junk bonds). Como esses instrumentos de dívida no
mercado de capitais são de longo prazo, seu preço variará de acordo com as
taxas de juros de mercado vigentes de uma maneira que será descrita na
próxima seção. Um último grupo de ativos de mercados de capitais são ações
corporativas (equities). Estas também são ativos de longo prazo, também têm
graus variáveis de risco de incumprimento e também são ativos de preço
variável cujo valor é afetado pelas taxas de juros vigentes e muitos outros
fatores que afetam as perspectivas das empresas que emitiram a ação.
Keynes escolheu uma maneira específica de integrar todos esses elementos do
setor financeiro em seu modelo, como vamos ver agora.
A principal simplificação da teoria de Keynes é pressupor que todos os
ativos financeiros possam ser divididos em dois grupos: (1) moeda e (2)
todos os ativos não monetários, que chamamos de títulos. A distinção que
Keynes enfatizava entre os grupos era que os ativos monetários eram ativos
altamente líquidos de curto prazo, enquanto os títulos eram os ativos de longo
prazo menos líquidos. Como resultado, vemos que os ativos monetários são
livres de risco e os títulos são os ativos de risco. A liquidez é a propriedade
de um ativo que mede a facilidade com que o ativo pode ser convertido em
moeda corrente sem perda de valor. O componente moeda corrente da oferta
de moeda é, assim, perfeitamente líquido. Outros componentes da oferta de
moeda e alguns substitutos próximos da moeda, como títulos de curto prazo do
Tesouro americano, são altamente líquidos. Os títulos e outros ativos de longo
prazo são menos líquidos. O preço desses ativos de longo prazo varia e,
portanto, eles são arriscados. Keynes chamou a demanda pelos ativos
monetários de preferência pela liquidez.1
Para os propósitos de nosso modelo, a moeda pode ser entendida como a
oferta de moeda estreitamente definida que, nas estatísticas monetárias
oficiais americanas, é chamada de M1. M1 consiste em moeda corrente mais
depósitos bancários à vista. A categoria “título” inclui os títulos propriamente
ditos mais outros ativos financeiros de longo prazo, principalmente ações. A
distinção entre longo prazo (títulos) e curto prazo (moeda) é, como foi
comentado, a crucial. Além disso, durante muito tempo, os títulos foram o
ativo que pagava juros e a moeda não. Ainda é verdade que parte da oferta de
moeda, moeda corrente e alguns depósitos à vista, não pagam juros, mas juros
são pagos sobre alguns componentes de M1 e sobre componentes de um
agregado mais amplo de ativos altamente líquidos. No momento, porém, essas
taxas de juros são próximas de zero e vamos ignorá-las em nosso modelo. A
taxa de juros é a taxa de juros paga sobre títulos.
Além disso, para simplificar, consideramos que os títulos no modelo sejam
homogêneos em todos os aspectos. Como em nossa discussão do sistema
clássico, suporemos que os títulos são perpetuidades, promessas de
pagamento de quantias fixas a intervalos fixos no futuro (por exemplo, 1 real
ao ano), sem devolução do principal.
Dentro desse modelo simplificado, Keynes examina o modo como os
indivíduos distribuem sua riqueza financeira entre os dois ativos, moeda (M)
e títulos (B). Em um ponto no tempo, a riqueza (Wh) é fixa em algum nível e,
como títulos e moeda são as únicas formas de estoque de riqueza, temos
A taxa de juros de equilíbrio para os títulos é a taxa em que a demanda por
títulos é igual ao estoque de títulos existente. Pareceria muito natural
desenvolver uma teoria da taxa de juros de equilíbrio estudando os fatores
que determinam diretamente a oferta e a demanda por títulos. Keynes não fez
assim. Note que, dada a equação (6.1), há apenas uma decisão independente
com relação à carteira de ativos, que é a divisão entre moeda e títulos. Se,
para um indivíduo, a riqueza for igual a $50.000, a decisão de manter $10.000
em forma de moeda determina implicitamente que os $40.000 restantes serão
mantidos em forma de títulos. Em termos de posições de equilíbrio, isso
significa que uma pessoa que esteja satisfeita com o nível de seu estoque de
moeda em relação à riqueza total está, por definição [equação (6.1)],
satisfeita com seu estoque de títulos; essa pessoa está na distribuição ótima de
riqueza entre os dois tipos de estoque de valor.
Dizer, por exemplo, que a demanda por moeda excede a oferta é dizer, no
agregado, que o público está tentando aumentar a proporção de riqueza
mantida em forma de moeda. Isto é, por definição, o mesmo que dizer que a
oferta de títulos excede a demanda; o público está tentando reduzir a
proporção de riqueza mantida em forma de títulos.
Em consequência, há duas maneiras equivalentes de descrever a taxa de
juros de equilíbrio: como a taxa que iguala a oferta e a demanda por títulos
ou, alternativamente, como a taxa que iguala a oferta e a demanda por moeda.
O equilíbrio em um mercado implica equilíbrio no outro. Keynes escolheu a
segunda dessas perspectivas, porque queria enfatizar a relação entre moeda e
taxa de juros.
Essa concepção keynesiana da determinação da taxa de juros é ilustrada na
Figura 6.2. Considera-se que a oferta de moeda seja fixada exogenamente
pelo Banco Central em
. A taxa de juros de equilíbrio é r0, a taxa em que a
demanda por moeda, dada pela curva de demanda por moeda Md no gráfico, é
exatamente igual à oferta fixa de moeda.
Em um sentido mais fundamental, a taxa de juros de equilíbrio é
determinada por fatores que afetam a oferta e a demanda por moeda. No caso
da oferta, o principal fator serão as políticas do Banco Central. Voltamo-nos
agora para os fatores que Keynes acreditava que determinassem a demanda
por moeda, os fatores que determinam a posição e a inclinação da curva Md
na Figura 6.2.
FIG 6.2 Determinação da taxa de juros de equilíbrio
No sistema keynesiano, a taxa de juros de equilíbrio (r0) é a taxa de juros
que iguala a oferta e a demanda por moeda.
6.1.3 A teoria keynesiana da demanda por moeda
Keynes considerava três motivos para reter moeda.
6.1.3.1 Demanda para transações
O primeiro motivo considerado por Keynes era o motivo de transações. A
moeda é um meio de troca e os indivíduos mantêm moeda para uso em
transações. A moeda faz a ponte entre o recebimento de renda e os gastos. A
quantidade de moeda mantida para transações variaria positivamente com o
volume de transações de que o indivíduo participasse. A renda é considerada
uma boa medida do volume de transações e, assim, a demanda por moeda
para transações dependeria positivamente da renda.
A moeda recebida em uma transação pode ser usada para comprar títulos,
que podem, então, ser vendidos para obter moeda outra vez quando chegar o
momento de algum gasto. O ganho de fazer isso são os juros obtidos pelo
tempo em que os títulos são mantidos. As taxas de corretagem envolvidas na
compra de títulos e os inconvenientes de fazer um grande número de
transações desse tipo tornariam não-lucrativa a compra de títulos por
montantes pequenos para serem mantidos por períodos curtos. Seria
preferível manter alguma moeda para transações. Ainda assim, há espaço para
economizar nos saldos para transações por meio dessas compras de títulos.
Como o retorno a ser obtido são os ganhos de juros sobre os títulos,
esperaríamos que o incentivo para economizar com os saldos para transações
aumente quando a taxa de juros aumenta. Em consequência, além de depender
positivamente da renda, a demanda por moeda para transações estaria
negativamente relacionada à taxa de juros.
Keynes não enfatizou a taxa de juros ao discutir o motivo de transações
para reter moeda, mas ela se revelou importante, em especial para o setor
empresarial. Firmas com um alto volume de transações podem, por meio de
práticas de gestão de caixa, reduzir seu estoque médio de moeda. O incentivo
para fazer os gastos requeridos para a gestão de caixa depende da taxa de
juros.
6.1.3.2 Demanda precaucionária
Keynes acreditava que, além da moeda mantida para transações
planejadas, saldos adicionais de moeda eram mantidos para o caso de gastos
inesperados, como despesas médicas ou com consertos. Keynes denominou a
moeda mantida por esse motivo de demanda precaucionária por moeda. Ele
acreditava que o montante mantido para esse fim dependia positivamente da
renda. Uma vez mais, a taxa de juros poderia ser um fator significativo se as
pessoas tendessem a economizar com o montante de moeda mantido pelo
motivo precaucionário quando a taxa de juros subisse. Como os motivos para
manter saldos precaucionários são semelhantes aos da demanda para
transações, simplificamos nossa discussão aqui classificando a demanda
precaucionária na categoria de demanda para transações, sejam tais
transações esperadas ou imprevistas.
6.1.3.3 Demanda especulativa
O último motivo considerado por Keynes para reter moeda era o motivo
especulativo. Keynes começou perguntando por que um indivíduo manteria
alguma moeda acima da necessária para os motivos de transações e
precaucionários, se títulos pagam juros e moeda não. Essa demanda adicional
por moeda existia, na opinião de Keynes, por causa da incerteza sobre as
taxas de juros futuras e da relação entre mudanças na taxa de juros e o preço
dos títulos. Se fosse esperado que as taxas de juros se movessem de modo a
causar perdas de capital para os títulos, era possível que essas perdas
esperadas superassem os ganhos de juros dos títulos e fizessem com que o
investidor preferisse manter moeda. Essa moeda seria mantida pelos que
especulam em relação a mudanças futuras na taxa de juros. Para ver como
essa especulação funciona, analisaremos a relação entre a taxa de juros e os
preços dos títulos.
Consideremos o caso de uma perpetuidade, que é o que estamos
pressupondo que sejam os títulos em nosso modelo. Vamos supor que, em
algum ponto no passado, tenhamos pagado o preço de mercado então vigente
de $1.000 para comprar um título do governo que oferece o pagamento de $50
por ano, denominado pagamento do cupom. Foi comprado um título perpétuo
pelo preço de $1.000, a uma taxa de juros de mercado de 5% (50/1.000 =
0,05 ou 5%). Quanto esse título valeria se tentássemos vendê-lo hoje? O valor
de um ativo financeiro que dá ao proprietário o direito a um pagamento de
cupom de $50 ao ano depende da taxa de juros de mercado atual. Primeiro,
vamos supor que a taxa de juros de mercado atual seja 5%, a mesma que a
taxa de juros vigente quando o título foi comprado. Nesse caso, o título ainda
seria vendido por $1.000; a esse preço, ele renderia a taxa de juros atual de
5%.
Em seguida, consideremos o caso em que a taxa de juros de mercado tenha
subido para 10% ao longo do tempo desde que o título foi comprado. O preço
vigente hoje para um título com um pagamento de cupom de $50 ao ano é
$500 (50/500 = 0,10 ou 10%). O título não tem nenhuma característica que
permita que o vendamos por mais que isso. Embora tenhamos pagado $1.000,
devido à elevação da taxa de juros só será possível vendê-lo com uma perda
de capital de $500, o preço que o torna competitivo às taxas de mercado
atuais. Uma elevação nas taxas de juros de mercado resulta em uma perda
de capital para os títulos já existentes.
Se, em vez disso, a taxa de juros de mercado tivesse caído desde que o
título foi comprado, o valor do título teria aumentado. Se a taxa de juros
tivesse declinado de 5% para 2%, o preço do título teria aumentado dos
$1.000 pagos para $2.500. A esse preço, o título, que tem um cupom de $50
ao ano, pagará 2% de juros (50/2.500 = 0,02 ou 2%). Assim, uma queda nas
taxas de juros resulta em um ganho de capital para os títulos já existentes.
Tendo em mente essa relação entre preços de títulos e mudanças na taxa de
juros, voltamos à questão da desejabilidade relativa de moeda e títulos.
Os retornos esperados dos dois ativos podem ser expressos como se
segue:
O retorno da moeda é zero, porque ela não rende juros (nosso pressuposto
até aqui) e porque seu valor não está sujeito a ganhos ou perdas de capital
associados a mudanças na taxa de juros.2 O título pagará uma taxa de juros r.
O retorno esperado dos títulos será igual a essa taxa de juros mais ou menos
qualquer ganho ou perda de capital esperados. Por razões discutidas acima,
um investidor que previsse uma queda nas taxas de juros esperaria ter um
ganho de capital, enquanto um investidor que previsse um aumento das taxas
de juros esperaria ter uma perda de capital. Essa incerteza sobre o curso
futuro das taxas de juros é crucial para a análise de Keynes.
Suponhamos que um investidor acredite que as taxas de juros irão cair. Os
títulos têm, portanto, o retorno esperado maior. Eles pagam juros e a
expectativa é de que gerem ganho de capital. Se houver uma expectativa de
elevação das taxas de juros, porém, é possível que a perda de capital
esperada dos títulos seja maior que os ganhos com juros. O retorno esperado
dos títulos seria negativo nesse caso e a moeda seria o ativo preferido. A
moeda mantida devido a uma expectativa de queda dos preços dos títulos (um
aumento das taxas de juros) é a demanda especulativa por moeda de Keynes.
Até este ponto, temos uma relação entre a quantidade de moda demandada
e as mudanças futuras esperadas nas taxas de juros. Keynes converte isso em
uma relação entre a demanda por moeda e o nível da taxa de juros por meio
de um pressuposto sobre como as pessoas formam expectativas quanto a
mudanças futuras na taxa de juros. Ele pressupõe que os investidores tenham
uma concepção relativamente fixa da taxa de juros normal. Quando a taxa de
juros efetiva está acima da taxa normal, os investidores esperam que a taxa de
juros caia. Quando a taxa de juros está abaixo da taxa normal, eles esperam
que ela suba. Dado esse pressuposto sobre como expectativas referentes a
taxas de juros são formadas, podemos desenvolver uma relação entre o nível
da demanda especulativa por moeda e a taxa de juros. Faremos isso, em
primeiro lugar, para um investidor individual e, depois, examinaremos a
relação agregada correspondente.
Para o investidor individual, a curva de demanda por saldos especulativos
é mostrada na Figura 6.3a. Aqui, Mi2 representa a demanda especulativa por
moeda do indivíduo i e Mi1 é a demanda para transações dessa pessoa.
Temos, então,
e
onde Mi, Bi e Whi são os estoques totais de moeda, os estoques de títulos e a
riqueza do indivíduo, respectivamente.
Seguindo a teoria de Keynes, considera-se que o indivíduo tenha uma
noção preconcebida da taxa de juros normal. Essa taxa é mostrada como rin na
Figura 6.3a. Como a taxas acima de rinespera-se que a taxa de juros caia, a
essas taxas os títulos serão preferíveis à moeda como ativo. A demanda
especulativa por moeda será zero e os estoques de títulos serão iguais a (Whi
– Mi1). A demanda especulativa por moeda também será zero para taxas de
juros dentro de uma certa faixa abaixo de rin. Se a taxa de juros não estiver
muito abaixo de rin, os ganhos com juros sobre o título serão maiores que a
pequena perda de capital esperada. A perda de capital esperada será pequena
porque apenas uma pequena elevação de r será esperada quando a taxa
retornar a rni.
Há um nível da taxa de juros abaixo de rin, porém, em que a perda de
capital esperada dos títulos, que aumenta conforme a taxa de juros declina
abaixo de rin, igualará os ganhos com juros dos títulos. Chamamos esse valor
de taxa de juros crítica (ric) do indivíduo. Abaixo dessa taxa, a moeda será
preferida. O indivíduo venderá títulos e manterá saldos especulativos de (Whi
– Mi1), o que significa que toda a riqueza dessa pessoa será mantida em
moeda.
Keynes considerava que diferentes indivíduos tinham noções diferentes
quanto ao que seria uma taxa de juros normal. Por exemplo, conforme a taxa
de juros caísse a partir de uma taxa muito alta em que houvesse muito pouca
demanda especulativa, ela desceria sucessivamente para níveis abaixo das
taxas críticas dos diferentes investidores. Quanto mais baixa a taxa de juros,
mais investidores julgariam que, dada a sua concepção da taxa de juros
normal, a moeda seria o ativo preferível. A uma taxa de juros muito baixa,
quase todos os investidores esperariam uma elevação substancial da taxa de
juros no futuro (r<ric) e a moeda seria quase unanimemente preferida como
ativo. Procedendo dessa maneira, construímos a demanda agregada por saldos
especulativos de moeda mostrada na Figura 6.3b.
FIG 6.3 Curvas de demanda especulativa individual e agregada por moeda
A demanda especulativa individual por moeda é mostrada na parte a. A qualquer taxa
de juros acima da taxa crítica (ric), a demanda especulativa por moeda é zero. Abaixo
da taxa de juros crítica, o indivíduo troca títulos por moeda. A parte b mostra a curva
de demanda especulativa agregada por moeda (M2). Conforme a taxa de juros declina,
ela cai abaixo da taxa crítica de cada vez mais indivíduos e a demanda especulativa
por moeda aumenta.
A curva é suave, refletindo o aumento gradual da demanda especulativa
por moeda à taxas de juros sucessivamente mais baixas. A curva vai ficando
plana em uma taxa de juros muito baixa, o que mostra que, a essa taxa baixa,
há uma expectativa geral de perdas de capital com os títulos que superam os
ganhos com juros. Nessa taxa, os incrementos à riqueza seriam mantidos em
forma de moeda, sem queda adicional na taxa de juros. Keynes chamou essa
situação de armadilha da liquidez. Na maior parte do tempo, porém,
pressupõe-se que estejamos na parte de inclinação negativa da curva de
demanda especulativa por moeda.
Armadilha da liquidez
Situação em uma taxa de juros muito baixa
em que a curva de demanda especulativa
por moeda torna-se quase horizontal.
6.1.3.4 A demanda total por moeda
Examinamos os três motivos para reter moeda no sistema keynesiano e
podemos agora reuni-los para construir a função demanda por moeda total. A
demanda para transações e a demanda precaucionária variam positivamente
com a renda e negativamente com a taxa de juros. A demanda especulativa por
moeda está negativamente relacionada à taxa de juros. Juntando esses fatores,
podemos expressar a demanda total por moeda como
onde Y é a renda e r é a taxa de juros. Uma elevação da renda aumenta a
demanda por moeda; uma elevação da taxa de juros diminui a demanda por
moeda. Na análise a seguir, faremos às vezes a suposição simplificadora de
que a função demanda por moeda seja linear:
A equação (6.4) considera que podemos traçar a função demanda por
moeda como uma reta em nossos gráficos. O parâmetro c1 fornece o aumento
na demanda por moeda por aumento unitário da renda e c2 dá a magnitude do
declínio da demanda por moeda por aumento unitário da taxa de juros.
6.1.4 Os efeitos de um aumento da oferta de moeda
Na Figura 6.4, traçamos a curva keynesiana linear de demanda por moeda
[equação (6.4)] como uma função da taxa de juros e ilustramos o efeito sobre
o mercado monetário de um aumento da oferta de moeda. A função demanda
por moeda, Md, tem inclinação negativa; uma queda da taxa de juros, por
exemplo, aumenta a demanda por moeda. Para estabelecer a posição da
função demanda por moeda, precisamos estabelecer o nível de renda. A curva
na Figura 6.4 é traçada para um nível de renda Y0. Um aumento na renda
desloca a curva para a direita, refletindo o fato de que, para uma dada taxa de
juros, a demanda por moeda aumenta com a renda. Considera-se que a oferta
de moeda seja uma variável de política econômica exogenamente controlada,
estabelecida inicialmente em Ms0.
Agora, consideremos os efeitos de um aumento na oferta de moeda para o
nível mostrado pela curva Ms1 na Figura 6.4. À taxa de juros de equilíbrio
inicial r0, depois do aumento da oferta de moeda, passa a haver um excesso
de oferta de moeda. Em r0, as pessoas não desejam reter a moeda adicional.
Elas tentam diminuir seus estoques de moeda comprando títulos. O aumento
da demanda por títulos reduz a taxa de juros que os ofertantes de títulos
(tomadores de empréstimo) oferecem para vender seus títulos. A queda da
taxa de juros faz a demanda por moeda subir e um novo equilíbrio é
alcançado na taxa de juros r1.
FIG 6.4 Equilíbrio no mercado monetário
Um aumento na oferta de moeda de Ms0 para Ms1 produz um excesso
inicial de oferta de moeda. A taxa de juros cai de r0 para r1 para restabelecer
o equilíbrio no mercado monetário.
6.1.5 Indo em frente
Vimos como mudanças na oferta de moeda afetam a taxa de juros. Vimos
também como uma mudança na taxa de juros afeta a demanda agregada. Não
podemos combinar a Figura 6.4 com a Figura 6.1 para examinar o efeito sobre
a renda de uma mudança na oferta de moeda? Infelizmente, não podemos.
Na Figura 6.4, analisamos os efeitos de uma mudança na oferta de moeda
no mercado monetário sem levar em conta efeitos em outros mercados.
Especificamente, mantivemos a renda constante (em Y0) para fixar a posição
da função demanda por moeda. Quando a taxa de juros cai de r0 para r1,
podemos ver pela Figura 6.1 (considerando que os subscritos tenham o
mesmo significado nos dois gráficos) que a renda aumenta de Y0 para Y1. Essa
elevação da renda deslocará a curva de demanda por moeda na Figura 6.4
para a direita. Haverá uma nova mudança na taxa de juros de volta para r0 e,
em consequência, uma nova mudança na renda. O que precisamos encontrar é
o efeito de mudanças da oferta de moeda sobre os valores de equilíbrio da
taxa de juros e da renda, valores de equilíbrio tanto para o mercado
monetário como para o mercado de bens. Temos todas as relações
necessárias, mas precisamos de um modelo em que possamos encaixá-las.
Essa nova estrutura é o modelo IS-LM.
6.2 O modelo IS-LM
Nossa tarefa nesta seção é encontrar os valores da taxa de juros e da renda
que equilibrem simultaneamente o mercado de bens e o mercado monetário.
Como o equilíbrio no mercado monetário implica equilíbrio no mercado de
títulos, essa combinação equilibrará os três mercados (bens, moeda e títulos).
Primeiro, identificamos combinações de renda e taxa de juros que equilibram
o mercado monetário, deixando de lado o mercado de bens. Em seguida,
identificamos combinações de renda e taxa de juros que sejam valores de
equilíbrio para o mercado de bens. Demonstramos, então, que, dentro desses
dois conjuntos de combinações de equilíbrio de taxa de juros e renda, há uma
combinação que equilibra os dois mercados. Para encontrar um ponto de
equilíbrio único, precisamos supor que as variáveis de política econômica,
entre elas a oferta de moeda, os gastos governamentais e os impostos, sejam
fixas em determinados níveis. Outras influências autônomas sobre a renda e as
taxas de juros (por exemplo, a situação das expectativas das firmas, que afeta
o investimento) também devem ser consideradas fixas. Vemos que essas
variáveis de política e outras influências exógenas determinam as posições
das curvas de equilíbrio dos mercados monetário e de bens, denominadas
abaixo curvas LM e IS. No Capítulo 7, vamos ver como mudanças nessas
variáveis de política econômica e outras influências exógenas afetam os
valores de equilíbrio da renda e da taxa de juros.
6.2.1 Equilíbrio do mercado monetário: a curva LM
6.2.1.1 Construção da curva LM
A demanda por moeda no modelo keynesiano depende positivamente da
renda em razão da demanda para transações. A demanda por moeda também
varia inversamente à taxa de juros, devido a demanda especulativa por moeda
e porque a quantidade de saldos para transações mantidos em qualquer nível
de renda declina quando a taxa de juros (o custo de oportunidade de manter
tais saldos) aumenta.
Expressamos essa relação como
ou, em forma linear
Agora, queremos encontrar todas as combinações de r e Y que equilibram a
demanda por moeda com uma oferta de moeda fixa, indicada como Ms0. A
curva formada por esses pontos é chamada curva LM porque, ao longo dela, a
demanda por moeda, que identificamos pelo símbolo L [equação (6.3)], é
igual à oferta de moeda (M). Para simplificar, examinaremos o caso em que a
demanda por moeda é dada pela forma linear (6.4). Nesse caso, a condição
que deve ser satisfeita para o equilíbrio do mercado monetário, a equação da
curva LM, pode ser escrita como
Já examinamos a natureza do equilíbrio no mercado monetário. Na Figura
6.5a, por exemplo, são traçadas três curvas diferentes de demanda por moeda,
correspondentes a três níveis de renda sucessivamente mais altos, Y0, Y1 e Y2.
Conforme a renda aumenta de Y0 para Y1 e, depois, de Y1 para Y2, a curva de
demanda por moeda desloca-se para a direita quando traçada em relação à
taxa de juros. Os pontos em que essas curvas de demanda por moeda
interceptam a linha vertical, que dá o valor da oferta de moeda fixa, são
pontos de equilíbrio para o mercado monetário. As combinações renda-taxa
de juros em que o equilíbrio ocorre, (Y0, r0), (Y1, r1) e (Y2, r2), são pontos da
curva LM, que é a curva de equilíbrio do mercado monetário. Esses pontos
são representados na Figura 6.5b. Procedendo dessa maneira, podemos
encontrar o valor de equilíbrio da taxa de juros para cada nível de renda e
construir a curva LM completa mostrada na Figura 6.5b.
A curva LM tem inclinação ascendente para a direita. Em níveis mais
elevados de renda, o equilíbrio no mercado monetário ocorre a taxas de juros
mais altas. A razão para a inclinação positiva da curva LM é a seguinte. Um
aumento da renda (por exemplo, de Y0 para Y1 nas Figuras 6.5a e b) aumenta a
demanda por moeda a uma dada taxa de juros, porque a demanda por moeda
para transações varia positivamente com a renda. Para que a demanda volte a
um nível igual à oferta fixa de moeda, é necessário que a taxa de juros seja
mais alta (r1 em vez de r0 nas Figuras 6.5a e b). A taxa de juros mais alta
resulta em uma demanda especulativa por moeda mais baixa e reduz o
componente de transações correspondente a qualquer nível de renda. A taxa
de juros precisa aumentar até que esse declínio na demanda por moeda seja
exatamente igual ao aumento inicial da demanda para transações induzido pela
renda.
Para completar nossa apresentação da curva LM, examinaremos duas
questões. Primeiro, queremos saber o que determina o valor da inclinação da
curva LM. Sabemos que a curva tem inclinação positiva, mas ela é muito
inclinada ou relativamente plana? A inclinação da curva LM é importante para
nossa discussão posterior sobre os efeitos de políticas econômicas. A segunda
questão refere-se à posição da curva LM: que fatores deslocam a curva?
FIG 6.5 Equilíbrio no mercado monetário e a curva LM
(a) Aumentos na renda de Y0 para Y1 para Y2 deslocam a curva de demanda por
moeda de Md(Y0) para Md(Y1), depois para Md(Y2). O equilíbrio no mercado
monetário requer taxas de juros sucessivamente mais altas r0,r1, r2 a níveis de renda
mais altos Y0, Y1, Y2. (b) A curva LM mostra combinações de renda (Y) e taxa de
juros (r) que equilibram o mercado monetário. Combinações de equilíbrio como (r0,
Y0), (r1, Y1) e (r2, Y2) da parte a são pontos da curva LM (A, B, C). Como vimos na
parte a, em níveis mais altos de renda, são necessárias taxas de juros mais altas para o
equilíbrio do mercado monetário; a curva LM inclina-se para cima e para a direita.
6.2.1.2 Fatores que determinam a inclinação da curva LM
Para ver quais fatores determinam a inclinação da curva LM, começamos
examinando o efeito sobre o equilíbrio do mercado monetário de um aumento
na renda, ΔY, por exemplo, de Y0 para Y1 nas Figuras 6.5a e b. O aumento da
demanda por moeda induzido pela renda como resultado dessa mudança será
igual a c1ΔY, onde c1 é o parâmetro que dá o aumento da demanda por moeda
por aumento unitário da renda pela equação (6.4). A taxa de juros terá de
subir o suficiente para compensar esse aumento da demanda por moeda
induzido pela renda. Quanto maior o valor de c1, maior o aumento da
demanda por moeda por aumento unitário da renda e, portanto, maior o ajuste
para cima necessário na taxa de juros para levar a demanda total por moeda
de volta ao nível da oferta de moeda fixa. Quanto maior o valor de c1, mais
inclinada será a curva LM. O valor de c1, no entanto, não é motivo de muito
debate. A controvérsia nesta questão centra-se no segundo fator que determina
a inclinação da curva LM.
FIG 6.6 Elasticidade-juros da demanda por moeda e a inclinação da curva
LM
A curva de demanda por moeda muito inclinada na parte a reflete o pressuposto de
que a elasticidade-juros da demanda por moeda é baixa (em valor absoluto). Com uma
baixa elasticidade-juros da demanda por moeda, a curva LM é relativamente inclinada.
Na parte b, considera-se que a elasticidade-juros da demanda por moeda seja alta e,
como resultado, a curva de demanda por moeda é relativamente plana. A curva LM
nesse caso também é relativamente plana.
Para um dado aumento da demanda por moeda induzido pela renda (um
dado c1), o tamanho do aumento necessário da taxa de juros para levar a
demanda total por moeda de volta ao valor da oferta de moeda fixa depende
de quanto a demanda por moeda é elástica (sensível) em relação a mudanças
na taxa de juros.3 Na equação (6.4), a elasticidade-juros da demanda por
moeda depende do valor de c2, que determina a variação na demanda por
moeda para uma dada mudança na taxa de juros (–c2 = ΔMd/Δr). A relação
entre a elasticidade-juros da demanda por moeda e a inclinação da curva LM
é ilustrada na Figura 6.6.
A parte a da figura mostra o caso de uma baixa elasticidade-juros da
demanda por moeda. A curva de demanda por moeda é bastante inclinada,
indicando que grandes mudanças na taxa de juros não alterarão de modo muito
significativo o nível de demanda por moeda. Para ver como a inclinação da
curva LM está relacionada à elasticidade-juros da demanda por moeda,
examinemos como o equilíbrio do mercado monetário muda a níveis de renda
progressivamente mais altos. Aumentos da renda de Y0 para Y1 e, depois, para
Y2 deslocarão a curva de demanda por moeda para a direita na Figura 6.6a, de
Md(Y0) para Md(Y1), depois para Md(Y2). Esses aumentos da renda produzem
aumentos da demanda por moeda para transações equivalentes a c1 (Y1 – Y0) e
c1 (Y2 – Y1), respectivamente. Como um determinado aumento da taxa de juros
não reduzirá muito a demanda por moeda (c2 é pequeno), a taxa de juros terá
de subir muito para reduzir a demanda por moeda de volta ao nível Ms0 fixo.
Esse fato reflete-se na curva LM na Figura 6.6a, que é bastante inclinada.
O caso em que a demanda por moeda tem alta elasticidade-juros é
mostrado na Figura 6.6b. Aqui, a curva de demanda por moeda é pouco
inclinada. Uma pequena queda na taxa de juros, por exemplo, aumenta de
modo significativo a demanda por moeda. Aqui também a curva de demanda
por moeda desloca-se para a direita quando a renda aumenta de Y0 para Y1 e,
depois, para Y2. O gráfico é construído de tal forma que o aumento da renda e
o valor de c1 da equação (6.4) são os mesmos que na Figura 6.6a. Assim, os
aumentos da demanda por moeda induzidos pela renda são os mesmos nas
Figuras 6.6a e b. Note-se que, na Figura 6.6b, a taxa de juros precisa subir
relativamente pouco para restaurar o equilíbrio do mercado monetário. Como
consequência, a curva LM na Figura 6.6b é relativamente plana. Se a demanda
por moeda for fortemente sensível a mudanças na taxa de juros (c2 é grande),
um aumento relativamente pequeno da taxa de juros compensará os aumentos
induzidos pela renda nos saldos de moeda para transações quando a renda
sobe de Y0 para Y1 e, depois, para Y2.
Dois casos especiais de inclinação da curva LM ocorrem quando a
elasticidade-juros da demanda por moeda é zero ou, alternativamente, quando
ela é extremamente alta.
Primeiro, vamos examinar o caso em que a demanda por moeda é
completamente insensível aos juros [c2 igual a zero na equação (6.4)].
Partindo de algum equilíbrio inicial, consideremos o aumento da taxa de juros
necessário para reequilibrar o mercado monetário se a renda aumentasse. O
nível mais alto da renda resultaria em um aumento na demanda por moeda
para transações. Com a demanda por moeda completamente insensível a
mudanças na taxa de juros, não há nenhum aumento possível da taxa de juros
que possa reduzir a demanda por moeda e levá-la de volta ao nível fixo da
oferta de moeda. Nesse caso, considera-se que uma elevação da taxa de juros
não faça as pessoas nem reduzir a demanda especulativa por moeda nem
reduzir os saldos para transações. Em consequência, só há um nível de renda
que pode ser um nível de equilíbrio. Para ver isso, notemos que, com c2 igual
a zero, a equação (6.4) torna-se
M d = c0 + c1 Y
e a equação da curva LM (6.5) é dada por
M s 0 = c0 + c1 Y
Em consequência, com M fixo em Ms0, para o equilíbrio precisamos ter
Um único nível de renda pode ser um nível de equilíbrio para o mercado
monetário.
A curva LM para esse caso é mostrada na Figura 6.7. Referimo-nos a esse
caso como o caso clássico, porque a função demanda por moeda keynesiana
quando c2 é igual a zero não difere substancialmente da função demanda por
moeda clássica. Como na teoria clássica (veja a Seção 4.1), a demanda por
moeda depende apenas da renda. A característica distintiva da teoria
keynesiana da demanda por moeda é a relação negativa entre demanda por
moeda e taxa de juros.
FIG 6.7 Curva LM: o caso clássico
A curva LM é vertical se a demanda por moeda for completamente insensível aos
juros.
FIG 6.8 Armadilha da liquidez
Em níveis de renda muito baixos, Y0 e Y1, o equilíbrio no mercado monetário na parte
a ocorre em pontos da parte plana da curva de demanda por moeda, onde a
elasticidade da demanda por moeda é extremamente alta. Em consequência, a curva
LM na parte b é quase horizontal nessa faixa. Em níveis de renda mais altos, como Y2
e Y3, o equilíbrio do mercado monetário está em pontos na parte mais inclinada das
curvas de demanda por moeda Md(Y2)e Md(Y3) e a curva LM torna-se mais inclinada.
O caso extremo alternativo ocorre quando a elasticidade-juros da demanda
por moeda torna-se extremamente grande, aproximando-se do infinito. O que
causa isso? Nossa discussão da teoria keynesiana da demanda especulativa
por moeda mostrou que, quando a taxa de juros fica muito baixa em relação ao
que se considera ser a taxa normal, desenvolve-se um consenso de que é
provável um aumento futuro da taxa de juros. Nessa situação, com as perdas
de capital futuras esperadas superando os pequenos ganhos de juros dos
títulos, o público tenderia a manter qualquer aumento da riqueza na forma de
saldos em moeda, com uma queda desprezível da taxa de juros. Nessa faixa
da curva de demanda por moeda, a elasticidade-juros da demanda por moeda
torna-se extremamente alta. Esse caso, que Keynes chamou de armadilha da
liquidez, é ilustrado na Figura 6.8. Note-se que, aqui, temos de abandonar a
forma linear da função demanda por moeda. No caso da armadilha da
liquidez, estamos considerando uma mudança na inclinação da função
demanda por moeda. A função torna-se muito plana a taxas de juros baixas.
Na Figura 6.8a, consideremos primeiro as curvas de demanda por moeda
Md(Y0) e Md(Y1), correspondentes aos níveis de renda Y0 e Y1 mostrados na
Figura 6.8b. Em relação aos níveis de renda Y2 e Y3, esses são níveis baixos
de renda. Consequentemente, Md(Y0) e Md(Y1) estão à esquerda de Md(Y2) e
Md(Y3) na Figura 6.8a.
Nesses níveis baixos de renda, com a oferta de moeda em Ms0, a taxa de
juros de equilíbrio é tão baixa que estamos na porção plana da curva de
demanda por moeda. Dentro dessa faixa, um aumento da renda, de Y0 e Y1, por
exemplo, requer apenas uma ligeira elevação da taxa de juros para restaurar o
equilíbrio no mercado monetário; a demanda por moeda é fortemente sensível
a mudanças na taxa de juros. Nessa faixa, a curva LM na Figura 6.8 é quase
horizontal.
Em níveis de renda mais altos, entre Y2 e Y3, por exemplo, um aumento da
renda exigiria um aumento maior da taxa de juros para restabelecer o
equilíbrio no mercado monetário. Aqui, as taxas de juros de equilíbrio são
tais que não estamos na armadilha da liquidez. A elasticidade-juros da
demanda por moeda é mais baixa nessa parte da curva de demanda por
moeda.
6.2.1.3 Fatores que deslocam a curva LM
Dois fatores que deslocam a curva LM são mudanças na oferta de moeda
exogenamente fixada e deslocamentos da função demanda por moeda.
Fixamos esses dois valores em níveis constantes para determinar a posição da
curva LM. A oferta de moeda é considerada uma variável de política
econômica e, quando falamos em um aumento da oferta de moeda, por
exemplo, referimo-nos a uma ação de política que tenha definido esse
instrumento de política econômica em um novo nível.
Examinamos deslocamentos da curva de demanda por moeda traçada em
relação à taxa de juros quando o nível de renda muda. Isso não é o que
chamamos aqui de um deslocamento da função demanda por moeda. Um
deslocamento da função demanda por moeda significa uma mudança na
quantidade de moeda demandada para níveis dados de taxa de juros e renda,
o que Keynes chamou de alteração na preferência pela liquidez. Por exemplo,
se condições econômicas muito instáveis aumentassem a probabilidade de
falência das firmas e, assim, o risco de inadimplemento dos títulos, a demanda
por moeda aumentaria. Essa situação seria um deslocamento nas carteiras de
ativos dos indivíduos de títulos para moeda, para níveis dados da taxa de
juros e da renda.
Mudanças na oferta de moeda. A curva LM é traçada com a taxa de juros
no eixo vertical e a renda no eixo horizontal. Resolvendo a equação (6.5) para
a taxa de juros, identificamos o intercepto e a inclinação da curva LM
Resolvendo para a taxa de juros:
Quando a curva LM é traçada, o intercepto contém a oferta de moeda
(Ms0). Sempre que a oferta de moeda mudar, o intercepto mudará e a curva
LM será deslocada. Se a oferta de moeda aumentar, a curva LM será
deslocada para baixo. Se a oferta de moeda diminuir, a curva LM será
deslocada para cima.
A Figura 6.9 ilustra os efeitos de um aumento da oferta de moeda de Ms0
para Ms1. Com a oferta de moeda inicial Ms0, a curva LM é dada por LM0 na
Figura 6.9b. Ao longo dessa curva LM inicial, um nível de renda Y0, por
exemplo, é um ponto de equilíbrio do mercado monetário para um valor r0 da
taxa de juros, como é mostrado no ponto A no gráfico. O equilíbrio no
mercado monetário para o nível de renda Y0 também é mostrado na Figura
6.9a na intersecção das curvas Ms0 e Md(Y0).
Pode-se observar na Figura 6.9a que um aumento na oferta de moeda de
s
0 para M 1 reduz a taxa de juros de equilíbrio para r1 para um nível de
renda dado Y0. Com a renda fixa, para que a nova oferta de moeda mais alta
seja igual à demanda por moeda é preciso que a taxa de juros caia, a fim de
aumentar a demanda especulativa por moeda e a demanda por moeda para
transações nesse mesmo nível de renda. Em termos da curva LM na Figura
6.9b, o ponto na nova curva LM (para a oferta de moeda Ms1) que dá a taxa de
juros de equilíbrio para o nível de renda Y0 estará na taxa de juros r1. Essa
combinação renda-taxa de juros (Y0, r1) é um ponto da nova curva LM, LM1,
conforme mostrado no ponto B no gráfico.
Em geral, com uma oferta de moeda mais alta para um dado nível de renda,
a taxa de juros que equilibra o mercado monetário será mais baixa. A nova
curva LM, LM1, estará abaixo da curva inicial LM0, como é mostrado na
Figura 6.9b.
Ms
FIG 6.9 Deslocamento da curva LM com um aumento da quantidade de moeda
Partindo do ponto A no mercado monetário, com a oferta de moeda (Ms0), a taxa de
juros de equilíbrio é r0. Essa é a combinação Y0, r0 no ponto (A) na curva LM.
Quando a oferta de moeda aumenta, de (Ms0) para (Ms1), dada a demanda por moeda
no nível de renda Y0, a curva de oferta de moeda desloca-se para a direita. O
equilíbrio no mercado monetário muda do ponto A para o ponto B e a taxa de juros
cai de r0 para r1.
Alternativamente, consideremos o ponto na nova curva LM que dá o nível
de equilíbrio da renda correspondente à taxa de juros r0. Em Ms0, o nível de
renda Y0 era um nível de equilíbrio para a taxa de juros r0 (ponto A). Com a
oferta de moeda Ms1, para que r0 fosse um valor de equilíbrio no mercado
monetário a renda teria de ser maior, em Y1. Com uma oferta de moeda maior
e uma taxa de juros constante, a renda precisa estar em um nível mais alto
para que haja equilíbrio no mercado monetário. O ponto na nova curva LM,
LM1, correspondente a r0 precisa estar à direita do ponto A. Esse ponto é
mostrado como o ponto C na Figura 6.9b. A nova curva LM, LM1, com a
oferta de moeda mais alta Ms1, ficará à direita da curva LM original na Figura
6.9b.
Em resumo, um aumento da oferta de moeda desloca a curva LM para
baixo e para a direita. Invertendo a análise acima, uma redução da oferta de
moeda desloca a curva LM para cima e para a esquerda.
Deslocamentos da função demanda por moeda.4 Examinemos em seguida
o efeito sobre a curva LM de um deslocamento da função demanda por moeda.
Vamos supor que ocorra um aumento na demanda por moeda em um dado
nível de renda e taxa de juros. Uma razão possível para essa mudança,
conforme sugerido anteriormente, é uma perda de confiança nos títulos.
FIG 6.10 Deslocamento da curva LM com um deslocamento da função
demanda por moeda
Um deslocamento para cima da função demanda por moeda, de Md0(Y0) para Md1
(Y0 na parte a, eleva a taxa de juros de equilíbrio para um dado nível de renda. A
curva LM na parte b desloca-se para cima e para a esquerda, de LM0para LMr.
A Figura 6.10a mostra um equilíbrio inicial no mercado monetário
correspondente ao nível de renda Y0. Inicialmente, a demanda por moeda é
dada por Md0(Y0). A taxa de juros de equilíbrio é r0, conforme mostrado no
ponto A na curva LM inicial, LM0 na Figura 6.10b. Agora, vamos supor que a
função demanda por moeda desloque-se para Md1 (Y0), um aumento na
demanda por moeda mantendo o nível de renda constante. Note-se aqui que é
a função que se desloca, de Md0 (Y0) para Md1 (Y0). Com o nível de renda
inalterado, Y0, o equilíbrio no mercado monetário requer uma taxa de juros r1.
O ponto de equilíbrio na nova curva LM, LM1 na Figura 6.10b, para um dado
nível de renda Y0, estará acima da antiga curva LM. Esse ponto é mostrado
como o ponto B na Figura 6.10b.
Similarmente, para manter o equilíbrio no mercado monetário em r0 depois
do deslocamento da curva de demanda por moeda seria necessária uma queda
na renda para um nível abaixo de Y0, o que deslocaria a curva na Figura 6.10a
para baixo até o nível da reta Md0 (Y0) original. Assim, o ponto de equilíbrio
em LM1, à taxa r0, está à esquerda de LM0 e é mostrado como o ponto C na
Figura 6.10b.
Um deslocamento da função demanda por moeda que aumente a demanda
por moeda a um dado nível da taxa de juros e da renda desloca a curva LM
para cima e para a esquerda. Uma mudança inversa na demanda por moeda
(reduzindo a quantidade de moeda demandada aos níveis dados de renda e
taxa de juros) desloca a curva LM para baixo e para a direita.
6.2.1.4 A curva LM: resumo
As observações fundamentais sobre a curva LM são:
1. A curva LM é a curva que dá as combinações de valores de renda e taxa
de juros que produzem equilíbrio no mercado monetário.
2. A curva LM inclina-se para cima e para a direita.
3. A curva LM será relativamente pouco (muito) inclinada se a
elasticidade-juros da demanda por moeda for relativamente alta (baixa).
4. A curva LM será deslocada para baixo (para cima) e para a direita
(esquerda) com um aumento (redução) da quantidade de moeda.
5. A curva LM será deslocada para cima (para baixo) e para a esquerda
(direita) com um deslocamento da função demanda por moeda que
aumente (reduza) a quantidade de moeda demandada a níveis dados de
renda e taxa de juros.
6.2.2 Equilíbrio do mercado de bens: a curva IS
6.2.2.1 Construção da curva IS
A condição de equilíbrio no mercado de bens e serviços (ou,
simplesmente, mercado de bens) é
Uma expressão equivalente dessa condição de equilíbrio é
Construímos a curva de equilíbrio do mercado de bens, denominada curva
IS, a partir da segunda forma da condição de equilíbrio, embora os mesmos
resultados pudessem ser derivados da equação (6.7).
Procederemos encontrando o conjunto de combinações de taxa de juros e
renda que produzem equilíbrio no mercado de bens. Em seguida,
examinaremos os fatores que determinam a inclinação e a posição dessa curva
de equilíbrio do mercado de bens.
Para começar, veremos o caso simplificado que omite o setor
governamental (isto é, G e T iguais a zero). Para esse caso simples, podemos
reescrever (6.8) como5
A equação (6.9) também indica que o investimento depende da taxa de
juros e a poupança depende da renda. Nossa tarefa é encontrar combinações
de taxa de juros e renda que igualem o investimento e a poupança.
A Figura 6.11 ilustra a construção da curva IS para esse caso. Na Figura
6.11a, o investimento é traçado como uma função negativamente relacionada à
taxa de juros; uma redução da taxa de juros aumentará os gastos com
investimentos. A poupança é representada como uma função positivamente
relacionada à renda, com a inclinação sendo a propensão marginal a poupar
(PMgS).
FIG 6.11 Construção da curva IS (T = G = 0)
Às taxas de juros r0, r1 e r2, os níveis de investimento serão I0, I1 e I2 na parte a.
Para gerar os níveis de poupança S0, S1 e S2 iguais a esses níveis de investimento, a
renda precisa estar em Y0, Y1 e Y2, respectivamente. Portanto, as combinações taxa
de juros-renda (r0, Y0), (r1, Y1) e (r2, Y2) são pontos (A, B, C) da curva IS na parte
b.
Consideremos uma taxa de juros r0. Para esse nível da taxa de juros, o
investimento é a quantidade I0, conforme mostrado na curva de investimento.
Uma quantidade de poupança exatamente igual a I0 é mostrada como S0 na
função poupança. Esse nível de poupança ocorrerá se a renda estiver em Y0.
Assim, para a taxa de juros r0, um ponto de equilíbrio do mercado de bens
estará em Y0. Essa combinação taxa de juros-renda (r0, Y0) é um ponto da
curva IS, mostrado como o ponto A na Figura 6.11b.
Agora, consideremos um valor mais alto da taxa de juros, como r1. À taxa
de juros r1, o investimento será I1, uma quantidade menor que em r0. Para que
haja equilíbrio, a poupança precisa estar em S1, menor que S0. Esse nível de
poupança é gerado pelo nível de renda Y1, que é menor que Y0. Assim, um
segundo ponto na curva IS estará em r1 e Y1, o ponto B na Figura 6.11b. Notese que, para a taxa de juros mais alta, o nível de renda de equilíbrio
correspondente é mais baixo. A curva IS tem uma inclinação negativa.
Escolhendo valores adicionais da taxa de juros, como r2, na Figura 6.11a e
encontrando o nível de renda correspondente para o equilíbrio, Y2, onde I2 =
S2, podemos determinar pontos adicionais na curva IS na Figura 6.11b, como
o ponto C. Dessa forma, traçamos o conjunto completo de combinações de
níveis de renda e taxa de juros que equilibram o mercado de bens.
6.2.2.2 Fatores que determinam a inclinação da curva IS
Em seguida, vamos examinar os fatores que determinam o grau de
inclinação da curva IS. Sabemos que a curva terá inclinação negativa, mas
será muito ou pouco inclinada? Como no caso da curva LM, a questão é de
interesse porque vamos ver que a inclinação da curva IS tem relevância para
a determinação da eficácia relativa de políticas de estabilização monetárias e
fiscais.
Ao construir a curva IS, examinamos como o investimento muda quando
variamos a taxa de juros e, depois, qual alteração da renda é necessária para
mover a poupança de modo a igualá-la ao novo nível de investimento. Ao
considerar a inclinação da curva IS, estamos perguntando se, a taxas de juros
progressivamente mais baixas, por exemplo, o equilíbrio do mercado de bens
requer níveis de renda muito mais altos (a curva é relativamente plana) ou
apenas pequenos aumentos na renda (a curva é muito inclinada). A resposta
depende da inclinação das funções investimento e poupança. A Figura 6.12
ilustra como a inclinação da curva IS está relacionada à inclinação da função
investimento. Duas curvas de investimento são representadas. A curva I é
muito inclinada, indicando que o investimento não é muito sensível a
mudanças na taxa de juros; a elasticidade-juros da demanda por investimento
é baixa.6 A curva I’ é traçada para o caso em que o investimento é mais
sensível a movimentos da taxa de juros. Em cada curva de investimento, o
gráfico é construído de modo que uma taxa de juros r1 corresponda a um nível
de investimento I1 (as curvas têm interceptos diferentes no eixo da taxa de
juros). O equilíbrio no mercado de bens para essa taxa de juros será em Y1,
como pode ser visto na Figura 6.12b (nesse ponto, I1 = S1). Esse será um
ponto das curvas de equilíbrio do mercado de bens correspondentes a cada
uma dessas curvas de investimento. Essas curvas de equilíbrio do mercado de
bens, IS para a curva de investimento I e IS’ para a curva de investimento I’,
são mostradas na Figura 6.12c. Elas têm um ponto comum em (Y1, r1), o ponto
A.
Agora, consideremos o ponto em cada uma dessas curvas de equilíbrio
correspondente a uma taxa de juros mais baixa r2. Se o investimento for dado
pela curva I da Figura 6.12a, à taxa de juros mais baixa r2 o investimento
aumentará para I2. O equilíbrio no mercado de bens requer um aumento igual
na poupança, para S2, o que requer que a renda esteja em Y2 na Figura 6.12b.
Na curva IS, movemo-nos para o ponto B na Figura 6.12c. Note-se que, como
consideramos que o investimento seja relativamente insensível a mudanças na
taxa de juros, o aumento no investimento quando a taxa de juros cai para r2 é
pequeno. Consequentemente, o aumento necessário na poupança e, portanto,
na renda na Figura 6.12b é pequeno. A curva IS é muito inclinada nesse caso;
níveis mais baixos da taxa de juros correspondem a níveis apenas
ligeiramente mais altos de renda ao longo da curva de equilíbrio do mercado
de bens.
Em seguida, consideremos o caso em que o investimento é dado pela curva
mais plana I’ na Figura 6.12a. À taxa de juros mais baixa r2, o investimento
estará em I2’. Nesse caso, o nível de renda correspondente a r2 na curva em
que o investimento é igual à poupança, IS’ na Figura 6.12c, seria Y2’ no ponto
C. A poupança precisa aumentar para S2’ e isso requer a renda Y2 ’. Nesse
caso, o investimento tem uma elasticidade-juros maior e aumenta mais quando
a taxa de juros cai para r2. Consequentemente, a poupança precisa aumentar
mais do que quando o investimento é inelástico em relação aos juros e, para
que ocorra esse aumento maior na poupança, a renda precisa aumentar mais. A
curva de equilíbrio do mercado de bens (IS’) é mais plana quando o
investimento é mais sensível à taxa de juros.
Esse, portanto, é o primeiro dos fatores que determinam a inclinação da
curva IS. A curva será relativamente inclinada se a elasticidade-juros do
investimento for baixa. A curva será mais plana para valores (absolutos) mais
altos da elasticidade-juros da demanda por investimento.
Um caso extremo da inclinação da curva IS é quando a elasticidade-juros
da demanda por investimento é zero; o investimento é completamente
insensível à taxa de juros. Nesse caso, a curva de investimento na Figura
6.12a será vertical e a curva IS também será vertical. Para esse caso, uma
queda da taxa de juros de r1 para r2 não aumentaria em nada o investimento.
Consequentemente, o equilíbrio no mercado de bens requer o mesmo nível de
poupança e, portanto, de renda tanto em r2 como em r1.
O segundo fator que afeta a inclinação da curva IS é a função poupança.
Até que examinemos teorias de consumo mais elaboradas, não encontramos
controvérsias quanto à inclinação da função poupança na Figura 6.12b, que é
igual à propensão marginal a poupar (PMgS). Consequentemente, nesta seção
o valor da PMgS não tem muita importância na discussão dos fatores que
determinam a inclinação da curva IS. É possível demonstrar, porém, que a
curva IS será relativamente mais inclinada quanto maior for a PMgS.
Para ver essa relação, note-se primeiro que, quanto mais alto o valor da
PMgS, mais inclinada é a função poupança na Figura 6.12b (a poupança
aumenta mais por unidade de renda). Depois de termos determinado a
inclinação da curva de investimento, estabelecemos a mudança no
investimento para uma dada mudança na taxa de juros. Um determinado
declínio da taxa de juros, por exemplo, leva, então, a um dado aumento no
investimento e, para o equilíbrio do mercado de bens na curva IS, a poupança
deve apresentar um aumento igual. Se a PMgS for relativamente alta, será
preciso um aumento menor na renda para gerar essa nova poupança do que se
a PMgS fosse baixa. Assim, para uma dada queda na taxa de juros, a
magnitude do aumento da renda necessária para alcançar um novo ponto de
equilíbrio no mercado de bens é menor (maior) quando mais alto (mais baixo)
for o valor da PMgS. Isso significa que, mantendo constante outros fatores, a
curva IS é relativamente mais inclinada quanto mais alta for a PMgS.
FIG 6.12 Elasticidade-juros do investimento e a inclinação da curva IS
Quando a curva de investimento é bastante inclinada (I) na parte a, uma queda na taxa
de juros produzirá um pequeno aumento no investimento. Na parte b, portanto, é
necessário apenas um pequeno aumento da poupança e, assim, da renda para
restabelecer o equilíbrio no mercado de bens. Assim sendo, a curva IS na parte c (IS
neste caso) será bastante inclinada. Quando a curva de investimento é relativamente
plana (I’), o investimento aumentará mais com uma queda na taxa de juros. Desse
modo, a poupança e, portanto, a renda precisam ter um aumento maior; a curva IS
para esse caso (IS’) será relativamente plana.
6.2.2.3 Fatores que deslocam a curva IS
Em seguida, examinaremos os fatores que determinam a posição da curva
IS e mudanças que deslocam a curva. Aqui, abandonamos o pressuposto de
que os gastos do governo e os impostos sejam zero e trazemos o setor
governamental de volta ao modelo. A curva IS será deslocada quando
qualquer componente dos gastos autônomos mudar: a, T, I e G. Com o setor
governamental no modelo, a condição para o equilíbrio do mercado de bens é
dada pela equação (6.8), que pode ser reescrita como
Note-se que a poupança deve agora ser escrita como uma função da renda
disponível (YD = Y – T), que se diferencia da renda pelo montante dos
pagamentos de impostos.
A construção da curva IS para esse caso mais geral é ilustrada na Figura
6.13. Na parte a, traçamos a função investimento e o nível de investimento
mais gastos governamentais. Note-se que a curva I + G tem inclinação
negativa apenas porque o investimento depende da taxa de juros. A curva I +
G está à direita da curva I a uma distância equivalente ao montante fixo de
gastos governamentais. Na Figura 6.13b, a curva de poupança é traçada em
relação ao nível de renda. É traçada também a curva de poupança mais
impostos [S(Y – T) + T]. Como consideramos que a arrecadação tributária
seja fixada exogenamente, a curva pou-pança-mais-impostos está acima da
curva de poupança a uma distância constante (igual a T).
Consideremos a taxa de juros r0 na Figura 6.13. A essa taxa de juros, o
nível de investimento [que pode ser lido na curva I(r)] mais o nível fixo de
gastos governamentais é igual a I0 + G. Para o equilíbrio, isso deve ser
compensado por um total igual de poupança mais arrecadação tributária, dado
por S0 + T na Figura 6.13b. O nível de renda que gera esse nível de poupança
mais arrecadação de impostos é dado por Y0. Assim, um ponto da curva IS é o
ponto A na Figura 6.13c, correspondente à taxa de juros r0 e ao nível de renda
Y0. Se considerássemos uma taxa de juros mais alta, como r1, o investimento
seria menor; assim, com os gastos do governo inalterados, o investimento
mais os gastos governamentais estariam em um nível mais baixo I1 + G. Para
o equilíbrio, é necessário um nível menor de poupança mais impostos. Esse
nível é mostrado como S1 + T a Figura 6.13b, onde deve ser notado que a
mudança é apenas no componente poupança, porque os impostos são fixos.
Para esse nível mais baixo de poupança, a renda deve estar em Y1, abaixo de
Y0, na Figura 6.13b. O ponto correspondente na curva IS é o ponto B na Figura
6.13c.
FIG 6.13 A curva IS com a inclusão do setor governamental
Com a inclusão do setor governamental, a condição de equilíbrio do mercado de bens
torna-se I + G = S + T. A uma taxa de juros r1 na parte a, investimento mais gastos
governamentais será igual a I1 + G. Portanto, o equilíbrio do mercado de bens requer
que poupança mais impostos, como mostrado na parte b, seja igual a S1 + T (= I1 +
G), o que ocorrerá em um nível de renda Y1. Assim, a combinação r1, Y1 é um ponto
(B) da curva IS na parte c.
Por um raciocínio similar, podemos estabelecer que uma taxa de juros r2
exigirá um nível de renda Y2 para o equilíbrio do mercado de bens (ponto C
na Figura 6.13c). A curva IS completa é construída prosseguindo dessa
maneira.
Podemos agora examinar fatores que causariam um deslocamento da curva
IS. A condição de equilíbrio dada por (6.10) mostra que uma mudança no
nível de gastos governamentais (G) ou no nível de impostos (T) perturbará a
posição inicial do equilíbrio do mercado de bens – isto significa um
deslocamento da curva IS. Além disso, uma mudança no investimento
autônomo que desloque a função investimento deslocará a curva IS. Note-se
que, em geral, os fatores que deslocam a curva IS são aqueles que
determinavam os gastos autônomos no modelo keynesiano simples do
Capítulo 5.
FIG 6.14 Deslocamento da curva IS com um aumento dos gastos
governamentais
A uma taxa de juros r0, um aumento dos gastos governamentais aumenta o total de
investimento mais gastos governamentais de I0 + G0 para I0 + G1 na parte a. Para
manter a condição I + G = S + T, com um nível de impostos fixo, a poupança precisa
subir de S0 para S2, o que requer que a renda seja Y em vez de Y0 na parte b. À taxa
de juros r0, o ponto de equilíbrio do mercado de bens é o ponto B em vez do ponto
A. Um aumento dos gastos governamentais desloca a curva IS para a direita, de IS0
para IS1, na parte c.
Mudanças nos gastos governamentais. Consideremos primeiro os efeitos
de uma mudança nos gastos governamentais. O deslocamento da curva IS
quando os gastos do governo aumentam de um nível inicial G0 para um nível
mais alto G1 é ilustrado na Figura 6.14. Para o nível inicial de gastos do
governo, a curva IS é dada por IS0 na Figura 6.14c. Uma taxa de juros r0, por
exemplo, será um nível de equilíbrio para o mercado de bens se a renda
estiver em Y0, como é mostrado no ponto A em IS0. À taxa de juros r0,
investimento mais gastos governamentais será I0 + G0, conforme mostrado na
Figura 6.14a. Como mostra a Figura 6.14b, um nível de renda Y0 gera um total
de poupança mais impostos exatamente igual a esse montante de gastos
governamentais mais investimento (S0 + T0 = I0 + G0).
Agora, façamos os gastos governamentais aumentarem para G1. A Figura
6.14a mostra que esse aumento desloca a curva de investimento-mais-gastosgovernamentais para a direita. A uma dada taxa de juros, o investimento ficará
inalterado e a soma de investimento mais gastos governamentais será mais
alta no valor do aumento dos gastos do governo (ΔG = G1 – G0).
O equilíbrio do mercado de bens requer um nível igualmente mais alto de
poupança mais impostos, mostrado como S1 + T0 na Figura 6.14b. Esse nível
de poupança mais impostos será produzido no nível de renda Y1, acima de Y0.
Assim, para garantir o equilíbrio do mercado de bens, uma dada taxa de juros
r0 requer um nível de renda mais alto quando os gastos governamentais
aumentam. O aumento nos gastos do governo deslocará a curva IS para a
direita, para IS1, na Figura 6.14c, onde, em r0, o ponto de equilíbrio é no
ponto B, correspondente ao nível de renda mais alto Y1.
Será útil estabelecer a distância que a curva IS se desloca para a direita,
ou seja, a distância horizontal de A a B na Figura 6.14c. Para cada aumento de
uma unidade nos gastos governamentais, considerando os impostos
inalterados, para que o equilíbrio do mercado de bens seja restabelecido a
uma taxa de juros constante a poupança precisa aumentar em uma unidade.
Essa relação pode ser vista pela equação (6.10). Assim, a distância do
deslocamento horizontal da curva IS (por ex., a distância AB) é equivalente
ao aumento na renda necessário para gerar nova poupança igual ao aumento
dos gastos do governo. Como o aumento da poupança por aumento unitário da
renda é dado pela PMgS igual a (1 – b), o aumento necessário da renda (o
deslocamento horizontal da curva IS) será Δ G [1/(1 – b)],
onde o subscrito r0 no termo ΔY indica que estamos calculando o aumento
no valor de Y que será necessário para manter o equilíbrio no mercado de
bens à taxa de juros r0. Esse é o valor do deslocamento horizontal da curva
IS.
Note-se que o valor do deslocamento horizontal da curva IS por aumento
unitário de G é [1/(1 – b)], o multiplicador dos gastos autônomos do Capítulo
5. Ao calcular a distância horizontal de deslocamento da curva, estamos
mantendo a taxa de juros constante e, portanto, fixando o investimento.
Quando o investimento é considerado fixo, nosso modelo é idêntico ao do
Capítulo 5. Estamos procurando o aumento da renda que ocorrerá com o
investimento fixo, os gastos do governo subindo e um consequente aumento
induzido do consumo. Essa é a mesma questão analisada no Capítulo 5 e
obtemos a mesma resposta.
FIG 6.15 Deslocamento da curva IS com um aumento dos impostos
Um aumento nos impostos desloca a curva S + T para a esquerda na parte b. À taxa
de juros r0, que fixa I0 + G0, os impostos mais altos fazem com que a poupança e,
portanto, a renda precisem ser menores para manter a condição I + G = S + T. Depois
do aumento dos impostos, um nível de renda Y1 (ponto B) em vez Y0 (ponto A)
equilibra o mercado de bens para a taxa de juros r0. A curva IS desloca-se para a
esquerda de IS0 para IS1 na parte c.
Mudanças nos impostos. Em seguida, vamos examinar o deslocamento da
curva IS com uma mudança nos impostos. O efeito sobre a posição da curva
IS de um aumento nos impostos de T0 para T1 é representado na Figura 6.15.
Para cada aumento unitário nos impostos a um dado nível de renda, os
impostos ficam uma unidade mais altos e a poupança diminui em (1 – b)
unidade. Esse efeito acontece porque um aumento de uma unidade nos
impostos diminui a renda disponível em uma unidade e reduz a poupança num
montante equivalente à PMgS, (1 – b). Para um dado nível de renda, a redução
da poupança é menor que o aumento dos impostos, portanto um aumento dos
impostos deslocará a curva S + T para cima. Na Figura 6.15b, um aumento nos
impostos de T0 para T1 desloca a curva de [S(Y – T0) + T0] para [S(Y – T1) +
T1].
A uma taxa de juros como r0 na Figura 6.15a, podemos encontrar o nível
de gastos do governo mais investimento na curva I(r)+ G em I0 + G0. O
equilíbrio do mercado de bens requer um valor igual de poupança mais
impostos. Inicialmente, com os impostos em T0, o nível de equilíbrio de
poupança mais impostos é S0 + T0 e isso requer que a renda esteja em Y0.
Essa combinação de (r0, Y0) é um ponto na curva IS inicial, IS0, o ponto A na
Figura 6.15c.
Depois do aumento dos impostos, para manter o equilíbrio do mercado de
bens à taxa de juros r0 é preciso que o total de poupança mais impostos
continue igual. Isso porque não houve nenhuma alteração no investimento mais
gastos governamentais. Com o nível mais elevado dos impostos, para que
poupança mais impostos permaneça inalterado é preciso que a poupança e,
portanto, a renda sejam menores. O novo nível de renda necessário para o
equilíbrio do mercado de bens é dado por Y1 na Figura 6.15b. O ponto
correspondente na nova curva IS é o ponto B na Figura 6.15c. O aumento dos
impostos desloca a curva IS para a esquerda.
Como no caso da mudança nos gastos governamentais, podemos calcular a
magnitude do deslocamento horizontal da curva IS como resultado de um
aumento dos impostos. Para uma dada taxa de juros, uma mudança nos
impostos não afeta o lado esquerdo da condição de equilíbrio do mercado de
bens [equação (6.10)]; o investimento e os gastos governamentais ficam
inalterados. Portanto, para que seja mantido o equilíbrio à mesma taxa de
juros, o lado direito precisa também ficar inalterado, ou seja, poupança mais
impostos precisa continuar igual. Essa condição requer que o aumento dos
impostos seja exatamente compensado por uma redução da poupança.
0 = ΔS + ΔT
Podemos expressar a alteração na poupança como
ΔS = (1 – b)Δ(Y – T) = (1 – b)ΔY – (1 – b)ΔT
Portanto, para que a equação (6.10) seja válida, é preciso que
ΔS + ΔT = 0
(1 = b)ΔY – (1 – b)ΔT + ΔT = 0
(1 – b)ΔY – ΔT + bΔT + ΔT = 0
(1 – b)ΔY + bΔT = 0
(1 – b)ΔY = –bΔT
onde, novamente na equação (6.12), o subscrito r0 é usado no termo ΔY para
indicar que essa é a mudança na renda que, à taxa de juros r0, será um valor
de equilíbrio para o mercado de bens. Pela equação (6.12) vemos que, como
demonstrado anteriormente, quando o nível dos impostos aumenta, a renda
deve diminuir para manter o equilíbrio do mercado de bens à taxa de juros r0.
Além disso, o valor do deslocamento para a esquerda da curva IS em razão de
um aumento de uma unidade nos impostos, –b/(1 – b), é exatamente o
multiplicador dos impostos do modelo keynesiano simples do Capítulo 5.
Quando consideramos o deslocamento horizontal da curva IS por mudança
unitária nos impostos, estamos fixando a taxa de juros e, assim, o
investimento. Portanto, estamos calculando a variação na renda de equilíbrio
por mudança unitária nos impostos para um dado nível de investimento. Isso
foi dado no Capítulo 5 pelo multiplicador dos impostos, –b/(1 – b).
Mudanças autônomas no investimento. O último fator que desloca a
curva IS a ser considerado é uma mudança autônoma no investimento. Com
isso referimo-nos a um deslocamento da curva de investimento traçada em
função da taxa de juros. Por exemplo, uma mudança favorável das
expectativas sobre a rentabilidade futura de projetos de investimento aumenta
a demanda por investimentos correspondente a cada taxa de juros,
deslocando a curva I(r) e, assim, a curva investimento-mais-gastosgovernamentais para a direita na Figura 6.14a. Esse deslocamento para a
direita da curva I(r), pelo montante do aumento autônomo do investimento,
tem exatamente o mesmo efeito sobre a curva IS que um aumento igual nos
gastos do governo, analisado na Figura 6.14. Ambas as variações deslocam a
curva de investimento mais gastos governamentais e, como foi visto na
discussão anterior, esse deslocamento, por sua vez, desloca a curva IS para a
direita em 1/(1 – b) unidades por aumento unitário dos gastos governamentais,
ou, neste caso, dos gastos autônomos em investimentos.
Nesta seção, examinamos os vários fatores que deslocam a curva IS.
Também generalizamos a análise para incluir o setor governamental e, assim,
podermos ver como variáveis de política fiscal afetam a posição da curva IS.
Como as novas variáveis, gastos governamentais e impostos, são exógenas, as
inclinações da curva de investimento-mais-gastos-governamentais e da curva
de poupança-mais-impostos foram as mesmas que nas curvas de investimento
e poupança examinadas na seção anterior. Como foi mostrado que as
inclinações dessas funções determinam a inclinação da curva IS e como elas
não se alteram, a inclusão do setor governamental no modelo não exige
nenhuma revisão da discussão anterior sobre a inclinação da curva IS.
6.2.2.4 A curva IS: resumo
Derivamos os seguintes resultados sobre a curva IS, a curva de equilíbrio
do mercado de bens:
1. A curva IS inclina-se para baixo e para a direita.
2. A curva IS será relativamente pouco (muito) inclinada se a elasticidadejuros do investimento for relativamente alta (baixa).
3. A curva IS será deslocada para a direita (esquerda) quando houver um
aumento (declínio) dos gastos governamentais.
4. A curva IS será deslocada para a esquerda (direita) quando os impostos
aumentarem (diminuírem).
5. Um aumento (declínio) autônomo dos gastos com investimentos
deslocará a curva IS para a direita (esquerda).
6.2.3 As curvas IS e LM combinadas
FIG 6.16 Curvas IS e LM combinadas
O ponto de intersecção das curvas IS e LM dá a combinação de taxa de juros e renda
(r0, Y0) que produz equilíbrio tanto no mercado monetário como no mercado de bens.
Na Figura 6.16, combinamos as curvas LM e IS. A curva LM de inclinação
ascendente mostra os pontos de equilíbrio do mercado monetário. A curva de
inclinação descendente IS mostra os pontos de equilíbrio do mercado de bens.
O ponto de intersecção das duas curvas, ponto E na figura, é o (único) ponto
de equilíbrio geral para os dois mercados. Como foi observado no início de
nossa análise, se o mercado monetário estiver em equilíbrio, o mercado de
títulos também deve estar em equilíbrio. Assim, a taxa de juros e o nível de
renda na intersecção das curvas IS e LM na Figura 6.16, indicados por r0 e
Y0, são valores que produzem um equilíbrio simultâneo no mercado
monetário, mercado de bens e mercado de títulos. Pode-se compreender
melhor a natureza do equilíbrio no modelo IS-LM examinando por que outros
pontos além do ponto de intersecção das duas curvas não são pontos de
equilíbrio. A Figura 6.17 mostra quatro pontos fora das curvas IS e LM (A, B,
C e D).
FIG 6.17 Ajuste ao equilíbrio no modelo IS-LM
Em pontos como A, B, C e D, há excessos de oferta ou de demanda nos mercados
monetário e de bens e, portanto, pressões por mudanças na taxa de juros e no
produto. No ponto F, o mercado de bens está fora de equilíbrio e há pressão para
mudanças no produto. Apenas no ponto E o mercado monetário e o mercado de bens
estão ambos em equilíbrio.
Primeiro, consideremos pontos acima da curva LM, como os pontos A e B.
Em todos os pontos acima da curva LM, haverá um excesso de oferta de
moeda (XSM). No nível de renda do ponto A ou do ponto B, a taxa de juros
correspondente é alta demais para haver equilíbrio no mercado monetário.
Com um excesso de oferta de moeda, há uma pressão de baixa sobre a taxa de
juros, conforme indicado pela seta para baixo. Há uma tendência de
movimento em direção à curva LM. Inversamente, em pontos abaixo da curva
LM, como os pontos C e D, haverá um excesso de demanda por moeda (XDM)
e, em conseqüência, uma pressão de alta sobre a taxa de juros.
Agora, consideremos os mesmos pontos em relação à curva IS. Em pontos
como B e C, à direita da curva IS, o produto excederá a demanda agregada ou,
analogamente, poupança mais impostos será maior que investimentos mais
gastos governamentais. No nível da taxa de juros do ponto B ou do ponto C, o
nível de produto correspondente que igualará investimento mais gastos
governamentais e poupança mais impostos, dado pelo ponto na curva IS, está
abaixo do nível de produto efetivo. Há um excesso de oferta de produto (XS0)
e, portanto, uma pressão de queda sobre o produto, conforme indicado pelas
setas apontando para a esquerda. Inversamente, em pontos à esquerda dessa
curva IS, como os pontos A e D, o produto efetivo está abaixo do nível que
equilibrará o mercado de bens. Há um excesso de demanda por produto (XD0)
e haverá uma pressão por aumento do produto, como indicado pelas setas
para a direita nesses pontos.
Por fim, notemos que os pontos que estão em uma curva, mas não na outra,
são pontos de desequilíbrio em relação a um dos dois mercados. Um ponto
como F, por exemplo, é um ponto de equilíbrio para o mercado monetário,
mas um ponto de excesso de oferta para o mercado de bens. Similarmente,
qualquer ponto na curva IS que não seja o ponto E resultaria em desequilíbrio
no mercado monetário. Apenas no ponto E tanto o mercado monetário como o
mercado de bens estão em equilíbrio. Não há excesso de demanda nem de
oferta em nenhum dos dois mercados e, portanto, não há pressões por
mudanças na taxa de juros ou no produto.
Conclusão
Neste capítulo, acrescentamos o mercado monetário ao nosso modelo
keynesiano. O papel da moeda e da política monetária no sistema keynesiano
foi examinado. Analisamos, então, como o nível de equilibro da renda e da
taxa de juros são determinados simultaneamente no modelo IS-LM. A próxima
tarefa é ver como esses valores de equilíbrio são afetados por variáveis de
política monetária e fiscal e por outros choques ao modelo.
Questões de revisão
1. Explique a teoria keynesiana da determinação da taxa de juros. Que
diferenças você vê entre essa teoria e a teoria clássica da taxa de juros?
2. Como o nível de demanda agregada seria afetado por uma elevação da
taxa de juros na teoria keynesiana? Que componentes seriam afetados mais
fortemente?
3. Quais são os três motivos para reter moeda de acordo com a teoria
keynesiana da demanda por moeda? Explique cada motivo.
4. Que propriedade é compartilhada por todos os pontos da curva LM? E
pelos pontos da curva IS?
5. Explique por que a curva IS no modelo IS-LM tem inclinação negativa e a
curva LM tem inclinação positiva.
6. Que fatores determinam a magnitude da inclinação da curva IS? Ou seja,
que fatores determinam se a curva é muito ou pouco inclinada?
7. Que variáveis deslocarão a posição da curva IS? Explique como uma
mudança em cada variável deslocará a curva (para a direita ou para a
esquerda).
8. Que fatores determinam a magnitude da inclinação da curva LM? Ou seja,
que fatores determinam se a curva é muito ou pouco inclinada?
9. Descreva o procedimento para derivar a curva IS, como foi feito na Figura
6.13, para o caso em que, em vez de um nível fixo de impostos (T),
tenhamos impostos dependentes da renda:
T = T1Y,
em que t1 é a alíquota marginal do imposto de renda.
A curva IS nesse caso será mais inclinada ou mais plana do que quando o
nível dos impostos é fixo?
10. Suponha que a elasticidade-juros da demanda por investimento seja zero.
Qual será a inclinação resultante da curva IS? Explique.
11. Se o nível de gastos governamentais aumentasse em 50 unidades no
modelo IS-LM, como isso afetaria a posição da curva IS ? Em que direção
a curva se deslocaria e de quantas unidades seria esse deslocamento?
12. Que variáveis deslocarão a posição da curva LM? Explique como uma
mudança em cada variável deslocará a curva (para a esquerda ou para a
direita).
13. Que condição é necessária para que a curva LM seja vertical? Que
condição é necessária para o caso extremo oposto, em que um trecho da
curva LM torna-se quase horizontal?
14. Por que podemos ter certeza de que, quando os mercados monetário e de
bens estão em equilíbrio, o mercado de títulos também estará em
equilíbrio?
15. Explique por que, em um ponto como B na Figura 6.17, há uma pressão
para baixo tanto sobre o nível de produto como sobre a taxa de juros.
APÊNDICE
A ÁLGEBRA DO MODELO IS-LM
Neste apêndice, o modelo IS-LM é apresentado em forma algébrica. Essa
apresentação algébrica é um complemento da explicação textual e gráfica
oferecida no capítulo.
Para simplificar, lidaremos com uma forma linear das equações de IS e LM. Já
escrevemos uma forma linear da equação LM
A equação (6.5) declara que a oferta de moeda fixa (Ms) é igual à demanda por
moeda (Md), que depende positivamente do nível de renda (Y) e negativamente
da taxa de juros (r).
A condição satisfeita por todos os pontos da curva IS é
Investimento (I) mais gastos governamentais (G) é igual a poupança (S) mais
impostos (T). Vamos derivar uma forma linear dessa condição.
No Capítulo 5, a poupança foi representada pela função poupança
Considera-se que o investimento tenha um componente autônomo e dependa
negativamente da taxa de juros. Em forma linear, podemos escrever uma
função investimento como se segue:
onde I é o componente autônomo do investimento e I1, é um parâmetro que
mede a sensibilidade do investimento aos juros (isto é, –I1, = ΔI/Δr).1
Consideramos que os níveis de gastos governamentais (G) e os impostos (T)
sejam fixados exogenamente por formuladores de políticas.
Substituindo S pela equação (5.12) e I pela equação (A.1) na equação de IS
(6.8), podemos escrever uma equação linear para IS
Se rearranjarmos os termos de modo a deixar a renda sozinha no lado esquerdo,
temos
Também podemos rearranjar os termos em nossa equação LM (6.5) para que a
taxa de juros (r) fique sozinha no lado esquerdo, com se segue:
As equações (A.3) e (A.4) são curvas IS e LM lineares. Essas duas equações
determinam as duas variáveis endógenas no modelo, renda (Y) e taxa de juros
(r). Partindo daqui, vamos examinar as propriedades da curva LM e, depois, da
curva IS, derivando em forma algébrica os resultados gráficos da seção 6.2.
Examinaremos por fim a solução dessas duas equações para os níveis de
equilíbrio da renda e da taxa de juros, o que seria análogo à representação
gráfica do equilíbrio mostrada na Figura 6.16.
A.1 A CURVA LM
A INCLINAÇÃO DA CURVA LM
A inclinação da curva LM é a variação em r (movimento para cima no eixo
vertical do gráfico IS-LM) por variação unitária em Y (movimento ao longo do
eixo horizontal), mantendo constantes os fatores que determinam a posição da
curva. Pela equação (A.4), calculamos essa inclinação como Δr/ΔY para valores
fixos de (c0/c2) e (-Ms/c2), o que dá
A curva LM tem inclinação positiva. Se a expressão da inclinação da curva for
grande (pequena), a curva será muito (pouco) inclinada. Pela equação (A.5),
pode-se ver que a curva será mais inclinada quanto maior o valor de c1 e menor
o valor de c2. Isso significa que, quanto mais a demanda por moeda aumentar
por aumento unitário da renda (quanto maior c1,) e quanto menos a demanda
por moeda for sensível à taxa de juros (quanto menor c2), mais inclinada será a
curva LM1.
FATORES QUE DESLOCAM A CURVA LM
Agora, consideremos fatores que deslocam a curva LM. Uma maneira de ver
esses deslocamentos matematicamente é estudar a variação de r associada a
uma variável do lado direito da equação da curva LM (A.4), mantendo a renda
e as outras variáveis do lado direito constantes. Esse é o deslocamento
vertical da curva. Por exemplo, se a oferta de moeda mudar, todas as outras
variáveis permanecendo iguais, então
Um aumento da oferta de moeda (Ms) causa um deslocamento para baixo da
curva LM; Δr/ΔMs é negativo. Isso é o que encontramos na Figura 6.9.
O outro fator examinado que deslocaria a curva LM foi um deslocamento da
função demanda por moeda, uma mudança no nível de demanda por moeda
para níveis dados da renda e da taxa de juros. Em nossa versão linear do
modelo IS-LM, esse deslocamento da função demanda por moeda é
representado como uma mudança no termo c0 na equação (6.5) e, portanto, em
(c0/c2) na equação (A.4). Por exemplo, um aumento em c0 significaria uma
maior demanda por moeda nos níveis dados da renda e da taxa de juros. Pela
equação (A.4), podemos ver que, se c0 aumenta, mantendo constantes os
outros termos do lado direito da equação, a taxa de juros também sobe. Isso
significa que, conforme ilustrado na Figura 6.10, um deslocamento para cima da
função demanda por moeda deslocará a curva LM para cima e para a esquerda.
A.2 A CURVA IS
A INCLINAÇÃO DA CURVA IS
Para calcular uma expressão para a inclinação da curva IS, consideramos uma
vez mais a relação entre r e Y, mantendo constantes os valores dos termos que
determinam a posição da curva [os termos entre colchetes na equação (A.3)].
Pela equação (A.3), mantendo esses termos constantes, podemos escrever
ou, depois de rearranjar os termos,
Como foi explicado na Seção 6.2, a inclinação de IS é negativa. Quanto maior o
valor absoluto da inclinação da curva IS, mais inclinada será a curva. Da
equação (A.7), segue-se que a curva IS será mais inclinada quanto maior for (1
– b), quanto mais alta for a propensão marginal a poupar, e quanto menor for o
valor de I1 o parâmetro que mede a sensibilidade do investimento aos juros.2
FATORES QUE DESLOCAM A CURVA IS
Quando usamos a equação (A.3), é muito conveniente examinar o
deslocamento horizontal da curva IS como resultado de mudanças nos fatores
que determinam a posição da curva. Para fazer isso, examinamos como Y muda
na equação (A.3) quando uma das variáveis do lado direito muda, mantendo
constantes a taxa de juros e as outras variáveis do lado direito. Se, mantendo
esses outros fatores constantes, um aumento em uma variável elevar (reduzir)
Y, isso representa um deslocamento para a direita (esquerda) da curva IS.
Por exemplo, se o nível de gastos governamentais mudar, pela equação (A.3)
calculamos
Este é o mesmo resultado que encontramos na equação (6.11); um aumento dos
gastos do governo desloca a curva IS para a direita. Pela equação (A.3)
podemos ver que a expressão análoga para o deslocamento horizontal da curva
IS como resultado de uma mudança dos gastos autônomos (Ī) ou do intercepto
da função consumo (a) seria idêntica à equação (A.8). Um aumento de 1
unidade em cada uma dessas variáveis representaria um aumento nos gastos
autônomos de 1 unidade e ambas teriam efeitos idênticos no modelo IS-LM.
Por fim, consideremos o efeito sobre a curva IS de uma mudança nos impostos
(T). Pela equação (A.3), calculamos
ou
Como no capítulo [ver equação (6.12)], vemos que um aumento nos impostos
reduz a renda (sendo todos os outros fatores constantes), deslocando a curva IS
para a esquerda.
A.3 EQUILÍBRIO NO MODELO IS-LM
Um ponto de equilíbrio no modelo IS-LM é uma combinação de renda e taxa de
juros que satisfaz as condições tanto de IS como de LM. Em termos de nossas
curvas IS e LM lineares, os valores de equilíbrio de Y e r são os valores que
satisfazem as equações (A.3) e (A.4).
Para encontrar esses valores, resolvemos as duas equações.
Primeiro, usamos o valor de r da equação (A.4) na equação (A.3). Resolvendo
a equação resultante para Y1’ temos o valor de equilíbrio para a renda (Y0):
Podemos, então, encontrar o valor de equilíbrio da taxa de juros (r0)
substituindo a equação (A.10) ou, alternativamente, a equação (A.3) na equação
LM (A.4). A expressão resultante é
Note-se a diferença entre as equações de IS e LM (A.3 e A.4) e as soluções
para os valores de equilíbrio de Y e r (equações A.10 e A.11). As primeiras
equações são relações que devem ser mantidas entre as duas variáveis, com Y e
r aparecendo em ambas as equações. A solução para Y e r de equilíbrio
expressa essas variáveis endógenas como dependentes das variáveis exógenas
do modelo. No Capítulo 7, examinaremos como esses valores de equilíbrio de Y
e r mudam com mudanças nas variáveis exógenas. O apêndice ao Capítulo 7
estende essa análise para o modelo linearexaminando aqui.
1 Um parâmetro é um valor dado ou conhecido. Um exemplo de um parâmetro
em nossa análise anterior é a PMgS (1 – b) em (5.12).
2 Note-se também na equação (A.5) que, conforme c aproxima-se de zero, o
2
valor da expressão torna-se extremamente grande, indicando que a curva LM fica
vertical. Esse é o chamado caso clássico ilustrado na Figura 6.7.
Alternativamente, conforme c2 se torna extremamente grande, o valor da
expressão da inclinação da curva LM aproxima-se de zero, indicando que a curva
LM torna-se plana. Esse é o caso da armadilha da liquidez ilustrado na Figura
6.8. Um caso especial da curva IS é quando I1 aproximase de zero; o
investimento é quase completamente insensível aos juros. Nesse caso, a
inclinação da curva IS, dada pela equação (A.7), torna-se extremamente grande;
a curva fica quase vertical.
Questões de revisão
1. Suponha que
C = 60 + 0,8YD
I = 150 - 10r
G = 250
T = 200
Ms = 100
Md = 40 + 0,1Y – 10r
a. Escreva as equações para as curvas IS e LM.
b. Encontre os valores de equilíbrio para a renda (Y0) e a taxa de juros
(r0).
2. Suponha que alteremos o modelo do problema 1 de tal modo que o
investimento seja considerado completamente inelástico em relação aos
juros; o investimento não depende da taxa de juros e temos I = 150.
a. Escreva as novas equações para as curvas IS e LM. Mostre as curvas
graficamente.
b. Encontre os novos valores de equilíbrio para a renda e a taxa de juros
CAPÍTULO 7
O sistema keynesiano (III): efeitos de políticas econômicas no
modelo IS-LM
Neste capítulo, usamos o modelo IS-LM para analisar os efeitos de ações
de política econômica sobre a renda e a taxa de juros. Examinamos também
outros fatores que afetam a renda e a taxa de juros. Os fundamentos para essa
análise foram estabelecidos no Capítulo 6. Os níveis de equilíbrio da renda e
da taxa de juros são dados pela intersecção das curvas IS e LM. Os fatores
que alteram esses níveis de equilíbrio são os que deslocam a curva IS ou a
curva LM. Na Seção 7.1, veremos como esses deslocamentos afetam a renda e
a taxa de juros quando consideramos as duas curvas conjuntamente. Na Seção
7.2, vamos ver como a magnitude dos efeitos de diferentes políticas
econômicas depende da inclinação das curvas IS e LM. No Capítulo 6, foi
mostrado que a inclinação das curvas IS-LM depende de vários aspectos do
sistema econômico, sendo o mais importante deles a sensibilidade do
investimento e da demanda por moeda aos juros.
7.1 Fatores que afetam a renda e a taxa de juros de equilíbrio
7.1.1 Influências monetárias: deslocamentos da curva LM
Consideremos os efeitos sobre a renda e a taxa de juros de mudanças na
oferta de moeda. A Figura 7.1 ilustra os efeitos de um aumento da oferta de
moeda de M0 para M1 Inicialmente, consideramos que as curvas IS e LM
sejam IS0 e LM(M0). A renda e a taxa de juros estão em Y0 e r0,
respectivamente. Como vimos no Capítulo 6, um aumento da oferta de moeda
desloca a curva LM para a direita, para uma posição como LM(M1) na Figura
7.1. Consequentemente, a taxa de juros cai de r0 para r1 e a renda sobe de Y0
para Y1.
O processo econômico que produz esses resultados é simples. O aumento
da oferta de moeda cria um excesso de oferta de moeda, que faz a taxa de
juros cair. Quando a taxa de juros cai, o investimento aumenta e esse aumento
causa um aumento da renda, com um consequente aumento do consumo
induzido pela renda. Um novo equilíbrio é alcançado quando a queda da taxa
de juros e o aumento da renda elevam conjuntamente a demanda por moeda
em um montante que iguale o aumento da oferta de moeda. Essa equivalência
ocorre no ponto em que a nova curva LM corta a curva IS.
Um declínio na oferta de moeda tem os efeitos opostos. A curva LM
desloca-se para a esquerda; a renda de equilíbrio cai; e a taxa de juros de
equilíbrio sobe.
O outro fator que desloca a curva LM é um deslocamento da função
demanda por moeda. Considere-se, por exemplo, um aumento da demanda por
moeda a níveis dados de renda e taxa de juros. Essa substituição de títulos
por moeda na carteira de ativos deslocará a curva LM para a esquerda.
Conforme as pessoas tentarem reduzir seus estoques de títulos para aumentar
seus estoques de moeda, a taxa de juros subirá. A taxa de juros mais alta fará
a renda declinar. Um aumento da demanda por moeda, no sentido de um
deslocamento da função de modo que mais moeda seja demandada a um dado
nível de renda e taxa de juros, tem o mesmo efeito que um declínio da oferta
de moeda. A renda de equilíbrio cai e a taxa de juros sobe. Um deslocamento
inverso na carteira de ativos, no sentido de manter mais títulos e menos
moeda, tem os efeitos opostos.
PERSPECTIVAS 7.1 - A CRISE FINANCEIRA DE 200708: UM EXAME INICIAL
Em novembro de 2008, a rainha Elizabeth visitou a London School of
Economics para inaugurar um novo prédio acadêmico. Ao se encontrar com o
corpo docente, ela perguntou: “Por que ninguém notou isso?” “Isso” referia-se
à crise financeira que havia atingido um clímax em meados de setembro de
2008 com a falência do Lehman Brothers e o socorro financeiro ao grupo de
seguros AIG. A crise começara em 2007 quando vários fundos que tinham
tomado volumosos empréstimos para investir em hipotecas subprime ficaram
insolventes. Um passo seguinte foi a perda de confiança nos bancos de
investimento que haviam estabelecido os fundos. Um deles, o Bear Stearns,
faliu em março de 2008. O Lehman o seguiu em setembro. Houve uma perda
geral de confiança em ativos de risco e nas instituições que os emitiam.
Em setembro, houve uma corrida por liquidez, com os investidores procurando
segurança em dinheiro, títulos do Tesouro e depósitos bancários. Na teoria de
Keynes, esse é um deslocamento clássico na preferência por liquidez. Em
termos do modelo IS-LM, essa corrida por liquidez aparece como um
deslocamento para a esquerda da curva LM. A taxa de juros é pressionada para
cima e a renda diminui. Com um choque violento como a crise financeira, esses
efeitos serão grandes.
Há também efeitos secundários sugeridos pelo modelo. Como foi explicado no
Capítulo 5, embora Keynes considerasse a renda a variável dominante para
determinar o consumo, economistas posteriores examinaram o efeito da riqueza
sobre o consumo. Na crise financeira, quando o valor dos ativos de risco
declinou, os consumidores cortaram os gastos. Um exemplo desse declínio da
riqueza foi a queda nos preços das ações. A média do Dow Jones caiu de
14.000 para 7.000 entre o verão de 2007 e a primavera de 2009.
Os preços das moradias, que haviam atingido um pico em 2006, também
caíram abruptamente. Dentro do modelo IS-LM, esse declínio do consumo para
um dado nível de renda deslocaria a curva IS para a esquerda, piorando o
declínio da renda. Isso teria o mesmo efeito que uma redução de “a”, o
intercepto da função consumo. (Veja a questão 3 no final do capítulo.) Um
efeito secundário adicional é uma queda no investimento se as firmas
simplesmente não puderem obter crédito quando os mercados financeiros se
congelam. Isso também deslocará a curva IS para a esquerda, mais ou menos
como aconteceria com um declínio autônomo da demanda por investimento.
A resposta de política desejada é clara no modelo IS-LM. Mais diretamente, o
modelo sugere que o Banco Central americano deveria proporcionar a liquidez
que os investidores estão procurando. No modelo, isso significa aumentar a
oferta de moeda para deslocar a curva LM de volta para a direita. Como vamos
ver no Capítulo 17, isso é exatamente o que o Federal Reserve fez, usando
todas as ferramentas de que dispunha e criando outras novas para aumentar a
liquidez e descongelar os mercados de crédito. Quando essas ações se
mostraram insuficientes para deter a contração da economia, políticas fiscais
expansionistas foram acrescentadas ao pacote a fim de reverter o deslocamento
da curva IS.
Nosso modelo neste capítulo pode, então, ser usado para interpretar a crise
financeira e as iniciativas de política econômica resultantes. Há muitos aspectos
que o modelo não consegue explicar, por exemplo, a amplificação de choques
que ocorre quando ativos são liquidados e instituições entram em falência. Há
também aspectos internacionais na crise. Alguns aspectos adicionais da crise
financeira serão examinados em capítulos posteriores.
FIG 7.1 Efeitos de um aumento na quantidade de moeda
O equilíbrio inicial é na taxa de juros r0 e no nível de renda Y0. Um aumento da oferta
de moeda de M0 para M1 desloca a curva LM para a direita, de LM(M0) para
LM(M1). A taxa de juros cai de r0 para r1 e a renda sobe de Y0 para Y1.
7.1.2 Influências reais: deslocamentos da curva IS
As variáveis de política fiscal são um conjunto de fatores que deslocam a
curva IS e, assim, afetam a renda e a taxa de juros de equilíbrio. A Figura 7.2
ilustra os efeitos de uma mudança de política fiscal: um aumento nos gastos
governamentais de G0 para G1 As posições iniciais das curvas IS e LM são
dadas por IS(G0) e LM0. O aumento dos gastos governamentais para G1,
conforme mostrado no Capítulo 6, desloca a curva IS para a direita, para uma
posição como IS(G1) na Figura 7.2. O nível de equilíbrio da renda sobe,
assim como a taxa de juros de equilíbrio.
A força que empurra a renda para cima é o aumento da demanda agregada,
tanto diretamente, à medida que a demanda governamental sobe, quanto
indiretamente, como resultado de um aumento dos gastos de consumo induzido
pela renda. As forças que empurram para cima a taxa de juros requerem
alguma explicação. Note que a curva LM não muda. Em um dado nível de
renda, o equilíbrio no mercado monetário e, portanto, no mercado de títulos
não é perturbado pela mudança nos gastos do governo. É o aumento da renda
em resposta à mudança da política fiscal que exige o ajuste da taxa de juros.
Quando a renda aumenta, a demanda por moeda para transações sobe. A
tentativa de aumentar os saldos para transações produz um declínio da
demanda por títulos. Esse aumento da demanda por moeda induzido pela
renda e o declínio da demanda por títulos levam à elevação da taxa de juros.
FIG 7.2 Efeitos de um aumento dos gastos governamentais
Um aumento dos gastos governamentais desloca a curva IS para a direita, de IS(G0)
para IS(G1). A renda sobe de Y0 para Y1; a taxa de juros sobe de r0 para r1.
Como o estoque de moeda é fixo, no agregado, o público não pode
aumentar seus estoques de moeda. A tentativa de fazer isso, no entanto,
empurrará a taxa de juros para cima, reduzindo a demanda especulativa por
moeda e fazendo os indivíduos reduzirem o montante de saldos para
transações mantidos em qualquer nível de renda. No novo equilíbrio, a taxa
de juros deve subir o suficiente para que a demanda por moeda permaneça
inalterada mesmo com a renda mais alta.
No Capítulo 6 mostramos que a distância horizontal do deslocamento da
curva IS quando os gastos do governo aumentam é igual a ΔG [1/(1 - b)], onde
ΔG é igual a (G1 - G0). A distância do deslocamento da curva IS é o aumento
dos gastos governamentais vezes o multiplicador dos gastos autônomos do
modelo keynesiano simples (sem mercado monetário). Essa distância é igual
ao montante que a renda teria aumentado nesse modelo simples. Na Figura
7.2, esse aumento da renda de equilíbrio seria para Y’1. Quando levamos em
conta o ajuste necessário no mercado monetário, podemos ver que a renda
sobe menos que isso, para Y1 na Figura 7.2. Por quê?
FIG 7.3 Efeitos de um aumento dos impostos
Um aumento nos impostos desloca a curva IS para a esquerda, de IS(T0) para IS(T1).
A renda cai de Y0 para Y1 e a taxa de juros cai de r0 para r1.
A diferença entre o modelo keynesiano simples e o modelo IS-LM é que
este último inclui um mercado monetário. Quando os gastos do governo
aumentam, como acabamos de ver, a taxa de juros precisa subir para manter o
equilíbrio no mercado monetário. O aumento da taxa de juros causará um
declínio nos gastos com investimento. O declínio do investimento compensará
parcialmente o aumento da demanda agregada resultante do aumento dos
gastos do governo. Em consequência, o aumento da renda será menor que no
modelo keynesiano simples, onde o investimento era considerado
completamente autônomo.
Em seguida, consideremos os efeitos de um aumento na arrecadação de
impostos (T) conforme ilustrado na Figura 7.3. Um aumento na arrecadação
tributária de T0 para T1 deslocará a curva IS para a esquerda, como foi
mostrado no Capítulo 6. Na figura, essa situação é representada como um
deslocamento da curva IS de sua posição inicial, IS(T0), para IS(T1). Como
pode ser visto, a renda declina de Y0 para Y1. A taxa de juros cai de r0 para
r1 .
A renda cai quando os impostos sobem porque o aumento dos impostos
reduz a renda disponível (Y – T) e faz o consumo diminuir. A razão da queda
da taxa de juros é semelhante à do aumento da taxa de juros induzido pela
renda quando os gastos governamentais são aumentados. Quando a renda
declina devido ao aumento dos impostos, a demanda por moeda diminui e a
demanda por títulos aumenta. Essa mudança provoca a queda da taxa de juros.
A Figura 7.3 indica que, como no caso de uma mudança nos gastos
governamentais, a renda cai menos que a distância horizontal do deslocamento
da curva IS. Como foi explicado no Capítulo 6, a distância horizontal que a
curva IS se desloca com uma mudança nos impostos é igual a ΔT [-b/(1 - b)],
o multiplicador dos impostos do modelo keynesiano simples vezes a variação
nos impostos. Assim, ocorre novamente que, no modelo IS-LM, os
multiplicadores de política fiscal são menores que nossos resultados para o
modelo keynesiano simples. Para um aumento dos impostos, a razão é que a
redução da taxa de juros discutida anteriormente fará o investimento subir,
compensando em parte o declínio no consumo causado pelo aumento dos
impostos.
Uma redução dos impostos tem os efeitos opostos aos de um aumento. A
curva IS desloca-se para a direita e tanto a renda como a taxa de juros sobem.
Similarmente, um declínio dos gastos do governo tem efeitos exatamente
opostos aos de um aumento nos gastos do governo.
Variáveis de política fiscal não são os únicos fatores que deslocam a curva
IS. Qualquer variação autônoma na demanda agregada terá esse efeito. Uma
dessas variações é a mudança autônoma na demanda por investimento, o que
significa um deslocamento da função que mostra o nível de investimento para
cada nível da taxa de juros. Por exemplo, uma mudança desse tipo ocorreria
se, como resultado de algum evento exógeno, a rentabilidade esperada de
projetos de investimento se alterasse.
A Figura 7.4 ilustra os efeitos de um declínio autônomo do investimento.
Na parte a, é mostrada a curva de investimento. A curva inicial é I0(r). O
declínio autônomo do investimento de ΔI_ desloca a curva para a esquerda,
para I1(r), reduzindo o investimento em cada taxa de juros. Na Figura 7.4b,
esse declínio autônomo no investimento desloca a curva IS para a esquerda,
de IS(I0) para IS(I1). A renda cai de Y0 para Y1. A taxa de juros diminui de r0
para r1. A renda declina porque o investimento à taxa de juros inicial caiu (de
I0 para I’1 na Figura 7.4a). Quando a renda cai, ocorre também um declínio
do consumo induzido pela renda. A queda da taxa de juros também é induzida
pela renda, como no caso em que examinamos os efeitos de mudanças na
política fiscal. O declínio da renda faz a demanda por moeda cair e a
demanda por títulos subir; em consequência, a taxa de juros cai.
FIG 7.4 Efeitos de um declínio autônomo do investimento
Um declínio autônomo do investimento desloca a curva de investimento para a
esquerda na parte a. À taxa de juros inicial r0, o investimento cai de I0 para I’1. O
deslocamento da função investimento faz a curva IS na parte b deslocar-se para a
esquerda, de IS0 para IS1. A renda de equilíbrio cai de Y0 para Y1 e a taxa de juros de
equilíbrio cai de r0 para r1 Como resultado da queda da taxa de juros, o investimento
recupera-se um pouco, indo para I1 na parte a.
Note que o declínio da taxa de juros faz o investimento se mover no
sentido de seu nível inicial. No novo equilíbrio, o investimento está em I1 na
Figura 7.4a, tendo aumentado de I’1 para I1 como resultado da queda da taxa
de juros.
É interessante comparar os efeitos de um declínio autônomo do
investimento na versão IS-LM do modelo keynesiano com os efeitos da
mesma mudança no modelo clássico analisado na Seção 4.2. Lá, a taxa de
juros desempenhava um papel estabilizador, de modo que uma mudança no
investimento não afetava a demanda agregada. A taxa de juros caía o
suficiente para levar a demanda agregada de volta a seu nível inicial. No
modelo IS-LM, o ajuste da taxa de juros é estabilizador, mas incompleto. Para
que a renda ficasse inalterada com um declínio autônomo do investimento, a
taxa de juros teria de cair para o nível r2 na Figura 7.4b. A esse nível da taxa
de juros, a renda estaria no nível original Y0 na nova curva IS, IS(I1). A
Figura 7.4a mostra que, no nível r2, a taxa de juros caiu o suficiente para
levar o investimento de volta ao seu nível inicial, I0. A taxa de juros, porém,
cai apenas para r1; a compensação da queda autônoma inicial do investimento
é incompleta.
Há um caso que a compensação é completa, quando a curva LM é vertical.
Assim, quando a curva IS se desloca de IS(I0) para IS(I1), simplesmente nos
movemos para baixo na curva LM vertical até um novo equilíbrio no nível de
renda inicial Y0 e com a taxa de juros declinando para r2. A curva LM
vertical foi chamada de caso clássico, assim não deve ser surpresa que essa
situação resulte em conclusões clássicas. Uma explicação desses resultados
para a curva LM vertical é oferecida na próxima seção.
PERSPECTIVAS 7.2 - O MIX DE POLÍTICAS
MONETÁRIA E FISCAL: ALGUNS EXEMPLOS
HISTÓRICOS
Vimos que tanto a política monetária como a política fiscal podem afetar a
renda no modelo keynesiano. Mas os efeitos das duas sobre a taxa de juros e,
portanto, sobre o investimento são diferentes. No caso de uma política
monetária expansionista, a taxa de juros cai e o investimento aumenta. Com
uma ação fiscal expansionista – uma redução no imposto de renda, por exemplo
–, a taxa de juros sobe e o investimento cai. Essa é uma diferença significativa,
porque o nível de investimento determina a velocidade de formação de capital e
é importante para o crescimento de longo prazo da economia.
Nossa análise, portanto, sugere que, dentro de uma estrutura keynesiana, há
uma preferência por um mix de política fiscal relativamente “rígida” e política
monetária “frouxa” a fim de manter a taxa de juros baixa e estimular o
investimento. Além disso, sempre que ações de política fiscal como reduções do
imposto de renda são usadas para expandir a economia, os keynesianos
gostariam de ver uma política monetária de acomodação: um aumento
correspondente na oferta de moeda que impeça a taxa de juros de subir e,
assim, evite o deslocamento do investimento. Essa combinação de política
monetária e fiscal é ilustrada na Figura 7.5. Ao mesmo tempo em que a curva
IS é deslocada para a direita por uma redução de impostos, a oferta de moeda é
aumentada o suficiente para que a curva LM desloque-se para a direita o
bastante para evitar uma elevação da taxa de juros.
Como exemplo de uma expansão coordenada, os keynesianos apontam o corte
de impostos de 1964 e o aumento da oferta de moeda que o acompanhou.
Como foi explicado em Perspectivas 5.2, o corte de impostos foi de 20% para
pessoas físicas e 10% para pessoas jurídicas. O crescimento da oferta de moeda
aumentou para 4,7% no período de 1964-65, em comparação com 3,7% em
1963. O resultado foi um crescimento do PNB de 5,4% em 1964 e 5,5% em
1965 (taxas bem acima do crescimento do produto potencial). Como resultado
da política monetária de acomodação, a taxa de juros (taxa de títulos privados)
subiu muito pouco, de 4,0% em 1963 para 4,3% em 1965. As reduções de
impostos das empresas incluídas no corte de impostos de 1964 tinham também
o objetivo de evitar qualquer declínio no investimento. De fato, o investimento
fixo das empresas subiu de 9,0% para 10,5% do PNB entre 1963 e 1965. Mais
tarde, os economistas keynesianos assumiram uma postura crítica diante do mix
de políticas monetária e fiscal na primeira administração Reagan. Eles
interpretaram esse mix como sendo de política monetária rígida, já que o ritmo
de crescimento da oferta de moeda diminuiu, e política fiscal frouxa,
principalmente as grandes reduções de impostos para pessoa física e jurídica.
Os keynesianos achavam que as duas iniciativas de política cancelavam-se
mutuamente em termos de seu efeito sobre o PNB. O economista keynesiano
James Tobin comparou a política de Reagan a colocar um trem em New Haven,
Connecticut, com um motor na frente dirigido para Boston e outro motor atrás
voltado para Nova Iorque. Em termos gráficos, os keynesianos achavam que a
política monetária da administração Reagan deslocava a curva LM para a
esquerda para reduzir a renda enquanto a política fiscal deslocava a curva IS
para a direita para aumentar a renda. Eles acreditavam que ambas as políticas
aumentariam a taxa de juros (ambas as curvas se deslocariam para cima), com
efeitos desfavoráveis sobre o investimento.
Recentemente, na sequência da crise financeira de 2007-09, políticas
monetárias e fiscais foram usadas cooperativamente para tentar conter a
contração resultante. As políticas do Federal Reserve para expandir a oferta de
moeda e baixar as taxas de juros foram acompanhadas por aumentos dos gastos
do governo e reduções de impostos, com os formuladores de política tentando
evitar que uma recessão se transformasse em uma depressão.
FIG 7.5 Combinação de políticas monetária-fiscal
Um corte nos impostos de T0 para T1 desloca a curva IS de IS(T0) para IS(T1). Por si
só, essa mudança de política fiscal empurraria a taxa de juros para cima, para r’1 Se o
corte nos impostos fosse acompanhado por um aumento na oferta de moeda de M0
para M1, a curva LM se deslocaria para a direita, de LM(M0) para LM(M1). Juntas, as
duas ações de política aumentariam o produto para Y1, com a taxa de juros
permanecendo em r0.
7.2 A eficácia relativa das políticas monetária e fiscal
Na Seção 7.1, examinamos os efeitos qualitativos de ações de política
monetária e fiscal no modelo IS-LM, conforme resumido na Tabela 7.1. Como
a tabela mostra, tanto instrumentos de política fiscal como monetária podem
afetar o nível de renda. Nesta seção, examinaremos a eficácia relativa dos
dois tipos de ações de política econômica. Por eficácia referimo-nos ao
tamanho do efeito sobre a renda de uma determinada mudança na variável de
política econômica. Será mostrado que a eficácia de cada tipo de política
(monetária e fiscal) depende da inclinação das curvas IS e LM, que, por sua
vez, é determinada por certos parâmetros comportamentais de nosso modelo.
Tabela 7.1 - Efeitos de variáveis de política monetária e fiscal
Nota: M, estoque de moeda; G, nível de gastos governamentais; T, impostos. Um
sinal (+) indica que uma mudança no instrumento de política faz a variável nessa linha
(Y, renda, ou r, taxa de juros) mover-se na mesma direção da mudança. Um sinal (-)
indica o contrário.
7.2.1 Eficácia das políticas econômicas e a inclinação da
curva IS
Primeiro, examinaremos como a inclinação da curva IS influencia a
eficácia das políticas monetária e fiscal. Como vimos anteriormente, o
parâmetro fundamental que determina a inclinação da curva IS é (o valor
absoluto da) elasticidade-juros do investimento. Se a demanda por
investimento for altamente elástica em relação aos juros, indicando que um
dado aumento na taxa de juros reduzirá significativamente o investimento, a
curva IS será relativamente plana. Quanto menor o valor da elasticidade-juros
da demanda por investimento, mais inclinada será a curva IS.
Aqui, e quando examinarmos a influência da inclinação da curva LM sobre
a eficácia das políticas mais à frente, procederemos da seguinte maneira.
Primeiro, comparamos os efeitos das políticas fiscal e monetária sobre a
renda quando a curva é bastante inclinada e quando ela é plana. A ação de
política monetária considerada é um aumento na oferta de moeda. A ação de
política fiscal é um aumento nos gastos do governo. Como tanto variações nos
impostos como nos gastos atuam deslocando a curva IS, mudanças nos
impostos e nos gastos do governo são eficazes ou ineficazes nas mesmas
circunstâncias.
Para medir se as ações de política fiscal são eficazes, comparamos o efeito
da ação da política sobre a renda com o efeito previsto pelo modelo
keynesiano simples. Ao passar para o modelo IS-LM, acrescentamos o
mercado monetário ao sistema keynesiano. Comparando o efeito da política
fiscal no modelo IS-LM com o efeito no sistema keynesiano simples, vemos
como a inclusão do mercado monetário modifica nossos resultados anteriores.
A distância do deslocamento horizontal da curva IS para uma dada ação de
política fiscal é igual ao efeito sobre a renda no modelo keynesiano simples,
por exemplo, ΔY = ΔG[1/(1 - b)], de uma mudança nos gastos governamentais.
Em consequência, para avaliar a eficácia da política fiscal nos gráficos a
seguir, comparamos a mudança na renda com o deslocamento horizontal da
curva IS.
Para avaliar a eficácia da política monetária, comparamos o efeito sobre a
renda de uma mudança na oferta de moeda com a distância horizontal do
deslocamento da curva LM. O deslocamento horizontal da curva LM quando a
oferta de moeda muda é igual a ΔM(1/c1), onde c1 é o coeficiente da renda na
função demanda por moeda [equação (6.4)]. O coeficiente c1 dá o montante
do aumento da demanda por moeda por unidade de renda; portanto, ΔM (1/c1)
dá o aumento na renda que poderia ocorrer em razão de um aumento na oferta
de moeda se todos os novos saldos de moeda fossem destinados a suprir a
maior demanda por moeda para transações devida ao aumento da renda. Essa
distância mede o máximo aumento possível da renda para um dado aumento
da oferta de moeda.
7.2.1.1 Eficácia da política monetária e a inclinação da curva IS
As partes a e b da Figura 7.6 mostram os efeitos de um aumento da oferta
de moeda para duas curvas IS de inclinação diferente. Em ambos os casos, o
aumento da oferta de moeda desloca a curva LM de LM0 para LM1. Na Figura
7.6a, a curva IS é bastante inclinada, refletindo uma baixa elasticidade-juros
do investimento. Como pode ser visto no gráfico, a política monetária é
relativamente ineficaz nesse caso. A renda sobe muito pouco como resultado
do aumento da oferta de moeda.
Na Figura 7.6b, a inclinação da curva LM foi mantida a mesma que na
Figura 7.6a. O tamanho do deslocamento horizontal da curva LM, ΔM(1/c1),
que determina a magnitude da ação de política, também foi mantido igual. A
diferença é a inclinação da curva IS. Na Figura 7.6b, essa curva é traçada
muito mais plana, refletindo uma elasticidade-juros maior do investimento.
Como pode ser visto, a política monetária torna-se mais eficaz quando a curva
IS é mais plana.
No modelo IS-LM, a política monetária afeta a renda ao reduzir a taxa de
juros e estimular o investimento. Se o investimento for pouco afetado por
mudanças na taxa de juros, o que é o pressuposto da Figura 7.6a, a política
monetária será ineficaz. Na Figura 7.6b, em que a sensibilidade do
investimento aos juros é substancialmente maior, a política monetária tem
efeitos correspondentemente maiores. Portanto, nosso primeiro resultado é
que a política monetária é ineficaz quando a curva IS é muito inclinada – ou
seja, quando o investimento é inelástico em relação aos juros. A política
monetária é mais eficaz quanto maior for a elasticidade-juros do investimento
e, assim, quanto menos inclinada for a curva IS.
FIG 7.6 Efeitos da política monetária e a inclinação da curva IS
Um aumento da oferta de moeda desloca a curva LM para a direita, de LM0 para
LM1. Essa ação de política monetária expansionista tem apenas um pequeno efeito
sobre o produto na parte a, onde a curva IS é muito inclinada. Ela tem um efeito
muito maior na parte b, onde a curva IS é relativamente plana. Na parte c, em que a
curva IS é vertical, o aumento da oferta de moeda não tem nenhum efeito sobre a
renda de equilíbrio.
Aqui e adiante, consideramos alguns casos extremos de inclinação das
curvas IS e LM. O exame de casos extremos é útil para entender nossos
resultados em casos normais.
O primeiro caso extremo é o da curva IS vertical. A curva IS será vertical
se o investimento for completamente insensível a mudanças na taxa de juros
(elasticidade-juros igual a zero). Os efeitos de um aumento da oferta de
moeda nesse caso são mostrados na Figura 7.6c. Se a curva IS for vertical, o
aumento da oferta de moeda simplesmente desloca a curva LM para baixo ao
longo da curva IS. A taxa de juros cai até que a demanda por moeda aumente o
suficiente para restabelecer o equilíbrio no mercado monetário, mas a renda
fica inalterada. Para aumentar a renda, o aumento da oferta de moeda e a
resultante queda da taxa de juros precisam estimular o investimento. Quando a
curva IS é vertical, o investimento não é afetado pela política monetária
porque, como premissa, o investimento não depende da taxa de juros. Quanto
mais inclinada a curva IS, mais perto estaremos desse caso extremo.
7.2.1.2 Eficácia da política fiscal e a inclinação da curva IS
As partes a e b da Figura 7.7 mostram os efeitos de um aumento dos gastos
do governo no caso de uma curva IS muito inclinada (7.7a) e de uma curva IS
relativamente plana (7.7 b). Em ambos os casos, o aumento dos gastos do
governo desloca a curva IS de IS0 para IS1. A distância horizontal do
deslocamento da curva, ΔG[1/(1 - b)], é a mesma em ambos os casos, o que
significa que o tamanho do impacto da ação de política e o multiplicador dos
gastos autônomos do modelo keynesiano simples são iguais. Como esses
gráficos mostram, a política fiscal é muito mais eficaz quando a curva IS é
bastante inclinada (Figura 7.7a).
A curva IS muito inclinada ocorre quando o investimento é relativamente
inelástico em relação aos juros. Vimos que quanto menos sensível à taxa de
juros for o investimento, maior o efeito de uma dada ação de política fiscal.
Para entender por que, consideremos o papel da mudança da taxa de juros no
ajuste a um novo equilíbrio depois de um aumento nos gastos do governo.
Quando a renda aumenta, a taxa de juros precisa subir para manter o mercado
monetário em equilíbrio. Essa elevação da taxa de juros faz o investimento
declinar, compensando em parte o efeito expansionista do aumento dos gastos
do governo. Esse declínio do investimento induzido pela taxa de juros faz com
que a reação da renda no modelo IS-LM seja menor que a reação dada pelo
multiplicador do sistema keynesiano simples; ou seja, a renda sobe menos que
o deslocamento horizontal da curva IS.
Qual é a importância desse efeito sobre o investimento, com frequência
chamado de crowding out (ou efeito deslocamento)? Um fator que determina a
importância desse crowding out do investimento privado é a inclinação da
curva IS. Se o investimento não for muito sensível a mudanças na taxa de
juros, a premissa da Figura 7.7a, o aumento da taxa de juros causará apenas
uma queda muito pequena no investimento e a renda subirá quase o valor total
do deslocamento horizontal da curva IS. Alternativamente, se o investimento
for muito sensível aos juros, a premissa da Figura 7.7b, o aumento da taxa de
juros diminuirá substancialmente o investimento e o aumento da renda será
significativamente reduzido em relação à previsão do modelo keynesiano
simples.
FIG 7.7 Efeitos da política fiscal e a inclinação da curva IS
Em todas as partes da figura, um aumento dos gastos governamentais desloca a curva
IS para a direita, de IS0 para IS1 Na parte a, onde a curva IS é muito inclinada, essa
ação de política fiscal expansionista resulta em um aumento relativamente grande da
renda. Essa ação de política fiscal é muito menos eficaz na parte b, em que a curva IS
é relativamente plana. A política fiscal é mais eficaz na parte c, onde a curva IS é
vertical.
O caso da curva IS vertical é mostrado na Figura 7.7c. Aqui, o
investimento é completamente insensível aos juros. O aumento dos gastos do
governo faz a taxa de juros subir, mas essa elevação não resulta em nenhum
declínio no investimento. A renda aumenta o valor total da distância do
deslocamento horizontal da curva IS; não há nenhum deslocamento do
investimento.
A comparação dos resultados desta subseção com os da subseção anterior
mostra que a política fiscal é mais eficaz quando a curva IS é muito inclinada
(baixa elasticidade-juros do investimento), enquanto a política monetária é
mais eficaz quando a curva IS é pouco inclinada (alta elasticidade-juros do
investimento). Isso é resultado do papel diferente que a taxa de juros
desempenha na transmissão dos efeitos dessas ações de política. A política
monetária afeta a renda por afetar as taxas de juros. Em consequência, quanto
maior o efeito das taxas de juros sobre a demanda agregada, ceteris paribus,
maiores serão os efeitos de uma dada ação de política monetária. No caso da
política fiscal, a mudança da taxa de juros anula os efeitos da política fiscal.
Uma maior elasticidade-juros do investimento significará que uma parcela
maior do efeito expansionista de um aumento nos gastos do governo será
compensada por um declínio no investimento induzido pela taxa de juros e,
assim, maior será o efeito deslocamento. A política fiscal será mais eficaz,
novamente ceteris paribus, quanto menor for a elasticidade-juros do
investimento.
7.2.2 Eficácia das políticas econômicas e a inclinação da
curva LM
A inclinação da curva LM depende crucialmente da elasticidade-juros da
demanda por moeda. Uma alta elasticidade-juros da demanda por moeda faz a
curva LM ser relativamente plana. A valores progressivamente mais baixos da
elasticidade-juros da demanda por moeda, a curva LM torna-se mais
inclinada. Se a demanda por moeda for completamente insensível à taxa de
juros (elasticidade-juros igual a zero), a curva LM é vertical. Nesta subseção,
vamos ver como a eficácia das políticas monetária e fiscal depende da
inclinação da curva LM e, assim, da elasticidade-juros da demanda por
moeda.
7.2.2.1 Eficácia da política fiscal e a inclinação da curva LM
A Figura 7.8 ilustra os efeitos de um aumento dos gastos governamentais
para três pressupostos em relação à inclinação da curva LM. Na Figura 7.8a,
a curva LM é muito pouco inclinada, em 7.8b a curva é muito inclinada e em
7.8c a curva é vertical. Em todos os casos, considera-se que o aumento dos
gastos governamentais desloque a curva IS de IS0 para IS1. A inclinação da
curva IS é a mesma nos três gráficos. O tamanho do aumento dos gastos do
governo também é o mesmo. Como os gráficos mostram, o efeito sobre a
renda dessa ação de política fiscal expansionista é maior quando a curva LM
é relativamente plana (Figura 7.8a) e menor quando a curva é relativamente
inclinada (Figura 7.8b). No caso extremo em que a curva LM é vertical, o
aumento dos gastos do governo não tem nenhum efeito sobre a renda de
equilíbrio.
A política fiscal é mais eficaz quando a elasticidade-juros da demanda por
moeda é alta, tornando a curva LM relativamente plana. A razão disso tem a
ver com o efeito do ajuste da taxa de juros sobre o investimento depois da
mudança da política fiscal. O aumento dos gastos do governo faz a renda
subir. Quando a renda sobe, a demanda por moeda para transações aumenta e,
para reequilibrar o mercado monetário sem que ocorra uma alteração na
oferta de moeda, é preciso elevar a taxa de juros. O aumento da taxa de juros
deve baixar a demanda especulativa por moeda e levar indivíduos e empresas
a reduzir os saldos para transações. Se a demanda por moeda for altamente
sensível a mudanças na taxa de juros, é preciso apenas um pequeno aumento
da taxa de juros para restaurar o equilíbrio no mercado monetário. Este é o
caso na Figura 7.8a, em que a taxa de juros sobe muito pouco, de r0 para r1.
Como nesse caso há um aumento pequeno da taxa de juros, sendo
constantes os outros fatores, o declínio no investimento será pequeno1. Com
pouco efeito deslocamento do investimento privado, a renda sobe
praticamente todo o valor do deslocamento horizontal da curva IS.
FIG 7.8 Efeitos da política fiscal e a inclinação da curva LM
Em todas as partes da figura, um aumento dos gastos do governo desloca a curva IS
para a direita, de IS0 para IS1. A política fiscal é mais eficaz na parte a, onde a curva
LM é relativamente plana; menos eficaz na parte b, onde a curva LM é muito
inclinada; e completamente ineficaz na parte c, onde a curva LM é vertical.
Quando a demanda por moeda é relativamente inelástica em relação aos
juros (Figura 7.8b), um aumento maior da taxa de juros (de r0 para r1 na
Figura 7.8b) é necessário para reequilibrar o mercado monetário quando a
renda sobe. O aumento maior da taxa de juros leva a um declínio maior no
investimento, anulando uma porção maior do efeito expansionista do aumento
dos gastos do governo. Em consequência, o aumento da renda na curva LM
mais inclinada (Figura 7.8b) é menor. Se a demanda por moeda for
completamente insensível a mudanças na taxa de juros (Figura 7.8c), apenas
um nível de renda pode ser um nível de equilíbrio: o nível que gera uma
demanda para transações exatamente igual à oferta de moeda fixa. Um
aumento da demanda agregada, causado por um aumento dos gastos
governamentais, cria uma pressão para cima sobre a renda a uma dada taxa de
juros. Há um excesso de demanda por bens (G é mais alto, C e I são
inalterados). No entanto, a tentativa de aumentar a renda (ou um aumento
temporário da renda) leva a um aumento da demanda por moeda para
transações e faz a taxa de juros subir. A renda de equilíbrio não pode, na
verdade, ser maior que Y0, porque nenhum aumento possível da taxa de juros
reequilibrará o mercado monetário em um nível de renda mais alto. Um novo
equilíbrio será alcançado quando, na tentativa de obter moeda para transações
para atender ao nível mais alto de renda, tentativa esta que deve falhar no
agregado, os indivíduos levarem a taxa de juros para cima o suficiente para
fazer a demanda agregada retornar ao seu nível inicial. Na Figura 7.8c, isso
ocorre à taxa de juros r1. Nesse ponto, o investimento privado declinou um
montante exatamente igual ao aumento dos gastos do governo. O efeito
deslocamento está completo.
O caso da curva LM vertical foi chamado anteriormente de clássico
porque os economistas clássicos não levavam em conta sistematicamente a
dependência entre a demanda por moeda e a taxa de juros. Implicitamente,
eles pressupunham que a demanda por moeda fosse completamente inelástica
em relação aos juros. Note que, nesse caso clássico, nossos resultados de
política fiscal têm natureza clássica. Um aumento dos gastos do governo afeta
a taxa de juros, mas não a renda.
No final da Seção 7.1, vimos que, para esse caso de uma curva LM
vertical, uma mudança autônoma na demanda por investimento também
deixaria a renda inalterada. O ajuste da taxa de juros compensaria
completamente a queda inicial da demanda por investimento. Também aqui,
para mudanças no componente governamental dos gastos autônomos, a taxa de
juros ajusta-se por completo, de modo que a demanda agregada total (C + I +
G) não é afetada pela mudança.
Um elemento necessário, portanto, na concepção keynesiana de que
variações nos gastos autônomos resultantes de ações de política fiscal afetam
a renda é a crença de que a demanda por moeda de fato depende da taxa de
juros. Essa crença decorre de se levar em conta o papel que a moeda
desempenha como um ativo, um modo alternativo aos títulos para estocar
riqueza. A visão clássica da moeda centrava-se simplesmente em seu papel
em transações e, por isso, os economistas clássicos negligenciavam o papel
da taxa de juros na determinação da demanda por moeda.
7.2.2.2 Eficácia da política monetária e a inclinação da curva LM
A Figura 7.9 mostra os efeitos de um aumento da oferta de moeda para as
mesmas três premissas sobre a curva LM consideradas anteriormente. Na
parte a, a curva LM é relativamente plana. Na parte b, a curva é muito
inclinada; e na parte c a curva é vertical. Em todos os casos, o aumento do
estoque de moeda desloca a curva LM uma distância igual, de LM0 para LM1.
Como pode ser visto na figura, a política monetária é menos eficaz na
Figura 7.9a, onde a curva LM é relativamente plana (a elasticidade-juros da
demanda por moeda é alta). O efeito sobre a renda do aumento da oferta de
moeda é sucessivamente maior quando consideramos a Figura 7.9b, onde a
elasticidade-juros da demanda por moeda é mais baixa, e a Figura 7.9c, onde
a elasticidade-juros da demanda por moeda é zero e a curva LM é vertical.
A razão disso pode ser percebida quando se compara a queda na taxa de
juros resultante do aumento da oferta de moeda em cada caso. No nível inicial
de renda e taxa de juros, o aumento da oferta de moeda criará um excesso de
oferta de moeda, fazendo a taxa de juros cair. Essa queda estimulará o
investimento e, assim, a renda. A taxa de juros precisa cair até um ponto em
que a taxa de juros mais baixa e a renda mais alta tenham aumentado a
demanda por moeda em um montante igual ao aumento da oferta de moeda. Na
Figura 7.9a, onde a demanda por moeda é muito sensível aos juros, uma
pequena queda da taxa de juros é suficiente para isso. Em consequência, o
aumento do investimento e, assim, da renda, será pequeno nesse caso. Com
uma demanda por moeda altamente elástica em relação aos juros, quando a
taxa de juros cai os indivíduos aumentam substancialmente seus saldos
especulativos e cortam menos os saldos para transações. A maior parte da
moeda recém-criada é usada para esses fins e relativamente pouco acaba
como saldos para transações requeridos por um nível de renda mais alto.
Na Figura 7.9b, a elasticidade-juros da demanda por moeda é mais baixa e
é necessária uma queda maior dos juros para reequilibrar o mercado
monetário depois do aumento da oferta de moeda. Como consequência, o
investimento e, portanto, a renda têm um aumento maior. Na Figura 7.9c, onde
a demanda por moeda é completamente inelástica em relação aos juros, a taxa
de juros também cai depois de um aumento da oferta de moeda. Aqui, porém,
a queda da taxa de juros por si só não tem nenhum efeito para aumentar a
demanda por moeda e restaurar o equilíbrio no mercado monetário, porque,
neste caso, a demanda por moeda não depende da taxa de juros. A queda da
taxa de juros, no entanto, faz o investimento e a renda subirem. O aumento da
renda continuará até que toda a nova moeda seja absorvida em saldos para
transações adicionais. Esse é o máximo aumento possível da renda para um
dado aumento da oferta de moeda, porque todos os novos saldos de moeda
acabam como saldos para transações requeridos pelo nível mais alto de
renda. Nenhuma parcela da nova moeda resulta em aumento da demanda
especulativa quando a taxa de juros cai. Também não há nenhuma tendência
para um aumento da quantidade de saldos para transações mantidos em um
determinado nível de renda quando a taxa de juros cai. Em suma, o efeito
sobre o nível de renda de um determinado aumento da oferta de moeda é tanto
maior quanto menor for a elasticidade-juros da demanda por moeda.
FIG 7.9 Efeitos da política monetária e a inclinação da curva LM
Em todas as partes da figura, um aumento da oferta de moeda desloca a curva LM
para a direita, de LM0 para LM1. A política monetária é menos eficaz na parte a, onde
a curva LM é relativamente plana; é mais eficaz na parte b, onde a curva LM é muito
inclinada; e mais eficaz ainda na parte c, onde a curva LM é vertical.
Como em nossa discussão sobre a curva IS, encontramos aqui que a
condição que torna a política monetária mais eficaz é a que torna a política
fiscal menos eficaz. A eficácia da política monetária aumenta quando a
elasticidade-juros da demanda por moeda diminui. A política fiscal é mais
eficaz quanto maior for a elasticidade-juros da demanda por moeda. A razão
para essa diferença é, uma vez mais, o papel diferente do ajuste da taxa de
juros na transmissão dos efeitos das políticas monetária e fiscal. No caso da
política monetária, que afeta a renda por meio de mudanças na taxa de juros,
quanto maior a resposta à taxa de juros, mais eficaz será a ação de política.
Como acabamos de ver, a resposta à taxa de juros é maior quando a
elasticidade-juros da demanda por moeda é baixa (isto é, a curva LM é muito
inclinada).
No caso da política fiscal, onde a resposta à taxa de juros, com o resultante
deslocamento do investimento, cancela parte do efeito da ação de política, a
resposta da renda é maior quanto menor for a reação à taxa de juros. Uma alta
elasticidade-juros da demanda por moeda reduz os efeitos de uma ação de
política fiscal sobre a taxa de juros (comparem-se as partes a e b da Figura
7.8). Portanto, a política fiscal é mais eficaz quando a elasticidade-juros da
demanda por moeda é alta (isto é, a curva LM é pouco inclinada).
Conclusão
Na Seção 7.1, examinamos os efeitos de ações de política monetária e
fiscal sobre a renda e a taxa de juros, supondo que as curva IS-LM tivessem
inclinações normais, isto é, que as inclinações tanto da curva IS como da
curva LM estivessem em uma faixa intermediária – nem tão inclinadas nem
tão planas a ponto de tornar a política fiscal ou a política monetária ineficaz.
Na Seção 7.2, foram examinadas as relações entre as inclinações das curvas
IS e LM e a eficácia relativa das políticas monetária e fiscal. Os resultados
dessa análise são resumidos na Tabela 7.2.
Uma questão relevante neste ponto é: qual dos casos na Tabela 7.2
caracteriza a economia de fato? Quais são as inclinações efetivas das
relações que correspondem às curvas IS e LM do modelo em nossa
economia?
Tabela 7.2 - Eficácia das políticas monetária e fiscal e as inclinações das
curvas IS e L
Política monetária
Curva IS Curva LM
Muito inclinada Ineficaz Eficaz
Pouco inclinada Eficaz
Ineficaz
Política fiscal
Curva IS Curva LM
Muito inclinada Eficaz
Ineficaz
Pouco inclinada Ineficaz Eficaz
Se considerarmos a posição dos economistas keynesianos atuais, a
resposta seria que, em circunstâncias econômicas normais, eles acreditam que
as inclinações tanto da curva IS como da curva LM estão na faixa
intermediária, em que a política monetária e a política fiscal são ambas
eficazes.
Nossos resultados da Seção 7.1, resumidos na Tabela 7.1, caracterizam
essa posição keynesiana moderna. Há situações extremas, como a dos
Estados Unidos na recente recessão e em sua sequência, e do Japão nas duas
últimas décadas, em que o caso da armadilha da liquidez torna-se relevante,
reduzindo a eficácia da política monetária.
FIG 7.10 O PIB e o deflator do PIB do Japão
FIG 7.11 Taxa de juros de curto prazo no Japão (1992-2006)
PERSPECTIVAS 7.3 - JAPÃO EM RETRAÇÃO E A
ARMADILHA DA LIQUIDEZ
Uma ressalva à noção keynesiana de que tanto a política fiscal como a
monetária serão eficazes relaciona-se à política monetária em períodos nos
quais a taxa de juros fica muito baixa, aproximando-se ou atingindo o “zero
bound”, ou nível mínimo. Nessas situações, a economia pode mergulhar em
uma armadilha de liquidez, conforme discutido no Capítulo 6 e ilustrado na
Figura 6.8.
Muitos economistas acreditam que a economia americana esteve em uma
armadilha da liquidez durante a Grande Depressão da década de 1930, quando
as taxas de juros de curto prazo caíram abaixo de 1%. A discussão da armadilha
da liquidez praticamente desapareceu na década de 1970 e início dos anos
1980, quando as taxas de juros das principais economias estiveram com
frequência na casa dos dois dígitos. O interesse pela armadilha da liquidez
renasceu quando as taxas de juros caíram a níveis muito baixos em alguns
países em anos recentes. O Japão é um bom exemplo.
Em meados da década de 1980, a economia japonesa estava crescendo
rapidamente. Nos Estados Unidos, as discussões sobre o Japão pareciam-se,
então, com as referentes à China hoje. Os comentadores temiam que o “Japão
Incorporated” pudesse deixar para trás a economia americana. Os Estados
Unidos tinham um grande déficit comercial com o Japão e produtos japoneses
como automóveis e eletrodomésticos vinham substituindo os produtos
americanos. Então, na década de 1990, depois de um ciclo de sobe-e-desce nos
mercados imobiliário e financeiro japoneses, a economia do país caiu em uma
prolongada retração da qual ainda não se recuperou por completo. A retração da
atividade econômica foi acompanhada por deflação.
Essas tendências podem ser observadas na Figura 7.10, que mostra a taxa de
crescimento percentual do PIB japonês e do deflator do PIB como medida da
inflação. Após um crescimento real do PIB de 4,8%, em média, de 1981 a
1990, o crescimento depois de 1992 desacelerou fortemente, com o PIB tendo
de fato declinado em 3 desses anos. O deflator do PIB caiu durante boa parte
do período pós-1992. O Japão estava em uma contração deflacionária. Como a
Figura 7.11 mostra, a taxa de juros de curto prazo caiu rapidamente, atingiu o
nível mínimo e permaneceu ali depois de 2003. Isso foi resultado da contração
econômica e do fato de o Banco do Japão ter seguido uma política
expansionista para revigorar a economia.
A Figura 7.12 ilustra a ineficácia da política monetária em uma armadilha de
liquidez. Ao nível baixo vigente das taxas de juros no Japão, a curva LM seria
muito pouco inclinada, refletindo uma alta elasticidade-juros da demanda por
moeda. Isso acontece porque, a um nível tão baixo da taxa de juros, a curva de
demanda especulativa por moeda seria muito plana; haveria um consenso
quanto à probabilidade de aumentos futuros da taxa de juros, com perdas de
capital esperadas para os títulos. Um aumento da oferta de moeda seria
absorvido com uma queda apenas mínima da taxa de juros e, portanto, pouco
estímulo para o investimento. Na situação japonesa recente, em que a taxa de
juros de curto prazo chegou a zero, não esperaríamos que nenhum declínio
adicional fosse possível.
Antes de deixarmos a experiência do Japão, mais alguns pontos devem ser
observados. Nossa análise neste capítulo nos levaria a acreditar que, em uma
armadilha da liquidez, a política fiscal deveria ser altamente eficaz. O caso de
uma curva LM plana significa que há pouco efeito deslocamento (crowding
out). O governo japonês de fato seguiu uma política fiscal expansionista durante
boa parte do período pós-1992. O déficit orçamentário subiu para mais de 6%
do PIB devido ao aumento dos gastos do governo e a algumas reduções de
impostos. Ainda assim, o Japão permaneceu em retração econômica. Isso e
muitas outras coisas na experiência japonesa desde 1992 são intrigantes. O que
causou uma retração tão prolongada mesmo com ações de política econômica
para estimular a economia? Os economistas foram levados a procurar as causas
em problemas estruturais da economia japonesa, como um sistema bancário
ineficiente, supervisão regulatória fraca, infraestrutura insuficiente, baixa
mobilidade da força de trabalho e dependência excessiva da demanda por
exportações. As políticas fiscais foram criticadas por serem governadas mais por
interesses políticos do que econômicos e como atrasadas e ineficientes. De
modo geral, as instituições que serviram bem ao Japão na recuperação e rápida
expansão nos anos após a Segunda Guerra Mundial mostraram-se inadequadas
para o estágio que a economia havia atingido em 1990a.
Quando as taxas de juros de curto prazo caíram para perto de zero depois de
2008, os Estados Unidos pareceram estar em uma armadilha da liquidez. Os
formuladores de políticas procuraram políticas monetárias e fiscais que
possibilitassem aos Estados Unidos evitar a prolongada retração que afligiu a
economia japonesa.
FIG 7.12 Ineficácia da política monetária em uma armadilha da
liquidez
Aos níveis baixos da taxa de juros que predominariam em uma armadilha da
liquidez, os keynesianos esperam que a economia esteja em um trecho quase
horizontal da curva LM. A política monetária é ineficaz nessa situação.
a Sobre essas questões, veja os artigos em ITO, Takatoshi; PATRICK, Hugh;
WEINSTEIN, David (Orgs.). Reviving Japan’s Economy: problems and
prescriptions. Cambridge: MIT Press, 2005.
Questões de revisão
1. No modelo IS-LM, mostre como a renda e a taxa de juros são afetadas
pelas seguintes situações:
a. Um aumento dos gastos do governo.
b. Um declínio autônomo dos gastos com investimentos.
c. Um aumento dos impostos.
d. Um aumento da oferta de moeda.
Em cada caso, explique por que ocorrem as variações na renda e taxa de
juros.
2. No modelo IS-LM, analise os efeitos de um aumento nos gastos do
governo financiado por um aumento igual nos impostos. Primeiro,
considere o deslocamento horizontal líquido da curva IS como resultado
desse aumento do orçamento equilibrado. Depois, considere os efeitos
sobre a renda e a taxa de juros. Por fim, compare os resultados com o
multiplicador do orçamento equilibrado da Seção 5.5.
3. No modelo IS-LM, qual seria o efeito de um aumento autônomo na
poupança acompanhado de uma queda equivalente do consumo, ou seja,
uma queda em a na função consumo?
C = a + b(Y - T)
Qual curva se deslocaria? Como a renda e a taxa de juros seriam afetadas?
4. Explique a relação entre a eficácia da política monetária e a elasticidadejuros do investimento. A política monetária será mais ou menos eficaz
quanto mais alta for a elasticidade-juros da demanda por investimento?
Agora explique a relação entre a eficácia da política fiscal e a
elasticidade-juros da demanda por investimento. Por que as duas relações
são diferentes?
5. Explique a relação entre a eficácia da política monetária e a elasticidadejuros da demanda por moeda. A política monetária será mais ou menos
eficaz quanto mais alta for a elasticidade-juros da demanda por moeda?
Explique. Agora explique a relação entre a política fiscal e a elasticidadejuros da demanda por moeda. Por que as duas relações são diferentes?
6. Suponha que tivéssemos um caso em que a elasticidade-juros tanto da
demanda por moeda como da demanda por investimento fossem muito
baixa. A política fiscal ou a política monetária seriam muito eficazes?
Como você interpretaria essa situação?
7. Vimos que a taxa de juros desempenhava um papel estabilizador no
sistema clássico, ajustando-se para que um choque em um componente da
demanda, por exemplo, um declínio do investimento autônomo, não
afetasse a demanda agregada. A taxa de juros desempenha uma função
estabilizadora similar no modelo keynesiano?
8. Em que sentido a curva LM vertical é um caso clássico?
9. Por que os keynesianos poderiam ser pessimistas quanto à capacidade da
política monetária de estimular o produto em situações como as da
Depressão da década de 1930 nos Estados Unidos ou as recessões no
Japão na década de 1990? Que tipo de política econômica os economistas
keynesianos esperariam que fosse eficaz nessas situações?
10. Considere o caso em que a curva LM é vertical. Suponha que ocorra um
choque que aumente a demanda por moeda nos níveis dados da renda e da
taxa de juros. Ilustre o efeito do choque em um gráfico e explique como a
renda e a taxa de juros são afetados.
APÊNDICE: OS MULTIPLICADORES DA POLÍTICA
MONETÁRIA E FISCAL NO MODELO IS-LM
Aqui, estendemos o tratamento algébrico do modelo IS-LM apresentado no
apêndice ao Capítulo 6. Examinamos agora como o valor de equilíbrio da renda
que derivamos ali se altera quando variáveis de política monetária e fiscal são
alteradas. Ao fazer isso, estabeleceremos algebricamente os resultados gráficos
da Seção 7.1. Consideraremos, em seguida, a mesma questão abordada na
Seção 7.2, a eficácia relativa das políticas monetária e fiscal, na versão linear do
modelo IS-LM.
OS EFEITOS DAS POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL SOBRE
A RENDA
No apêndice ao Capítulo 6, derivamos as expressões a seguir1 para os valores
de equilíbrio da renda (Y0) e da taxa de juros (r0) no modelo IS-LM:
Podemos usar essas duas equações para ver como a taxa de juros e a renda
mudam quando alguma das variáveis exógenas do modelo é alterada. Isso é o
equivalente matemático a ver como esses valores de equilíbrio mudavam nos
gráficos da Seção 7.1 com um deslocamento das curvas IS ou LM. Nesta seção,
construímos expressões que mostram como a renda muda com mudanças nas
variáveis de política econômica usando a equação (A.10). O cálculo dos efeitos
sobre a taxa de juros de mudanças nessas variáveis ficará como exercício (veja
o problema de revisão 1).
POLÍTICA FISCAL
Consideremos primeiro como a renda de equilíbrio muda com uma variação nos
gastos do governo. Pela equação (A.10), fazendo G variar e mantendo
constantes todas as outras variáveis exógenas, e para valores dados dos
parâmetros, calculamos
A equação (A.12) indica que, como vimos graficamente (Figura 7.2), um
aumento nos gastos do governo levará a um aumento da renda de equilíbrio no
modelo IS-LM. Além disso, o aumento da renda de equilíbrio por aumento
unitário dos gastos do governo, conforme dado pela equação (A.12), é menor
que no modelo keynesiano simples. No modelo keynesiano simples analisado no
Capítulo 5, o aumento da renda de equilíbrio por aumento unitário dos gastos
do governo era dado pelo multiplicador dos gastos autônomos, 1/(1 - b). O
multiplicador na equação (A.12) contém um termo positivo adicional no
denominador (i 1c1/c2) e, portanto, é menor. Note também, olhando de novo
para a equação (A.10), que a mudança da renda de equilíbrio por variação
unitária do investimento autônomo (ΔY/ΔĪ) seria exatamente a mesma que
ocorre com uma mudança nos gastos do governo. O efeito sobre a renda de
uma mudança nos impostos é
Esse multiplicador dos impostos é oposto em sinal ao multiplicador dos gastos
do governo e menor em valor absoluto, porque tem –b em vez de 1 no
numerador.
POLÍTICA MONETÁRIA
Pela equação (A.10), calculamos os efeitos sobre a renda de uma mudança na
oferta de moeda como
ou
O que pode ser simplificado para
Um aumento da oferta de moeda faz a renda de equilíbrio subir, conforme foi
ilustrado na Figura 7.1.
EFICÁCIA DAS POLÍTICAS ECONÔMICAS E A INCLINAÇÃO
DAS CURVAS IS E LM
As expressões dadas pelas equações (A.12) e (A.14) são, respectivamente,
multiplicadores de política fiscal e monetária. Eles indicam a variação na renda
de equilíbrio por mudança unitária nas variáveis de política G e Ms. Nesta
seção, examinaremos a relação entre a magnitude desses multiplicadores e a
inclinação das curvas IS e LM. Nossos resultados equivalem aos da Seção
7.222.
A CURVA IS E A EFICÁCIA DAS POLÍTICAS ECONÔMICAS
No apêndice ao Capítulo 6, encontramos que a inclinação da curva IS era dada
por
O parâmetro crucial, em relação ao qual há controvérsias, é i 1, que mede a
sensibilidade da demanda por investimento à taxa de juros. Se i 1 for grande
(pequeno), a demanda por investimento será sensível (insensível) aos juros e a
curva IS será pouco inclinada (muito inclinada).
Agora, examinemos o papel desempenhado por i 1 nas duas expressões de
multiplicadores. Vemos pela equação (A.12) que, conforme i 1 diminui, ΔY/ΔG
fica maior. Ou seja, conforme o investimento torna-se menos sensível à taxa de
juros e a curva IS fica mais inclinada, a política fiscal torna-se mais eficaz (veja
a Figura 7.7). Se i 1 chegar a zero, a equação (A.12) reduz-se a 1/(1 - b), o
multiplicador do modelo keynesiano simples do Capítulo 5.
Veremos em seguida a equação (A.14), o multiplicador da política monetária.
Conforme i 1 diminui (a curva IS torna-se mais inclinada), o numerador da
equação (A.14) torna-se proporcionalmente menor, enquanto apenas um termo
do denominador se reduz. Portanto, o valor da expressão diminui3. Quanto
menor a elasticidade-juros do investimento, mais inclinada a curva IS e menos
eficaz a política monetária (veja a Figura 7.6). No caso extremo em que i 1 é
igual a zero (curva IS vertical), o valor da equação (A.14) vai para zero e a
política monetária torna-se completamente ineficaz.
A curva LM e a eficácia das políticas econômicas
A expressão no apêndice ao Capítulo 6 para a inclinação da curva LM era
O parâmetro crucial (que é objeto de controvérsia) que determina se a curva é
muito ou pouco inclinada é c2, que mede a sensibilidade da demanda por moeda
aos juros. Se c2 for grande (pequeno), indicando que a demanda por moeda é
sensível (insensível) aos juros, a curva LM será relativamente pouco inclinada
(muito inclinada). Esse resultado acontece porque a expressão na equação (A.5)
diminui de valor conforme c2 fica maior.
Agora, examinemos o modo como c2 afeta o multiplicador da política fiscal
dado pela equação (A.12). Conforme c2 fica menor, o segundo termo do
denominador da equação (A.12) fica maior. Nenhum outro termo é afetado,
portanto toda a expressão fica menor. Quanto mais baixa a sensibilidade da
demanda por moeda em relação aos juros, mais inclinada é a curva LM e menos
eficaz é a política fiscal (veja a Figura 7.8). No caso extremo em que c2
aproxima-se de zero, o denominador da equação (A.12) torna-se extremamente
grande e a expressão como um todo tende a zero. Quando a curva LM torna-se
vertical, a política fiscal é completamente ineficaz.
Por fim, consideremos a relação entre c2 e a eficácia da política monetária
conforme medida pela equação (A.14). Conforme c2 diminui, o denominador
da equação (A.14) fica menor e a expressão torna-se maior. Quanto menos
sensível à taxa de juros for a demanda por moeda, mais inclinada será a curva
LM e mais eficaz é a política monetária (veja a Figura 7.9). Se c2 for zero, a
equação (A.14) reduz-se a 1/c1 A curva LM é vertical e a renda de equilíbrio
aumenta em valor equivalente a toda a distância do deslocamento horizontal da
curva LM quando a oferta de moeda aumenta (Figura 7.9c).
1 Como voltamos às equações do apêndice ao Capítulo 6, para evitar confusão
numeramos as equações aqui consecutivamente às equações daquele apêndice.
2 Como no capítulo, não precisamos considerar separadamente a eficácia da
política tributária. Os mesmos fatores que influenciam a eficácia de mudanças
em G determinam a eficácia de mudanças em T.
3 Para ver isso claramente, reescreva o lado direito da equação (A.14) como 1/[(1
– b)c2/I1 + c1]. Quando i 1 diminui, o denominador aumenta de valor e o
tamanho do multiplicador diminui.
Questões de revisão
1. Usando a equação (A.11), mostre como o valor de equilíbrio da taxa de
juros (r) será afetado por
a. Um aumento da oferta de moeda (Ms).
b. Um aumento dos gastos do governo (G).
c. Um aumento dos impostos (T).
2. Partindo da solução para os valores de equilíbrio de Y e r na pergunta de
revisão 1 do apêndice ao Capítulo 6, mostre como esses valores mudariam
se os gastos do governo subissem de 250 para 310.
CAPÍTULO 8
O sistema keynesiano (IV): oferta e demanda agregadas
Os Capítulos 5, 6 e 7 analisaram a determinação da renda pressupondo que
o nível de preços e o salário monetário fossem fixos. A versão preço fixosalário fixo do sistema keynesiano destaca o papel da demanda agregada. A
natureza determinada-pela-demanda do produto nesse modelo keynesiano
contrasta nitidamente com a natureza determinada-pela-oferta do produto no
modelo clássico. Neste capítulo, examinaremos o sistema keynesiano quando
preços e salários não são mantidos constantes e veremos que tanto fatores de
demanda como de oferta influem na determinação do produto. Nesse sentido,
os modelos deste capítulo são uma síntese dos sistemas clássico e keynesiano.
Na seção 8.1, ilustramos a natureza determinada-pela-demanda do produto
nos modelos keynesianos considerados até aqui e construímos uma curva de
demanda agregada keynesiana. Na Seção 8.2, essa curva de demanda
agregada keynesiana é combinada à análise da oferta clássica. Será observado
que, desde que mantenhamos a premissa clássica de informações perfeitas no
mercado de trabalho e flexibilidade perfeita de preços e salários, a
introdução da curva de demanda agregada keynesiana não altera a natureza
clássica do modelo. Desde que a curva de oferta permaneça vertical, como de
fato acontece se as premissas sobre o mercado de trabalho feitas acima forem
mantidas, o produto agregado será determinado independentemente da
demanda. Para que a demanda agregada influa na determinação do produto, as
premissas clássicas sobre o mercado de trabalho precisam ser modificadas.
Premissas keynesianas alternativas sobre o lado da oferta da economia são
analisadas nas Seções 8.3 e 8.4. Nessas seções, desenvolvemos a função
oferta agregada keynesiana. Na Seção 8.5, veremos como deslocamentos
dessa função oferta agregada influem na determinação do preço e do produto
no modelo keynesiano. A última seção do capítulo compara os sistemas
clássico e keynesiano.
8.1 A curva de demanda agregada keynesiana
O modelo do Capítulo 5 apresentou a teoria keynesiana da demanda
agregada por produto. A noção essencial embutida nesse modelo keynesiano
simples era que, para o produto estar em um nível de equilíbrio, a demanda
agregada devia ser igual ao produto. Nos Capítulos 6 e 7, foi considerado o
efeito da taxa de juros sobre o investimento e, assim, sobre a demanda
agregada. Mostrou-se que, para que uma combinação de produto (Y) e taxa de
juros (r) estivesse em um ponto de equilíbrio, o produto tinha de ser igual à
demanda agregada e a demanda por moeda devia ser igual à oferta de moeda.
O que garante que esse nível de produto será igual à oferta agregada –
igual à quantidade que as firmas escolherem produzir? Nossa suposição
implícita sobre a curva de oferta agregada é mostrada na Figura 8.1.
Consideramos que qualquer nível de demanda pelo produto poderia ser
satisfeito no nível de preços dado.
FIG 8.1 Curva de oferta agregada no modelo keynesiano de preços fixos
Nos capítulos anteriores sobre o modelo keynesiano, onde o nível de preços era fixo e
o produto era determinado pela demanda agregada, consideramos que a curva de
oferta agregada fosse horizontal.
Essa suposição poderia ser plausível quando o produto está bem abaixo da
capacidade da Economia. Nessas condições – por exemplo, durante a
Depressão da década de 1930 –, aumentos do produto podiam não exercer
pressão de alta sobre o nível do salário monetário, dado o alto nível de
desemprego. Além disso, o produto marginal do trabalho (PMgN) poderia não
cair conforme mais trabalho fosse empregado quando partimos de um nível
baixo de emprego (veja a Figura 3.1). Como conseqüência, o custo de
produzir unidades adicionais de produto, W/PMgT, poderia permanecer
constante mesmo com aumentos do produto. Em condições mais normais, um
aumento do produto exerceria uma pressão para cima tanto sobre o salário
como sobre o nível de preços. Esperaríamos que a curva de oferta tivesse
inclinação positiva.
No caso mais geral da curva de oferta agregada de inclinação positiva, não
podemos pressupor que o preço seja constante (que a oferta não seja uma
limitação) e determinar o produto simplesmente determinado a demanda
agregada. O produto e o preço serão determinados conjuntamente por fatores
de oferta e de demanda. A curva de oferta agregada keynesiana será discutida
nas Seções 8.3 e 8.4. Primeiro, vamos construir a curva de demanda agregada
keynesiana, a relação entre a demanda agregada e o nível de preços no
modelo keynesiano.
Os fatores que determinam a demanda agregada no sistema keynesiano
foram analisados detalhadamente. Esses fatores determinam a posição das
curvas IS e LM e, portanto, a combinação renda-taxa de juros que equilibra o
mercado monetário e faz o produto ser igual à demanda agregada. Ao
construir uma curva de demanda agregada, queremos encontrar o nível de
produto demandado em cada nível de preço. Para fazer isso, examinamos
como a posição das curvas IS e LM e, consequentemente, como os níveis da
taxa de juros e do produto em que as curvas se cruzam são afetados por
variações de preços. O nível de produto em que as curvas IS e LM se cruzam
para um dado nível de preços é um ponto da curva de demanda agregada
keynesiana. Consideremos primeiro como uma mudança no nível de preços
afeta a posição da curva IS. A condição de equilíbrio ao longo da curva IS é
onde I = investimento
G = gastos do governo
S = poupança
T = impostos
Y = produto
Para ver como o nível de preços influencia a posição da curva IS,
examinemos como cada variável da equação (8.1) é afetada por mudanças nos
preços.
Consideramos que duas variáveis, gastos governamentais (G) e impostos
(T), sejam fixadas pelo governo em termos reais, ou seja, consideramos e
continuaremos a considerar que seus níveis reais não são afetados por
mudanças de preços. Pressupomos que também o nível de investimento seja
determinado em termos reais; uma dada taxa de juros determina um nível de
investimento real. Mudanças no nível de preços não afetam diretamente o
investimento.
Similarmente, consideramos que a poupança real dependa da renda real e
não seja diretamente afetada por mudanças no nível de preços. Nenhum dos
quatro termos da equação (8.1), a condição de equilíbrio da curva IS,
depende diretamente do nível de preços, portanto uma mudança no nível de
preços não desloca a curva IS.
E quanto à curva LM? A condição de equilíbrio para o mercado monetário,
a curva LM, é
FIG 8.2 Construção da curva de demanda agregada
A níveis de preços sucessivamente mais elevados, P0, P1, P2, a curva LM na parte a
desloca-se mais para a esquerda. Esse deslocamento resulta em níveis sucessivamente
mais baixos de demanda agregada Y0, Y1, Y2. Essas combinações de preço e demanda
agregada são representadas em gráfico e produzem a curva de demanda agregada de
inclinação negativa mostrada na parte b.
A condição iguala a oferta real de moeda (M/P) e a demanda por moeda
em termos reais. A oferta real de moeda é igual à oferta nominal de moeda
exogenamente fixada (M) dividida pelo nível de preços (P).
A teoria keynesiana da demanda por moeda apresentada no Capítulo 6
relacionou a demanda por moeda em termos reais com o nível de renda real e
a taxa de juros, embora, desde que os preços fossem mantidos constantes, não
houvesse necessidade de distinguir entre mudanças em valores reais e
nominais. As pessoas desejam reter uma certa quantidade de saldos de moeda
reais para um dado volume de transações medido em termos reais (valor da
moeda constante), onde a renda real é uma aproximação do volume real de
transações. Em consequência, o equilíbrio no mercado monetário ocorre
quando a demanda por saldos de moeda reais é igual exatamente à oferta real
de moeda. É a oferta nominal de moeda, não a oferta real de moeda, que pode
ser fixada exogenamente pela autoridade monetária. Qualquer mudança no
nível de preços afetará a oferta real de moeda e, em consequência, deslocará
a curva LM.
A Figura 8.2a ilustra o efeito de mudanças no nível de preços sobre a
oferta real de moeda e, portanto, sobre a posição da curva LM. Mantendo a
oferta nominal de moeda fixa em M0, três níveis de preços são considerados,
em que P2 > P1 > P0. Note-se que, quando consideramos o efeito de um
aumento de preços de P0 para P1, depois de P1 para P2, no preço mais alto a
curva LM é deslocada para a esquerda. O efeito de um nível de preços mais
alto reduz a oferta real de moeda,
No geral, o efeito de um nível de preços mais alto é o mesmo que o de uma
queda da oferta nominal de moeda; ambos reduzem a oferta real de moeda
(M/P). A curva LM desloca-se para a esquerda, elevando a taxa de juros e
reduzindo o investimento e a demanda agregada.
Na Figura 8.2b, representamos o nível de demanda agregada
correspondente a cada um dos três níveis de preços considerados. Essa curva,
chamada de Yd, é a curva de demanda agregada. Como pode ser visto pela
construção da curva, esse nível de produto demandado é o nível de equilíbrio
do produto pelo modelo de curvas IS-LM, o nível de produto que, para um
dado nível de preços, iguala exatamente o produto e a demanda agregada,
equilibrando simultaneamente o mercado monetário.
A curva de demanda agregada reflete influências monetárias (fatores que
afetam a curva LM) e também influências diretas sobre a demanda agregada
(fatores que afetam a curva IS). Os fatores que aumentam o nível da renda de
equilíbrio no modelo IS-LM (aumentam o nível de produto demandado a um
dado nível de preços) deslocarão a curva de demanda agregada para a direita.
Fatores que fazem a renda de equilíbrio declinar no modelo IS-LM
deslocarão a curva de demanda agregada para a esquerda.
Consideremos, por exemplo, o efeito de um aumento da oferta de moeda,
de M0 para M1, como mostrado na Figura 8.3. Partindo do ponto de equilíbrio
A, com
FIG 8.3 Efeito sobre a demanda agregada de um aumento na oferta de moeda
Um aumento na oferta de moeda desloca a curva LM na parte a para a direita, de
LM(M0/P0) para LM(M1/P0), e desloca a curva de demanda agregada para a direita de
Yd0 para Yd1 na parte b.
o aumento da oferta de moeda desloca a curva LM para
O novo ponto de equilíbrio é em B, como mostrado na Figura 8.3a. A
renda de equilíbrio para um dado nível de preços P0 na figura aumenta de Y0
para Y1. A curva de demanda agregada mostrada na Figura 8.3b desloca-se
para a direita, de Yd0 para Yd11. Note-se que a distância do deslocamento
horizontal da curva de demanda agregada é (Y1 – Y0), o valor do aumento da
renda de equilíbrio no modelo IS-LM. Esse é o aumento da renda e da
demanda agregada resultante para um dado nível de preços. Similarmente,
mudanças nos gastos do governo ou nos impostos que desloquem a curva IS
deslocam a curva de demanda agregada de tal modo que a distância do
deslocamento horizontal da curva é igual à mudança da renda de equilíbrio no
modelo IS-LM.
8.2 A curva de demanda agregada keynesiana combinada à
teoria clássica da oferta agregada
Quando preços e salários não são constantes, saber os efeitos de uma ação
de política econômica sobre a demanda não é suficiente para determinar seus
efeitos sobre a renda. O efeito sobre a renda dependerá dos pressupostos que
fizermos a respeito da oferta agregada. Na Figura 8.4, são comparados os
efeitos de um aumento nos gastos do governo para três diferentes pressupostos
sobre a oferta agregada.
Em todos os casos, o aumento nos gastos do governo desloca a curva de
demanda agregada para a direita, de Yd0 para Yd1. Se a curva de oferta for
dada por Ys2, uma curva horizontal, o aumento do produto é equivalente a toda
a distância do deslocamento horizontal da curva de demanda agregada.
Lembre-se da Seção 8.1 que esse é o aumento da renda de equilíbrio pelo
modelo IS-LM, que considerou implicitamente que a curva de oferta fosse
horizontal. Se a curva de oferta tiver inclinação positiva (Ys1), os preços
subirão e o aumento da renda será menor, Y1 – Y0, em comparação com Y2 –
Y0 na Figura 8.4. Se a curva de oferta fosse vertical (Ys0 na Figura 8.4), não
haveria nenhum aumento na renda. Claramente, portanto, os efeitos de
mudanças de política econômica sobre a renda dependem dos pressupostos
feitos em relação à oferta agregada. Quais são as implicações de se fazer os
pressupostos clássicos a respeito da oferta e manter a estrutura keynesiana da
curva de demanda agregada?
FIG 8.4 Papel da oferta agregada na determinação da resposta do produto a
um choque de política econômica
Um aumento nos gastos do governo desloca a curva de demanda agregada de Yd0 para
Yd1. Se a curva de oferta agregada for horizontal (Ys2), o produto aumenta de Y0 para
Y2. Se a curva de oferta agregada tiver inclinação positiva (Ys1), o produto aumenta
apenas para Y1. Se a curva de oferta for vertical (Ys0), o produto fica inalterado em
Y0.
A análise clássica da oferta agregada foi explicada no Capítulo 3. Os
elementos centrais dessa análise são que, no mercado de trabalho, tanto a
oferta como a demanda dependem unicamente do salário real (W/P), que se
supõe ser conhecido por todos. Além disso, supõe-se que o mercado de
trabalho esteja sempre em equilíbrio, com um salário monetário perfeitamente
flexível que se ajusta para igualar oferta e demanda.
Esses pressupostos clássicos resultam em uma curva de oferta agregada
vertical (veja a Seção 3.5). Com os pressupostos clássicos, a curva de oferta
agregada seria dada por Ys0 na Figura 8.4; o produto seria determinado pela
oferta. Fatores como mudanças nos gastos do governo, impostos e oferta de
moeda, que deslocam a curva de demanda, não afetariam o produto de
equilíbrio2.
Esta análise mostra que a teoria clássica da oferta agregada baseada na
caracterização clássica de mercado de leilão para o mercado de trabalho é
fundamentalmente incompatível com o sistema keynesiano. A característica
central da análise keynesiana é a teoria da demanda agregada. Com os
pressupostos clássicos sobre a oferta agregada, que levam à curva de oferta
vertical, não há papel nenhum para a demanda agregada na determinação do
produto e do emprego. Por isso, foi necessário que Keynes e seus seguidores
se opusessem aos pressupostos clássicos e desenvolvessem uma teoria
keynesiana do lado da oferta.
8.3 Uma visão contratual do mercado de trabalho
Keynes acreditava que o salário monetário não se ajustaria suficientemente
para manter a economia em um nível de pleno emprego. No sistema clássico,
tanto a oferta como a demanda por trabalho são funções do salário real e a
intersecção das curvas de oferta e de demanda de trabalho determina um
salário real e um nível de emprego de equilíbrio. As negociações salariais, no
entanto, são definidas em termos de salários monetários, e um pressuposto
crucial do modelo clássico é que o salário monetário é perfeitamente flexível.
8.3.1 Fontes de rigidez dos salários
A teoria keynesiana oferece uma série de razões pelas quais o salário
monetário não se ajustará rapidamente, em especial para baixo, a fim de
manter o equilíbrio no mercado de trabalho. As mais importantes dessas
explicações para a rigidez dos salários monetários são as seguintes.
1. Keynes afirmava que os trabalhadores estão interessados tanto em seu
salário relativo como em seu salário absoluto. Existe em qualquer mercado de
trabalho um conjunto de diferenciais salariais entre trabalhadores com
diferentes áreas de atuação e especializações. Boa parte do trabalho de
negociação salarial é feita para chegar a uma estrutura de salário relativa que
seja aceitável tanto para os trabalhadores como para os empregadores. Os
diferenciais salariais podem ser medidos pelos salários monetários relativos,
porque mudanças nos níveis de preços afetam todos os salários
simetricamente.
Keynes acreditava que os trabalhadores resistiriam a cortes nos salários
mesmo quando a demanda por trabalho caísse. Eles veriam os cortes salariais
como mudanças injustas na estrutura de salários relativos. Os trabalhadores
de uma firma ou setor não teriam nenhuma garantia de que, se aceitassem uma
redução dos salários monetários, os trabalhadores de outros setores do
mercado de trabalho fariam o mesmo. Um declínio do salário real como
resultado de uma elevação dos preços, por sua vez, não seria percebido pelos
trabalhadores como algo que afetasse a estrutura dos salários relativos. Por
essa razão, Keynes acreditava que declínios nos salários reais causados por
aumentos nos níveis de preços encontrariam muito menos resistência por parte
dos trabalhadores do que uma queda equivalente nos salários reais decorrente
de um corte nos salários monetários.
2. Outro fator que leva a rigidez no nível dos salários monetários é
institucional. No setor sindicalizado do mercado de trabalho, os salários são
definidos por contratos trabalhistas, que geralmente fixam o nível do salário
monetário para toda a duração do contrato. O salário monetário não
responderá a eventos como declínio na demanda por trabalho enquanto durar
o contrato. A indexação do salário monetário estabelecida no contrato (isto é,
disposições que vinculam mudanças no salário monetário a mudanças nos
níveis de preços) proporciona alguma flexibilidade ao salário monetário
durante a vigência do contrato. Nos Estados Unidos, porém, quando existe
alguma indexação em contratos de trabalho, ela geralmente é incompleta.
Assim, contratos de salários monetários fixos conferem rigidez aos salários
monetários. Depois que um contrato de trabalho desse tipo é assinado, a
decisão de quanta mão de obra contratar é do empregador. A função oferta de
trabalho não tem mais influência na determinação do emprego. A firma
contrata a quantidade de trabalho maximizadora do lucro pelo salário
monetário fixo.
3. Mesmo em segmentos do mercado de trabalho em que nenhum contrato
explícito fixa o salário monetário, há com frequência um acordo implícito
entre empregador e empregado que fixa o salário monetário durante um
período de tempo. Em particular, esses contratos implícitos impedem os
empregadores de reduzir salários diante de uma queda da demanda por seus
produtos e um consequente declínio na demanda por trabalho. O incentivo
para que os empregadores tentem obter esses cortes salariais, ou
alternativamente, para que não contratem trabalhadores entre o conjunto de
desempregados que poderiam estar dispostos a trabalhar por um salário mais
baixo, é o desejo de manter uma reputação de bom empregador. As firmas
talvez pudessem obter um ganho temporário forçando um corte nos salários
monetários para reduzir os custos do trabalho, mas esse ganho poderia ser
superado pelo efeito das más relações de trabalho com os empregados atuais
e dificuldade para contratar novos empregados. Os keynesianos acreditam que
as convenções dos mercados de trabalho são tais que as firmas consideram de
seu interesse diminuir o número de horas da semana de trabalho ou promover
dispensas de empregados para reagir a quedas na demanda em vez de tentar
reduzir os salários monetários.
Os keynesianos acreditam que os acordos contratuais são fundamentais
para compreender como os mercados de trabalho modernos funcionam. A
visão contratual do mercado de trabalho contrasta com a visão sem atritos do
mercado de leilão dos economistas clássicos. Na concepção keynesiana,
conforme expresso por Arthur Okun,
Salários não são definidos para equilibrar mercados no curto prazo;
eles são fortemente condicionados por considerações de prazo mais
longo envolvendo… relações empregador-empregado. Esses fatores
isolam os salários… em um grau significativo do impacto de mudanças
na demanda, de modo que os ajustes devem ser feitos no emprego e no
produto.3
PERSPECTIVA 8.1 - AJUSTES DE PREÇOS E
QUANTIDADES NA GRÃ-BRETANHA, 1929-1936
A noção de Keynes de que o salário monetário não se ajustaria rapidamente
para equilibrar o mercado de trabalho foi em parte resultado de sua observação
dos acontecimentos na Grã-Bretanha. A Tabela 8.1 apresenta dados sobre
salário monetário, nível de preços, salário real e taxa de desemprego na Grã-
Bretanha entre os anos de 1929 e 1936.
O salário monetário caiu durante a primeira parte do período, mas apenas 5%
até 1933. Depois de 1933, o salário monetário subiu lentamente apesar da taxa
de desemprego excepcionalmente alta. Os dados de níveis de preços, salário real
e taxa de desemprego indicam claramente que não ocorreu nenhum ajuste para
baixo no salário real – o ajuste clássico do mercado de trabalho – para equilibrar
o mercado de trabalho.
Tabela 8.1 - Salários, preços e desemprego na Grã-Bretanha, 1929-1936
Fonte: MITCHELL, B. P.; DEANE, P. Abstract of British historical statistics.
Cambridge: Cambridge University Press, 1962. p. 67 e 345.
8.3.2 Um modelo de preços flexíveis e salário monetário fixo
Para representar essa visão contratual do mercado de trabalho,
consideramos que, embora os preços sejam livres para variar, o salário
monetário é fixo.4 Um salário monetário fixo é uma versão extrema de salário
rígido, e os economistas keynesianos não acreditam que o salário monetário
seja completamente rígido. Ainda assim, se a resposta do salário monetário às
condições do mercado de trabalho for lenta para se materializar, como a
abordagem contratual do mercado de trabalho sugere, os resultados baseados
no pressuposto de um salário monetário fixo serão aproximadamente corretos
para o curto prazo.
Por fim, antes de analisarmos esse modelo de preços flexíveis e salários
monetários fixos, é preciso ressaltar que a preocupação de Keynes era com a
rigidez dos salários monetários em relação a reduções, ou seja, a dificuldade
de que os salários monetários caíssem o suficiente para restaurar o pleno
emprego. As principais situações a que poderíamos aplicar o modelo de
salários fixos são aquelas em que há um excesso de oferta de trabalho.
Com o salário monetário fixo e a oferta de trabalho maior do que a
demanda por trabalho, o emprego efetivo será determinado pela demanda. As
firmas poderão contratar a quantidade de trabalho que demandarem pelo
salário vigente. Keynes não fazia objeções à teoria clássica da demanda por
trabalho. De acordo com essa teoria, a firma maximizadora do lucro demanda
trabalho até o ponto em que o salário real (W/P) é igual à PMgN ou,
equivalentemente, o ponto em que
O salário monetário é igual ao valor monetário do produto marginal (a
receita marginal com o produto) do trabalho. Uma vez que, com um excesso
de oferta de trabalho e um salário monetário fixo, o emprego depende apenas
da demanda por trabalho, a determinação do emprego é como ilustrado na
Figura 8.5. Com um salário monetário fixo W, a demanda por trabalho e,
portanto, o emprego serão N0.
A curva de oferta de trabalho é mostrada na Figura 8.5 como uma linha
tracejada. Note-se que, com o salário monetário fixo (W), a curva de oferta de
trabalho está à direita de N0, indicando um excesso de oferta de trabalho. A
demanda, não a oferta, é o fator limitante do emprego. A curva de oferta de
trabalho não exerce nenhuma influência e não é mostrada nas figuras
subsequentes desta seção. As propriedades da função oferta de trabalho
keynesiana são explicadas na próxima seção, onde analisamos um modelo
keynesiano em que o salário monetário é livre para variar.
FIG 8.5 Emprego com um salário monetário fixo
Com o salário monetário fixo em W, o emprego estará em N0, a quantidade de
trabalho demandada.
A posição da curva de demanda por trabalho, a curva que dá o valor
monetário do PMgN correspondente a cada nível de emprego (a curva PMgN
· P0 na Figura 8.5), depende do nível de preços. O número de trabalhadores
que a firmas contratarão e, em consequência, a quantidade de produto que elas
ofertarão dependem do nível de preços. Essa relação entre produto ofertado e
o nível de preços é desenvolvida na Figura 8.6.
A Figura 8.6a mostra o nível de emprego resultante em três níveis de
preços sucessivamente mais altos, P0, P1 e P2, com o salário monetário fixo
em W. Um aumento no nível de preços (de P0 para P1, depois de P1 para P2)
aumentará o valor monetário do PMgN correspondente a qualquer nível de
emprego e, portanto, aumentará a demanda por trabalho para um dado salário
monetário. A curva de demanda por trabalho (PMgN · P) desloca-se para a
direita e o emprego aumenta. Conforme o emprego aumenta, vemos na Figura
8.6b, onde traçamos a função produção agregada que dá o nível de produto
para cada nível de emprego, que o produto também aumenta.
A Figura 8.6c combina as informações das Figuras 8.6a e 8.6b para
mostrar o produto ofertado em cada nível de preços. Preços mais altos
resultam em oferta maior; a função oferta agregada tem inclinação positiva.
Em um determinado nível de renda (Yf na Figura 8.6c), o pleno emprego seria
atingido e novos aumentos dos preços não teriam efeito sobre o produto. A
curva de oferta agregada torna-se vertical nesse nível.
Abaixo do nível de pleno emprego, a curva de oferta não será vertical;
deslocamentos da curva de demanda agregada alterarão o nível do produto.
Os efeitos de um aumento da oferta de moeda e os efeitos de um aumento dos
gastos do governo são ilustrados nas Figuras 8.7 e 8.8, respectivamente.
FIG 8.6 A curva de oferta agregada keynesiana quando o salário monetário é
fixo
A parte a mostra os níveis de emprego N0, N1 N2 para três níveis de preços
sucessivamente mais altos, P0, P1 P2. A parte b mostra os níveis de produto, Y0, Y1,
Y2, que serão produzidos nesses três níveis de emprego. Na parte c, juntamos as
informações de a e b para mostrar o produto ofertado em cada um dos três níveis de
preços. Note-se que, a níveis de preços mais altos, o emprego, e, assim, o produto
ofertado aumentam; a curva de oferta agregada (Ys) tem inclinação positiva.
Na Figura 8.7a, um aumento da oferta de moeda desloca a curva LM de
LM(M0/P0) para LM(M1/P0). Esse deslocamento da curva LM é um resultado
direto da mudança na oferta de moeda. O aumento da oferta de moeda desloca
a curva de demanda agregada para a direita na Figura 8.7b, de Yd(M0) para
Yd(M1). No nível de preços inicial P0, o produto aumentaria para Y’1, como
mostrado na Figura 8.7. Mas, para o produto aumentar, o nível de preços
precisa subir e o novo equilíbrio é alcançado não em Y’1, mas em Y1, onde o
nível de preços subiu para P1. O aumento dos preços desloca a curva LM na
Figura 8.7a para LM(M1/P1).
FIG 8.7 Efeitos de um aumento da oferta de moeda quando o nível de preços
é flexível
Um aumento da oferta de moeda desloca a curva LM de LM(M0/P0) para LM(M1/P0)
(parte a) e desloca a curva de demanda agregada de Yd(M0) para Yd(M1) (parte b). O
aumento da demanda agregada faz o produto subir de Y0 para Y1 e o nível de preços
subir de P0 para P1. O aumento do nível de preços desloca a curva LM de LM(M1/P 0)
para LM(M1/P 1).
FIG 8.8 Efeitos de um aumento dos gastos do governo quando o nível de preços
é flexível
Um aumento dos gastos governamentais desloca a curva IS de IS(G0) para IS(G1)
(parte a) e desloca a curva de demanda agregada de Yd(G0) para Yd(G1) (parte b). O
aumento da demanda agregada faz o produto subir de Y0 para Y1 e o nível de preços
subir de P0 para P1. O aumento do nível de preços desloca a curva LM de
LM(M0/P0) para LM(M0/P1).
Assim, encontramos o mesmo tipo de resultados keynesianos de um
aumento da oferta de moeda que no modelo IS-LM com preços fixos do
Capítulo 7. O produto e o emprego aumentarão e a taxa de juros cairá, de r0
para r1, na Figura 8.7a. Quando o nível de preços é livre para variar, o
aumento do produto é menor do que quando o nível de preços é fixo. O
produto sobe para Y1 em vez de Y’1. A razão é que o aumento do nível de
preços reduz a oferta real de moeda (M/P) e essa redução compensa
parcialmente os efeitos do aumento da oferta nominal de moeda. A taxa de
juros cai apenas para r1, não para r’1. Como consequência, essa ação de
política monetária expansionista tem um efeito menor sobre o investimento e,
assim, sobre o produto.
A situação é bem parecida para a política fiscal. Os resultados são
keynesianos no sentido de que a política fiscal não afeta o produto, mas,
novamente, o efeito de uma dada ação de política é menor em magnitude
quando o nível de preços é variável do que quando o nível de preços é fixo.
Os efeitos de um aumento dos gastos governamentais são ilustrados na Figura
8.8.
Um aumento dos gastos governamentais desloca a curva IS de IS(G0) para
IS(G1) na Figura 8.8a. O aumento dos gastos governamentais não tem nenhum
efeito direto sobre a curva LM, que é inicialmente dada por LM(M0/P0). O
aumento da demanda agregada quando a curva IS desloca-se para a direita é
refletido na Figura 8.8b no deslocamento da curva de demanda agregada de
Yd(G0) para Yd(G1). O produto sobe para Y1 e o nível de preços sobe para P1.
O aumento do nível de preços reduz a oferta real de moeda (M/P), fazendo a
curva LM deslocar-se de LM(M0/P0) para LM(M0/P1) na Figura 8.8a. O
produto sobe apenas para Y1 e não para Y’1, que é o aumento no produto que
teria ocorrido se o nível de preços permanecesse fixo.
Não são apenas efeitos de políticas econômicas que permanecem
keynesianos quando consideramos um nível de preços flexível; os efeitos de
choques na economia também ficam qualitativamente inalterados. Mudanças
no investimento autônomo e choques na preferência pela liquidez (demanda
por moeda) continuam a afetar o produto e o emprego. Em particular, uma
corrida por liquidez como foi observada na crise financeira de 2007-2009
seria representada no modelo por um aumento na demanda por moeda. Esse
choque teria os efeitos exatamente opostos aos de um aumento na oferta de
moeda ilustrado na Figura 8.7. A demanda agregada cairia, assim como o
preço e o produto.
8.4 A oferta de trabalho e a variabilidade do salário monetário
Nesta seção, trazemos a oferta de trabalho para o cenário. Examinaremos
as diferenças entre as concepções keynesiana e clássica da oferta de trabalho
e, depois, um modelo keynesiano em que tanto o nível de preços como os
salários monetários podem variar.
8.4.1 Teorias clássica e keynesiana da oferta de trabalho
Os economistas clássicos acreditavam que a oferta de trabalho dependia
positivamente do salário real,
Uma elevação do salário real aumenta a renda que pode ser ganha com uma
hora de trabalho ou, em outros termos, aumenta o custo de oportunidade de ter
uma hora de lazer. Em consequência, um aumento do salário real aumenta a
oferta de trabalho.
A teoria keynesiana da oferta de trabalho começa com a observação de que
a negociação salarial é feita em termo do salário monetário, não do salário
real. A teoria clássica pressupõe que os ofertantes de trabalho (trabalhadores)
conhecem o nível de preços (P) e o salário monetário (W) e, portanto,
conhecem o salário real (W/P). Os keynesianos argumentam que, como a
negociação salarial é em termos do salário monetário, podemos pressupor que
os trabalhadores conhecem o salário monetário, mas não o nível de preços.
Como foi explicado anteriormente, por meio de contratos implícitos ou
explícitos os trabalhadores concordam em fornecer seus serviços durante um
determinado período, digamos, por um ano. Eles não têm como saber qual
será o valor do nível agregado de preços ao longo do ano seguinte. É esse
nível de preços que determinará o poder de compra de qualquer salário
monetário que eles aceitarem em uma negociação salarial no momento atual.
Como consequência, os keynesianos acreditam que decisões sobre oferta de
trabalho dependem do salário monetário vigente e da expectativa do nível
agregado de preços. Além disso, para os keynesianos, as expectativas dos
trabalhadores sobre o nível de preços dependeriam, basicamente, do
comportamento anterior dos preços.
Para entender as implicações da noção keynesiana de que os trabalhadores
negociam um salário monetário real com informações apenas imperfeitas
sobre os preços, construímos uma curva de oferta de trabalho keynesiana, que
comparamos com a curva de oferta de trabalho clássica [equação (8.4)].
Consideramos, em seguida, um modelo em que o salário monetário é
perfeitamente flexível, mas a oferta de trabalho é dada pela função oferta de
trabalho keynesiana. Nessa análise, deixamos de fora os fatores citados
anteriormente que os keynesianos acreditam ser as causas da rigidez do
salário monetário. Uma das finalidades desta análise é mostrar que, usando a
curva de oferta de trabalho keynesiana, mesmo que o salário monetário fosse
perfeitamente flexível a curva de oferta agregada não seria vertical. O
produto e o emprego não seriam inteiramente determinados pela oferta; a
demanda agregada também teria influência. Na realidade, os keynesianos
acreditam que o salário monetário é rígido na direção para baixo e que grande
parte do desemprego é resultado da não-contribuição do salário monetário
para equilibrar o mercado de trabalho. As informações incompletas sobre
preços são, porém, um fator adicional que, segundo os keynesianos, explica
flutuações no produto e no emprego.
A função oferta de trabalho keynesiana pode ser escrita como
Um aumento do salário monetário (W) para um dado valor do nível de
preços esperado (Pe) aumentaria a oferta de trabalho, porque seria visto pelos
trabalhadores como um aumento do salário real. Um aumento no nível de
preços esperado faria a oferta de trabalho declinar. Fundamentalmente, os
trabalhadores estão interessados no salário real, não no salário monetário, e
reduzem sua oferta de trabalho quando percebem que o salário real diminuiu.
A diferença entre as funções oferta de trabalho clássica e keynesiana é que, na
versão keynesiana, os trabalhadores precisam formar uma expectativa do
nível de preços. A oferta de trabalho, portanto, depende do salário real
esperado. No sistema clássico, os trabalhadores conhecem o salário real; a
oferta de trabalho depende do salário real efetivo.
A teoria da oferta de trabalho keynesiana é incompleta sem um pressuposto
sobre como os trabalhadores formam uma expectativa do nível de preços (Pe).
O pressuposto keynesiano é que essas expectativas de preços baseiam-se
principalmente no comportamento passado do nível de preços. Assim
em que P–i (i = 1, 2, 3…) é o nível de preços de i períodos anteriores e a1,
a2, …, an são os pesos dados a um número de observações passadas sobre o
nível de preços na formação da expectativa do nível de preços atual. Há sem
dúvida informações adicionais que poderiam ser úteis para a previsão
acurada do comportamento dos preços. O pressuposto keynesiano é que o
custo de coletar e processar essas informações adicionais é alto o bastante
para que as expectativas de preços dos ofertantes de trabalho possam ser
representadas com razoável precisão por uma formulação simples como a
equação (8.6). Como veremos adiante, esse pressuposto não é imune a
questionamentos.
De acordo com a equação (8.6), as expectativas de preços são
essencialmente retrospectivas, ajustando-se ao comportamento passado do
nível de preços. Além disso, na visão keynesiana, há uma inércia
considerável nesse processo de ajuste; as expectativas de preços ajustam-se
lentamente ao comportamento passado do nível de preços. Se esse for o caso,
as expectativas de preços não mudam como resultado das condições
econômicas correntes. Ao analisar os efeitos de várias mudanças de política
econômica, por exemplo, podemos considerar Pe constante. No prazo mais
longo (depois de transcorridos muitos períodos curtos), teremos de levar em
conta como as políticas de estabilização afetam Pe.
8.4.2 A curva de oferta agregada keynesiana com salários
monetários variáveis
A Figura 8.9 ilustra a construção da curva de oferta agregada quando a
oferta de trabalho é dada pela equação (8.5) e supõe que o salário monetário
ajuste-se para igualar a oferta e a demanda por trabalho. Na Figura 8.9a, a
oferta de trabalho (Ns) e a demanda por trabalho são representadas como
funções do salário monetário. Como na análise anterior, a demanda por
trabalho depende do salário real; considera-se que as firmas saibam o nível
de preços em que poderão vender seus produtos. A curva de demanda por
trabalho será deslocada para a direita com um aumento do nível de preços. A
Figura 8.9a mostra as curvas de demanda por trabalho para três níveis de
preços sucessivamente mais altos: P0, P1 e P2, respectivamente.
A curva de oferta de trabalho é traçada para um dado valor do nível
agregado de preços esperado. Como acabamos de explicar, esse nível de
preços esperado é considerado fixo no curto prazo. Com a curva de oferta de
trabalho fixa, aumentos no nível de preços deslocam a curva de demanda por
trabalho ao longo da curva de oferta, de modo que, para um nível de preços
mais alto, os níveis de equilíbrio do emprego e do salário monetário
aumentam. O processo em ação aqui é o seguinte. O aumento dos preços (de
P0 para P1, por exemplo) causa um excesso de demanda por trabalho pelo
salário monetário antigo (W0). O salário monetário é aumentado e, para um
dado valor de Pe, um aumento do salário monetário faz com que mais
trabalhadores aceitem empregos (ou aumentem o número de horas de trabalho
nos empregos existentes); o nível de emprego sobe.
Aos níveis de emprego mais altos N1 e N2, correspondentes aos níveis de
preços mais altos P1 e P2, o produto é maior nos níveis mostrados por e Y1 e
Y2 na Figura 8.9b. Assim, um nível de preços mais alto corresponde a um
nível maior de produto ofertado. Essa informação reflete-se na curva de oferta
agregada de inclinação positiva na Figura 8.9c, que mostra o produto ofertado
para cada nível de preços.
8.4.3 Efeitos de políticas econômicas no modelo keynesiano
de salário variável
Como a curva de oferta agregada keynesiana com salário variável ainda
tem inclinação positiva (não é vertical), mudanças na demanda agregada que
desloquem a curva de demanda agregada afetarão o produto. Aumentos na
oferta de moeda ou no nível dos gastos do governo deslocarão a curva de
demanda agregada para a direita, aumentando tanto o produto como o nível
agregado de preços. As ilustrações gráficas dessas mudanças de política
econômica são qualitativamente iguais às das Figuras 8.7 e 8.8.
Vamos supor que comparemos os efeitos sobre o preço e o produto de uma
dada alteração na demanda agregada quando o salário monetário é variável
com os efeitos no caso em que o salário monetário é fixo. Há uma diferença
quantitativa previsível? A resposta é sim. Quando o salário monetário é
variável, um determinado aumento na demanda agregada fará o produto
aumentar menos do que quando o salário monetário é fixo. Quando o salário
monetário é variável, um aumento na demanda agregada fará o nível de preços
aumentar mais do que quando o salário monetário é fixo. A razão para esses
resultados é que a curva de oferta agregada quando o salário monetário varia
é mais inclinada do que quando o salário monetário é fixo. Quando a curva de
demanda agregada é deslocada para a direita ao longo da curva de oferta
agregada mais inclinada, o aumento da demanda resulta menos em aumento do
produto e mais em aumento dos preços.
FIG 8.9 A curva de oferta agregada keynesiana quando o sálario monetário é
variável
A parte a mostra os níveis de equilíbrio do emprego N0, N1, N2, correspondentes a
valores sucessivamente mais altos do nível de preços, P0, P1, P2. A parte b dá o nível
de produto, Y0, Y1, Y2, que será produzido em cada um desses níveis de emprego. A
parte c combina as informações das partes a e b para mostrar a relação entre o nível
de preços e o produto ofertado. Em valores mais altos do nível de preços, o produto
ofertado aumenta; como no caso dos salários fixos, a curva de oferta agregada (Ys)
tem inclinação positiva.
FIG 8.10 Curvas de oferta agregada keynesianas para os casos de salários
monetários fixos e variáveis
A curva de oferta agregada na parte c para o caso em que o salário monetário é
variável [Ys (W variável)] é mais inclinada do que quando o salário monetário é fixo
[Ys (W = W)], porque o aumento do emprego (parte a) com uma elevação dos preços
e, portanto, o aumento do produto (parte b) são menores quando o salário monetário é
variável do que quando ele é fixo. Esse resultado acontece porque o aumento do
salário monetário no caso dos salários variáveis ameniza o efeito de um aumento do
nível de preços sobre o emprego e o produto.
A razão para que a curva de oferta agregada seja mais inclinada no caso dos
salários monetários variáveis é ilustrada na Figura 8.10. Na Figura 8.10a, é
mostrada a resposta do mercado de trabalho a um aumento no nível de preços
para os casos de salários monetários fixos e variáveis. Se o salário monetário
for fixo em W = W0, um aumento no nível de preços de P0 para P1 desloca a
curva de demanda por trabalho de PMgN · P0 para PMgN · P1 e o emprego
sobe de N0 para N1 Lembremos da seção anterior que, no caso do salário
monetário fixo, pressupomos que há um excesso de oferta de trabalho. A curva
de oferta de trabalho nesse caso, Ns (W = W)], fica à direita de N0 em W
(como na Figura 8.5). A oferta de trabalho não representa uma limitação ao
emprego, que é determinado unicamente pela demanda por trabalho. Para esse
caso de (W = W), pode-se ver pela Figura 8.10b que o produto ofertado sobe
de Y0 para Y1. A curva de oferta agregada é dada por Ys (W = W) na Figura
8.10c.
Com um salário monetário variável, quando a curva de demanda por
trabalho desloca-se de PMgN · P0 para PMgN · P1 como resultado do
aumento dos preços, o emprego sobe apenas para N’1. Aqui, estamos
pressupondo que não haja um excesso inicial de oferta de trabalho. Em W0, a
demanda por trabalho é igual à oferta ao longo da curva de oferta de trabalho
Ns (W variável). O salário monetário precisa subir de W0 para W1 W1 para
aumentar a oferta de trabalho. Esse aumento do salário monetário amortece o
efeito do aumento da demanda por trabalho. Como o emprego aumenta menos
do que no caso do salário fixo, o produto ofertado também aumenta menos,
subindo apenas para Y’1, como é mostrado na Figura 8.10b. O aumento do
nível de preços leva a um aumento menor do produto ofertado e essa relação é
refletida na curva de oferta agregada mais inclinada no caso do salário
monetário variável, como mostrado na Figura 8.10c, a curva Ys (W variável).
Neste ponto, é útil tirar algumas conclusões a partir das duas seções
anteriores sobre como a flexibilidade de preços e salários afeta as
implicações de política econômica no sistema keynesiano. Na Seção 8.3,
vimos que, quando se considerava um nível de preços variável (com o salário
monetário ainda fixo), os multiplicadores das políticas diminuíam em relação
a seus valores no modelo IS-LM simples do Capítulo 7, em que tanto o nível
de preços como os salários monetários eram fixos. Nesse modelo IS-LM
simples, o pressuposto era que a curva de oferta agregada fosse horizontal. A
oferta não representava uma barreira para o aumento do produto. No modelo
da Seção 8.3, levamos em conta o fato de que, em circunstâncias normais, à
medida que o produto aumenta, o PMgN diminui. Como o custo unitário de
produzir unidades adicionais de produto é o salário monetário dividido pelo
PMgN, as firmas só ofertarão um produto maior a um preço mais alto –
mesmo que o salário monetário seja fixo. A curva de oferta agregada tinha
inclinação positiva e, portanto, aumentos da demanda agregada tinham efeitos
menores sobre o produto do que com a curva de oferta agregada horizontal.
Quando se considera que o salário monetário também seja variável, a
curva de oferta agregada correspondente fica mais inclinada. Agora, conforme
o produto aumenta, não só o PMgN declina, causando um aumento nos custos
unitários (W/PMgN), como o aumento do salário monetário necessário para
induzir os trabalhadores a ofertar mais trabalho também empurrará para cima
o custo unitário. Como resultado, qualquer aumento do produto ofertado
requer um aumento maior do preço; a curva de oferta agregada é mais
inclinada. Variações na demanda agregada têm efeitos ainda menores sobre o
produto.
No sistema clássico, a curva de oferta agregada era vertical; o produto era
completamente determinado pela oferta. O preço e o salário eram
considerados perfeitamente flexíveis. No modelo IS-LM simples, o produto
era completamente determinado pela demanda. Os preços e salários eram
considerados completamente rígidos. Os modelos destas duas seções, ao
introduzir a flexibilidade de preços e salários no sistema keynesiano,
aproximaram os resultados keynesianos dos resultados do modelo clássico.
8.5 Os efeitos de deslocamentos da curva de oferta agregada
Até aqui em nosso desenvolvimento da teoria keynesiana da oferta
agregada, focalizamos como a inclusão de fatores de oferta na análise muda o
papel da demanda agregada na determinação do produto. Os efeitos sobre o
produto e o emprego de mudanças na demanda agregada – deslocamentos da
curva de demanda agregada – dependem da inclinação da curva de oferta
agregada. Além disso, fatores da oferta têm um papel independente na
determinação do produto e do emprego. Podem ocorrer deslocamentos da
curva de oferta agregada e esses deslocamentos afetarão o produto, o emprego
e o nível de preços.
Deslocamentos da curva de oferta agregada tiveram, algumas vezes, um
papel importante na explicação keynesiana de movimentos nos preços,
produto e emprego. Na verdade, se deslocamentos da curva de oferta
agregada não forem levados em conta, o comportamento do preço, produto e
emprego nos Estados Unidos durante a década de 1970 não podem ser
explicados dentro de um modelo keynesiano. Para entender por quê,
consideremos os dados da Tabela 8.2. Observemos que, enquanto o deflator
do PNB aumentou substancialmente em todos os anos entre 1973 e 1981, o
produto real caiu em 3 desses anos. Na verdade, o produto caiu em 3 dos 4
anos mais inflacionários.
Esse padrão de mudanças de preço e produto não é coerente com o modelo
keynesiano a menos que sejam levados em conta deslocamentos da curva de
oferta agregada. Consideremos a Figura 8.11. Na parte a, movimentos no
produto e no preço são causados por deslocamentos da curva de demanda
agregada (de Yd0 para Yd1 depois para Yd2). Nesse caso, aumentos nos preços
(de P0 para P1, depois para P2) seriam acompanhados de aumentos no
produto (de Y0 para Y1, depois para Y2). A curva de demanda desloca-se para
a direita ao longo da curva de oferta fixa de inclinação positiva, aumentando
tanto o preço como o produto. Deslocamentos para a esquerda da curva de
demanda agregada fazem produto e preços caírem. Portanto, deslocamentos da
curva da demanda agregada não explicam o comportamento dos preços e do
produto nos Estados Unidos em anos como 1974, 1975 e 1980, em que o
produto caiu, mas os preços subiram.
Tabela 8.2 - Taxas de crescimento percentual do PNB real e do deflator de
preços do PNB nos Estados Unidos, 1973-1981
Aumento
Crescimento
Ano
do deflator do
do PNB real
PNB
1973 5,8
5,8
1974 –0,6
8,8
1975 –1,2
9,3
1976 5,4
5,2
1977 5,5
5,8
1978 5,0
7,4
1979 2,8
8,6
1980 –0,3
9,2
1981 2,5
9,6
Na Figura 8.11b, podemos ver que deslocamentos para a esquerda da
curva de oferta agregada (de Ys0 para Ys1 e para Ys2) resultariam em aumentos
de preços (de P0 para P1, depois para P2) associados a declínios do produto
(de Y0 para Y1, depois para Y2). Esses “choques de oferta” poderiam explicar
as recessões inflacionárias da economia americana na década de 1970,
períodos em que o produto declinou e os preços subiram.
FIG 8.11 Variações do preço e do produto com deslocamentos da demanda
agregada e da oferta agregada
Se as mudanças no produto fossem resultado de deslocamentos da curva de demanda
agregada ao longo de uma curva de oferta fixa, como na parte a, esperaríamos uma
relação positiva entre mudanças nos preços e no produto. Por outro lado, se as
mudanças no produto resultassem de deslocamentos da curva de oferta agregada ao
longo de uma curva de demanda fixa, como na parte b, esperaríamos uma associação
negativa entre mudanças nos preços e no produto.
8.5.1 Fatores que deslocam a curva de oferta agregada
Resta ainda a questão do que causa os deslocamentos da curva de oferta
agregada – a natureza dos choques de oferta. Lembremos que os pontos da
curva de oferta agregada dão o produto desejado das firmas para cada nível
agregado de preços. Cada firma e, portanto, as firmas no agregado escolherão
o nível de produto que maximiza os lucros. Isso significa, como foi discutido
no Capítulo 3, que as firmas produzem até o ponto em que o preço (P) é igual
ao custo marginal (CMg):
CMg é o acréscimo ao custo total como resultado do aumento do uso de
fatores de produção variáveis a fim de aumentar o produto. Em nossa análise
anterior, consideramos que o trabalho fosse o único fator de produção
variável. Nesse caso, o CMg de produzir uma unidade adicional de produto
era o salário monetário (W), a quantia paga por uma unidade adicional de
trabalho, dividido pelo PMgN. O custo marginal (W/PMgN) aumentava
conforme o produto crescia, porque, quando mais trabalho era contratado, o
PMgN declinava. Além disso, no modelo de salários variáveis da seção
anterior, para que os trabalhadores ofertassem trabalho adicional era preciso
aumentar o salário monetário, o que era mais um fator que levava o custo
marginal a subir com o aumento do produto. Esses dois fatores, o declínio do
PMgN e a crescente pressão de alta sobre os salários monetários quando o
produto e o emprego aumentam, explicam por que a curva de oferta agregada
tem inclinação positiva.
Um deslocamento da curva de oferta agregada – por exemplo, um
deslocamento para cima e para a esquerda, como na Figura 8.11b – significa
que, depois do deslocamento, as firmas produzirão menos para um dado preço
ou, em outros termos, as firmas acharão que a posição ótima é continuar a
produzir o mesmo produto, só que a um preço mais alto. Pela condição (8.7) é
possível ver que qualquer fator que faça o CMg aumentar para um nível
inalterado de produto produzirá esse deslocamento para cima e para a
esquerda da curva de oferta agregada. Se o CMg aumentar para um dado nível
de produto, para continuar a atender a condição (8.7) sem alteração de
preços a firma terá de diminuir a produção. À medida que o produto diminui,
o CMg declinará (PMgN subirá e W cairá) e a igualdade (8.7) pode ser
restabelecida. Alternativamente, o preço teria de subir um valor equivalente
ao aumento do CMg para que a firma achasse ótimo continuar a produzir o
mesmo nível de produto.
Isso é só metade da história; a próxima tarefa é determinar os fatores que
alterarão o CMg para um dado nível de produto. Esses fatores são muitas
vezes chamados de fatores pressionadores de custos, porque afetam o preço
independentemente do nível de demanda, atuando pelo deslocamento da curva
de oferta. Um dos conjuntos de fatores pressionadores de custos afeta as
demandas por salários monetários por parte dos trabalhadores em um
determinado nível de emprego; esses são fatores que deslocam a curva de
oferta de trabalho conforme mostrado, por exemplo, na Figura 8.9. Até aqui,
examinamos um fator que desloca a curva de oferta de trabalho: uma mudança
nas expectativas dos trabalhadores em relação ao nível agregado de preços
(Pe).
Na seção anterior, consideramos que o nível de preços esperado pelos
trabalhadores dependesse do comportamento passado dos preços e, portanto,
que fosse fixo no curto prazo. Ao longo do tempo, porém, conforme novas
informações forem recebidas, os trabalhadores ajustarão sua expectativa de
preços. A Figura 8.12 mostra o efeito sobre as curvas de oferta de trabalho e
de oferta agregada de um aumento das expectativas dos trabalhadores sobre o
nível agregado de preços.
FIG 8.12 Deslocamento da curva de oferta agregada com um aumento do
nível esperado de preços
Um aumento do nível esperado de preços desloca a curva de oferta de trabalho para a
esquerda, de Ns(P e0) para Ns(P e1), na parte a. A um dado nível de preços, P 0, o
emprego cai de N0 para N1 e o produto cai de Y0 para Y1 (parte b). Esse declínio do
produto para um dado nível de preços é refletido em um deslocamento para a
esquerda da curva de oferta agregada, de Ys(P e0) para Ys(P e1), na parte c.
Vamos supor que, como resultado de aumentos passados observados no
nível agregado de preços, a expectativa dos trabalhadores quanto ao nível de
preços corrente aumentasse de Pe0 para Pe1. A curva de oferta de trabalho
seria, então, deslocada para a esquerda na Figura 8.12a, de Ns(Pe0) para
Ns(Pe1). Menos trabalho seria ofertado em cada nível de salário monetário
porque, com a expectativa mais alta em relação ao nível agregado de preços,
um dado salário monetário corresponderia a um salário real mais baixo. Ao
nível de preços inicial P0, o deslocamento da curva de oferta de trabalho
reduziria o emprego (de N0 para N1). Em consequência, o produto ao nível de
preços P0 c cairia (de Y0 para Y1), como pode ser visto na Figura 8.12b. A
curva de oferta agregada seria deslocada para a esquerda na Figura 8.12c [de
Ys(Pe0) para Ys(Pe1)].
Assim, qualquer fator que desloque a curva de oferta de trabalho para cima
e para a esquerda, reduzindo a oferta de trabalho para um dado salário
monetário, ou, o que equivale à mesma coisa, aumentando o salário monetário
em que uma dada quantidade de trabalho será ofertada desloca a curva de
oferta agregada para a esquerda. Se ampliarmos nossa análise para incluir
outros fatores de produção variáveis além do trabalho, observaremos que um
aumento autônomo no preço de qualquer fator de produção variável
aumentará o CMg para um dado nível de produto e deslocará a curva de oferta
agregada para a esquerda.
Em particular, aumentos autônomos no preço de matérias-primas têm esse
efeito de pressão sobre os custos. Os keynesianos acreditam que os aumentos
na década de 1970 dos preços mundiais de matérias-primas para produção,
em especial insumos de energia, causaram grandes aumentos nos custos de
produção para um dado nível de produto e resultaram em deslocamentos para
a esquerda significativos da curva de oferta agregada, aumentando o nível
agregado de preços doméstico e reduzindo o produto real.
Além dos efeitos diretos de aumentos nos preços de matérias-primas sobre
a curva de oferta agregada, esses choques de oferta têm efeitos indiretos que
se manifestam por meio de um efeito sobre a oferta de trabalho. Aumentos nos
preços das matérias-primas – por exemplo, o preço do petróleo importado e
de outros produtos de energia – empurram para cima o nível de preços
doméstico. Quando os preços domésticos sobem e tempo suficiente decorre
para que esses aumentos de preços sejam percebidos pelos ofertantes de
trabalho, a expectativa dos trabalhadores quanto ao nível agregado de preços
(Pe) aumenta. Como já foi explicado, esse aumento no nível esperado de
preços causará um deslocamento para a esquerda da curva de oferta agregada,
aumentando ainda mais o nível de preços e causando um declínio adicional do
produto real.
A explicação keynesiana para os grandes aumentos de preços e declínios
do produto no período de 1973-75 e, novamente, em 1979-80 baseia-se
nesses efeitos diretos e indiretos de choques de oferta. O choque de oferta
mais importante nesses casos foi um aumento substancial do preço do petróleo
bruto no mercado mundial. A Figura 8.13 mostra o preço do petróleo bruto em
1970-2010. Os choques de preços na série em 1974 e em 1979-80 são
evidentes na figura. (Os picos mais recentes são discutidos na próxima
subseção.) Em 1974, os preços do petróleo (nominais e reais)
quadruplicaram, devido à consolidação do cartel da OPEP (Organização dos
Países Exportadores de Petróleo). Os grandes aumentos de preços em 197980 foram resultado da perturbação do mercado mundial de petróleo que se
seguiu à revolução iraniana.
A concepção keynesiana dos efeitos desses choques de oferta é mostrada
na Figura 8.14. O aumento inicial dos preços do petróleo e o aumento do
preço de outras fontes de energia (carvão, gás natural, etc.) resultante da
tentativa dos usuários de energia de substituir o petróleo caro por outros
combustíveis, causam um deslocamento da curva de oferta agregada de
Ys0(Pe0) para Ys1(Pe0). O produto declina de Y0 para Y1 e os preços sobem de
P0 para P1. Esse é o efeito direto do choque de oferta. À medida que os
preços de produtos relacionados à energia e de todos os produtos que usam
essa energia no processo de produção – uma categoria de abrangência quase
total – aumentam, os ofertantes de trabalho acabam por perceber o aumento
nos preços; o nível esperado de preços sobe (de Pe0 para Pe1). Há um novo
deslocamento para a esquerda da curva de oferta agregada, de Ys1(Pe0) para
Ys1(Pe1). Os preços aumentam ainda mais, para P2, e o produto cai para Y2.
8.5.2 Choques de oferta mais recentes
A Figura 8.13 mostra que o preço do petróleo permaneceu volátil durante o
período pós-1980. Os preços do petróleo caíram acentuadamente nos anos de
1981 a 1986, quando novas fontes se tornaram disponíveis e o cartel da OPEP
enfraqueceu. Esse foi, de fato, um choque de oferta favorável. Pela simples
inversão da análise gráfica da Figura 8.14, podemos ver que esse choque
favorável, na ausência de outras mudanças, reduziria o nível agregado de
preços e aumentaria o produto. Na verdade, durante a primeira metade desse
período, houve uma recessão séria que, na visão keynesiana, foi causada por
fatores do lado da demanda. O declínio do preço do petróleo de fato
contribuiu para a queda acentuada da taxa de inflação durante esses anos.
FIG 8.13 Preços do petróleo bruto (US$), 1970-2010
A grande mudança seguinte nos preços do petróleo aconteceu em agosto de
1990, depois da invasão do Kuwait pelo Iraque. O preço do petróleo disparou
quando a produção de petróleo do Kuwait foi interrompida e as Nações
Unidas determinaram um embargo às exportações de petróleo iraquiano. O
preço do petróleo declinou tão rapidamente quanto havia subido quando ficou
evidente a rápida vitória das forças da ONU no início de 1991. Os efeitos
tanto da subida como da queda dos preços do petróleo podem ser observados
no comportamento do índice de preços ao produtor. O índice aumentou mais
de 15% (a taxas anuais) entre agosto e outubro de 1990, depois caiu 5%
(novamente a taxas anuais) entre dezembro de 1990 e março de 1991.
O preço do petróleo caiu fortemente no final da década de 1990, chegando
a um mínimo de cerca de US$ 10 por barril em 1999. Essa queda contribuiu
para a baixa inflação nos Estados Unidos e na Europa nos últimos anos dessa
década.
FIG 8.14 Efeitos de um aumento autônomo dos preços mundiais de insumos
energéticos
Um aumento autônomo dos preços de insumos energéticos desloca a curva de oferta
agregada para a esquerda de Ys0 (Pe0) para Ys1 (Pe0); o produto cai de Y0 parmoeda
e, portanto, sobrea Y1 e os preços sobem de P0 para P1 Quando os ofertantes de
trabalho percebem a elevação do nível de preços, o nível esperado de preços sobe de
Pe0 para Pe1 A curva de oferta agregada desloca-se mais para a esquerda, para Ys1
(Pe1). O produto cai para Y2 e o nível de preços sobe para P2.
Na Figura 8.13, é possível ver que o preço do petróleo apresentou
tendência de alta durante o início do século XXI, com um pico de mais de
US$ 130 por barril em 2008. Com o início da crise financeira e a recessão
mundial, o preço do petróleo desabou para menos de US$ 40 por barril,
voltando a subir de forma acentuada, para mais de US$ 100 por barril, no
final de 2011. A volatilidade do preço do petróleo e de outras mercadorias
básicas continua a ser uma fonte de instabilidade macroeconômica e um
desafio para os formuladores de políticas. No verão de 2008, por exemplo, no
pico de alta dos preços do petróleo, o Banco Central Europeu enrijeceu a
política monetária por preocupação com a inflação. Dois meses depois,
quando a crise financeira se intensificou com a falência do Lehman Brothers,
o Banco Central apressou-se em reverter o curso.
FIG 8.15 Curvas de oferta e demanda agregada clássicas e keynesianas
A curva de oferta agregada clássica é vertical, enquanto a curva de oferta agregada
keynesiana inclina-se para cima e para a direita. A curva de demanda agregada clássica
depende apenas do nível da oferta de moeda (M0); no sistema keynesiano, a demanda
agregada depende também de variáveis fiscais (G0, T0), do investimento autônomo(I0)
e de outras variáveis.
Conclusão
Keynes versus os clássicos
Os Capítulos 5 a 8 analisaram a visão keynesiana da macroeconomia.
Quais são as principais diferenças entre a concepção keynesiana e a teoria
macroeconômica clássica a que Keynes se opôs? Neste capítulo, vimos como
o sistema keynesiano pode ser resumido pelas relações entre a oferta
agregada e a demanda agregada. O modelo clássico foi apresentado da mesma
maneira no Capítulo 4. Um modo conveniente de resumir as diferenças entre
as teorias keynesiana e clássica é examinar as diferenças entre as relações de
demanda agregada e oferta agregada nos dois modelos.
Teorias da demanda agregada keynesiana e clássica
O modelo clássico não continha uma teoria explícita da demanda agregada.
A teoria quantitativa da moeda oferecia uma teoria clássica implícita da
demanda agregada. Usando a relação da teoria quantitativa
com o pressuposto de que V é constante, podemos determinar PY para um
dado valor de M. Essa relação produz a hipérbole retangular Yd(M0) traçada
na Figura 8.15a para M igual a M0. Essa era a curva de demanda agregada
clássica.
Aumentos da demanda em um setor da economia – demanda do governo ou
demanda por investimentos autônomos, por exemplo – não afetariam a
demanda agregada no sistema clássico. Mudanças em demandas setoriais
provocariam ajustes na taxa de juros. A taxa de juros desempenhava um papel
estabilizador no sistema clássico e assegurava que tais mudanças em
demandas setoriais não alterassem a demanda agregada. Apenas fatores
monetários deslocam a curva de demanda agregada clássica.
A curva de demanda agregada keynesiana é mostrada na Figura 8.15b.
Embora tanto a curva de demanda agregada clássica como a keynesiana
tenham inclinação negativa, há uma diferença importante entre elas. Enquanto
a curva de demanda agregada clássica só se desloca quando há variação na
oferta de moeda, a posição da curva de demanda agregada keynesiana
depende de variáveis como o nível de gastos do governo (G0), o nível de
arrecadação tributária (T0) e o nível de gastos com investimentos autônomos
(Ī0), além da quantidade de moeda (M0). Como vimos, a curva de demanda
agregada keynesiana será deslocada quando qualquer um desses outros fatores
variar. No sistema keynesiano, a taxa de juros não isola completamente a
demanda agregada de mudanças em demandas setoriais. Essa diferença nos
determinantes da demanda agregada nos modelos keynesiano e clássico
produz diferenças importantes em suas respectivas explicações de
instabilidades na economia.
Keynes acreditava que a instabilidade da demanda por investimento fosse
a principal causa de flutuações cíclicas na renda. Mudanças autônomas na
demanda por investimento causadas por mudanças nas expectativas produzem
deslocamentos da curva de demanda agregada e, consequentemente,
instabilidade nos preços e no produto.
Teorias da oferta agregada keynesiana e clássica
A curva de oferta agregada clássica, mostrada na Figura 8.15a, é vertical,
como resultado dos pressupostos clássicos sobre o mercado de trabalho.
Considera-se que a demanda e a oferta de trabalho dependam unicamente do
salário monetário, que é conhecido por todos. O salário monetário é
considerado perfeitamente flexível, ajustando-se rapidamente para igualar
oferta e demanda. Como a curva de oferta agregada é vertical, o produto e o
emprego são completamente determinados pela oferta.
No curto prazo, a curva de oferta agregada keynesiana inclina-se para cima
e para a direita. Esperaríamos que a curva fosse muito pouco inclinada em
níveis de produto bem abaixo da plena capacidade e que se tornasse mais
inclinada conforme o produto se aproximasse da plena capacidade. A
concepção keynesiana de oferta agregada (Seções 8.3 e 8.4) enfatiza a rigidez
dos salários monetários e a falha dos participantes do mercado em perceber o
salário real corretamente. Como consequência, o mercado de trabalho não
estará em equilíbrio contínuo em pleno emprego. O produto e o emprego
efetivos não serão completamente determinados por fatores de oferta.
Deslocamentos da função de demanda agregada moverão a economia ao longo
da curva de oferta de inclinação positiva, fazendo o produto mudar. No
sistema keynesiano, o nível de demanda agregada é importante para a
determinação do nível do produto e do emprego.
A curva de oferta agregada keynesiana na Figura 8.15b foi chamada de
curva de oferta de curto prazo para enfatizar que ela se refere a um curto
período de tempo e não a uma situação de equilíbrio a longo prazo. Fatores
como contratos de trabalho explícitos de longa duração, contratos implícitos e
resistência a reduções salariais vistas como cortes no salário relativo
tornariam mais lento, mas não impediriam permanentemente, o ajuste salarial
necessário para levar a economia de volta a uma situação de pleno emprego.
Informações imperfeitas sobre o salário real por parte dos ofertantes de
trabalho também seriam um fenômeno de curto prazo. As expectativas
acabariam por se aproximar do valor efetivo do nível de preços e, assim, do
salário real. Os keynesianos não negam que chegaria um momento em que a
economia se aproximaria do pleno emprego. Mas, para os keynesianos, essas
propriedades clássicas de longo prazo da economia não são importantes. Eles
concordam com Keynes que “esse longo prazo é um guia enganoso para a
situação corrente. No longo prazo estaremos todos mortos. Os economistas
estabelecem para si mesmos uma tarefa muito fácil e muito inútil se, em
estações tempestuosas, só puderem nos dizer que, depois que a tempestade
tiver durado tempo bastante, o oceano voltará a ficar calmo”.5
Conclusões keynesianas e clássicas sobre políticas econômicas
Os economistas clássicos enfatizaram as tendências de autoajuste da
economia. Se deixada livre de políticas governamentais desestabilizadoras, a
economia alcançaria o pleno emprego. Os economistas clássicos eram nãointervencionistas no sentido de que não defendiam políticas monetárias e
fiscais ativas para estabilizar a economia. Essas políticas, voltadas a afetar a
demanda agregada, não teriam efeitos sobre o produto e o emprego, dada a
natureza determinada pela oferta dessas variáveis no sistema clássico.
Os keynesianos viam a economia como instável em decorrência da
instabilidade da demanda agregada, principalmente seu componente de
investimentos privados. A demanda agregada afeta o produto e o emprego na
concepção keynesiana. Em consequência, mudanças na demanda agregada
causarão flutuações indesejáveis no produto e no emprego no curto prazo.
Essas flutuações podem ser evitadas usando políticas monetárias e fiscais
para compensar as mudanças indesejáveis na demanda agregada.
Questões de revisão
1. Explique por que a curva de demanda agregada keynesiana tem inclinação
negativa quando traçada em relação ao nível de preços.
2. Derive a curva de demanda agregada keynesiana para o caso em que o
investimento é completamente inelástico em relação aos juros e, portanto,
a curva IS é vertical (siga o procedimento da Figura 8.2). Explique a
inclinação resultante da curva de demanda agregada nesse caso.
3. Em que sentido a teoria clássica da oferta agregada é “fundamentalmente
incompatível” com o sistema keynesiano?
4. Por que os multiplicadores de política fiscal são menores em magnitude na
versão de preços variáveis-salários fixos do modelo keynesiano do que no
modelo IS-LM com preços fixos? Por que esses multiplicadores são ainda
menores quando permitimos que o salário monetário, além do nível de
preços, também seja variável?
5. Voltemos ao caso examinado na pergunta 2, em que o investimento é
completamente inelástico em relação aos juros e a curva IS é vertical.
Analise os efeitos de um aumento nos gastos do governo nesse caso pela
versão de preços variáveis e salários fixos do modelo keynesiano.
Compare os efeitos com os da versão de preços fixos do modelo.
6. Analise os efeitos de um aumento na oferta de moeda no modelo
keynesiano em que tanto o nível de preços como o salário monetário sejam
considerados variáveis. Inclua em sua resposta os efeitos sobre o nível de
renda real, o nível de preços, a taxa de juros e o salário monetário.
7. No sistema keynesiano, aumentos da demanda agregada levam a aumentos
do produto porque o salário monetário sobe menos do que
proporcionalmente à elevação dos preços em resposta a esses aumentos da
demanda. Essa condição é necessária porque as firmas só contratarão mais
trabalhadores se o salário real (W/P) cair. Explique as razões possíveis
para que o salário monetário não se ajuste proporcionalmente ao nível de
preços no modelo keynesiano de curto prazo.
8. Suponha que ocorra uma queda exógena no preço do petróleo importado.
Usando a análise gráfica mostrada neste capítulo, explique como esse
choque afetaria o produto e o nível de preços. Explique o papel
desempenhado por expectativas inflacionárias nesse ajuste.
9. “A moeda é mais importante no sistema keynesiano que no sistema
clássico.” Você concorda? Ou afirmaria que o oposto é verdadeiro?
10. Quais são as diferenças essenciais entre as teorias clássica e keynesiana
da oferta agregada?
11. Quais são as diferenças essenciais entre as teorias clássica e keynesiana
da demanda agregada?
12. Compare os efeitos de uma ação de política fiscal expansionista, por
exemplo, um aumento nos gastos do governo financiado pela venda de
títulos do governo ao público, nos modelos keynesiano e clássico. Inclua
em sua resposta os efeitos dessa mudança de política sobre o nível de
renda real, o emprego, o nível de preços e a taxa de juros.
13. Na versão de preços variáveis e salários fixos do modelo keynesiano,
analise os efeitos de um aumento na demanda por moeda (deslocamento na
preferência pela liquidez) devido a uma perda de confiança em ações e
títulos de risco, como ocorreu na crise financeira de 2007-2009.
PARTE III
A teoria macroeconômica depois de Keynes
A revolução keynesiana criou um novo modelo para a abordagem dos
problemas macroeconômicos. Pouco tempo se passou, porém, antes que
surgissem questionamentos à nova ortodoxia, os quais tinham raízes no
modelo clássico. Nesta parte, vamos examinar esses questionamentos e as
respostas keynesianas a eles.
CAPÍTULO 9
A contrarrevolução monetarista
A revista britânica The Economist definiu um monetarista como alguém
“que julga ser mais importante regular a oferta de moeda em uma economia do
que influenciar outros instrumentos econômicos. Isso é considerado muito
perverso por aqueles que não se dão o trabalho de descobrir o que de fato
significa”. Neste capítulo, vamos examinar a posição monetarista.
O ataque keynesiano à ortodoxia clássica foi bem-sucedido. Depois que
Keynes morreu em 1946, seus sucessores assumiram a tarefa de aperfeiçoar
suas teorias e aplicá-las aos problemas de política econômica enfrentados
pelas nações ocidentais em sua transição para economias de paz no ocaso da
Segunda Guerra Mundial. Como vimos, um aspecto da revolução keynesiana
foi a oposição à teoria quantitativa da moeda clássica. Na verdade, os
primeiros economistas keynesianos atribuíam muito pouca importância à
oferta de moeda. O monetarismo começou como uma tentativa de reafirmar a
importância econômica da moeda e, portanto, da política monetária.
Milton Friedman, que morreu aos 94 anos em novembro de 2006, foi a
principal força intelectual no desenvolvimento inicial do monetarismo.
Friedman foi professor na Universidade de Chicago por muito tempo. Depois
de se aposentar, em 1977, tornou-se pesquisador sênior na Hoover Institution
da Universidade Stanford. Friedman publicou artigos em periódicos
profissionais de economia até 2005. Por ocasião de sua morte, muitas
publicações o descreveram como um dos dois economistas mais influentes do
século XX. O outro era Keynes.
9.1 Proposições monetaristas
Em vez de apresentar uma definição de monetarismo, listaremos quatro
proposições que caracterizam a posição monetarista:
1. A oferta de moeda é a influência dominante sobre a renda nominal.
2. No longo prazo, a influência da moeda ocorre principalmente nos preços
e em outros valores nominais. No longo prazo, variáveis reais, como
produto e emprego, são determinadas por fatores reais, e não
monetários.
3. No curto prazo, a oferta de moeda influencia variáveis reais. A moeda é
o fator dominante que causa movimentos cíclicos no produto e no
emprego.
4. O setor privado é inerentemente estável. A instabilidade na economia
resulta essencialmente de políticas econômicas governamentais.
A principal conclusão de política econômica que decorre dessas
proposições é que a estabilidade do crescimento da oferta de moeda é
fundamental para a estabilidade da economia. Os monetaristas acreditam que
a melhor forma de atingir essa estabilidade é adotar uma regra para a política
monetária. Milton Friedman propôs por muito tempo uma regra de taxa
constante de crescimento da oferta de moeda. Em retrospectiva, porém, o
elemento crucial da concepção de Friedman é a preferência por regras para a
política monetária, em vez de deixá-la a critério dos formuladores de
políticas. A política monetária, ele costumava dizer, era “importante demais
para ser deixada para as autoridades dos bancos centrais”.
A primeira proposição monetarista é que o nível de atividade econômica
em unidades monetárias correntes é determinado principalmente pela oferta
de moeda. Um elemento importante nessa proposição é que ela considera que
a relação de causação seja essencialmente da moeda para a renda. De maneira
geral, supõe-se que mudanças na oferta de moeda causam mudanças na renda
nominal. O nível e a taxa de crescimento da oferta de moeda seriam
determinados basicamente pelo Banco Central.
A segunda proposição monetarista afirma que, no longo prazo, o nível de
atividade econômica medido em unidades monetárias reais não depende da
quantidade de moeda. No longo prazo, o produto real é determinado por
fatores reais como o estoque de bens de capital, o tamanho e a qualidade da
força de trabalho e o padrão tecnológico. Se, no longo prazo, o nível de
atividade econômica real não é afetado pela quantidade de moeda, ao passo
que o nível de atividade econômica em termos nominais é quase inteiramente
determinado pela oferta de moeda, segue-se que o efeito de longo prazo da
moeda incide sobre o nível de preços.
A terceira proposição diz que, no curto prazo, o produto e o emprego são
fortemente influenciados por mudanças na oferta de moeda. Os preços também
são influenciados, porém, no curto prazo, os preços, incluindo os salários
monetários (o preço do trabalho), não são perfeitamente flexíveis. Assim,
quando a quantidade de moeda muda, no curto prazo os preços não sofrem o
ajuste completo. O produto e o emprego também são afetados.
A quarta proposição monetarista afirma que o setor privado (firmas e
famílias) não é a fonte de instabilidade da economia. Nas palavras de um
monetarista, Karl Brunner, o setor privado é “essencialmente um processo
absorvedor de choques, estabilizador e autoajustável. A instabilidade é
produzida predominantemente pela ação do setor governamental”. O governo
causa instabilidade na economia primordialmente por permitir instabilidade
no crescimento da oferta de moeda, o principal determinante do nível de
atividade econômica. Na visão monetarista, o governo também pode
desestabilizar a economia ao interferir nos mecanismos normais de ajuste do
setor privado. Controles compulsórios de preços e salários são o exemplo
mais evidente de interferência governamental nessas propriedades de ajuste.
Outros exemplos são tetos para as taxas de juros, controles de aluguéis e leis
de salário mínimo.
Ao considerar essas proposições e conclusões de política econômica
monetaristas, é conveniente dividir a análise em duas partes. Primeiro, vamos
examinar as razões pelas quais os monetaristas atribuem tanta importância à
moeda (isto é, a base das proposições 1 e 3). Adiaremos até o Capítulo 10 a
discussão do que a política monetária não pode fazer, que é a base da
proposição 2. Embora a proposição 4 não seja individualmente examinada
aqui, ela será importante para a nossa análise.
9.2 A reformulação da teoria quantitativa da moeda
O primeiro estágio do desenvolvimento do monetarismo centrou-se na
redefinição da teoria quantitativa da moeda levando em conta a posição de
Keynes. Milton Friedman descreveu a teoria quantitativa clássica da seguinte
maneira:
Na teoria monetária, essa análise foi interpretada como significando
que, na equação quantitativa MV = PT, o termo referente à velocidade
poderia ser considerado muito estável, determinado independentemente
dos outros termos da equação e, como resultado, mudanças na
quantidade de moeda seriam refletidas nos preços ou na produção.1
Essa é a proposição 1 do monetarismo. (Observe-se que a velocidade
estável significa não só que mudanças em M causarão mudanças em PT, como
também que apenas mudanças em M podem mudar PT.)
A teoria quantitativa havia caído em descrédito, juntamente com o resto da
economia clássica, como resultado da Grande Depressão da década de 1930.
Friedman acreditava que os acontecimentos dessa década haviam sido
inadequadamente avaliados e, na verdade, não ofereciam evidências contra a
teoria quantitativa da moeda. Percebia, porém, a necessidade de reformular a
teoria quantitativa em termos que levassem em conta a contribuição de
Keynes. Seu objetivo era reafirmar a importância da moeda. Para entender
por que ele julgava essa reformulação necessária, vamos começar
examinando o papel (ou falta de papel) que alguns dos primeiros keynesianos
atribuíam à moeda como determinante da atividade econômica.
9.2.1 A moeda e os primeiros keynesianos
Nossa análise do sistema keynesiano deixou claro que, dentro desse
modelo, a moeda era um dos determinantes importantes da atividade
econômica. Mas a velocidade de circulação da moeda não era constante, nem
independentemente determinada; ela era determinada dentro do sistema.
Outros fatores além da moeda também podiam afetar o nível de atividade
econômica. Considere-se, por exemplo, a resposta do sistema a um aumento
nos gastos do governo, como é mostrado na Figura 9.1.
FIG 9.1 Efeitos de um aumento nos gastos do governo: a visão keynesiana
Um aumento nos gastos do governo desloca a curva IS para a direita. A taxa de juros e
o nível de equilíbrio da renda sobem. Como a oferta de moeda manteve-se inalterada
e a renda subiu, a velocidade da moeda, ou a proporção entre renda e moeda,
aumentou.
O aumento nos gastos do governo de G0 para G1 desloca a curva IS de
IS(G0) para IS(G1). A renda aumenta de Y0 para Y1 e a taxa de juros sobe de
r0 para r1. A oferta de moeda é mantida constante aqui, pressupondo-se que os
gastos aumentados do governo sejam financiados pela venda de títulos ao
público. O nível de renda mais alto produz um aumento na demanda por
moeda para transações. Para igualar novamente a demanda por moeda à oferta
de moeda que permaneceu inalterada, é preciso que a taxa de juros aumente.
Com a taxa de juros mais alta, a demanda especulativa por moeda declina e a
demanda por saldos de moeda para transações, para um dado nível de renda,
também cai. Assim, a mesma oferta de moeda pode ser compatível com um
nível de renda mais alto. Outra maneira de expressar essa conclusão é dizer
que a velocidade varia positivamente com a taxa de juros.
Como a velocidade é variável no sistema keynesiano, não há um nível
único de renda que corresponda a uma dada oferta de moeda. Não seria
sequer aproximadamente correto afirmar que, no curto prazo, a renda nominal
ou real é determinada unicamente pelo nível de oferta de moeda. Isso não
significa, porém, que os keynesianos não atribuam importância à moeda. A
quantidade de moeda é um dos principais determinantes da renda no sistema
keynesiano.
Muitos dos primeiros economistas keynesianos (por volta de 1945-1950),
no entanto, de fato acreditavam que a moeda tinha pouca importância. Essa
opinião baseava-se em juízos empíricos sobre a inclinação das curvas IS-LM,
que, como vimos em nossa análise do sistema keynesiano, é importante para
determinar a eficácia relativa das políticas fiscal e monetária. Influenciados
pela experiência da Depressão, eles acreditavam que a curva LM era muito
plana e a curva IS muito inclinada – a configuração que seria característica de
condições de depressão como as da década de 1930. A Depressão foi
caracterizada por baixos níveis de renda e da taxa de juros. Nesse nível baixo
da taxa de juros, a elasticidade da demanda por moeda seria alta, por razões
discutidas no Capítulo 6. Tal situação aproxima-se do caso da armadilha da
liquidez; a curva LM torna-se muito plana. Além disso, em condições de
depressão, os primeiros economistas keynesianos acreditavam que o
investimento seria relativamente inelástico em relação aos juros, tornando a
curva IS muito inclinada. Durante a Depressão, a taxa de utilização das
instalações e equipamentos existentes foi muito baixa. Os primeiros
economistas keynesianos acharam que, com tamanha capacidade excedente,
seria pouco provável que os investimentos reagissem muito a mudanças nas
taxas de juros.
A Figura 9.2 mostra essa configuração das curvas IS e LM e ilustra a
ineficácia de um aumento da quantidade de moeda que desloque a curva LM
de LM0 para LM1. Com a curva LM plana na região do ponto de equilíbrio,
uma dada mudança na oferta de moeda tem muito pouco efeito para reduzir a
taxa de juros, o primeiro elo na cadeia que conecta moeda e renda no modelo
keynesiano. Além disso, com uma curva IS muito inclinada, uma queda na taxa
de juros não aumentaria muito os investimentos. Essa combinação de uma
suposta alta elasticidade-juros da demanda por moeda e uma baixa
elasticidade-juros do investimento levou os primeiros economistas
keynesianos à conclusão de que a moeda não era importante.
Que papel havia para a política monetária? Durante a Segunda Guerra
Mundial, boa parte dos gastos de guerra tinha sido financiada pela venda de
títulos para o público à taxas de juros relativamente baixas. A manutenção de
taxas de juros baixas e estáveis para os títulos teria os efeitos desejáveis de
manter baixo o custo dos pagamentos de juros da dívida e proteger o valor de
capital dos títulos para os investidores (lembremos que os preços dos títulos e
as taxas de juros variam inversamente). Baixas taxas de juros também
significavam que, dentro de suas limitações, a política monetária daria toda a
contribuição possível para fortalecer a demanda agregada. Como os primeiros
economistas keynesianos temiam um retorno às condições de depressão da
década de 1930, essa era mais uma característica desejável das baixas taxas
de juros. Assim, taxas de juros baixas e estáveis tornaram-se a meta da
política monetária. Para alcançar essa meta, as autoridades monetárias
atuavam em cooperação com o Tesouro americano para fixar o nível das taxas
de juros.
FIG 9.2 Visão dos primeiros keynesianos sobre a ineficácia da política
monetária
Com a curva IS muito inclinada e acima da faixa em que a curva LM é quase
horizontal, um aumento na quantidade de moeda, que desloca a curva LM de LM0
para LM1, tem pouco efeito sobre a renda.
Outro elemento da visão dos primeiros keynesianos também tornava
desejável a fixação da taxa de juros. Seguindo Keynes, eles consideravam a
demanda por moeda altamente instável. A curva LM não só era plana (na faixa
relevante), como também deslocava-se de maneira imprevisível. Esses
deslocamentos levariam a uma instabilidade nos mercados financeiros que
poderia ser evitada fixando-se a taxa de juros.
No Capítulo 17, vamos examinar o processo pelo qual as autoridades
monetárias podem fixar a taxa de juros. Para nossos fins aqui, o ponto
importante é que, ao fazer isso, as autoridades monetárias perdem o controle
da oferta de moeda. As autoridades monetárias precisam ofertar qualquer
quantidade de moeda que seja necessária para produzir equilíbrio no mercado
monetário (e, portanto, no de títulos) à taxa de juros desejada. Para os
primeiros keynesianos, essa perda de controle da oferta de moeda não era
importante, uma vez que eles consideravam que a quantidade de moeda não
tinha importância.
9.2.2 A reformulação da teoria quantitativa por Friedman
Contrariando a ideia dos primeiros keynesianos, Friedman afirmou que a
demanda por moeda era estável. Opondo-se à caracterização da quasearmadilha da liquidez, Friedman argumentou que a elasticidade-juros da
demanda por moeda certamente não era infinita e, na verdade, era “bastante
pequena”. A quantidade de moeda, longe de ser desimportante, era a
influência dominante sobre o nível de atividade econômica.
PERSPECTIVAS 9.1 - A VISÃO MONETARISTA DA
GRANDE DEPRESSÃO
Tanto Friedman como os keynesianos concordam que a Grande Depressão da
década de 1930 levou ao descrédito as teorias clássicas, inclusive a teoria
quantitativa da moeda. Friedman, porém, acredita que os keynesianos
interpretaram erradamente as evidências fornecidas pela Depressão.
Friedman não nega que a experiência dos Estados Unidos e de outros países
industrializados na década de 1930 contradiz a visão clássica do mercado de
trabalho, em que o salário monetário ajusta-se rapidamente para manter o pleno
emprego. Mas Friedman acredita que os keynesianos erraram ao concluir que a
Depressão refutou a teoria quantitativa da moeda.
A Tabela 9.1 mostra o nível de vários agregados macroeconômicos em 1929, no
início da Depressão, comparados com seu nível em 1933, no ponto mais baixo de
queda. Pela tabela, vemos que o PNB nominal caiu 46,0% e o PNB real caiu
29,6%. O resto da queda do PNB nominal é explicado por uma redução do nível
agregado de preços. A coluna 3 mostra que a oferta de moeda estritamente
definida, M1 (moeda corrente mais depósitos a vista), caiu 26,5% entre 1929 e
1933. A medida M2 da oferta de moeda, uma medida mais ampla que inclui
outros depósitos bancários, caiu 33,3%.
Vemos que houve um grande declínio na oferta de moeda na Depressão, o que é
coerente com a teoria quantitativa. A velocidade da moeda também caiu, como é
evidenciado pelo maior declínio percentual da renda nominal em comparação com
a queda de qualquer uma das duas medidas de oferta de moeda. Mas os teóricos
quantitativistas esperariam esse resultado, uma vez que, durante a deflação da
Depressão, o valor da moeda (em termos de poder de compra) estava subindo.
Isso provavelmente aumentaria a demanda por moeda a uma dada renda nominal
e, portanto, reduziria a velocidade da moeda.
Os keynesianos contestam a explicação monetária da Depressão. Eles concordam
que, se o Federal Reserve tivesse conseguido evitar um declínio da oferta de
moeda durante o período de 1929.1933, a Depressão teria sido menos séria do
que foi. Consideram, porém, que as causas primárias da Depressão foram
declínios autônomos em vários componentes da demanda agregada: consumo,
investimentos e exportações, causados, por sua vez, por fatores como a quebra do
mercado de ações em 1929, o excesso de atividade no setor de construção no
final da década de 1920 e o colapso do sistema monetário internacional. Isso foi
chamado de hipótese dos gastos, em contraste com a hipótese monetária
proposta por Friedman e outros monetaristasa.
Tabela 9.1 - Agregados macroeconômicos selecionados (1929, 1933)
a Para a análise de Friedman, veja FRIEDMAN, Milton; SCHWARTZ, Anna J.
The great contraction. Princeton: Princeton University Press, 1965. Também
sobre o tema das causas da Grande Depressão, veja: TEMIN, Peter. Did
monetary forces cause the Great Depression? New York: Norton, 1976;
TEMIN, Peter. Lessons from the Great Depression. Cambridge: MIT Press,
1990.
As conclusões de Friedman apoiam-se em uma reformulação da teoria
quantitativa da moeda clássica. A versão de Friedman da teoria quantitativa é
mais próxima da abordagem de Cambridge que examinamos anteriormente.
Essa abordagem centrava-se na demanda por moeda. A relação central era:
expressando uma relação proporcional entre a demanda por moeda (Md) e o
nível de renda nominal [preço (P) vezes renda real (Y)]. O fator de
proporcionalidade (k) era considerado constante no curto prazo.
Friedman enfatiza que a teoria quantitativa era, como pode ser visto pela
equação (9.1), uma teoria da demanda por moeda. Como k era tratado como
uma constante pelos economistas de Cambridge e considerava-se que a oferta
nominal de moeda (M) fosse definida exogenamente pelas autoridades
monetárias, a equação de Cambridge pode ser transformada em uma teoria da
renda nominal,
ou a forma alternativa (em que V, a velocidade da moeda, é igual a 1/k).
onde a barra sobre o k ou o V indica que essas magnitudes não variam.
Friedman examinou as mudanças que deveriam ser feitas na teoria da
demanda por moeda de Cambridge à luz da teoria da demanda por moeda de
Keynes.
A teoria keynesiana da demanda por moeda enfatizava o papel da moeda
como um ativo além de seu papel em transações. Ao estudar os fatores que
determinavam quanta moeda as pessoas iriam reter, Keynes considerou fatores
que determinavam a desejabilidade da moeda em relação a outros ativos. Ele
fez a suposição simplificadora de que os outros ativos eram um grupo
suficientemente homogêneo para poder ser agrupados sob a categoria
“títulos”. Examinou, então, como um indivíduo alocava sua riqueza entre
moeda e títulos. Os principais fatores que, para ele, determinavam essa
divisão eram o nível de renda e o nível da taxa de juros. Em termos da
equação de Cambridge, Keynes centrou-se na taxa de juros como o
determinante primário de k, o montante de saldos monetários que uma pessoa
reteria para um dado nível de renda. Uma elevação da taxa de juros levava a
uma queda em k ou, de forma equivalente, a um aumento da velocidade de
circulação da moeda, como vimos na subseção anterior. Como k era uma
variável, e não uma constante, a equação de Cambridge não podia, por si só,
fornecer uma teoria da renda nominal.
Friedman aceitou a ênfase de Keynes no papel da moeda como um ativo.
Tendo isso como base, ele formulou sua própria teoria da demanda por
moeda. Também aqui a renda é um dos determinantes da demanda por moeda
e, como na análise de Keynes, podemos considerar que a análise de Friedman
fornece uma teoria dos fatores que determinam o k de Cambridge, os estoques
de moeda mantidos como proporção da renda nominal. A função demanda por
moeda de Friedman pode ser expressa como se segue:
onde P = nível de preços
Y = renda real
rB = taxa de juros nominal sobre títulos
rA = retorno nominal das ações
rD = retorno nominal dos bens duráveis
Considera-se que a demanda por moeda dependa da renda nominal, o
produto dos dois primeiros argumentos da função demanda. Um aumento da
renda nominal aumentaria a demanda por moeda. Para um dado nível de renda
nominal, Friedman considera, assim como Keynes, que a quantidade de moeda
demandada depende da taxa de retorno oferecida por ativos alternativos.
Estes são títulos (o ativo em que Keynes se centrou), ações (participação
acionária em firmas) e bens duráveis, como bens de consumo duráveis, terras
e imóveis. Bens duráveis não pagam uma taxa de juros explícita. Seu retorno é
o aumento esperado do preço do bem ao longo do período em que ele é
mantido. Portanto, a taxa esperada de inflação também é um determinante da
demanda por moeda. Um aumento na taxa de retorno de qualquer um desses
ativos alternativos faz a demanda por moeda declinar.
A teoria de Friedman difere da teoria de Keynes em vários aspectos.
Primeiro, Friedman considera que a função demanda por moeda é estável. A
concepção de Keynes era que a função demanda por moeda seria instável,
deslocando-se de acordo com as mudanças de confiança do público na
economia.
Segundo, Friedman não segmenta a demanda por moeda em componentes
que representam saldos para transações, demanda especulativa e demanda
precaucionária. A moeda, como outros “bens”, tem vários atributos que a
fazem útil, mas Friedman não acha que seja útil especificar demandas
separadas com base em cada um dos usos da moeda.
A terceira diferença entre as teorias da demanda por moeda de Friedman e
Keynes é que Friedman inclui rendimentos separados para títulos, ações e
bens duráveis. Keynes focalizou a escolha entre moeda ou títulos. Não está
claro se isso representa uma diferença substancial, pois o que Keynes chamou
de títulos pode ser interpretado de forma mais ampla para incluir pelo menos
as ações. Isso, no entanto, geralmente não acontece e a análise keynesiana tem
se concentrado estritamente na escolha entre moeda e títulos. Friedman
explicita a possibilidade de outras substituições e também admite um
deslocamento direto de moeda para mercadorias (bens duráveis) quando as
taxas de retorno mudam.
A teoria da demanda por moeda de Friedman pode ser usada para
reformular a equação de Cambridge como se segue:
onde, em lugar de um k constante, temos agora k expresso como uma função
das taxas de retorno dos ativos que são alternativas à retenção da moeda. Um
aumento na taxa de retorno de qualquer um desses ativos alternativos faria k
declinar, refletindo o aumento da desejabilidade do ativo alternativo. Nesses
termos, percebemos que Friedman reformulou a teoria quantitativa,
oferecendo uma explicação sistemática de k que leva em conta a análise
keynesiana do papel da moeda como um ativo.
Se essa é a teoria quantitativa reformulada, como caracterizaríamos um
teórico quantitativista moderno? Em que aspectos ele seria diferente de um
keynesiano? Na visão de Friedman, um teórico quantitativista acredita no
seguinte:
1. A função demanda por moeda é estável.
2. Essa função demanda desempenha um papel importante na determinação
do nível de atividade econômica.
3. A quantidade de moeda é fortemente afetada por fatores de oferta de
moeda.
Na versão de Friedman para a equação de Cambridge, a condição de
equilíbrio no mercado monetário é
Com uma função demanda por moeda estável, um aumento exógeno na
oferta de moeda ou deve levar a uma elevação em PY ou causar declínios em
rB, rA e rD (o que fará k aumentar) com efeitos indiretos sobre PY. Um teórico
quantitativista acredita que a função demanda por moeda é de fato estável; que
mudanças na oferta de moeda derivam principalmente do lado da oferta como
resultado de políticas do banco central; e, por fim, que mudanças na
quantidade de moeda são importantes para a determinação da renda nominal
(que boa parte do efeito de uma mudança em M reflete-se em uma mudança
em PY).
De que modo um teórico quantitativista difere de um keynesiano? A teoria
de Friedman discorda claramente da posição dos primeiros keynesianos. Os
primeiros keynesianos acreditavam que a função demanda por moeda era
instável; que a elasticidade-juros da demanda por moeda era extremamente
alta; e que, como consequência, mudanças na quantidade de moeda não tinham
efeitos previsíveis importantes sobre o nível de atividade econômica. Na
visão de Friedman, o teórico quantitativista acredita que a função demanda
por moeda é estável e que a quantidade de moeda é um determinante
importante do nível de atividade econômica. Além disso, Friedman acredita,
como veremos adiante, que a elasticidade-juros da demanda por moeda é
baixa.
E quanto às diferenças entre a teoria quantitativa e a posição keynesiana
moderna? Os keynesianos hoje acreditam que a política monetária é
importante. Eles creem que inovações no setor financeiro no período após
1980 lançaram dúvidas quanto à estabilidade da função demanda por moeda.
A corrida para a liquidez durante a crise financeira de 2007-2009 também
indica uma instabilidade na demanda por moeda. Quanto à elasticidade-juros
da demanda por moeda, as estimativas de keynesianos são mais altas do que
as sugeridas pelas pesquisas do próprio Friedman. De um modo geral, se um
teórico quantitativista ou monetarista tivesse de assinar embaixo apenas das
três proposições listadas por Friedman, as posições do keynesiano moderno e
da teoria quantitativa moderna difeririam, mas não o bastante para gerar
conclusões de política econômica fortemente distintas.
9.2.3 A posição monetarista de Friedman
Friedman, porém, usou sua reformulação da teoria quantitativa para
desenvolver uma posição monetarista forte que de fato apresenta diferenças
nítidas em relação à posição keynesiana.
A posição monetarista de Friedman estende a teoria quantitativa de uma
teoria da demanda por moeda para uma teoria da renda nominal. Vimos como
os teóricos quantitativistas de Cambridge estenderam a teoria quantitativa
usando o pressuposto de um k constante [veja a equação (9.1) ou (9.3)].
Friedman ressalta que sua versão da teoria quantitativa também pode ser
transformada em uma teoria da renda nominal se as outras variáveis em sua
função demanda por moeda [equação (9.4)] além da renda nominal (rB, rA, rD)
tiverem pouco efeito sobre a demanda por moeda. Sendo esse o caso, essas
variáveis terão pouco efeito sobre k. A retenção de moeda como uma
proporção da renda (k) será praticamente constante. Como Friedman não
acredita que a demanda por moeda seja completamente independente dessas
taxas de retorno, a teoria da renda nominal que resulta da suposição de que k
seja constante será apenas uma aproximação. Mas qualquer teoria é apenas
aproximada. Friedman e outros fizeram trabalhos empíricos que os
convencem de que essa posição monetarista forte, que pode ser expressa
como
é uma aproximação melhor do que a dada por representações simples da
concepção keynesiana. Essa posição monetarista é necessária para afirmações
de Friedman como “eu vejo como um exagero a descrição de nossa posição
como ‘a moeda é tudo que importa para explicar mudanças na renda nominal
e mudanças de curto prazo na renda real’, mas ela dá o tom certo para nossas
conclusões”; ou “mudanças apreciáveis na taxa de crescimento do estoque de
moeda são uma condição necessária e suficiente para mudanças apreciáveis
na taxa de crescimento da renda monetária”.2
FIG 9.3 IS-LM: uma versão monetarista
Na visão monetarista, a curva IS é bastante plana, refletindo uma alta elasticidadejuros da demanda agregada. A curva LM é quase vertical, refletindo uma elasticidadejuros muito baixa da demanda por moeda.
É interessante representar a posição monetarista em termos do diagrama
IS-LM e do modelo oferta agregada-demanda agregada usados para explicar a
posição keynesiana. Na Figura 9.3, traçamos as curvas IS-LM como os
monetaristas o fariam. A curva LM é quase, mas não totalmente, vertical,
refletindo a visão de Friedman de que a elasticidade-juros da demanda por
moeda é baixa.
Outra divergência em relação à posição keynesiana refere-se à inclinação
da curva IS. Aqui, uma curva IS mais plana é coerente com a posição
monetarista de que a demanda agregada é bastante sensível a mudanças na
taxa de juros. Os keynesianos modernos também acreditam que a taxa de juros
afeta a demanda agregada e não postulariam que a curva IS devesse ser tão
vertical quanto a que traçamos para o modelo dos primeiros keynesianos
(Figura 9.2). A diferença entre os keynesianos modernos e os monetaristas
quanto a este ponto é de grau. Os monetaristas afirmam que os keynesianos
restringem a influência da taxa de juros sobre a demanda agregada ao efeito
sobre o investimento causado por uma mudança no custo dos empréstimos. Os
monetaristas acham que essa é uma interpretação muito limitada dos efeitos
das taxas de juros, que resulta da tendência dos keynesianos a pensar em
“títulos” como uma classe de ativos financeiros e não como um conjunto de
todos os ativos fora a moeda.
Em sua teoria da demanda por moeda, Friedman não agrupou todos os
ativos não-monetários em uma única categoria. Ele considerou separadamente
títulos, ações e bens duráveis. Os monetaristas acreditam que, se uma
mudança na taxa de juros representa realmente uma mudança em todas essas
taxas de retorno, seus efeitos vão além dos efeitos de uma mudança nos custos
de empréstimos para as firmas que compram bens de investimento. Além
disso, uma mudança na taxa de juros significa também uma mudança nos
preços das ações privadas e no retorno previsto de imóveis e de bens
duráveis. Os monetaristas acreditam que a taxa de juros desempenha um papel
mais importante na determinação da demanda agregada do que lhe era
atribuído no modelo keynesiano.
A Figura 9.3 ilustra diversas características da visão monetarista, mas é
deficiente em um aspecto. As curvas IS-LM por si só mostram como o PNB
real e a taxa de juros são determinados, com o nível de preços mantido
constante. Um nível de preços constante não é um pressuposto dos
monetaristas. A Figura 9.4 mostra a visão monetarista no modelo oferta
agregada-demanda agregada de capítulos anteriores.
FIG 9.4 Oferta e demanda agregadas: a visão monetarista
Na visão monetarista, a posição da curva de demanda agregada é determinada pela
oferta de moeda. Aumentos na oferta de moeda de M0 para M1, depois para M2,
deslocam a curva de demanda agregada de Yd(M0) para Yd(M1), depois para Yd(M2).
Três posições da curva de demanda agregada são mostradas no gráfico,
d
d
0 ), Y (M1) e Y (M2), correspondentes a três valores da oferta de moeda,
M0, M1 e M2. A posição monetarista pode ser representada como uma
afirmação de que mudanças em M são necessárias para que ocorram
deslocamentos significativos da curva de demanda agregada. A moeda é a
única influência sistemática importante sobre a demanda agregada.
Resta responder à questão sobre o que determina a oferta agregada. As
variáveis reais que determinam a posição da curva de oferta agregada
determinarão, na visão monetarista, o nível de produto real no longo prazo
(veja a proposição 2). Há também a questão da inclinação da curva de oferta
agregada e, consequentemente, das proporções de um aumento da renda
nominal induzido pela moeda que levam a um aumento do produto e dos
preços, respectivamente. Estas são as questões centrais do próximo capítulo.
Yd(M
9.3 Política fiscal e monetária
9.3.1 Política fiscal
Os modelos monetarista e keynesiano produzem conclusões bastante
diferentes sobre a eficácia de mudanças de política fiscal. A visão
monetarista sobre a eficácia da política fiscal foi expressa por Milton
Friedman como se segue: “Chego ao ponto principal: em minha opinião, o
estado do orçamento por si não tem nenhum efeito significativo sobre o curso
da renda nominal, sobre a deflação ou sobre flutuações cíclicas”.3 Com
referência à proposição keynesiana de que a política fiscal era eficaz,
Friedman escreveu: “Os ‘monetaristas’ rejeitaram essa proposição e
afirmaram que a política fiscal por si é, em grande medida, ineficaz e que o
importante é o que acontece com a quantidade de moeda”.4
Quando Friedman discute os efeitos independentes da política fiscal, que é
o tema em questão, ele se refere aos efeitos de mudanças no orçamento
governamental mantendo constante a quantidade de moeda. Consideremos
um aumento nos gastos do governo. Se as alíquotas tributárias não forem
alteradas, o que tem sido nosso pressuposto habitual quando consideramos
uma mudança de política fiscal por vez, o novo gasto precisa ser financiado
pela emissão de moeda ou pela venda de títulos. Similarmente, no caso de
uma redução nos impostos, para que os gastos se mantenham inalterados é
preciso que as receitas tributárias perdidas sejam substituídas por vendas de
títulos ao público ou pela emissão de moeda.
Se um corte nos impostos ou um aumento dos gastos for financiado pela
emissão de mais moeda, temos uma ação de política monetária (M aumenta) e
uma ação de política fiscal (G aumenta ou T cai). Em termos do modelo ISLM, ambas as curvas IS e LM deslocam-se. Os monetaristas não afirmam que
esse tipo de mudança de política econômica será ineficaz; o que afirmam é
que o efeito da política ocorrerá principalmente porque a oferta de moeda se
altera. A controvérsia é quanto ao que Friedman chama de efeito de uma
mudança no orçamento federal por si, isto é, sem uma mudança concomitante
na quantidade de moeda. Isso significa, no caso de um corte de impostos ou de
um aumento dos gastos, que o déficit criado por essas ações seria
completamente financiado pela venda de títulos ao público. A posição
monetarista é que tais ações de política econômica terão pouco efeito
sistemático sobre a renda nominal (preços ou produto real).
FIG 9.5 Efeitos de um aumento nos gastos do governo: o caso monetarista
Um aumento nos gastos do governo desloca a curva IS de IS0 para IS1. Com a curva
IS relativamente plana e a curva LM quase vertical, essa ação de política fiscal tem
pouco efeito sobre a renda (Y sobe apenas de Y0 para Y1).
As razões pelas quais os monetaristas chegam a essa conclusão podem ser
vistas na Figura 9.5. Nela consideramos os efeitos de um aumento nos gastos
do governo quando aceitamos os pressupostos monetaristas sobre a inclinação
das curvas IS e LM. Um aumento nos gastos do governo de G0 para G1
desloca a curva IS para a direita, de IS0 para IS1. O efeito do aumento nos
gastos do governo no caso monetarista é produzir uma elevação da taxa de
juros (de r0 para r1). O nível de renda altera-se muito pouco (de Y0 para Y1).
Por quê?
A explicação já foi oferecida na discussão sobre como a eficácia relativa
das políticas monetária e fiscal depende da inclinação das curvas IS e LM, em
particular de como se considera ser a elasticidade-juros da demanda por
moeda e da demanda por investimento. Os monetaristas acham que a
elasticidade-juros da demanda por moeda é pequena; a curva LM é bastante
inclinada. O aumento nos gastos do governo aumenta inicialmente a demanda
agregada. Conforme a renda começa a subir, a demanda por saldos para
transações aumenta. Com a oferta de moeda fixa, esse aumento produz uma
pressão de alta sobre a taxa de juros, que sobe até que a oferta e a demanda
por moeda sejam novamente iguais. Se a demanda por moeda for inelástica
em relação aos juros, é necessário um grande aumento na taxa de juros para
reequilibrar a demanda por moeda, com a oferta de moeda fixa.
A curva IS é relativamente plana na visão monetarista. A demanda por
investimento é muito sensível a mudanças na taxa de juros. Portanto, a
elevação da taxa de juros necessária para manter o mercado monetário em
equilíbrio fará com que a demanda agregada do setor privado diminua
substancialmente quando os gastos governamentais começam a estimular a
renda. Essa redução na demanda agregada do setor privado é o que chamamos
no Capítulo 4 de crowding out, ou efeito deslocamento.
9.3.2 Política monetária
Tanto os monetaristas como os keynesianos modernos acreditam que ações
de política monetária têm efeitos substanciais e sustentados sobre a renda
nominal. Os primeiros keynesianos, como vimos, duvidavam da eficácia da
política monetária. A diferença hoje entre keynesianos e monetaristas a
respeito de políticas monetárias não está em se a política monetária pode ou
não afetar a renda, mas em como a política monetária deve ser usada para
estabilizar a renda.
9.3.2.1 A posição monetarista
Os monetaristas acreditam que mudanças na quantidade de moeda são a
influência dominante sobre as alterações da renda nominal e, no curto prazo,
também sobre as alterações da renda real. Disso decorre que a estabilidade
no comportamento da oferta de moeda seria muito importante para produzir
estabilidade no crescimento da renda. Friedman atribui a maior parte da
instabilidade passada no crescimento da renda a um crescimento instável da
oferta de moeda. Devido à importância da moeda e ao que Friedman vê como
erros passados na administração da moeda, sua posição sobre políticas
monetárias foi, por muito tempo, a seguinte:
Minha própria prescrição ainda é que as autoridades monetárias façam
todo o possível para evitar tais oscilações, adotando publicamente a
política de obter uma taxa de crescimento específica em um estoque
monetário específico. O valor preciso da taxa de crescimento, assim
como do estoque monetário, são menos importantes do que a adoção de
uma taxa definida e conhecida.5
Hoje, alguns monetaristas propõem regras alternativas para a política
monetária que são menos inflexíveis do que a regra da taxa constante de
crescimento da moeda de Friedman. As razões para essas alternativas são
examinadas na seção 9.4. O elemento comum nas propostas monetaristas,
porém, é que a política monetária deve ser determinada por uma regra e não
deixada ao livre arbítrio dos formuladores de políticas.
Aceitando-se o raciocínio de que as coisas correrão bem com uma regra de
política monetária, ainda persiste a questão: Por que, então, não procurar o
melhor? Por que não usar a política monetária para compensar até mesmo
pequenos choques que afetem a renda? A resposta de Friedman é,
“Simplesmente não sabemos o suficiente para ser capazes de reconhecer
perturbações menores quando elas ocorrem ou para ser capazes de prever
com alguma precisão quais serão seus efeitos ou qual política monetária é
necessária para compensar seus efeitos”.6 Friedman e outros monetaristas
acreditam que mudanças na oferta de moeda terão um efeito forte sobre a
renda, mas que há alguma defasagem, com o efeito mais intenso ocorrendo
apenas depois de 6 a 18 meses. Assim, para compensar um pequeno choque, é
preciso ser capaz de prever seu tamanho e quando ele afetará a economia com
muito tempo de antecedência. Friedman e outros monetaristas não acham que
tenhamos conhecimento suficiente para isso. Citando novamente Friedman:
“Diz um ditado que o melhor é muitas vezes inimigo do bom, o que parece
muito relevante. A meta de um grau extremamente alto de estabilidade
econômica é, sem dúvida, esplêndida; nossa capacidade de alcançá-la,
porém, é limitada”.7
9.3.2.2 Contraste com os keynesianos
Os keynesianos acreditam que tanto a política monetária como a fiscal
devem ser ativamente ajustadas para compensar choques à economia. Franco
Modigliani, um importante keynesiano, expressou essa noção (que ele
caracterizou como não-monetarista) como se segue:
Os não-monetaristas aceitam o que julgo ser a mensagem prática
fundamental de The General Theory: que uma economia de iniciativa
privada usando uma moeda intangível precisa ser estabilizada, pode ser
estabilizada e, portanto, deve ser estabilizada por meio das políticas
monetária e fiscal adequadas.8
Os keynesianos defendem ações discricionárias ativas tanto de política
monetária como de política fiscal. Eles se opõem às regras de taxa de
crescimento da moeda.
A primeira explicação para essas visões divergentes é a discordância entre
monetaristas e keynesianos quanto à necessidade de políticas de estabilização
ativas. Enquanto os monetaristas veem o setor privado como estável e capaz
de absorver choques, os keynesianos percebem o setor privado como produtor
de choques e instável. Isso não significa que os keynesianos acreditem que,
sem políticas de estabilização governamentais, enfrentaríamos constantes
depressões e hiperinflações, mas sim que os choques resultariam em desvios
substanciais e prolongados das condições de pleno emprego e estabilidade de
preços.
Uma segunda fonte de divergências entre monetaristas e keynesianos
também está evidente na afirmação de Modigliani. Ele acredita que podemos
estabilizar a economia. Podemos prever choques que atingirão a economia e
formular políticas para combatê-los. Haverá erros, sem dúvida, mas essas
políticas, de modo geral, resultarão em um desempenho econômico mais
estável do que teríamos com simples regras de política econômica.
9.4 Velocidade instável e o declínio da influência do
monetarismo sobre as políticas econômicas
O ápice da influência monetarista sobre as políticas econômicas aconteceu
no final da década de 1970. Em outubro de 1979, o Federal Reserve
americano deu início ao que foi chamado de sua experiência monetarista:
uma tentativa de assumir o controle da oferta de moeda para conter a
aceleração da taxa de inflação. Também em 1979, a administração Thatcher
subiu ao poder no Reino Unido e adotou uma política monetária que seguia
linhas monetaristas. No período pós-1980, porém, a influência dos
monetaristas diminuiu, à medida que a relação moeda-renda começou a
apresentar crescente instabilidade.
FIG 9.6 Velocidade M1 (1979-2005)
9.4.1 Instabilidade recente na relação moeda-renda
A Figura 9.6 mostra a velocidade da medida M1 da oferta de moeda para
cada ano de 1979 a 2005 nos Estados Unidos. Na visão monetarista,
mudanças na velocidade deveriam ser um fator menor na explicação do
comportamento cíclico do PIB nominal. Se a oferta de moeda e o PIB nominal
movem-se praticamente juntos, a velocidade, que é a razão entre os dois
(PY/M), deveria ser estável. A Figura 9.6 indica, no entanto, que a velocidade
esteve sujeita a considerável instabilidade após 1980. São especialmente
dignos de nota os fortes declínios da velocidade nos períodos de 1985-1987 e
1989-1993 e, depois, o aumento pronunciado da velocidade entre 1994 e
2001.
9.4.2 Reação monetarista
Devido à instabilidade da relação moeda-renda, a revista The Economist
indagou, em 1986: “Será este o ano em que o monetarismo desaparece?” Os
dados do período pós-1980 levaram os monetaristas a reconsiderar sua
posição em algumas áreas, mas não a mudar suas concepções fundamentais.
A instabilidade da velocidade levou muitos monetaristas a defender regras
mais flexíveis para o crescimento da moeda do que a regra da taxa constante
de crescimento da moeda de Friedman. Alguns deixaram de apoiar regras
para a taxa de crescimento da moeda em favor de regras voltadas diretamente
à taxa de inflação. Essas regras serão discutidas no Capítulo 17. Outros
monetaristas continuam a apoiar Friedman, que conclui que “o resumo disso é
que continuo convencido de um princípio fundamental do monetarismo: a
moeda é importante demais para ser deixada a cargo das autoridades de
bancos centrais”.9 Friedman manteve-se firme no apoio à sua regra, tendo
escrito em 2003 que “Ainda acredito… que o crescimento constante da moeda
produziria uma trajetória de preços altamente satisfatória e, se permitisse que
nos livrássemos do Federal Reserve System, esse ganho compensaria o
sacrifício de outros avanços que uma regra mais sofisticada pudesse
produzir”.10
Conclusão
Neste capítulo, examinamos a crença monetarista na importância da moeda.
De acordo com a posição monetarista, a moeda é o principal determinante da
renda nominal. Essa posição contrasta com a visão keynesiana moderna de
que a moeda é uma das diversas variáveis com efeitos importantes sobre a
renda. Essas posições diferentes quanto à importância da moeda levam os
monetaristas e keynesianos a conclusões diversas sobre as políticas
econômicas.
Dada a redução da influência do monetarismo sobre as políticas
econômicas, pode causar surpresa que um economista não-monetarista,
Bradford De Long, tenha escrito, em 2000, um artigo com o título “The
Triumph of Monetarism”. Também poderia ser motivo de espanto que Ben
Bernanke, outro não-monetarista e, na época, membro da diretoria do Federal
Reserve, tenha escrito em 2003: “O modelo monetarista de Friedman foi tão
influente que, pelo menos em suas linhas gerais, tornou-se quase idêntico à
teoria e à prática monetárias modernas”.11
Mas os aspectos centrais do modelo de Milton Friedman de fato tornaramse parte do senso comum sobre políticas monetárias, ainda que
recomendações de política específicas dos monetaristas tenham perdido
influência. Políticas monetárias baseadas em regras ganharam popularidade
entre economistas acadêmicos e autoridades de bancos centrais. O papel
dominante da política monetária na determinação da inflação foi amplamente
aceito. As concepções de Friedman sobre as limitações de políticas de
estabilização também permanecem fortemente influentes.
Por fim, a pesquisa de Friedman sobre fatores monetários e financeiros na
Grande Depressão teve uma influência pessoal direta sobre Ben Bernanke,
que viria a liderar a resposta do Federal Reserve à crise financeira de 200709. Em uma conferência em 2003, Bernanke reconheceu a responsabilidade
do Federal Reserve pela contração monetária de 1929-33 e disse a Friedman:
“Não voltaremos a fazer isso”. Bernanke, durante sua carreira acadêmica,
havia estudado atentamente a Grande Depressão, inclusive a interpretação de
Friedman para os eventos. Ele utilizou as lições aprendidas na formulação de
políticas inovadoras para evitar uma repetição desses eventos.
Questões de revisão
1. Compare as concepções keynesiana e monetarista sobre a determinação da
velocidade da moeda. Como suas visões divergentes sobre a velocidade
afetam as respectivas conclusões sobre políticas econômicas?
2. Por que os primeiros economistas keynesianos eram tão pessimistas
quanto à eficácia da política monetária?
3. Compare a formulação da função demanda por moeda de Milton Friedman
com a especificação keynesiana da mesma função examinada em capítulos
anteriores.
4. Mostre como são as curvas IS e LM na visão monetarista. Use essas
curvas para ilustrar as conclusões monetaristas sobre a eficácia relativa
das políticas monetária e fiscal.
5. Compare as concepções monetarista e keynesiana sobre a conduta
adequada de política fiscal. Para monetaristas e keynesianos, explique não
só as conclusões a que eles chegam quanto à política fiscal, mas também
como essas conclusões relacionam-se às respectivas teorias.
6. Compare as concepções monetarista e keynesiana moderna sobre a
conduta adequada da política monetária. Para monetaristas e keynesianos,
explique não só as conclusões a que eles chegam quanto à política
monetária, mas também como essas conclusões relacionam-se às
respectivas teorias.
7. Analise os efeitos de uma redução dos impostos de T0 para T1 no modelo
monetarista. Em sua resposta, não esqueça de levar em conta o
financiamento do déficit resultante da redução da arrecadação tributária.
Como os níveis de equilíbrio da renda e da taxa de juros são afetados pelo
corte nos impostos?
CAPÍTULO 10
Produto, inflação e desemprego: visões alternativas
Neste capítulo, vamos examinar visões alternativas sobre a relação entre
os níveis de produto e desemprego e a taxa de inflação. No Capítulo 1, vimos
que, no período de 1953-1969, houve uma relação negativa entre desemprego
e inflação (Figura 1.5a), mas a relação entre essas duas variáveis depois de
1970 era muito menos clara (Figura 1.5b). Algumas explicações para a
mudança dessa relação serão apresentadas neste capítulo, começando pela
teoria da taxa natural de desemprego de Milton Friedman. Examinaremos
também visões keynesianas sobre o trade-off produto-inflação, incluindo o
conceito de taxa natural de Friedman. Por fim, veremos como o pensamento
sobre a taxa natural de desemprego variou ao longo dos 45 anos desde que
Friedman apresentou o conceito e avaliaremos a relevância atual do conceito.
10.1 A teoria da taxa natural
A teoria das taxas naturais de desemprego e produto foi desenvolvida por
Milton Friedman como parte do sistema monetarista. A teoria foi
desenvolvida independentemente por Edmund Phelps, fora do monetarismo.1
Hoje, a teoria da taxa natural é central na questão das relações de longo prazo
entre produto, desemprego e inflação, que precisam ser abordadas por
qualquer sistema macroeconômico. Vamos começar pela formulação de
Friedman.
No Capítulo 9, analisamos a proposição monetarista de que mudanças de
curto prazo na oferta de moeda são o determinante primário de flutuações no
produto e no emprego. No entanto, os monetaristas põem uma limitação nos
efeitos reais de mudanças na oferta de moeda, conforme expresso na segunda
das proposições monetaristas apresentadas no Capítulo 9.
No longo prazo, a influência da moeda é basicamente sobre o nível de
preços e outras magnitudes nominais. No longo prazo, variáveis reais, como
produto e emprego reais, são determinadas por fatores reais e não monetários.
A base dessa proposição é a teoria das taxas naturais de desemprego e
produto desenvolvida por Milton Friedman.
De acordo com a teoria da taxa natural, existe um nível de equilíbrio do
produto e uma taxa de emprego a ele associada, determinados pela oferta de
fatores de produção, tecnologia e instituições da economia (isto é,
determinados por fatores reais). Essa é a taxa natural de Friedman. Mudanças
na demanda agregada, que Friedman acredita serem dominadas por mudanças
na oferta de moeda, causariam movimentos temporários da economia,
afastando-a da taxa natural. Políticas monetárias expansionistas, por exemplo,
movem o produto para cima da taxa natural e a taxa de desemprego para baixo
da taxa natural por algum tempo. O aumento da demanda resultante de tal
política expansionista também levaria a uma elevação de preços. No curto
prazo, o ajuste dos preços não seria completo, como na teoria clássica, em
que aumentos na demanda causam elevação nos preços, mas não afetam o
produto.
Friedman acredita que, ao longo de um período mais amplo, forças de
equilíbrio fazem os níveis de produto e emprego retornarem a sua taxa natural.
Não é possível, na visão de Friedman, o governo usar uma política monetária
para manter a economia permanentemente em um nível de produto que segure
a taxa de desemprego abaixo da taxa natural; pelo menos não é possível para
os formuladores de políticas, a menos que estejam dispostos a aceitar uma
taxa de inflação em aceleração contínua. A taxa natural de desemprego é
definida por Friedman como a taxa de desemprego “que tem a propriedade de
ser consistente com o equilíbrio na estrutura de salários reais”.2 Assim, a taxa
natural de desemprego, ou a taxa natural de emprego correspondente, será
aquela em que, a um salário real de equilíbrio, a demanda por mão de obra é
igual à oferta de mão de obra, como mostra a Figura 10.1a.
A curva de demanda por trabalho na parte a da figura é a já conhecida
curva do produto marginal do trabalho (PMgN). Em N*, a taxa natural de
emprego, a demanda por trabalho é igual à oferta de trabalho, ponto em que,
ao desenhar a curva de oferta de trabalho, Ns[W/(Pe = P)], estipulamos que o
nível de preços esperado pelos ofertantes de trabalho é igual ao nível de
preço efetivo (Pe = P). Apenas nesse nível de emprego não há nenhuma
tendência de mudança no salário real. A demanda e a oferta de trabalho são
equivalentes. Além disso, os ofertantes de mão de obra têm uma expectativa
correta quanto ao nível de preços. Se este não fosse o caso, haveria uma
tendência de mudança da oferta de trabalho quando os trabalhadores
percebessem que suas expectativas estavam erradas.
A taxa natural de desemprego pode ser encontrada simplesmente
subtraindo os trabalhadores empregados da força de trabalho total para
encontrar o número de desempregados e, então, expressando esse número
como uma porcentagem da força de trabalho total. Usando a função produção
da Figura 10.1b, podemos encontrar o nível de produto que resultará de um
nível de emprego N*. Essa é a taxa natural de produto, Y*.
Taxas naturais de desemprego e
produto
São determinadas por fatores do lado da
oferta reais: o estoque de capital, o
tamanho da força de trabalho e o nível de
tecnologia.
FIG 10.1 Taxas naturais de emprego e produto
Na parte a, a taxa natural de emprego (N*) é determinada no ponto em que a oferta de
trabalho é igual à demanda por trabalho, quando os ofertantes de trabalho avaliam
corretamente o nível de preço (Pe = P). A taxa natural do produto (Y*) é determinada
na parte b, na função produção.
A Figura 10.1 mostra que as taxas naturais de produto e emprego dependem
da oferta de fatores de produção e da tecnologia da economia – fatores do
lado da oferta. As taxas naturais de produto e emprego não dependem do
nível de demanda agregada. Tudo isso é praticamente igual ao sistema
clássico; a diferença entre Friedman e os economistas clássicos é que a teoria
de Friedman não pressupõe que a economia se encontre necessariamente
nesses níveis naturais de emprego e produto no curto prazo.
Como no modelo keynesiano, no modelo de Friedman os ofertantes de
trabalho não conhecem o salário real. Eles precisam basear suas decisões de
oferta de trabalho no salário real esperado (W/Pe). Portanto, no curto prazo, a
oferta de trabalho pode não ser dada pela curva de oferta da Figura 10.1a; Pe
pode não ser igual a P. Nesse caso, o emprego e, portanto, o produto não
estarão em suas taxas naturais.
10.2 Política monetária, produto e inflação: a visão
monetarista de Friedman
Para entender por que Friedman acredita que produto e emprego divergem
de suas taxas naturais temporariamente, mas acabarão convergindo para elas,
vamos examinar a análise de Friedman para as consequências de curto e longo
prazo de um aumento na taxa de crescimento da oferta de moeda.
10.2.1 Política monetária no curto prazo
Vamos começar por uma situação em que a economia esteja na taxa natural
de desemprego e produto. Suporemos também que a oferta de moeda (e,
portanto, a renda nominal) venha crescendo a uma taxa igual à taxa de
crescimento do produto real. Assim, pressupõe-se que o nível de preços
venha se mantendo estável há algum tempo. Suponhamos agora que a taxa de
crescimento da oferta de moeda aumente para além da taxa compatível com a
estabilidade de preços. Para ter uma imagem mais concreta, vamos imaginar
que a taxa de crescimento da oferta de moeda suba de 3% para 5%.
O aumento da taxa de crescimento da oferta de moeda estimulará a
demanda agregada e, como consequência, a renda nominal. As consequências
de curto prazo desse aumento na demanda agregada são descritas por
Friedman como se segue:
Para começar, muito, ou a maior parte, da elevação da renda assumirá a
forma de um aumento no produto e no emprego, mas não nos preços. As
pessoas vinham esperando preços estáveis, e os preços e salários foram
definidos para um certo tempo futuro com base nisso. Leva algum tempo
para que as pessoas se ajustem a um novo estado da demanda. Os
produtores tenderão a reagir à expansão inicial da demanda agregada
aumentando a produção; os empregados, trabalhando mais horas; e os
desempregados, agora aceitando trabalhos oferecidos a salários
nominais anteriores. Isso é basicamente a doutrina padrão.3
A doutrina padrão a que Friedman se refere é a curva de Phillips. A curva
de Phillips é uma relação negativa entre a taxa de desemprego (U) e a taxa de
inflação (P), conforme representado na Figura 10.2. Altas taxas de
crescimento da demanda agregada estimulam a produção e, assim, baixam a
taxa de desemprego. Essas altas taxas de crescimento da demanda também
produzem um aumento na taxa de crescimento dos preços (isto é, elevam a
taxa de inflação). Assim, a curva de Phillips postula um trade-off entre
inflação e desemprego; taxas mais baixas de desemprego podem ser obtidas,
mas apenas ao custo de taxas de inflação mais elevadas.4 Friedman está de
acordo com essa ideia de um trade-off entre inflação e desemprego no curto
prazo.
Curva de Phillips
É a curva que mostra a relação entre as
taxas de desemprego e de inflação.
10.2.2 Política monetária no longo prazo
O elemento distintivo na análise de Friedman é sua visão dos efeitos de
longo prazo da política monetária. É aqui que a noção da taxa natural de
desemprego entra em cena. Acabamos de examinar os efeitos de curto prazo
de um aumento na taxa de crescimento da oferta de moeda de 3% para 5%. De
acordo com a Figura 10.2, o equilíbrio original tinha preços estáveis (P = 0) e
desemprego igual à taxa natural, considerada como sendo 6% (ponto A na
Figura 10.2). Consideramos que, como resultado de um aumento da taxa de
crescimento da oferta de moeda, a economia move-se para um novo equilíbrio
de curto prazo, com o desemprego reduzido para 4% e uma taxa de inflação
de 2% (ponto B na Figura 10.2). A política de expansão da demanda agregada
reduz a taxa de desemprego para um nível abaixo da taxa natural.
FIG 10.2 A curva de Phillips
No curto prazo, um aumento da taxa de crescimento da oferta de moeda move a
economia do ponto A para o ponto B ao longo da curva de Phillips de curto prazo. O
desemprego diminui e a inflação sobe.
Friedman aceita esse resultado:
Mas isso descreve apenas os efeitos iniciais. Como os preços de venda
dos produtos costumam reagir a uma elevação imprevista da demanda
nominal mais depressa do que os preços dos fatores de produção, os
salários reais recebidos baixaram – embora os salários reais esperados
pelos empregados tenham subido, uma vez que os empregados avaliaram
implicitamente os salários oferecidos em relação ao nível de preços
anterior. Na verdade, a simultânea queda ex post dos salários reais para
os empregadores e elevação ex ante para os empregados é o que
possibilitou o aumento do emprego. Mas o declínio ex post dos salários
reais logo passará a afetar as expectativas. Os empregados começarão a
perceber os preços crescentes das coisas que eles compram e a exigir
salários nominais mais altos para o futuro. O desemprego de “mercado”
está abaixo do nível natural. Há um excesso de demanda por trabalho,
assim os salários reais tenderão a subir em direção a seu nível inicial.5
Friedman ressalta que, no curto prazo, os preços dos produtos aumentam
mais depressa que os preços dos fatores de produção, sendo que o preço de
fator crucial é o salário monetário. Assim, o salário real (W/P) cai. Essa é
uma condição necessária para que o produto cresça, porque as firmas
precisam estar na curva de demanda por trabalho mostrada na Figura 10.1. As
firmas só expandem o emprego e a produção com um declínio do salário real.
Friedman não afirma que os trabalhadores estão sempre na curva de oferta
de trabalho mostrada na Figura 10.1. Essa curva expressa a oferta de trabalho
como uma função do salário real efetivo e Friedman não pressupõe que os
trabalhadores conheçam o salário real. No curto prazo, após um período de
preços estáveis, pressupõe-se que os trabalhadores avaliem as ofertas de
salário nominal de acordo com “o nível de preços anterior”. Embora os
preços tenham subido, os trabalhadores ainda não perceberam isso e
aumentarão a oferta de mão de obra se lhes for oferecido um salário
monetário mais alto, mesmo que esse aumento do salário monetário seja
menor que o aumento do nível de preços, ou seja, mesmo que o salário real
seja mais baixo. No curto prazo, a oferta de trabalho aumenta, porque o
salário real ex ante (ou esperado) é mais alto como resultado do salário
nominal mais alto e da percepção inalterada do comportamento dos preços. A
demanda por mão de obra aumenta devido à queda do salário ex post
(efetivo) pago pelo empregador. Em consequência, o desemprego pode ser
levado para baixo da taxa natural.
Essa situação é temporária, pois os trabalhadores acabam por observar o
nível de preços mais alto e demandar salários monetários mais elevados. Em
termos da Figura 10.1, o salário real foi empurrado para baixo de (W/P)*, o
salário que equilibra o mercado de trabalho depois que os ofertantes de mão
de obra percebem corretamente o nível de preços e, portanto, o salário real. A
um salário real mais baixo, há um excesso de demanda por trabalho, o que
puxa o salário real de volta para o seu nível de equilíbrio mais alto, e essa
elevação do salário real faz o emprego retornar à taxa natural mostrada na
Figura 10.1.
As implicações para a curva de Phillips desse ajuste de longo prazo de
volta à taxa natural são ilustradas na Figura 10.3. A curva denominada CP(Pe
= 0) é a curva de Phillips de curto prazo da Figura 10.2. Aqui, a curva é
traçada explicitamente para uma dada taxa de inflação esperada pelos
ofertantes de mão de obra, que neste caso são preços estáveis (Pe = 0, onde
Pe é a taxa de inflação esperada). Já analisamos o processo pelo qual um
aumento da taxa de crescimento da oferta de moeda de 3% para 5% move a
economia no curto prazo do ponto A para o ponto B.
FIG 10.3 Curvas de Phillips de curto e de longo prazo
Quando os ofertantes de trabalho passam a ter expectativa de uma taxa de inflação
mais alta, a curva de Phillips para curto prazo desloca-se de CP(Pe = 0) para CP(Pe =
2%). A taxa de desemprego retorna à taxa natural de 6%; a taxa de inflação permanece
mais alta em 2% (movemo-nos do ponto B para o ponto C).
Quando os ofertantes de mão de obra perceberem que os preços estão
subindo, a curva de Phillips será deslocada para cima e para a direita. Os
ofertantes de mão de obra demandarão um aumento maior dos salários
monetários e, como consequência, a qualquer taxa de desemprego
corresponderá uma taxa de inflação mais elevada. Se o crescimento da oferta
de moeda continuar em 5%, a economia retornará à taxa natural de
desemprego de 6%, mas agora com uma taxa de inflação de 2% em vez do
nível de preços estável inicial. Na Figura 10.3, esse ajuste de longo prazo
move a economia do ponto B para o ponto C.
Um formulador de políticas que não esteja satisfeito com esse retorno ao
desemprego de 6% (a taxa natural) talvez continue a buscar uma meta de taxa
de desemprego abaixo da taxa natural, aumentando novamente a taxa de
crescimento da oferta de moeda. Vamos supor que, desta vez, ele aumente o
crescimento da oferta de moeda de 5% para 7%. Os efeitos dessa nova
expansão da demanda agregada são ilustrados na Figura 10.4. Até que os
ofertantes de mão de obra percebam o novo aumento da taxa de inflação, o
emprego vai se expandir. A economia se moverá para um ponto como D na
Figura 10.4, com o desemprego abaixo da taxa natural.
FIG 10.4 Efeito de uma tentativa de “fixar” a taxa de desemprego
Aumentos no crescimento da moeda, para 5%, depois 7%, depois 9%, resultam em
reduções temporárias no desemprego (movimentos de C para D e de E para F, por
exemplo). Mas, no prazo mais longo, simplesmente nos deslocamos para cima na
curva de Phillips vertical (para os pontos E e G, por exemplo).
Os ofertantes de mão de obra, após certo tempo, passarão a antecipar a
taxa de inflação mais alta que corresponde a um crescimento de 7% na oferta
de moeda. A curva de Phillips para o curto prazo será deslocada para a curva
indicada por CP (Pe = 4%) e a economia retornará à taxa natural de
desemprego, com a taxa de inflação aumentada para 4% (7% de crescimento
monetário menos 3% de crescimento da renda real). Na Figura 10.4, movemonos do ponto D para o ponto E. Se o formulador de políticas persistir em sua
tentativa de fixar a taxa de desemprego, ele aumentará mais uma vez o
crescimento da oferta de moeda, por exemplo, para 9%. Isso moverá a
economia no curto prazo para o ponto F, mas, no longo prazo, para o ponto G,
com uma taxa de inflação ainda mais alta.
Em determinado momento, o formulador de políticas econômicas será
levado a concluir que a inflação tornou-se um problema mais sério do que o
desemprego (ou será substituído por outro que tenha tal percepção) e a
aceleração da inflação será estancada. Repare, porém, que, quando a inflação
já vem persistindo por um longo tempo, expectativas inflacionárias
consolidam-se no sistema. Em um ponto como o ponto G na Figura 10.4, as
políticas de expansão da demanda agregada aumentaram a taxa de inflação
esperada (e efetiva) para 6% (9% de crescimento monetário menos 3% de
crescimento da renda real). Uma tentativa de baixar a inflação reduzindo a
taxa de crescimento da oferta de moeda, suponhamos que de volta aos 3%
não-inflacionários iniciais, não fará a economia voltar imediatamente a um
ponto como o ponto inicial A. No curto prazo, nós nos moveríamos ao longo
da curva de Phillips de curto prazo correspondente a uma taxa de inflação
esperada de 6%, até um ponto como H na Figura 10.4, com inflação alta e
desemprego acima da taxa natural. Assim como levou tempo para que os
ofertantes de mão de obra reconhecessem que a taxa de inflação havia subido
e, portanto, para que demandassem uma taxa de crescimento mais rápida dos
salários monetários, levará tempo para que eles reconheçam que a taxa de
inflação desacelerou e modifiquem suas demandas de salário monetário para
um nível compatível com a estabilidade de preços. Enquanto isso, na visão
monetarista, a economia sofrerá com alta inflação e alto desemprego.
Friedman acreditava que uma política monetária expansionista só consegue
mover a taxa de desemprego para baixo da taxa natural temporariamente. Há
um trade-off entre desemprego e inflação apenas no curto prazo. Em termos
das Figuras 10.3 e 10.4, as curvas de Phillips de curto prazo de inclinação
negativa que são traçadas para determinadas taxas de inflação esperadas
ilustram o trade-off de curto prazo entre desemprego e inflação. A curva de
Phillips de longo prazo que mostra a relação entre inflação e desemprego
quando a inflação esperada já teve tempo de se ajustar à taxa de inflação
efetiva (P = Pe) – quando a inflação é totalmente antecipada – é vertical,
conforme mostrado nas Figuras 10.3 e 10.4.
10.3 Uma visão keynesiana do trade-off produto-inflação
A teoria da taxa natural de desemprego proposta por Friedman explica as
relações de curto e de longo prazo entre inflação e desemprego. Qual é a
visão keynesiana da curva de Phillips e como ela difere da teoria da taxa
natural? Como os keynesianos podem defender políticas ativas para influir no
produto e no emprego se a teoria da taxa natural estiver correta e tais políticas
tiverem apenas um efeito temporário sobre o produto e o emprego? Essas são
as questões consideradas nesta seção.
Já antecipando nossas conclusões, encontramos o seguinte:
1. Os modelos keynesianos tradicionais, como os examinados no Capítulo
8, também implicam que, uma vez que a economia tenha se ajustado
totalmente a uma mudança na inflação (causada, por exemplo, por uma
mudança no crescimento da oferta de moeda), o produto e o emprego não
serão afetados. Esses modelos keynesianos também resultam em uma
curva de Phillips vertical.
2. Os keynesianos, porém, tiram conclusões de política econômica
diferentes dessa ausência de um trade-off no longo prazo entre inflação e
desemprego.
10.3.1 A curva de Phillips: uma interpretação keynesiana
A visão dos keynesianos sobre a relação entre a taxa de inflação e os
níveis de emprego e de produto decorre diretamente de sua teoria de como
preço e produto são determinados. Aqui, relacionamos essa teoria à curva de
Phillips.
10.3.1.1 A curva de Phillips de curto prazo
A Figura 10.5 mostra o efeito sobre preço, produto e emprego de uma
sequência de ações de política econômica expansionista que aumentam a
demanda agregada. A versão do modelo keynesiano aqui é a mesma da Seção
8.4. O salário monetário é flexível e a oferta de trabalho é considerada
dependente do salário real esperado (W/Pe), o salário monetário dividido
pelo nível de preços esperado.
No sistema keynesiano, uma política de expansão da demanda agregada
poderia ser uma ação de política monetária, como o aumento da taxa de
crescimento da oferta de moeda analisado na seção anterior, ou poderia ser
uma ação de política fiscal, como uma série de aumentos nos gastos do
governo. Em qualquer um dos casos, a política produzirá uma série de
deslocamentos na curva de demanda agregada, conforme mostrado na Figura
10.5a. Como pode ser visto observado, esses aumentos na demanda agregada
aumentarão do produto (de Y0 para Y1 para Y2 e para Y3) e o emprego (de N0
para N1 para N2 e para N3), assim como o nível de preços (de P0 para P2 para
P2 e para P3). Conforme o emprego aumenta, a taxa de desemprego declina. O
valor do salário monetário também sobe.
FIG 10.5 Efeitos de curto prazo de aumentos da demanda agregada no
modelo keynesiano
Uma política de expansão da demanda agregada, como um aumento da taxa de
crescimento da oferta de moeda, causará uma série de deslocamentos para a direita na
curva de demanda agregada (de Yd0 para Yd0 para Yd2 para Yd3) No curto prazo, o
produto, o nível de preços e o emprego aumentam.
Esses resultados podem ser interpretados em termos de uma relação de
curva de Phillips. Quanto mais depressa a demanda agregada crescer, maiores
serão os deslocamentos para a direita da curva de demanda agregada e,
permanecendo os outros fatores inalterados, mais rápida será a taxa de
crescimento do produto e do emprego. Para um dado aumento da força de
trabalho, isso significa que a taxa de desemprego será mais baixa quanto mais
rápida for a taxa de crescimento da demanda agregada. Como também pode
ser observado na Figura 10.5a, aumentos na demanda agregada fazem o nível
de preços subir, assim, uma vez mais permanecendo inalterados os outros
fatores, quanto mais rápido for o crescimento da demanda agregada, maior
será a taxa de inflação.
O modelo keynesiano, portanto, envolve um trade-off entre inflação e
desemprego. Altas taxas de crescimento da demanda correspondem a baixos
níveis de desemprego e altas taxas de inflação. Um crescimento mais lento da
demanda agregada significa uma taxa de inflação mais baixa, porém uma taxa
de desemprego maior. A curva de Phillips resultante do modelo keynesiano
tem inclinação negativa.
Mas essa é uma relação de curto prazo ou de longo prazo? Observe que,
até aqui, estamos mantendo o nível de preços esperado constante. Estamos
examinando os efeitos de aumentos na demanda no curto prazo. Como foi
explicado no Capítulo 8, os keynesianos consideram que o nível de preços
esperado depende basicamente do comportamento passado dos preços.
Assim, conforme forem ocorrendo períodos sucessivos com aumentos do
nível efetivo de preços, o nível de preços esperado vai subir. No longo prazo,
precisamos levar em conta os efeitos desses aumentos sobre o nível de preços
esperado. Como não fizemos isso na Figura 10.5, nossos resultados ali e a
relação da curva de Phillips derivada deles referem-se ao curto prazo. Para
enfatizar seu caráter de curto prazo, chamamos a curva de oferta de trabalho
de Ns(Pe0) e a curva de oferta agregada de Ys(Pe0), indicando que essas
curvas são traçadas para o valor inicial do nível de preços esperado. Na
Figura 10.6, identificamos curva de Phillips resultante do exemplo da Figura
10.5 como curva de Phillips de curto prazo, CP(curto prazo).6
10.3.1.2 A curva de Phillips de longo prazo
No longo prazo, o preço esperado ajusta-se ao preço efetivo. Os ofertantes
de mão de obra percebem a inflação que resultou da política de expansão da
demanda agregada.
FIG 10.6 A curva de Phillips: a perspectiva keynesiana
No curto prazo, a curva de Phillips resultante do modelo keynesiano tem inclinação
negativa. No longo prazo no modelo keynesiano, como na análise de Friedman, a
curva de Phillips é vertical.
O ajuste de longo prazo do produto e do emprego depois de aumento da
demanda agregada é ilustrado na Figura 10.7. Lembre-se que, no sistema
keynesiano, a oferta de trabalho depende do salário real esperado:
onde o efeito do salário monetário sobre a oferta de trabalho é positivo e o
efeito de um aumento dos preços esperados é negativo. Quando os preços
esperados sobem, a curva de oferta de trabalho na Figura 10.5b desloca-se
para a esquerda. Menos mão de obra será ofertada para qualquer salário
monetário (W), uma vez que um dado salário monetário corresponde a um
salário real esperado mais baixo (W/Pe) depois de um aumento do nível
esperado de preços. Esse deslocamento da curva de oferta de trabalho é
mostrado na Figura 10.7b. Conforme o nível de preços esperado sobe para
para
para
, e depois para
, depois para
a curva de oferta de trabalho desloca-se para
depois para
,
.
Quando a curva de oferta de trabalho desloca-se para a esquerda, o nível
de emprego para qualquer nível de preços dado declina. Subimos novamente
ao longo de uma dada curva de demanda por trabalho (que é traçada para um
determinado nível de preços). O aumento dos preços esperados reduz o
emprego em qualquer nível de preços e, portanto, reduz o produto ofertado em
qualquer nível de preços. A curva de oferta agregada também se desloca para
cima e para a esquerda a cada aumento dos preços esperados, refletindo esse
declínio no produto ofertado a um dado nível de preços. Esses deslocamentos
da curva de oferta estão ilustrados na Figura 10.7a.
As curvas de oferta de trabalho e de oferta agregada continuam a se
deslocar para a esquerda até que o preço esperado e o preço efetivamente
praticado sejam iguais. A posição de equilíbrio de longo prazo é mostrada na
Figura 10.7, onde a curva de oferta de trabalho é
e a curva de
oferta agregada é
. Observe que, nesse ponto, a renda e o emprego
voltaram a seus níveis iniciais, Y0 e N0. Isso deve acontecer porque produto e
emprego só podem ser mantidos acima de Y0 e N0 enquanto o preço esperado
estiver abaixo do preço efetivo, ou seja, apenas enquanto os ofertantes de
trabalho subestimarem a inflação. Assim que os ofertantes de trabalho
perceberem corretamente os aumentos no nível de preços, eles demandarão
aumentos no salário monetário proporcionais ao aumento do nível de preços.
Nesse ponto, o salário real terá retornado a seu nível inicial (W3/P3 = W0/P0).
Tanto a oferta como a demanda por trabalho terão voltado a seus níveis
iniciais. Em consequência, emprego e produto estarão em seus níveis iniciais
de N0 e Y0.7 Um aumento na demanda agregada eleva o produto e o emprego e,
em consequência, diminui a taxa de desemprego apenas no curto prazo. Como
é mostrado na Figura 10.6, a curva de Phillips de longo prazo é vertical tanto
na visão keynesiana como na de Friedman.
FIG 10.7 Efeitos de longo prazo de aumentos da demanda agregada no
modelo keynesiano
No longo prazo, deslocamentos para a esquerda da curva de oferta de trabalho e da
curva de oferta agregada revertem os aumentos no produto e no emprego resultantes
da política de expansão da demanda agregada. Produto e emprego retornam a seus
níveis iniciais, Y0 e N0.
10.3.2 Políticas de estabilização para o produto e o emprego:
a visão keynesiana
Por que a ausência de um efeito de longo prazo da demanda agregada sobre
o produto e o emprego não leva os keynesianos a aceitar uma posição nãointervencionista em relação a políticas econômicas? A razão é que, na visão
keynesiana, políticas de demanda agregada visam a estabilizar o produto e o
emprego no curto prazo.
A meta de tais políticas de estabilização é manter a economia em seu nível
de equilíbrio diante de choques de demanda ou oferta agregada. Em outras
palavras, o objetivo de políticas de estabilização é, como o nome indica,
compensar influências potencialmente desestabilizadoras sobre o produto e o
emprego.
A conclusão de Friedman quanto a políticas não-intervencionistas baseiase, em grande medida, nas proposições discutidas no Capítulo 9. O setor
privado é basicamente estável se deixado por sua própria conta. Assim, não
esperaríamos grandes choques desestabilizadores sobre a demanda do setor
privado por produto. Mesmo que ocorressem tais deslocamentos na demanda
do setor privado (deslocamentos indesejáveis na curva IS), eles teriam pouco
efeito sobre o produto se a oferta de moeda fosse mantida constante, por causa
da forte inclinação da curva LM. Pequenos choques poderiam fazer o produto
e o emprego desviarem-se um pouco da taxa natural, mas Friedman e outros
monetaristas não acreditam que nosso conhecimento da economia nos permita
prever tais choques e projetar políticas com precisão suficiente para
compensá-los.
Ainda seria possível argumentar que, deixado à sua própria conta, o setor
privado produz níveis de equilíbrio de produto e emprego que são
“indesejáveis”. O desemprego poderia ser “alto demais”. Seria possível
propor, então, que o papel da política monetária seja assegurar que o
desemprego e o produto fiquem em níveis “desejáveis”. A teoria da taxa
natural de desemprego mostra que a política monetária não pode cumprir esse
papel e indica que tentativas de alcançar tais metas de desemprego arbitrárias
terão efeitos desestabilizadores sobre o nível de preços no longo prazo.
Se não aceitarmos as outras proposições dos monetaristas – e os
keynesianos não aceitam –, há ainda um papel de curto prazo para políticas
econômicas de estabilização, sejam elas monetárias ou fiscais. Os
keynesianos acreditam que a demanda agregada do setor privado é instável,
basicamente por causa da instabilidade da demanda por investimento. Os
keynesianos creem que, mesmo para uma dada oferta de moeda, tais
mudanças na demanda agregada do setor privado podem causar flutuações
grandes e prolongadas na renda. Consequentemente, acreditam que políticas
monetárias e fiscais devem ser usadas para compensar tais mudanças
indesejáveis na demanda agregada e estabilizar a renda.
10.4 Evolução do conceito de taxa natural
O propósito de Milton Friedman ao sugerir o conceito de taxas naturais de
produto e emprego foi ilustrar uma limitação da política monetária. A política
monetária não podia reduzir permanentemente o desemprego a níveis abaixo
da taxa natural, pelo menos não sem causar uma taxa de inflação em
aceleração constante. Nas três décadas desde que Friedman introduziu o
conceito, porém, muita atenção tem sido focada também no que determina a
taxa natural e em qual é o seu valor para diferentes países.8 Se, por exemplo,
é importante para os formuladores de políticas evitar levar a taxa de
desemprego a níveis abaixo da taxa natural que desencadeiem pressões
inflacionárias, como podem saber até onde é possível reduzir com segurança
a taxa de desemprego? Esta se tornou uma questão crucial nos Estados Unidos
no final da década de 1990, quando a taxa de desemprego caiu ao nível mais
baixo dos últimos 30 anos.
10.4.1 Determinantes da taxa natural de desemprego
Friedman abordou a questão do que determina a taxa natural de
desemprego. Como vimos, a taxa natural é aquela que é coerente com um
salário real de equilíbrio. Dentro de nosso modelo do mercado de trabalho,
isso é simplesmente o equilíbrio entre a oferta e a demanda de trabalho,
sujeitas à condição de que os ofertantes de trabalho avaliem corretamente o
nível de preços. Friedman afirmou que, no mundo real, a taxa natural seria a
taxa gerada por um processo de obtenção de equilíbrio que também seria
afetado pelas “características estruturais efetivas do trabalho e dos mercados
de mercadorias, incluindo imperfeições do mercado, variabilidade
estocástica em demandas e ofertas, o custo de coletar informações sobre
vagas de trabalho e disponibilidades de mão de obra, o custo da mobilidade,
e assim por diante”.9 Essas características adicionais são consideradas
determinadoras dos níveis de desemprego friccional e estrutural. Seria de
esperar que a baixa mobilidade da mão de obra em um país, por exemplo,
levasse a uma taxa natural de desemprego mais alta, porque, quando a
demanda se deslocasse de uma região do país para outra, os trabalhadores
não seguiriam rapidamente. Informações ruins sobre vagas de emprego
também poderiam levar a uma taxa natural de desemprego mais alta, uma vez
que os trabalhadores demoram mais para encontrar empregos iniciais ou para
se mover entre empregos. Na visão de Friedman, portanto, a taxa natural em
cada país será determinada pelas características estruturais dos mercados de
trabalho e de bens desse país.
10.4.2 Taxas naturais de desemprego que variam com o
tempo
Um observador comentou que “quando Milton Friedman propôs a hipótese
da taxa natural… em 1968, era como se um edito real tivesse estabelecido a
taxa natural como mais uma das constantes invariáveis do universo”.10 Se,
como Friedman afirmava, a taxa natural de emprego depende das
características estruturais dos mercados de trabalho e de bens de um país, não
há razão para que ela precise ser constante ao longo do tempo, embora se
espere que as mudanças sejam graduais e não abruptas. De fato, o
comportamento do desemprego ao longo das três últimas décadas indica que,
se a taxa natural de desemprego for mesmo um conceito a ser levado em
consideração, ela precisa ser variável com o tempo.
Para entender a razão, consideremos os números referentes ao desemprego
em países selecionados da Europa na Tabela 10.1. As cinco primeiras colunas
mostram as taxas de desemprego médias em oito países em cinco períodos
que variam em duração de 6 a 19 anos (ignoremos as duas últimas colunas por
enquanto). As médias ao longo de períodos dessa extensão devem apresentar
aproximações razoáveis da taxa natural. Se houver uma tendência de que o
desemprego se mova para uma taxa específica, como é sugerido pela hipótese
da taxa natural, o desemprego efetivo deve flutuar em torno dessa taxa – às
vezes acima dela, às vezes abaixo. Se a média da taxa de desemprego ao
longo desses períodos de fato fornece uma estimativa da taxa natural, então a
taxa natural de desemprego nos países mostrados na tabela esteve em
ascensão nas três últimas décadas. Quase todas atingiram níveis extremamente
elevados na década de 1990.11
Tabela 10.1 - Taxas de desemprego europeias, períodos selecionados (em %)
Fonte: Historical Statistics, 1960-89, 1990-2006 (Paris: Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e Economic Outlook (dezembro 2007,
2011).
Nos Estados Unidos, há também evidências de uma taxa natural de
desemprego variável com o tempo. Como na Europa, a taxa de desemprego
apresentou uma tendência de alta nos Estados Unidos nas décadas de 1970 e
1980, embora menos acentuada. Na década de 1990, porém, o comportamento
da taxa de desemprego americana foi bem diferente do observado na maioria
das economias europeias. A taxa de desemprego nos Estados Unidos caiu
continuamente ao longo dessa década, até 4% em 2000, antes de subir quando
uma recessão teve início em 2001.
10.4.3 Explicação das mudanças nas taxas naturais de
desemprego
Há uma vasta literatura sobre o aumento aparente da taxa natural de
desemprego nos países europeus.12 Uma causa possível apontada pelos
pesquisadores é a rigidez dos mercados de trabalho europeus, especialmente
nas nações que são membros da União Europeia. As regulações do mercado
de trabalho nos países da União Europeia incluem limitações para
fechamentos de fábricas e provisões para indenização obrigatória por
rescisões de contratos de trabalho que podem desestimular as firmas a
expandir o emprego. Os países europeus são também fortemente
sindicalizados, o que pode resultar em rigidez dos salários. Além disso, os
países europeus costumam ter seguros-desemprego generosos e outros
benefícios sociais que tornam o desemprego menos doloroso.
O desemprego crescente na Europa pode não ser resultado de aumentos da
rigidez e da generosidade da rede de segurança sociais, mas talvez resultem
da crescente concorrência de países com salários mais baixos, em particular
as economias asiáticas em rápido crescimento, dada a rigidez existente dos
mercados de trabalho e dos níveis dos benefícios. Em outras palavras, a
concorrência crescente, em vez de levar para baixo os salários reais
europeus, eleva o desemprego na Europa.
Uma explicação alternativa para o alto desemprego europeu foca-se na
ideia de que o valor corrente da taxa de desemprego pode ser fortemente
influenciado por seus valores passados – uma propriedade chamada
histerese. Por essa perspectiva, o alto desemprego nas recessões das décadas
de 1970 e 1980, que foi de natureza cíclica, teve efeitos duradouros sobre o
desemprego em anos posteriores. Os processos econômicos que resultam em
desemprego e apresentam a propriedade de histerese são examinados no
Capítulo 12, que estuda direções recentes da pesquisa keynesiana.
Histerese
Propriedade de que, quando uma variável
é afastada de um valor inicial por um
choque, ela não apresenta nenhuma
tendência a retornar mesmo depois de
passado o choque. Taxas de desemprego
persistentemente altas em muitos países
europeus levaram economistas a
argumentar que o desemprego exibe
histerese.
O comportamento divergente do desemprego nos Estados Unidos e na
Europa, especialmente na década de 1990, foi atribuído a características
estruturais diferentes dos mercados de trabalho nas duas regiões. De acordo
com essa visão, a maior flexibilidade do mercado de trabalho americano,
devido a menos regulações e menor sindicalização, fez com que a maior
concorrência internacional e mudanças tecnológicas com exigência de
qualificação levassem a uma estagnação dos salários reais nos Estados
Unidos (em especial para trabalhadores não qualificados) em vez de conduzir
a uma desaceleração do crescimento dos empregos e a uma alta do
desemprego. Além disso, nos anos pós-1990, qualquer efeito de histerese foi
favorável nos Estados Unidos, uma vez que o ambiente de baixo desemprego
vinha sendo mantido há um longo período.
10.4.4 Tendências recentes
Agora, consideremos as duas colunas mais à direita na Tabela 10.1. A
primeira delas traz a taxa de desemprego média em 2005-07, que foi o pico
antes da profunda recessão mundial que teve início no final de 2007. O alto
desemprego continuou nas grandes economias europeias continentais (cinco
primeiras linhas). Isso reflete o alto desemprego em toda a zona do euro
(moeda comum europeia), que foi, em média, de 8% ao longo desse período.
Em contraste, nos Estados Unidos, depois da recuperação da recessão de
2001, o desemprego estabilizou-se na faixa de 4% a 5% durante esses anos.
Essa experiência foi consistente com a explicação do desemprego europeu
mais alto como consequência da rigidez dos mercados de trabalho.
A última coluna da tabela, porém, acrescenta complexidade ao quadro.
Todos os países incluídos na tabela foram atingidos pela recessão e, em todos
eles, o desemprego subiu. A coluna mostra a taxa de desemprego em
novembro de 2011, após dois anos de recuperação. Nessa ocasião, em vários
países cuja rigidez do mercado de trabalho era considerada uma fonte de uma
taxa natural de desemprego alta, o mercado de trabalho havia se recuperado.
A taxa de desemprego na Alemanha era mais baixa do que antes da recessão e
praticamente a mesma de antes na França e na Itália. No Reino Unido e nos
Estados Unidos, onde a taxa de desemprego ainda estava acima de 8% no
final de 2011, o emprego havia caído mais e se recuperado mais lentamente
do que nesses países europeus continentais. Na crise, a flexibilidade do
mercado de trabalho parece ter tornado mais fácil demitir trabalhadores. Os
dados sugerem que pode haver um trade-off no tipo de estruturas de mercado
de trabalho que produzem menos desemprego cíclico e aquelas que
contribuem para uma taxa natural de desemprego mais baixa.
O quadro indicado acima, porém, é complexo. A Dinamarca, que havia
instituído anteriormente reformas no mercado de trabalho que reduziram de
modo significativo o desemprego por volta de 2005, passou pela recessão
com relativamente pouco desemprego cíclico. (Veja a última linha da tabela.)
A Espanha e a Irlanda, atingidas por forte crise imobiliária e problemas
bancários, viram o desemprego disparar. Atualmente, para a maioria dos
países, o alto desemprego é o problema macroeconômico predominante.
Conclusão
A teoria das taxas naturais de desemprego e produto de Friedman foi muito
influente. Ela demonstra os limites do trade-off entre inflação e desemprego.
No entanto, as aparentes grandes variações da taxa natural de desemprego na
Europa levaram alguns a duvidar da utilidade do conceito para orientar a
política macroeconômica. Robert Solow, por exemplo, afirma que “uma taxa
natural que varia… sob a influência de forças inespecíficas, incluindo taxas
de desemprego passadas, não pode ser chamada de ‘natural’”.13
Em contraste, Joseph Stiglitz, chefe do Conselho de Assessores
Econômicos na administração Clinton, defende o conceito, acreditando que “a
taxa natural oferece um modelo útil para pensar sobre questões de política
econômica, mesmo que haja considerável incerteza quanto à sua magnitude
exata”.14
Questões de revisão
1. Explique o conceito da taxa natural de desemprego. Quais são as
implicações da teoria da taxa natural de desemprego de Milton Friedman
para a eficácia das políticas de estabilização econômica?
2. Contraste as visões de Friedman e dos keynesianos sobre a relação entre o
produto (ou o emprego) real e a demanda agregada no curto e no longo
prazo. Compare as conclusões que Friedman e os keynesianos tiram dessa
análise da relação demanda agregada-produto em relação à utilidade de
políticas econômicas ativas para estabilizar o produto e o emprego. Em
que grau as diferenças na análise teórica explicam as diferenças nas
conclusões sobre políticas econômicas?
3. Explique o conceito da curva de Phillips. Há alguma diferença entre as
visões de Milton Friedman e keynesiana da curva de Phillips de curto
prazo?
4. No final da década inflacionária de 1970, há uma percepção geral de que
o Federal Reserve americano moveu-se para uma política monetária muito
mais restritiva. Como você acha que Milton Friedman usaria o esquema da
curva de Phillips das Figuras 10.2 e 10.3 para analisar os efeitos que essa
mudança de política teria sobre a inflação e o desemprego?
5. “Um choque de oferta, como o aumento exógeno no preço da gasolina
analisado na Seção 8.5, não teria nenhum efeito sobre a renda real ou
nominal dentro do modelo monetarista. Isso acontece porque tal choque de
oferta não afetaria a quantidade de moeda que é o fator dominante na
determinação da renda nominal e, no curto prazo, também da renda real.”
Você concorda ou discorda dessa afirmação? Explique.
6. Milton Friedman dizia com frequência que o verdadeiro trade-off não era
entre inflação e desemprego, mas entre o desemprego hoje e o desemprego
no futuro. O que você acha que ele queria dizer com isso? Como essa
afirmação se relaciona com as Figuras 10.2 e 10.3?
7. Tanto no modelo de Friedman como no keynesiano da curva de Phillips, a
formação de expectativas de inflação desempenha um papel importante.
Explique como as expectativas são formadas nos dois modelos. Há alguma
diferença na formação de expectativas entre os modelos?
8. A partir do final da década de 1960, o número de ingressantes no mercado
de trabalho aumentou com a chegada da geração “baby boom” à idade
produtiva. Além disso, as taxas de participação das mulheres na força de
trabalho começaram a subir em meados da década de 1960. Que efeito
você acha que esses fatores demográficos tiveram sobre a taxa natural de
desemprego americana na época? Que efeito tiveram sobre a taxa natural
de produto?
9. Os dados da Tabela 10.1 referentes ao desemprego europeu são
consistentes com a existência de uma taxa natural de desemprego nesses
países? Explique.
CAPÍTULO 11
A economia novo-clássica
O próximo sistema teórico que estudaremos, a economia novo-clássica,
foi desenvolvido tendo como pano de fundo os altos níveis de inflação e
desemprego da década de 1970 e a consequente insatisfação com a ortodoxia
keynesiana dominante. Tanto o monetarismo como a economia novo-clássica
têm suas origens na economia clássica e ambas as escolas de economistas
chegam a conclusões similares em termos de políticas não-intervencionistas.
Robert Lucas, a figura central no desenvolvimento da economia novoclássica, basicamente concorda com a proposta de regras de política nãointervencionistas de Milton Friedman.1 Muito no espírito de Friedman, Lucas
diz, “Como uma profissão que oferece conselhos, estamos indo além de
nossas possibilidades”.2 De fato, os economistas novo-clássicos são ainda
mais céticos que Friedman quanto à utilidade de políticas ativas de
estabilização.
A economia novo-clássica, porém, representa um ataque mais fundamental
ao sistema teórico keynesiano do que o monetarismo. Monetaristas e
keynesianos chegam a conclusões diferentes sobre políticas econômicas e
divergem em uma série de questões empíricas, mas, no Capítulo 9, não
apresentamos um modelo teórico monetarista essencialmente distinto. Os
economistas novo-clássicos foram motivados por uma crença de que a
estrutura teórica keynesiana é fundamentalmente falha. Eles atacaram não só à
utilidade da análise keynesiana para compreender eventos econômicos e
projetar políticas úteis, mas também a sua coerência interna. O modo
alternativo que os economistas novo-clássicos propõem para abordar
questões macroeconômicas é importante não só para sua própria teoria,
conforme delineada neste capítulo, mas também para a teoria dos ciclos reais
de negócios e para a análise novo-keynesiana que examinamos no Capítulo
12.
Este capítulo apresenta primeiro a crítica dos economistas novo-clássicos
à macroeconomia keynesiana, centrando-se especialmente nas diferenças das
conclusões sobre políticas econômicas dos dois grupos (Seção 11.1). Em
seguida, oferecemos uma visão mais ampla da economia novo-clássica
(Seção 11.2). Examinamos em seguida a resposta keynesiana à economia
novo-clássica (Seção 11.3). A última seção (11.4) traz comentários finais
sobre o estado atual da controvérsia entre economistas keynesianos e novoclássicos.
11.1 A posição novo-clássica
Já citamos a opinião keynesiana de Franco Modigliani de que uma
economia de iniciativa privada precisa ser, pode ser e deve ser estabilizada
por uma administração governamental ativo da demanda agregada. O
princípio central de política econômica da economia novo-clássica é que a
estabilização de variáveis reais, como produto e emprego, não pode ser
alcançada pela administração da demanda agregada. Os valores dessas
variáveis tanto no curto como no longo prazo são insensíveis a políticas
sistemáticas de administração da demanda agregada. Em outras palavras, na
visão novo-clássica, ações sistemáticas de política fiscal e monetária que
alterem a demanda agregada não afetarão o produto e o emprego nem mesmo
no curto prazo. A isso deu-se o nome de proposição novo-clássica da
ineficácia de políticas econômicas.
Proposição novo-clássica da ineficácia de políticas
econômicas
Afirma que ações sistemáticas de política fiscal e monetária que
alterem a demanda agregada não afetarão o produto e o emprego
nem mesmo no curto prazo.
11.1.1 Uma revisão da posição keynesiana
Para entender a base dessa posição novo-clássica sobre políticas,
precisamos primeiro examinar a crítica dos economistas novo-clássicos à
macroeconomia keynesiana. Um bom começo é uma revisão da análise
keynesiana das relações entre produto, emprego reais e demanda agregada,
conforme discutido na Seção 10.3. Consideremos os efeitos no modelo
keynesiano de uma ação de política expansionista, por exemplo um aumento
na oferta de moeda. No curto prazo, tal ação de política econômica
aumentaria a demanda agregada. A curva de demanda agregada seria
deslocada para a direita ao longo da curva de oferta agregada de inclinação
positiva (como ilustrado, por exemplo, na Figura 10.5a). O nível de preços e
o nível do produto subiriam. Paralelamente ao aumento do produto, ocorre um
aumento no emprego decorrente da maior demanda por trabalho, com a
elevação dos preços deslocando a curva de demanda por trabalho para a
direita ao longo da curva de oferta de trabalho de inclinação positiva (traçada
em relação ao salário monetário), como é ilustrado, por exemplo, na Figura
10.5b.
É crucial para esses resultados o fato de que as posições da curva de
oferta agregada e da curva de oferta de trabalho são fixas no curto prazo. A
posição de ambas essas curvas depende do valor do nível de preços esperado
(Pe), que se pressupõe ser basicamente dependente dos preços passados e não
mudar de acordo com as ações de política do momento.
No longo prazo, o nível de preços esperado converge para o nível de
preços efetivo e tanto a curva de oferta agregada como a curva de oferta de
trabalho deslocam-se para a esquerda. Os níveis iniciais de emprego e de
produto são restaurados, e apenas o nível de preços e o salário monetário
mantêm-se permanentemente mais altos como resultado do aumento da oferta
de moeda (veja a Figura 10.7). O produto e o emprego ficam acima de seus
níveis de equilíbrio de longo prazo apenas pelo tempo necessário para que os
ofertantes de trabalho percebam corretamente a mudança no nível de preços
que resulta da ação de política expansionista. Na medida em que nossa
atenção esteja confinada a ações de política monetária, os monetaristas
concordariam com essa análise acima.
11.1.2 O conceito das expectativas racionais e suas
implicações
Os economistas novo-clássicos não concordam. Em particular, eles não
aceitam a diferença entre os resultados de curto e de longo prazo na análise
keynesiana ou monetarista dos efeitos da demanda agregada sobre o produto e
o emprego. O ponto focal de sua crítica é o pressuposto keynesiano (e
monetarista) referente à formação de expectativas de preços. Essa formulação
pressupõe que os ofertantes de trabalho formam uma expectativa do nível de
preços agregado atual (ou da taxa de inflação) com base no comportamento
passado dos preços. Na prática, keynesianos e monetaristas pressupuseram
que tais expectativas de preços ajustam-se lentamente e podem ser
consideradas fixas para a análise dos efeitos de políticas econômicas em
períodos curtos.
Os economistas novo-clássicos criticam essas formulações de formação de
expectativas como ingênuas ao extremo. Por que, perguntam eles, agentes
econômicos racionais iriam se basear apenas em valores passados para
formar uma expectativa do nível de preços? Em especial, por que fariam isso
se, de maneira geral, tal comportamento resulta sistematicamente em erro
quando a demanda agregada muda? Estivemos considerando que, após
mudanças na demanda agregada, como o aumento na oferta de moeda
examinado na subseção anterior, os ofertantes de trabalho não percebem que a
mudança da demanda afetará os preços.
Os economistas novo-clássicos propõem que os agentes econômicos
formarão expectativas racionais – racionais no sentido de que não cometerão
erros sistemáticos. De acordo com a hipótese das expectativas racionais, as
expectativas são formadas com base em todas as informações relevantes
disponíveis sobre a variável que está sendo prevista. Além disso, a hipótese
afirma que os indivíduos usam as informações disponíveis com inteligência;
ou seja, eles compreendem o modo como as variáveis que observam afetarão
a variável que estão tentando prever. De acordo com a hipótese das
expectativas racionais, portanto, as expectativas são, como sugeriu o criador
do conceito, John Muth, “essencialmente iguais às previsões da teoria
econômica relevante”,3 baseadas nas informações disponíveis.
Expectativas racionais
Formadas com base em todas as
informações relevantes disponíveis sobre
a variável que está sendo prevista. Além
disso, considera-se que os agentes
econômicos utilizem as informações
disponíveis com inteligência; ou seja, eles
compreendem as relações entre as
variáveis que observam e as variáveis que
estão tentando prever.
Se as expectativas forem racionais, ao formar uma previsão do valor do
nível de preços agregado os ofertantes de trabalho usarão todas as
informações passadas relevantes, e não apenas informações sobre o
comportamento passado dos preços. Além disso, eles usarão todas as
informações de que dispuserem sobre os valores atuais de variáveis que
participam da determinação do nível de preços. Mais importante pela
perspectiva de políticas de administração da demanda agregada, os ofertantes
de trabalho levarão em conta qualquer ação de política antecipada (esperada).
Pressupõe-se ainda que eles compreendam a relação entre tais políticas e o
nível de preços.
Um contraste útil pode ser feito entre a natureza retrospectiva das
expectativas no modelo keynesiano e a natureza prospectiva das expectativas
racionais. No modelo keynesiano, as expectativas são retrospectivas porque a
expectativa de uma variável como o nível de preços ajusta-se (lentamente) ao
comportamento passado da variável. De acordo com a hipótese das
expectativas racionais, os agentes econômicos, em vez disso, usam todas as
informações relevantes disponíveis e, de maneira inteligente, avaliam a
implicação dessas informações para o comportamento futuro da variável.
Se os ofertantes de trabalho fazem previsões racionais prospectivas do
nível de preços, a análise anterior precisa ser modificada. Para entender essa
modificação, vamos analisar os efeitos de uma ação de política expansionista
já examinada: um aumento único da oferta de moeda. Para analisar essa
mudança com o pressuposto de que as expectativas são racionais, precisamos
começar especificando se a mudança de política era ou não antecipada.4
Mudanças de políticas antecipadas e não antecipadas têm efeitos muito
diferentes quando se considera que as expectativas sejam racionais. Primeiro,
vamos supor que a mudança de política tenha sido antecipada. Isso pode
acontecer porque o formulador da política anunciou a mudança. Ou,
alternativamente, o público pode antecipar a mudança de política porque sabe
que o formulador de políticas age sempre de determinada maneira. Por
exemplo, se o formulador de políticas sistematicamente reage a um aumento
no desemprego em um período aumentando a oferta de moeda no período
seguinte (para se contrapor ao desemprego), o público passará a prever um
aumento na oferta de moeda no período t quando observar uma elevação da
taxa de desemprego no período t – 1.
FIG 11.1 Produto e emprego no modelo novo-clássico
No modelo novo-clássico, tanto a curva de oferta agregada como a curva de oferta de
trabalho dependem de expectativas racionalmente formadas quanto a variáveis
correntes, o que inclui variáveis de política fiscal e monetária (Me0, Ge0, Te0).
Para começar, examinemos a caracterização do produto e emprego de
equilíbrio na análise novo-clássica, conforme ilustrado na Figura 11.1. A
diferença crucial entre o caso novo-clássico e o caso keynesiano refere-se às
variáveis que determinam as posições das curvas da oferta agregada e da
oferta de trabalho. Como na teoria keynesiana, consideramos aqui que a oferta
de trabalho depende do salário real esperado, o salário monetário conhecido
dividido pelo nível de preços esperado:
Consequentemente, a posição da curva de oferta de trabalho e, portanto, da
curva de oferta agregada dependem novamente do nível de preços esperado.
Aumentos no nível de preços esperado deslocarão ambas as curvas para a
esquerda.
No modelo novo-clássico, com o pressuposto das expectativas racionais, o
nível de preços esperado depende dos níveis esperados das variáveis no
modelo que efetivamente determinam o nível de preços. Estas incluem os
níveis esperados da oferta de moeda (Me), gastos governamentais (Ge),
arrecadação tributária (Te), investimento autônomo (Ie) e, possivelmente,
outras variáveis.5 A relação de dependência do nível de preços esperado e,
portanto, da posição das curvas de oferta de trabalho e de oferta agregada
quanto a essas variáveis é indicada pela designação dessas curvas na Figura
11.1. Especialmente importante é o fato de que as posições das curvas de
oferta de trabalho e de oferta agregada dependem dos níveis esperados das
variáveis de política econômica (Me, Ce, Te).
FIG 11.2 Efeitos de um aumento da oferta de moeda: a visão novo-clássica
O aumento da oferta de moeda desloca a curva de demanda agregada de Yd(M0,…)
para Yd(M1,…). Por si só, essa mudança aumentaria o produto para Y’1 e o nível de
preços para P’1. O aumento no nível de preços deslocaria a curva de demanda por
trabalho de Nd(P0) para Nd(P’1) e o emprego subiria para N’1. No entanto, como o
aumento da oferta de moeda foi previsto, há também um aumento da oferta de moeda
esperada. Esse aumento desloca a curva de oferta agregada para a esquerda, de
Ys(Me0,…) para Ys(Me1,…) e desloca a curva de oferta de trabalho para a esquerda,
de Ns(Me0,…) para Ns(Me,…). Esses deslocamentos fazem o emprego e o produto
voltarem para seus níveis iniciais, N0 e Y0.
Agora, consideremos o efeito de um aumento totalmente antecipado da
oferta de moeda de M0 para M1, como é mostrado na Figura 11.2.6
Inicialmente, vamos pressupor que as curvas de demanda agregada, de oferta
agregada e de demanda e oferta de trabalho estejam na mesma posição que na
Figura 11.1, com o subscrito zero (0) nas variáveis efetivas e esperadas. O
aumento na oferta de moeda deslocará a curva de demanda agregada para
Yd(M1,…). Se a curva de oferta não se deslocasse, o produto subiria de Y0
para Y’1 e o nível de preços aumentaria de P0 para P’1. Com o aumento do
nível de preços, a curva de demanda por trabalho desloca-se para a direita
[para a curva tracejada Nd(P’1) na Figura 11.2b]. Se a curva de oferta de
trabalho também não se deslocasse, o emprego subiria (de N0 para N’1). Nos
modelos keynesiano ou monetarista, em que o nível de preços esperado não se
relaciona com o nível atual das variáveis de política, a posição das curvas da
oferta agregada e da oferta de trabalho seria fixa no curto prazo e nossa
análise estaria completa.
Mas, como pode ser visto na Figura 11.2, no caso novo-clássico a posição
das curvas de oferta de trabalho e da oferta agregada não é fixa no curto
prazo. A ação de política expansionista foi plenamente antecipada. Portanto, o
nível de oferta de moeda esperado também aumenta. Isso aumentará o nível
de preços esperado, uma vez que, com expectativas racionais, os ofertantes
de trabalho entenderão o efeito inflacionário do aumento da oferta de moeda.
A curva de oferta de trabalho e, em consequência, a curva de oferta agregada
vão se deslocar para a esquerda, para as posições dadas por Ns(Me1,…) e
Ys(Me1,…), como é mostrado na Figura 11.2. Conforme o declínio da oferta
agregada empurra mais para cima o nível de preços, a curva de demanda por
trabalho desloca-se para Nd(P1). O novo equilíbrio estabelece-se no ponto em
que produto e emprego voltam a seus níveis iniciais, Y0 e N0, enquanto o nível
de preços e o salário monetário mantêm-se permanentemente mais altos em P1
e W1, respectivamente. Observe que, quando as expectativas são racionais, o
retorno aos níveis iniciais de produto e emprego ocorre no curto prazo.
A análise novo-clássica difere de uma análise keynesiana ou de uma
monetarista por considerar que os ofertantes de trabalho percebem
corretamente que o aumento dos preços resultará do aumento da oferta de
moeda. Eles demandarão salários monetários proporcionalmente mais altos.
O mercado de trabalho só retornará ao equilíbrio depois que o salário
monetário e o nível de preços tiverem aumentado na mesma proporção, o
salário real estiver inalterado e, em consequência, emprego e produto
retornarem a seus níveis iniciais. Dito de outra forma, na análise keynesiana
ou monetarista o aumento da oferta de moeda leva a um aumento no emprego e
no produto no curto prazo, ou seja, até que os ofertantes de trabalho percebam
corretamente a elevação no nível de preços que resulta da ação de política
monetária expansionista. Na visão keynesiana ou monetarista, como as
expectativas sobre preços são retrospectivas, esse período de curto prazo em
que o aumento na oferta de moeda afeta o produto e o emprego pode ter uma
duração considerável. Se as expectativas forem racionais, os ofertantes de
trabalho prospectivos não poderão ser sistematicamente enganados por
mudanças antecipadas nas políticas de demanda agregada.
Se as expectativas forem formadas racionalmente, ações de política
previstas para a demanda agregada não afetarão o produto ou o emprego reais
nem mesmo no curto prazo. Repare que, como o público aprenderá qualquer
regra sistemática de ação de política, como a resposta hipotética da oferta de
moeda para administrar o desemprego mencionada anteriormente, qualquer
um desses conjuntos de ações de política sistemáticas passará a ser
antecipado e não afetará o comportamento do produto ou do emprego.7 Os
valores de variáveis reis como produto e emprego serão insensíveis a
mudanças sistemáticas em políticas de administração da demanda agregada.
Até aqui, estivemos pressupondo que o aumento na oferta de moeda fosse
antecipado por ter sido anunciado ou por ser uma resposta de política
sistemática que podia ser prevista. Veremos agora os efeitos de um aumento
não antecipado na demanda agregada. Consideraremos novamente os efeitos
de um aumento na oferta de moeda de M0 para M1, mas a análise seria
semelhante para um aumento não antecipado na demanda agregada produzido
por outro mecanismo. Os efeitos de curto prazo desse aumento não antecipado
na oferta de moeda – que pode ser chamado de uma surpresa monetária –
também podem ser explicados por meio da Figura 11.2. Como antes, o
aumento na oferta de moeda desloca a curva de demanda agregada de Yd(M0,
…) para Yd(M1,…). Quando o nível de preços sobe para P’1, a curva de
demanda por trabalho também se desloca para a direita, para Nd(P’1). Se o
aumento na oferta de moeda for não antecipado, essas são as únicas curvas
que se deslocam no curto prazo. O deslocamento adicional para a esquerda na
curva de oferta de trabalho e, consequentemente, o deslocamento para a
esquerda da curva de oferta agregada mostrados na Figura 11.2, onde o
aumento na oferta de moeda era antecipado, não ocorrem no caso de um
aumento não antecipado da oferta de moeda. Quando o aumento da oferta de
moeda não é previsto, ele não afeta a expectativa dos ofertantes de trabalho
quanto ao valor que o nível de preços agregado assumirá ao longo do período
atual, portanto a curva de oferta de trabalho não se desloca.
Quando o aumento da oferta de moeda não é antecipado, o modelo novoclássico indica que o produto e o emprego serão afetados. Na Figura 11.2, o
produto subirá de Y0 para Y’1 e o emprego aumentará de N0 para N’1,
resultados idênticos aos da análise keynesiana ou monetarista para esse
aumento da demanda agregada. No curto prazo, mesmo pressupondo
expectativas racionais, os ofertantes de trabalho não percebem o efeito
inflacionário do aumento na demanda agregada. Esse era o pressuposto tanto
da visão keynesiana como da monetarista para qualquer mudança na demanda
agregada. Os economistas novo-clássicos negam que mudanças antecipadas na
demanda agregada possam afetar o produto e o emprego, mas sua concepção
dos efeitos de mudanças não antecipadas na demanda agregada não difere
daquela dos keynesianos e dos monetaristas.
Essa análise dos efeitos de uma ação de política monetária não antecipada
ilustra uma diferença importante entre a teoria novo-clássica e a teoria
clássica original explicada nos Capítulos 3 e 4. No modelo novo-clássico, os
agentes econômicos formam expectativas racionais, mas não têm informações
perfeitas; eles cometem erros na previsão do nível de preços e esses erros
fazem com que o produto e o emprego desviem-se, no curto prazo, de suas
taxas de equilíbrio de longo prazo. No modelo clássico, pressupunha-se que
os agentes econômicos tivessem informações perfeitas. Os ofertantes de
trabalho conheciam o salário real; não havia surpresas monetárias (ou outras)
nem desvios das taxas de produto e emprego determinadas pela oferta.
11.1.3 Conclusões novo-clássicas sobre políticas econômicas
A visão novo-clássica de que mudanças não antecipadas na demanda
agregada afetam o produto e o emprego ainda assim não atribui nenhum papel
significativo a políticas de estabilização macroeconômicas. Para entender
isso, consideremos o que os economistas novo-clássicos veem como a
resposta de política econômica adequada para um declínio na demanda do
setor privado, por exemplo, um declínio autônomo na demanda por
investimento. Já analisamos a visão keynesiana sobre a resposta de política
adequada para esse tipo de choque. Os keynesianos afirmam que um declínio
na demanda do setor privado deve ser compensado por uma ação de política
fiscal ou monetária expansionista a fim de estabilizar a demanda agregada, o
produto e o emprego.
FIG 11.3 Efeitos de um declínio autônomo no investimento: uma visão novoclássica
Um declínio autônomo no investimento desloca a curva de demanda agregada de
Yd(I0) para Yd(I1). Esse deslocamento reduziria o produto de Y0 para Y’1 e baixaria o
nível de preços de P0 para P’1. A queda no nível de preços desloca a curva de
demanda por trabalho de Nd(P0) para Nd(P’1), o que faz o emprego cair de N0 para
N’1. Estes são os únicos efeitos se o declínio no investimento não tiver sido
antecipado. Se o declínio no investimento tiver sido antecipado, o nível esperado de
investimento autônomo (Ie) também cairá (de Ie0 para Ie1). A curva de oferta agregada
será deslocada de Ys(Ie1) para Ys(Ie1) e a curva de oferta de trabalho será deslocada de
Ns(Ie0) para Ns(Ie1). Esses deslocamentos fazem o produto e o emprego retornarem a
seus níveis iniciais.
Os efeitos do declínio no investimento estão representados na Figura 11.3.
O declínio na demanda por investimento desloca a curva de demanda
agregada de Yd(I0) para Yd(I1) na Figura 11.3a. Isso faz o produto declinar de
Y0 para Y’1. O nível de preços cairá de P0 para P’1 e, como resultado, a curva
de demanda por trabalho na Figura 11.3b será deslocada para baixo, de
Nd(P0) para Nd(P’1). A ocorrência ou não de efeitos adicionais devidos ao
declínio na demanda por investimento depende, na visão novo-clássica, de o
declínio ter sido antecipado ou não. Para começar, vamos supor que ele tenha
sido antecipado.
Nesse caso, os ofertantes de mão de obra preverão o declínio no nível de
preços que resultará do declínio da demanda agregada. Esperando agora que
o nível de preços seja mais baixo, eles ofertarão mais trabalho por um dado
salário monetário, uma vez que, com o nível de preços esperado mais baixo,
um dado salário monetário corresponde a um salário real esperado mais alto.
Essa queda no nível de preços esperado desloca a curva de oferta de trabalho
para a direita na Figura 11.3b [de Ns(Ie0) para Ns(Ie1)]. Como consequência, a
curva de oferta agregada desloca-se para a direita na Figura 11.3a [de Ys(Ie0)
para Ys(Ie1)]. Há um declínio adicional no nível de preços para P1 e, portanto,
mais um deslocamento para baixo da curva de demanda por trabalho, para
Nd(P1). No novo equilíbrio de curto prazo, o salário monetário e o nível de
preços caíram o suficiente para levar o emprego e o produto de volta a seus
níveis iniciais, N0 e Y0.
Essa análise é o exato oposto de nossa análise de um aumento antecipado
da demanda agregada resultante de um aumento da oferta de moeda. No
sistema novo-clássico, produto e emprego não são afetados por mudanças
previstas na demanda agregada, mesmo no curto prazo. Em consequência, não
há necessidade de uma resposta de política de estabilização a uma mudança
antecipada na demanda, como um declínio no investimento.
Mas e se o declínio no investimento não tiver sido antecipado? Nesse
caso, os ofertantes de trabalho não teriam previsto a queda dos preços que
resultou do declínio da demanda agregada. A curva de oferta de trabalho
(Figura 11.3b) e a curva de oferta agregada (Figura 11.3a) teriam
permanecido em Ns(Ie0) e Ys(Ie0), respectivamente. O declínio no investimento
teria feito o produto e o emprego caírem aos níveis dados por Y’1 e N’1. Não
seria, então, o caso de uma ação de política econômica compensatória para
elevar a demanda agregada de volta a seu nível inicial?
A resposta é que tal reação de política econômica seria desejável, mas não
praticável. O declínio no investimento foi, por definição, não antecipado. Ou
seja, pressupondo expectativas racionais, o declínio não poderia ter sido
previsto com base em nenhuma das informações disponíveis. Os
formuladores de políticas, como qualquer outro agente econômico, teriam
sido incapazes de prever o declínio no investimento com antecedência. Eles
não poderiam ter agido para elevar a demanda agregada de modo a compensar
o declínio. Uma vez que a quedas do investimento tenha ocorrido e exercido
seu efeito sobre o produto, os formuladores de políticas poderiam agir para
elevar a demanda agregada se esperassem que o nível baixo de investimento
pudesse se repetir em períodos futuros. Se, porém, fosse esperado que
investimento continuasse baixo, não haveria necessidade de uma resposta de
política econômica, porque os agentes privados também teriam essa
expectativa. Nesse ponto, ocorreria o deslocamento das curvas de oferta de
trabalho e de oferta agregada. Em outras palavras, enquanto o choque for não
antecipado, os formuladores de políticas não têm o conhecimento necessário
para agir de modo a compensar o choque. Depois que o choque passa a ser
antecipado pelos formuladores de políticas, ele também é previsto por outros
agentes econômicos, incluindo os ofertantes de trabalho, e não há mais
necessidade de compensar o choque.
A análise acima indica que a visão novo-clássica não vê nenhuma utilidade
em políticas de demanda agregada voltadas a estabilizar o produto e o
emprego. As conclusões de política econômica dos economistas novoclássicos são não intervencionistas, assim como eram as dos economistas
clássicos. Nesse aspecto, os economistas novo-clássicos concordam com os
monetaristas. Quanto à política monetária, muitos economistas novo-clássicos
defendem que haja regras. Uma regra de política monetária para a taxa de
crescimento da moeda ou a inflação reduziria mudanças de política não
antecipadas, que não têm nenhum valor de estabilização e levam os agentes
econômicos a cometer erros na previsão de preços.
No caso da política fiscal, os economistas novo-clássicos defendem a
estabilidade e rejeitam estímulos excessivos e inflacionários. Os economistas
novo-clássicos Thomas Sargent e Neil Wallace, por exemplo, foram críticos
dos grandes déficits resultantes da política fiscal da administração Reagan na
década de 1980.8
A instabilidade na política fiscal causa incerteza, dificultando para os
agentes que formam expectativas racionais a previsão correta do curso da
economia. Além disso, Sargent e outros acreditam que uma política monetária
não-inflacionária crível não pode coexistir com uma política fiscal que gere
grandes déficits. Déficits enormes põem a autoridade monetária sob grande
pressão para aumentar a expansão monetária a fim de ajudar a financiar o
déficit. Sargent e outros economistas novo-clássicos acreditam que o controle
dos déficits orçamentários do governo é necessário para uma política
monetária não inflacionária crível.
PERSPECTIVAS 11.1 - PREÇOS DAS AÇÕES NOS
ESTADOS UNIDOS: EXPECTATIVAS RACIONAIS OU
EXUBERÂNCIA IRRACIONAL?
Estivemos examinando as implicações do pressuposto das expectativas racionais
para as políticas de estabilização macroeconômicas. O pressuposto das
expectativas racionais também tem implicações para outros aspectos da economia,
dos quais um importante é a determinação dos preços de ativos financeiros.
Vamos examinar aqui o pressuposto das expectativas racionais aplicado à teoria da
determinação do preço das ações.
Se os agentes formam expectativas racionais, ao decidir quanto vale uma dada
ação (por exemplo, da General Electric) eles usarão todas as informações, e de
modo inteligente. As informações relevantes nesse contexto seriam qualquer
coisa que se saiba sobre as perspectivas futuras de ganhos da empresa, o que se
chama de fundamentos do mercado. Em um mercado composto de tais agentes,
os preços das ações se moverão muito depressa em resposta a novas
informações sobre as perspectivas de ganhos de uma empresa. Na verdade, os
preços se moverão tão depressa que se considera que o preço corrente das
ações de uma empresa já reflita todas as informações disponíveis. Um mercado
assim é chamado de mercado eficiente.a
Como no caso da política de estabilização, a aplicação do pressuposto das
expectativas racionais aos preços no mercado de ações é controversa. Muitos
duvidam que os investidores no mercado de ações sejam tão racionais. Esses
acreditam que decisões de comprar e vender ações são tomadas, em grande
medida, independentemente de novas informações sobre os fundamentos do
mercado. Entre os primeiros que expressaram essa dúvida esteve John Maynard
Keynes. Keynes descreveu o mercado de ações como “um jogo de Tapão, de
Mico Preto, de Dança das Cadeiras – um passatempo em que o vitorioso é o
que bater nas cartas na hora certa, o que passar o Mico para o vizinho antes
que o jogo termine, o que garantir uma cadeira para si quando a música para”.
Keynes e outros depois dele acreditam que instintos de rebanho, investimento
por impulso e feedback trading são descrições melhores dos motivos para
comprar e vender ações do que decisões motivadas por expectativas racionais.
De acordo com eles, os investidores são fortemente condicionados pelo que
outros investidores estão fazendo.
Em oposição ao comportamento dos preços das ações em um mercado
eficiente, os preços em um mercado impulsionado pelo tipo de investidores
descritos por Keynes poderiam ser excessivamente voláteis conforme os
investidores influenciam-se uns aos outros e levam os preços para cima ou para
baixo. Em 1996, o presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, questionou
se a rápida elevação dos preços das ações na época não estaria sendo induzida
por “exuberância irracional” em lugar de expectativas racionais.b
A Figura 11.4 mostra os valores de dois índices de preços de ações, o amplo
Standard e Poor’s 500 e o NASDAQ, que contém muitas empresas de alta
tecnologia, para o período de 1987 a 2011. A rápida escalada dos preços das
ações no final da década de 1990 e o acentuado declínio subsequente em 20002002 dão apoio aos que acreditam na exuberância irracional. A expansão e a
queda no NASDAQ, em especial, pareceram ser mais consistentes com a ideia
de uma bolha especulativa do que de um mercado de ações eficiente. A forte
queda dos preços das ações em 2008-2009 reacendeu as dúvidas quanto à
hipótese do mercado eficiente.
Defensores do mercado eficiente não ficaram convencidos. Burton Malkiel, em
um artigo em 2003, afirmou que, embora os preços de mercado nem sempre
fossem “perfeitos”, desvios da eficiência de mercado eram mais a “exceção do
que a regra”.c Malkiel argumentou que qualquer ineficiência de mercado séria
deve apresentar uma oportunidade de lucro explorável. Se as informações não
estão sendo eficientemente incorporadas nos preços das ações, deve haver um
lucro potencial em seu uso. Sobre esse ponto, ele citou Richard Roll, um teórico
financeiro e administrador de carteiras de ativos, como se segue: “Eu tentei
pessoalmente investir dinheiro, dinheiro de meus clientes e meu próprio, em
cada anomalia e instrumento de previsão que os acadêmicos já inventaram… E
ainda não ganhei um níquel sequer com qualquer uma dessas supostas
ineficiências de mercado”.d
A circunstância de o mercado de ações ser conduzido por expectativas racionais
ou por exuberância irracional tem implicações importantes para a economia.
Uma volatilidade excessiva é cara, uma vez que pode afastar os investidores do
mercado e aumentar os custos das firmas para obter recursos. Um mercado
constituído principalmente de investidores irracionais seria um alvo mais
provável para regulação do que um mercado em que os preços fossem
determinados por investidores com expectativas racionais associadas aos
fundamentos do mercado.
A crise financeira de 2007-2009 levou a um reexame do que significaria
“eficiente” em um mercado eficiente. Mais de 40 anos atrás, o economista
William Baumol escreveu: “Se os preços dos títulos fossem independentes do
potencial de ganhos, não se poderia esperar que o mercado de ações servisse
como uma força disciplinadora efetiva capaz de pressionar a administração a
manter a eficiência das operações da empresa”. Robert Lucas escreveu,
defendendo a hipótese dos mercados eficientes na sequência da crise financeira:
“O termo ‘eficiente’ conforme usado aqui significa que os indivíduos usam
informações em seu próprio interesse particular. Não tem nada a ver com
precificação socialmente desejável. As pessoas muitas vezes confundem essas
duas coisas”. Robert Shiller comentou que o pulo da observação de que é difícil
prever os movimentos dos preços das ações para a conclusão de que eles
devem estar “certos” é “um dos erros mais notáveis na história do pensamento
econômico”. Poderíamos considerar que o mercado de ações seja eficiente no
sentido de Lucas. Além disso, como Malkiel e Roll concluem, pode ser difícil
encontrar oportunidades de lucro exploráveis devido a ineficiências do mercado.
Ainda assim pode ser verdade, como Keynes afirmou, que “quando o
desenvolvimento do capital em um país torna-se um subproduto das atividades
de um cassino, é bem provável que o trabalho seja mal feito”.
FIG 11.4 O NASDAQ e o S&P 500 (2 de fevereiro de 1987-2 de
fevereiro de 2011)
Fonte: Yahoo Finance.
a Uma apresentação clássica da hipótese dos mercados eficientes está em FAMA,
Eugene F. Efficient capital markets: a review of theory and empirical work.
Journal of Finance, p. 383-416, 1970.
b Robert Shiller usou a expressão de Greenspan como título de seu livro Irrational
exuberance (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2000), que questiona a
validade da hipótese dos mercados eficientes.
c MALKIEL, Burton. The efficient market hypothesis and its critics. Journal of
Economic Perspectives, 17, p. 59-82, Winter 2003.
d MALKIEL, 2003, p. 72.
11.2 Uma visão mais ampla da posição novo-clássica
Os economistas novo-clássicos são críticos da economia keynesiana como
um todo. Os economistas novo-clássicos Robert Lucas e Thomas Sargent
usam termos como “fundamentalmente falha”, “entulho”, “fracasso em grande
escala” e “de nenhum valor” para descrever os aspectos principais da análise
teórica e de políticas keynesiana.9 Lucas, Sargent e outros economistas novoclássicos criticam as bases teóricas do sistema keynesiano. Eles afirmam que,
no modelo de Keynes, regras práticas, como a função consumo e a função
demanda por moeda keynesiana, substituíram funções clássicas baseadas em
comportamentos otimizadores individuais. O modelo keynesiano, na opinião
deles, é constituído de elementos ad hoc, que foram tentativas frustradas de
explicar o comportamento observado da economia no agregado. Um bom
exemplo dessa falha do sistema keynesiano está na forma de lidar com as
expectativas. O sistema keynesiano usa uma regra prática em que o preço
corrente esperado é expresso como uma função do comportamento passado
dos preços. Tal pressuposto não é derivado do uso ótimo das informações
pelos indivíduos e implica, de modo geral, que os agentes econômicos
escolhem ignorar informações úteis ao fazer suas previsões de preços.
Os economistas novo-clássicos também criticam o pressuposto de Keynes
de que os salários são “rígidos”, significando, em sua interpretação desse
pressuposto, que os salários “são fixados em um nível ou por um processo
que poderia ser considerado independente das forças macroeconômicas que
ele se propõe a analisar”. Já examinamos os argumentos que os keynesianos
oferecem em apoio ao pressuposto da rigidez dos salários. Os economistas
novo-clássicos não acham esses argumentos convincentes. Eles defendem a
visão clássica de que os mercados, incluindo o mercado de trabalho,
equilibram-se; ou seja, os preços, incluindo o salário monetário, movem-se
no sentido de igualar oferta e demanda.
Os economistas novo-clássicos afirmam que modelos macroeconômicos
úteis devem corrigir as falhas da economia keynesiana aderindo
consistentemente aos seguintes pressupostos:
1. Os agentes otimizam; ou seja, agem em seu próprio interesse.
2. Os mercados equilibram-se.
Por que, então, Keynes desconsiderou esses pressupostos? A economia
keynesiana foi uma resposta ao fracasso da economia clássica em explicar o
problema do desemprego e a relação entre desemprego e demanda agregada.
Lembre-se que a curva de oferta agregada clássica era vertical. Com essa
curva de oferta, o produto agregado era totalmente dependente de fatores de
oferta. O modelo clássico foi abandonado por Keynes porque não explicava
desvios prolongados do produto e do emprego em relação aos níveis de pleno
emprego.
Os economistas novo-clássicos afirmam que um modelo na tradição
clássica pode explicar os desvios em relação ao pleno emprego quando se
incorpora ao sistema clássico o pressuposto das expectativas racionais.
Lembre-se que a teoria clássica do mercado de trabalho, que era a base para a
função oferta agregada vertical clássica, pressupunha que os ofertantes de
trabalho conhecessem o salário real, o que implica que os ofertantes de
trabalho tinham informações perfeitas sobre o valor que o nível agregado
preços assumiria no curto prazo. Os economistas novo-clássicos usam, em vez
disso, o pressuposto de que os ofertantes de trabalho fazem uma previsão
racional do nível agregado de preços. Nesse caso, como vimos, mudanças
sistemáticas e, portanto, antecipadas na demanda agregada não afetarão o
produto e o emprego, que, no entanto, serão afetados por mudanças não
previstas na demanda agregada. Essas mudanças não antecipadas na demanda
agregada podem explicar os desvios em relação aos níveis de pleno emprego.
11.3 A contracrítica keynesiana
O tema central da resposta keynesiana à crítica novo-clássica é que,
embora sejam levantados pontos válidos, especialmente no que se refere à
deficiência do tratamento dado pelos keynesianos à formação de expectativas,
ainda é, nas palavras do keynesiano Robert Solow, “muito cedo para arrancar
os capítulos sobre IS-LM dos compêndios de sua possivelmente desperdiçada
juventude”.10 Os keynesianos continuam a acreditar que Keynes forneceu a
base de uma estrutura útil para analisar os determinantes do produto e do
emprego. Eles continuam a acreditar na utilidade de políticas ativas para
estabilizar o produto e o emprego. As principais áreas em que os keynesianos
levantaram objeções à visão novo-clássicas são as que se seguem.
11.3.1 A questão da persistência
Na seção anterior, vimos que o modelo novo-clássico, com o conceito das
expectativas racionais, podia explicar desvios em relação ao produto
potencial. Declínios não antecipados na demanda agregada moveriam o
produto e o emprego para níveis abaixo de seus níveis potenciais. Os
keynesianos afirmam que, embora tal explicação talvez seja plausível para
afastamentos breves do produto e do emprego potenciais, ela não é adequada
para explicar os desvios persistentes e substanciais que de fato presenciamos.
Um declínio não antecipado no investimento, como o que examinamos
anteriormente (Figura 11.3), poderia fazer o produto e o emprego declinarem
durante um curto período, digamos, um ano. No ano seguinte, porém, esse
declínio na demanda agregada seria aparente; ele não seria mais imprevisto.
Os ofertantes de trabalho reconheceriam que o nível de preços havia baixado.
Em consequência, os deslocamentos para a direita da curva de oferta de
trabalho e da curva de oferta agregada discutidos anteriormente (veja a Figura
11.3) levariam o emprego e o produto de volta a seus níveis iniciais.
Como, então o modelo novo-clássico pode explicar taxas de desemprego
de 10% ou mais na Grã-Bretanha durante todo o período de 1923-1939, ou
durante a Grande Depressão da década de 1930 nos Estados Unidos, quando a
taxa de desemprego ficou acima de 14% por dez anos consecutivos? Como o
modelo pode explicar o movimento da taxa de desemprego durante as
profundas e prolongadas recessões de meados da década de 1970, início da
de 1980 e 2007-2009?
Os economistas novo-clássicos respondem que, embora a causa do
desemprego, a mudança não antecipada demanda agregada, seja de curta
duração, os efeitos do choque persistirão. Consideremos, por exemplo, a
resposta a um declínio não antecipado da demanda agregada. Vamos supor
que, depois de cerca de um ano, todos reconheçam que a demanda caiu, de
forma que a mudança não é mais imprevista. Reduções no produto e no
emprego terão ocorrido. Os economistas novo-clássicos afirmam que levará
algum tempo para que tais declínios sejam revertidos. As firmas que já
reduziram os níveis de produção não acharão conveniente restaurar a
produção imediatamente aos níveis pré-choque, por causa do custo desses
ajustes. Além disso, as firmas terão acumulado excessos de estoque ao longo
do período em que o produto esteve em declínio. Levará algum tempo para
que esses estoques sejam escoados; enquanto isso, a produção e, portanto, os
níveis de emprego continuarão baixos. No lado da oferta de trabalho, os
trabalhadores que ficaram desempregados não acharão ideal aceitar a
primeira oferta de trabalho que aparecer e, em vez disso, iniciarão uma busca
pela melhor oportunidade de emprego. Como consequência desses intervalos
de ajuste, os economistas novo-clássicos afirmam que desvios duradouros dos
níveis de pleno emprego, como o vivido pelos Estados Unidos em meados da
década de 1970 e início da década de 1980, podem ser explicados mesmo que
os choques que os causaram tenham sido de curta duração.
E quanto às depressões na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos na década
de 1930? Um defensor da posição novo-clássica, Robert Barro, explicou a
severidade da experiência americana pela extensão do colapso monetário em
grande medida não antecipado durante os primeiros anos da Depressão,
quando a oferta de moeda caiu em um terço. A lenta recuperação é vista como
resultado da intervenção maciça do governo no período do New Deal, que
subverteu os mecanismos de ajuste normais do setor privado.11 Outros
economistas novo-clássicos, como Sargent e Lucas, concordam com os
keynesianos que a Grande Depressão não é bem explicada por sua teoria, mas
também não acham que a explicação keynesiana seja convincente.
Sobre essa questão da persistência, os keynesianos não se mostram
convencidos de que os intervalos de ajuste sejam explicação suficiente para o
desemprego severo e prolongado. Eles acreditam que a aceitação do modelo
clássico ou novo-clássico só pode explicar episódios como a Grande
Depressão como resultado de fatores do lado da oferta, que, em sua opinião,
são os únicos fatores nesses modelos que poderiam causar desemprego
prolongado. Se os mercados se equilibram e não há desemprego voluntário,
então, nas palavras de Modigliani, para os economistas clássico e novo-
clássicos “o que aconteceu nos Estados Unidos na década de 1930 foi um
sério ataque de preguiça contagiosa”.12
11.3.2 Os pressupostos informacionais extremos das
expectativas racionais
Os keynesianos aceitam a crítica dos economistas novo-clássicos quanto a
formulações de expectativas de preços baseadas apenas em informações
sobre preços passados. Essas regras são ingênuas, porque pressupõem que os
agentes econômicos negligenciem informações disponíveis e potencialmente
úteis ao fazer suas previsões. Esses pressupostos ingênuos sobre as
expectativas começaram a ser usados na década de 1950 e início da década
de 1960, quando a taxa de inflação era baixa e estável. Nessas circunstâncias,
tais regras podem ter sido aproximações razoáveis do modo como as pessoas
faziam previsões, uma vez que boas previsões podiam de fato ser baseadas no
comportamento passado dos preços. Com a inflação volátil e muitas vezes
alta do período pós-1970, é mais difícil acreditar que os agentes econômicos
não julgassem que valeria a pena fazer previsões mais sofisticadas.
Ainda assim, muitos keynesianos afirmam que o pressuposto das
expectativas racionais erra ao considerar que os agentes econômicos sejam
previsores irrealisticamente sofisticados, em especial quando atribui
expectativas racionais a ofertantes de trabalho individuais. Os keynesianos
criticam o pressuposto de que indivíduos usem todas as informações
relevantes disponíveis ao fazer suas previsões. Tal pressuposto ignora os
custos da coleta de informações.
A teoria das expectativas racionais também pressupõe que os indivíduos
usem as informações disponíveis de forma inteligente. Eles conhecem as
relações que ligam as variáveis observadas às variáveis que estão tentando
prever. Também são capazes de compreender o padrão de resposta
sistemática dos formuladores de políticas. Por exemplo, se o formulador de
políticas monetárias responde tipicamente a uma alta do desemprego
aumentando a oferta de moeda, o público passará a antecipar tais ações de
política. Além disso, serão capazes de prever os efeitos dessas ações de
política monetária antecipadas. Os keynesianos acham que, se a economia,
incluindo o comportamento dos formuladores de políticas, apresentasse
poucas mudanças durante um longo período de tempo, talvez fosse razoável
acreditar que os agentes econômicos acabariam por conhecer as relações
subjacentes que governam variáveis de política e agregados econômicos. O
pressuposto das expectativas racionais poderia ser realista em um modelo de
equilíbrio de longo prazo, mas os keynesianos afirmam que ele não é realista
no curto prazo. No curto prazo, o custo de coletar e processar informações
pode ser suficientemente alto para que os ofertantes de trabalho, ao fazer
previsões do nível agregado de preços ou da taxa de inflação, não achem que
valha a pena usar muitas informações além do comportamento passado dos
preços.
Se as expectativas não forem racionais, há um papel para políticas de
administração da demanda agregada voltadas a estabilizar o produto e o
emprego. Até mesmo mudanças sistemáticas na demanda agregada afetarão o
produto e o emprego, uma vez que não serão antecipadas pelos agentes
econômicos. Se a demanda agregada do setor privado for instável, como os
keynesianos acreditam que seja, uma política de estabilização é necessária.
Além disso, as autoridades formuladoras de políticas monetárias e fiscais
devem ser capazes de prever mudanças sistemáticas na demanda agregada do
setor privado. Essas autoridades formuladoras de políticas de fato coletam o
que consideram ser todas as informações importantes e disponíveis sobre as
variáveis que desejam prever e controlar. Elas também investem recursos
consideráveis na tentativa de avaliar as relações que caracterizam a
economia. Os keynesianos acham razoável ver o pressuposto das expectativas
racionais como correto quando aplicado aos formuladores de políticas. Estes
podem projetar mudanças de políticas para compensar o que, para o público,
são mudanças não previstas na demanda agregada do setor privado. Em
essência, esse papel de políticas de estabilização deriva de uma vantagem
informacional por parte do formulador de políticas.
Os keynesianos concluem que:
Modelos macroeconômicos baseados nos pressupostos da hipótese das
expectativas racionais, portanto, não demonstram a ineficácia das
políticas no curto prazo, porque não são de fato modelos de curto prazo.
O pressuposto da disponibilidade de informações da hipótese das
expectativas racionais posiciona implicitamente esses modelos em um
contexto de equilíbrio de longo prazo, no qual as suas propriedades
clássicas… não surpreendem.13
Os economistas novo-clássicos defendem o pressuposto das expectativas
racionais. Eles admitem que a hipótese das expectativas racionais é
“irrealista” mas, como afirma Bennett McCallum, “Todas as teorias ou
modelos são ‘irrealistas’ no sentido de serem descrições extremamente
simplificadas da realidade… Assim, a questão real é: de todos os
pressupostos simples sobre expectativas concebíveis, qual deve ser
incorporado em um modelo macroeconômico a ser usado para análise de
estabilização?”14 Os economistas novo-clássicos preferem o pressuposto das
expectativas racionais a formulações que consideram que os indivíduos
formem expectativas de preços com base apenas na história passada dos
preços.
11.3.3 O mercado de leilão versus as visões contratuais do
mercado de trabalho
No modelo novo-clássico, como na teoria clássica original, considera-se
que o salário monetário ajuste-se rapidamente para equilibrar o mercado de
trabalho – para igualar oferta e demanda por trabalho. Essa é uma
caracterização do mercado de leilão. Em contraste, na visão contratual
keynesiana do mercado de trabalho, “os salários não são estabelecidos de
forma a equilibrar o mercado no curto prazo; em vez disso, são fortemente
condicionados por considerações de prazo mais longo, envolvendo…
relações empregador-empregado”.15 O salário monetário é rígido em relação
a movimentos para baixo. Na expressão de Arthur Okun, o mercado de
trabalho funciona mais pelo aperto de mão invisível do que pela mão
invisível de um mecanismo de mercado competitivo. A maior parte das
respostas a um declínio na demanda agregada e, consequentemente, na
demanda por trabalho assume a forma de uma redução do nível de emprego e
não de uma queda do salário monetário.
Os keynesianos consideram o mercado de trabalho como palco de arranjos
de longo prazo entre compradores e vendedores. Em geral, tais relações fixam
o salário monetário e deixam o empregador livre para ajustar as horas
trabalhadas ao longo da vigência do contrato explícito ou implícito.
Dispensas ou reduções de horas de trabalho são consideradas uma resposta
aceitável do empregador a uma queda na demanda. Aplicar pressão para
cortes de salário ou substituir os trabalhadores atuais por desempregados que
aceitarão trabalhar por salários mais baixos não é aceitável. Essa visão
contratual keynesiana explica a rigidez salarial com base nos mecanismos
institucionais que caracterizam o mercado de trabalho. Muitas pesquisas estão
sendo feitas para investigar as razões teóricas que levaram ao
desenvolvimento de tais instituições do mercado de trabalho. Mesmo sem
essas bases teóricas, os keynesianos afirmam que mecanismos institucionais
dessa natureza existem de fato e criticam os economistas novo-clássicos por
ignorar esses elementos da realidade que seu modelo não consegue explicar.
Os economistas novo-clássicos concordam que o mercado de trabalho é,
pelo menos em parte, caracterizado por contratos de longo prazo. Eles negam,
porém, que a existência desses contratos tenha, em si, alguma implicação para
determinar se o mercado de trabalho se equilibrará ou não – ou seja, se
haverá ou não desemprego involuntário. Negam que os termos dos contratos
de trabalho sejam tão rígidos a ponto de empregadores e empregados não
poderem realizar mudanças que sejam desejáveis para ambas as partes. Por
exemplo, se o salário monetário especificado for alto demais para manter o
nível de emprego de equilíbrio do mercado, os trabalhadores poderiam
abdicar de outras cláusulas do contrato, aumentar o trabalho feito por hora ou,
em casos extremos, permitir alguma revisão do salário. Os economistas novoclássicos não negam que contratos de trabalho causam algum desvio do
emprego em relação aos níveis de equilíbrio do mercado, mas não acreditam
que esse desvio seja significativo.
PERSPECTIVAS 11.2 - A GRANDE DEPRESSÃO:
VISÕES NOVO-CLÁSSICAS
A Grande Depressão da década de 1930 foi um acontecimento tão determinante
no desenvolvimento de nossas ideias sobre questões macroeconômicas que é
interessante examinar como cada uma das teorias que apresentamos explica esse
fenômeno.
Vamos ver o que vários proponentes importantes do modelo novo-clássico
tiveram a dizer sobre a Depressão. Primeiro, Robert Lucas:
Se olharmos para o episódio de 1929 a 1933, veremos que houve muitas
decisões que, posteriormente, as pessoas gostariam de não ter tomado. Houve
muitos que se arrependeram de ter deixado o emprego; houve ofertas de
trabalho que as pessoas recusaram por considerarem os salários ruins e que,
três meses depois, gostariam de ter aceitado. Contadores que perderam seu
trabalho em contabilidade e recusaram um emprego de motorista de táxi
viram-se de repente sentados na rua enquanto seu colega dirigia um táxi. E
pensaram que deveriam ter aceitado o emprego de motorista de táxi. As
pessoas cometem esse tipo de erro todo o tempo. Qualquer um pode olhar
para a década de 1930 e pensar nas decisões que poderia ter tomado para
ganhar um milhão. Ações que eu teria comprado. Todo tipo de coisas. Não
vejo qual é a dificuldade nessa questão de as pessoas cometerem erros no
ciclo dos negócios.a
Lucas está falando de percepções erradas – mudanças não antecipadas nos preços
– que tiveram efeitos reais. Ele vê os declínios não previstos no nível de preços
como resultado do declínio abrupto na oferta de moeda, conforme Milton
Friedman sugere (veja Perspectivas 9.1).b
Robert Barro também vê políticas governamentais, monetárias e outras, como
fatores essenciais na experiência de 1929-1933: “O colapso monetário sem
precedentes durante esse período corresponde quantitativamente ao drástico
declínio da atividade econômica”.c Além dos efeitos que o rápido declínio da
oferta de moeda pode ter tido, Barro indica um efeito real (ou do lado da oferta)
decorrente do colapso de boa parte do sistema bancário durante esse período.
(Nove mil bancos faliram entre 1923 e 1933.) Quando os bancos faliram, por
exemplo, a produção agrícola não pôde ser colhida porque os agricultores não
conseguiram empréstimos para comprar máquinas agrícolas. De modo geral, um
declínio da disponibilidade de serviços financeiros pode ter reduzido a oferta
total de produtos no período 1929-1933.d
Como mais uma alternativa às explicações keynesianas para a Depressão, Barro
sugere que “as intervenções governamentais associadas ao New Deal, incluindo
o volume de gastos públicos e as regulações diretas de preços, retardaram a
recuperação da economia, que, assim mesmo, foi rápida após 1933”.eTanto
Barro como Lucas, porém, ainda encontram dificuldades com certas partes do
fenômeno da Depressão e, pelo menos em alguns aspectos, concordariam com
o economista novo-clássico Thomas Sargent que:
Eu não tenho uma teoria, nem conheço uma teoria de alguma outra pessoa, que
dê uma explicação satisfatória para a Grande Depressão. É um acontecimento e
um processo realmente muito importante e sem explicação, pelo qual me
interesse muito e que gostaria de ver explicado.f
a KLAMER, Arjo. The new classical macroeconomics: conversations with the
new classical economists and their opponents. Totowa: Rowman and Allanheld,
1983. p. 41.
b KLAMER, 1983, p. 42.
c BARRO, Robert J. Second thoughts on Keynesian economics. American
Economic Review, 69, p. 58, May 1979.
d BARRO, Robert J. Rational expectations and macroeconomics in 1984.
American Economic Review, 74, p.180, May 1984.
e BARRO, 1979, p. 57.
f KLAMER, 1983, p. 69.
Conclusão
A economia novo-clássica apresenta um desafio fundamental à ortodoxia
keynesiana. No plano teórico, os economistas novo-clássicos questionam a
solidez do modelo keynesiano, afirmando que muitas de suas relações não são
firmemente baseadas no comportamento otimizador individual. Como
exemplo, os economistas novo-clássicos apontam o tratamento ingênuo dado
às expectativas de preços no modelo keynesiano. Além disso, criticam o que
consideram ser pressupostos arbitrários dos keynesianos sobre a rigidez dos
salários e o consequente desemprego involuntário.
Sobre questões de política econômica, os economistas novo-clássicos
afirmam que produto e emprego são independentes de mudanças sistemáticas
e, portanto, antecipadas na demanda agregada. Esse é o postulado novoclássico da ineficácia das políticas econômicas. Como políticas significativas
de administração da demanda agregada para estabilizar o produto e o
emprego consistem em mudanças sistemáticas na demanda agregada, os
economistas novo-clássicos não veem função para essas políticas. Eles
chegam a conclusões não intervencionistas sobre políticas semelhantes às dos
economistas clássicos.
Os keynesianos criticam a teoria novo-clássica em vários aspectos.
Argumentam que o modelo novo-clássico não pode explicar o prolongado e
sério desemprego enfrentado pelos Estados Unidos e outros países
industrializados. Alegam que o pressuposto das expectativas racionais atribui
uma disponibilidade de informações extrema e irrealista aos participantes do
mercado. Por fim, e mais importante, criticam a caracterização de mercado de
leilão para o mercado de trabalho no modelo novo-clássico. Os keynesianos
acreditam que o mercado de trabalho é um mercado contratual e que a
natureza desses arranjos contratuais leva a rigidez dos salários e consequente
desemprego involuntário.
A crise financeira e a depressão profunda de 2007-2009 renovaram o
interesse pelas questões centrais do debate entre economistas keynesianos e
novo-clássicos. Pode o modelo novo-clássico explicar realisticamente
declínios prolongados e severos do produto? Políticas de administração da
demanda agregada proporcionam um remédio para recessões graves? Críticos
keynesianos usaram os eventos de 2007-2009 para acusar os economistas
novo-clássicos de “cometerem erros analíticos velhos e básicos por toda
parte” e de “apresentar argumentos totalmente estúpidos”. Robert Lucas de
fato elogiou o Federal Reserve por reagir à crise financeira injetando grandes
quantidades de dinheiro no sistema bancário, mas essa era uma medida que
visava a consertar o mecanismo de mercado, e não simplesmente estimular a
demanda agregada. Lucas chamou a ideia de que se pudesse ajudar a
recuperação por meio de um estímulo fiscal keynesiano de um “conto de
fadas”. Voltaremos a essas questões de política econômica em capítulos
posteriores sobre políticas de estabilização monetárias e fiscais.
Questões de revisão
1. Explique o conceito de expectativas racionais. Como essa visão sobre a
formação de expectativas difere do pressuposto feito em capítulos
anteriores de que os trabalhadores formam expectativas dos níveis de
preços atuais e futuros com base em informações passadas sobre preços?
2. Explique as implicações do pressuposto das expectativas racionais para a
eficácia de políticas de estabilização econômica.
3. Contraste as visões novo-clássica e keynesiana quanto ao modo de
funcionamento de mercados de trabalho.
4. Dentro do esquema novo-clássico, como você explicaria um desvio
persistente em relação ao produto potencial como o que foi experimentado
pelos Estados Unidos durante a recessão profunda de 2007-2009?
5. Compare as posições novo-clássica e monetarista quanto à eficácia de
políticas de administração da demanda agregada para estabilizar o
produto.
6. Mesmo dentro do modelo novo-clássico, ações de política antecipadas,
como um aumento da oferta de moeda, afetarão a renda nominal. Explique
por que o ajuste das expectativas dos agentes econômicos, que compensa
os efeitos reais de tal mudança de política, não compensa também os
efeitos nominais.
7. Por que acrescentar o adjetivo novo a clássico para descrever o modelo
deste capítulo? Como essa análise difere do modelo clássico apresentado
nos Capítulos 3 e 4?
8. Comente a afirmação a seguir. Você concorda ou discorda dessa opinião
sobre a eficácia de ações de política fiscal sistemáticas ou antecipadas
dentro de um modelo econômico novo-clássico? Explique.
A economia novo-clássica ou teoria das expectativas racionais oferece
uma explicação convincente para a incapacidade de uma política
monetária sistemática afetar a renda ou o emprego reais. A situação é
bem diferente, porém, no que se refere a ações de política fiscal, como
aumentos nos gastos do governo, que afetarão o produto e o emprego
reais quer sejam ou não antecipadas – a diferença entre as políticas
monetária e fiscal é que a política monetária afeta a demanda agregada
e, em consequência, o produto por induzir os agentes econômicos
privados a alterar suas demandas por produto. Com expectativas
racionais, esse efeito será cancelado. Um aumento nos gastos do
governo afeta a demanda agregada diretamente e não há como o setor
privado cancelar seus efeitos sobre a renda e o emprego.
9. Como um choque de oferta, como o aumento exógeno no preço do petróleo
que foi analisado na Seção 8.5, afeta o nível agregado de preços e o nível
do produto real no modelo novo-clássico?
10. Durante o governo de George W. Bush, reduções nas alíquotas do imposto
sobre a renda, os dividendos e os ganhos de capital foram a peça central
da política fiscal. Analise os efeitos macroeconômicos desses cortes de
impostos dentro do modelo novo-clássico.
CAPÍTULO 12
Os ciclos reais de negócios e a economia novo-keynesiana
Sobre o debate entre os economistas keynesianos e novo-clássicos, um
observador comentou que a característica mais impressionante da posição de
cada lado era sua crítica ao outro. Seja como for, o debate de fato deixou
ambos os lados com a sensação da necessidade de novas pesquisas para dar
apoio à sua posição fundamental. Essa percepção gerou dois novos rumos na
pesquisa macroeconômica. Um deles, fortemente apoiado na tradição
clássica, é a teoria dos ciclos reais de negócios. O segundo, a teoria novokeynesiana, segue, como o nome sugere, a tradição keynesiana. A teoria dos
ciclos reais de negócios é discutida na Seção 12.1. Voltamo-nos depois para a
teoria novo-keynesiana na Seção 12.2.
12.1 Modelos de ciclos reais de negócios
A teoria dos ciclos reais de negócios é um desenvolvimento da teoria
novo-clássica, que, por sua vez, evoluiu da economia clássica original. De
fato, os modelos de ciclos reais de negócios são às vezes mencionados como
a segunda geração de modelos novo-clássicos.
12.1.1 Aspectos centrais dos modelos de ciclos reais de
negócios
Lembre-se que os economistas novo-clássicos acreditam que os modelos
macroeconômicos precisam ter duas características:
1. Os agentes otimizam.
2. Os mercados se equilibram.
Os teóricos dos ciclos reais de negócios concordam. Um aspecto distintivo
dos modelos de ciclos reais de negócios é a atenção minuciosa às bases
microeconômicas – as decisões otimizadoras de indivíduos. Os teóricos dos
ciclos reais de negócios também acreditam que o ciclo de negócios é um
fenômeno de equilíbrio, no sentido de que todos os mercados se equilibram.
Essa crença contrasta com a visão keynesiana de que o mercado de trabalho
não se equilibra. O modelo keynesiano inclui desemprego involuntário. Nos
modelos de ciclos reais de negócios, como nos modelos novo-clássicos, todo
desemprego é voluntário.
Onde os teóricos dos ciclos reais de negócios afastam-se dos economistas
novo-clássicos é quanto às causas de flutuações no produto e no emprego. Os
teóricos dos ciclos reais de negócios interpretam essas flutuações como
“originárias de variações nas oportunidades reais da economia privada”.1
Entre os fatores que causam essas mudanças estão choques de tecnologia,
variações nas condições ambientais, variações nos preços reais (relativos) de
matérias-primas importadas (por ex., petróleo bruto) e mudanças nas
alíquotas tributárias. Flutuações no produto também ocorrem com mudanças
nas preferências individuais, por exemplo, uma mudança na preferência por
bens em relação ao lazer. Esses são os mesmos fatores que determinavam o
produto no modelo clássico. Mas os economistas clássicos acreditavam que,
de modo geral, esses fatores variavam apenas lentamente ao longo do tempo.
No curto prazo, eram considerados estáveis.2 Eles eram os fatores que
determinariam o crescimento no longo prazo. Os teóricos dos ciclos reais de
negócios afirmam que essas variáveis do lado da oferta são também a causa
de flutuações de curto prazo no produto e no emprego.
Isso distingue os teóricos dos ciclos reais de negócios dos economistas
novo-clássicos, que viam mudanças não antecipadas na demanda agregada,
resultantes, por exemplo, de “surpresas monetárias”, como a principal causa
de flutuações no produto e no emprego. Nada no esquema novo-clássico
exclui a possibilidade de um papel importante para variáveis do lado da
oferta, como os choques dos preços do petróleo na década de 1970 ou
mudanças nas alíquotas tributárias, no curto prazo. Ainda assim, mudanças
não antecipadas na demanda eram vistas como a principal fonte de flutuações
cíclicas no produto. Fatores como choques de tecnologia ou mudanças nas
preferências individuais recebiam menos atenção.
A ideia de que mudanças em fatores reais do lado da oferta determinam
flutuações de curto prazo no produto e no emprego também diferencia os
modelos de ciclos reais de negócios dos modelos keynesianos. Como vimos
no Capítulo 8, os modelos keynesianos podem incorporar os efeitos de
choques no lado da oferta, mas um princípio central da teoria keynesiana é a
importância da demanda agregada na determinação do produto e do emprego
no curto prazo.
Antes de analisarmos um exemplo de um modelo de ciclos reais de
negócios, há mais duas questões gerais a serem abordadas. A primeira é o
motivo pelo qual os teóricos dos ciclos reais de negócios rejeitam a
explicação novo-clássica da causa de flutuações de curto prazo no produto
quando, em outros aspectos, as duas linhas são tão semelhantes. Uma razão é
que as evidências empíricas sobre o papel de mudanças não antecipadas na
demanda agregada para a determinação do produto são um tanto confusas.
Talvez mais importante, porém, seja o fato de os teóricos dos ciclos reais de
negócios acreditarem que a ideia de que erros na previsão da demanda
agregada podem explicar flutuações grandes e custosas no produto viola, em
última instância, o postulado de que os agentes otimizam. Nas palavras de
Robert Barro, “Se as informações sobre a moeda e o nível geral de preços
importassem muito para as decisões econômicas, as pessoas poderiam gastar
relativamente poucos recursos para obtê-las rapidamente”.3 Se não o fazem,
não estão otimizando.
Por fim, note-se que há duas interpretações possíveis para a teoria dos
ciclos reais de negócios. Por uma dessas interpretações, ela propõe que
fatores reais do lado da oferta simplesmente são mais importantes do que
influências nominais do lado da demanda. Nessa interpretação, porém, os
modelos de ciclos reais de negócios são apenas versões do modelo novoclássico que, como já foi explicado, também podem incorporar choques do
lado da oferta. Quando os teóricos dos ciclos reais de negócios diferenciam
seus modelos dos modelos novo-clássicos, como o que foi examinado no
Capítulo 11, eles defendem uma posição muito mais forte, ou seja, de que
choques monetários e outros choques nominais do lado da demanda não têm
nenhum efeito significativo sobre o produto e o emprego.
12.1.2 Um modelo simples de ciclos reais de negócios
Os modelos de ciclos reais de negócios, nas palavras de um de seus
proponentes, veem as variáveis econômicas agregadas como resultados das
decisões tomadas por muitos agentes individuais agindo de forma a maximizar
sua utilidade, sujeitos às possibilidades de produção e às restrições de
recursos. Como tal, os modelos têm uma base firme e explícita na
microeconomia.4
Nesta seção, vamos construir um modelo simples de ciclos reais de
negócios. Tendo construído o modelo, examinaremos como agentes
econômicos otimizadores reagem a mudanças nas condições econômicas e as
implicações de suas reações para o comportamento de variáveis econômicas
agregadas.
Um pressuposto habitual nos modelos de ciclos reais de negócios é que a
economia é povoada por um grupo de indivíduos idênticos. O comportamento
do grupo pode então ser explicado em termos do comportamento de um único
indivíduo, chamado de agente representativo. Vamos chamar esse agente de
Robinson Crusoe.
A meta de Robinson é maximizar sua utilidade em cada período de sua
vida. Ele obtém utilidade de duas fontes: consumo e lazer. Vamos supor que
ele tenha a seguinte função utilidade (U):
onde C é consumo e le é lazer. Para consumir, Robinson precisa primeiro
gerar produto. Ao fazer isso, ele deixa de lado o lazer. Assim, como nos
modelos anteriores, há um trade-off trabalho-lazer. O produto no modelo é
gerado pela função produção
A equação (12.2) é semelhante à função produção agregada no modelo
clássico discutido no Capítulo 3. A função produção especifica a quantidade
de produto (Y) que resultará do emprego de quantidades dadas de capital (K)
e trabalho (N) no período de tempo t.
Há duas diferenças entre a equação (12.2) e nossa função produção
anterior. A equação (12.2) contém o termo adicional zt, que representa
choques no processo de produção. Por choques referimo-nos a eventos que
mudam o nível de produto que será gerado para níveis dados de trabalho e
capital. Os teóricos dos ciclos reais de negócios incluem uma série de fatores
nessa categoria. Entre os importantes estão choques de tecnologia, fatores
ambientais, mudanças em regulamentações governamentais que afetem a
produtividade e mudanças na disponibilidade de matérias-primas.
A segunda diferença entre a equação (12.2) e nossa versão anterior da
função produção é a ausência de uma barra sobre o K na equação (12.2). No
ciclo real de negócios, o estoque de capital não é considerado fixo, mas é
escolhido para cada período pelo agente representativo, como veremos
adiante.
Robinson não precisa consumir todo o produto que gera em cada período.
O jovem Robinson poderia preferir poupar para quando for um velho
Robinson ou para uma futura geração de Crusoe Júniors. O necessário é que
Poupança (S) mais consumo (C) deve ser igual à renda, ignorando a
existência de impostos. A equação (12.3) indica que, além de um trade-off
trabalho-lazer, o agente representativo vê-se diante de um trade-off entre
consumo hoje e poupança para consumo futuro. A poupança hoje aumentará o
consumo no futuro porque considera-se que a poupança seja investida para
aumentar o estoque de capital no período seguinte:
O estoque de capital no período t + 1 é igual à poupança no período t mais
a parte do estoque de capital (1 – ) que sobrou do período t, onde é a taxa de
depreciação do capital (a fração do estoque de capital que se desgasta em
cada período).
No cenário desse agente representativo, o comportamento do produto
agregado, emprego, consumo e poupança é descrito em termos das escolhas
feitas por Robinson Crusoe. Vamos examinar agora como essas escolhas são
afetadas por uma mudança no ambiente econômico com que Robinson se
depara.
12.1.2.1 Efeitos de um choque de tecnologia positivo
Vamos supor que, num dado período de tempo, haja um choque de
tecnologia favorável. Por enquanto, vamos considerar que o choque seja
temporário, com duração de apenas um período; mais tarde, consideraremos
choques mais prolongados. Suporemos que este choque ocorra exogenamente
e vamos representá-lo em nosso modelo por um aumento no termo zt na
equação (12.2), digamos, de um nível inicial z0t para um valor mais alto z1t.
Dados Kt e Nt, há um aumento exógeno em Yt.
FIG 12.1 O efeito de um choque de tecnologia positivo em um modelo de
ciclos reais de negócios
Um choque de tecnologia positivo desloca a função produção para cima, de
z0tF(Kt,Nt) para z1tF(Kt,Nt). Robinson reage a esse aumento em sua produtividade
elevando seu insumo trabalho de N0 para N1. Devido ao aumento na produtividade e
ao aumento no insumo trabalho, o produto sobe de Y0 para Y1.
O efeito desse choque é ilustrado na Figura 12.1. Inicialmente, com zt igual
a z0t, a função produção é dada por z0tF(Kt,Nt). Vamos supor que, diante desse
conjunto de possibilidades de produção, Robinson escolha N0 como a
quantidade ótima de trabalho a ser realizado e, como resultado, o produto fica
em Y0. O choque de tecnologia positivo desloca a função produção para cima,
para z1tF(Kt,Nt). Além desse deslocamento, presume-se que a natureza do
choque seja tal que a função produção torne-se mais inclinada para qualquer
nível do insumo trabalho. Lembre-se do Capítulo 3 que a inclinação da função
produção é o produto marginal do trabalho. Estamos considerando aqui que o
choque aumenta a produtividade marginal de Robinson.
Mesmo no mesmo nível de insumo trabalho (N0), esse aumento da
produtividade causaria um aumento no produto, para Y’1, na Figura 12.1. O
choque favorável, porém, alterou as possibilidades de produção que se
apresentam para Robinson. Se ele perceber a mudança, o que consideraremos
que acontece, reagirá a ela. Na figura, consideramos que ele reaja ao aumento
de sua produtividade trabalhando mais. O nível do insumo trabalho sobe para
N1 na Figura 12.1 e o produto aumenta para Y1.
Robinson precisa decidir o que fazer com o produto maior. A equação
(12.3) nos diz que o aumento no produto irá para consumo ou poupança. Ele
poderia simplesmente consumir tudo. Mas, particularmente no caso de um
choque temporário, é provável que ele poupe uma parte do aumento no
produto para possibilitar que o consumo também seja mais alto no futuro. Se
esse for o caso, a equação (12.4) nos informa que a poupança maior, que, por
sua vez, significa mais investimento, fará o estoque de capital ser mais
elevado no período seguinte do que seria de outra maneira. Por causa do
estoque de capital mais alto, o produto no período seguinte, assim como em
outros períodos futuros, também será mais alto do que teria sido na ausência
do choque de tecnologia. Isso se aplica mesmo que o efeito direto do choque
tenha durado apenas um período.
Se o choque tivesse durado vários períodos ou se tivesse sido permanente,
as respostas de Robinson teriam sido um pouco diferentes. Como ele saberia
que o produto seria alto por um período mais longo, seu incentivo para poupar
seria reduzido e seu incentivo para consumir aumentaria. Além disso, como
ele saberia que sua produtividade seria mais alta por vários períodos, devido
ao efeito direto do choque, poderia aumentar menos o seu esforço de trabalho
em cada período. Choques de longa duração na produtividade, porém,
resultarão também em mudanças no produto, no estoque de capital e no
emprego que persistem por muitos períodos.
É importante que os efeitos de choques de tecnologia durem por muitos
períodos. Uma crítica keynesiana básica ao modelo novo-clássico, que
compartilha a abordagem do equilíbrio adotada pelos teóricos dos ciclos
reais de negócios, é que ele não pode explicar a persistência dos ciclos de
negócios no mundo real. Os teóricos dos ciclos reais de negócios afirmam que
as respostas dinâmicas de agentes otimizadores a mudanças nas condições
econômicas terão, como acabou de ser explicado, efeitos de longa duração.
Essas respostas podem explicar períodos de atividade econômica
persistentemente alta ou baixa.
Focalizamos os choques de tecnologia porque eles são fundamentais para a
explicação de flutuações econômicas pelos teóricos dos ciclos reais de
negócios. Como já foi observado, porém, outros fatores considerados nos
modelos de ciclos reais de negócios são mudanças nas condições ambientais,
preços relativos de matérias-primas, variações nas alíquotas tributárias e
mudanças de preferências. Todos esses choques são causas adicionais
potenciais de movimentos cíclicos no produto e no emprego.
12.1.3 Política macroeconômica em um modelo de ciclos
reais de negócios
Em um modelo de ciclos reais de negócios, flutuações originam-se de
reações de indivíduos a mudanças no ambiente econômico. Essas reações são
resultado de comportamento otimizador. Nesses modelos, seria sub-ótimo se
os formuladores de políticas econômicas eliminassem o ciclo de negócios, se
de fato pudessem fazer isso. Qual é o papel, então, da política
macroeconômica em um modelo de ciclos reais de negócios? Vamos começar
pela política monetária e, depois, passar para a política fiscal.
12.1.3.1 Política monetária
A característica definidora de modelos de ciclos reais de negócios é que
fatores reais, e não monetários, são responsáveis por flutuações no produto e
no emprego. Em modelos de ciclos reais de negócios, o papel da moeda é
determinar o nível de preços, mais ou menos como no modelo clássico
original. Mudanças na quantidade de moeda resultam em mudanças
proporcionais no nível de preços, sem mudança no produto ou no emprego.5
Disso decorre, portanto, que a política monetária deve focar o controle do
nível de preços. Uma política monetária desejável resultaria em crescimento
lento e constante da oferta de moeda e, assim, em preços estáveis ou, pelo
menos, em uma baixa taxa de inflação. Quando considerarmos a política
fiscal, porém, vamos ver que a teoria dos ciclos reais de negócios gera uma
visão alternativa para a conduta ótima de política monetária. De qualquer
forma, certamente não há lugar para uma política de estabilização monetária
ativa do tipo keynesiano. A política monetária não pode afetar o produto e o
emprego e, mesmo que pudesse, seria sub-ótimo tentar eliminar o ciclo de
negócios.
12.1.3.2 Política fiscal
Muitas ações de política fiscal afetarão o produto e o emprego em um
modelo de ciclos reais de negócios. Isso não se dará por um efeito sobre a
demanda agregada, como no modelo keynesiano, mas por efeitos no lado da
oferta. Mudanças nas alíquotas tributárias sobre a renda do trabalho ou sobre
o retorno do capital afetarão as escolhas dos agentes otimizadores. Além
disso, esses efeitos serão causadores de distorções. Um imposto sobre a
renda dos trabalhadores, por exemplo, fará um indivíduo escolher lazer
demais em relação ao emprego (com resultante redução do consumo). Mesmo
um imposto lump sum (imposto fixo por pessoa) afetará o comportamento
individual, porque afetará a riqueza ao longo do horizonte de planejamento.
A tarefa da política fiscal no modelo de ciclos reais de negócios é
minimizar essas distorções tributárias sem prejudicar os serviços
governamentais necessários (como defesa). É então que surge um papel
alternativo para a política monetária (alternativo a simplesmente manter a
inflação baixa por meio de crescimento baixo e constante da moeda). Lembrese de nossa discussão anterior sobre a restrição orçamentária do governo
(Seção 4.3) que uma alternativa a financiar os gastos do governo por meio de
impostos é financiá-los pela emissão de moeda.6 Os formuladores de políticas
econômicas podem reduzir a distorção devida à tributação financiando uma
parte dos gastos do governo com a criação de mais moeda. O termo que os
economistas usam para essa prática em que o governo obtém recursos reais
por meio de criação de moeda é senhoriagem (seigniorage). A senhoriagem,
porém, também tem custos, uma vez que, quanto mais rápido for o crescimento
da oferta de moeda, mais alta será a taxa de inflação. No modelo dos ciclos
reais de negócios, segue-se que o uso ótimo das políticas fiscal e monetária é
combiná-las de forma a minimizar os custos totais da inflação e da distorção
tributária. Isso é muito diferente da visão keynesiana de políticas ótimas de
estabilização monetária e fiscal.
Senhoriagem
Valor de recursos reais comprados pelo
governo com moeda recém-criada.
PERSPECTIVAS 12.1 - ROBERT LUCAS E A TEORIA
DOS CICLOS REAIS DE NEGÓCIOS
Como foi comentado no início do capítulo, os modelos de ciclos reais de
negócios e os modelos novo-clássicos descritos no capítulo anterior
compartilham características importantes. Além disso, uma das interpretações
da teoria dos ciclos reais de negócios é simplesmente que os fatores reais do
lado da oferta são quantitativamente muito mais importantes do que influências
nominais do lado da demanda. Com essa interpretação, as teorias dos ciclos
reais de negócios são simples extensões de modelos novo-clássicos que focam a
atenção nessas variáveis reais do lado da oferta. Em um artigo recente, Robert
Lucas, a figura central no desenvolvimento dos modelos novo-clássicos, conclui
que esse tipo de modelo é característico da economia dos Estados Unidos.
Lucas, portanto, afirma que “Tomando o desempenho americano dos últimos
50 anos como referência, o potencial para ganhos de bem-estar derivados de
políticas de longo prazo voltadas para o lado da oferta excede em muito o
potencial decorrente de avanços na administração da demanda no curto
prazo”.a Lucas aceita que “a estabilidade de agregados monetários e gastos
nominais nos Estados Unidos pós-guerra é uma razão importante para a
estabilidade da produção e do consumo agregados durante esses anos, em
relação à experiência do período entre-guerras e à experiência contemporânea
de outras economias”. b Mas ele argumenta que ganhos importantes de bem-
estar decorrentes de novos avanços nessas políticas do lado da demanda são
irrealistas. Sua estimativa de tais ganhos potenciais é de menos de um décimo
de 1% do consumo agregado.
Essa estimativa é baseada no cenário de agentes otimizadores funcionando em
um ambiente como a economia de Robinson Crusoe da Seção 12.1 e sujeito a
incerteza quanto a seus fluxos de consumo. Dentro de uma economia desse
tipo, Lucas calcula o ganho de bem-estar que poderia ser obtido pela redução
do risco de consumo decorrente de uma melhor estabilização da demanda
agregada.
Enquanto o ganho estimado por essa via é insignificante, Lucas cita outros
estudos que indicam que ganhos de bem-estar muito maiores resultariam de
mudanças de política fiscal que melhorassem os incentivos para trabalhar e
poupar. Altas alíquotas marginais do imposto de renda e esquemas de
aposentadoria ineficientes podem criar distorções nas decisões de trabalho-lazer
e consumo-poupança com custos para o bem-estar potencialmente altos. As
políticas para reduzir essas distorções, com frequência chamadas de políticas do
lado da oferta, serão analisadas no Capítulo 19.
Como a avaliação de prioridades macroeconômicas de Lucas precisaria ser
alterada diante da crise financeira e da recessão profunda de 2007-2009? A
gravidade da recessão levaria a uma estimativa um pouco mais alta dos ganhos
de uma melhor administração da demanda.
Uma revisão mais fundamental é necessária na suposição de Lucas de que “o
problema central de prevenção de depressões foi resolvido”. Essa ideia parece
ter sido baseada no período que foi chamado de “a grande moderação”, a partir
de meados da década de 1980. O Federal Reserve certamente havia aprendido a
lidar com flutuações modestas na demanda agregada usando instrumentos de
política econômica tradicionais. Estes falharam em 2008. Usando uma série de
iniciativas de política econômica não convencionais, que serão descritas no
Capítulo 17, o Federal Reserve conseguiu de fato evitar um colapso financeiro.
No entanto, como disse Wellington sobre a batalha de Waterloo, “foi por
pouco”.
a LUCAS, Robert. Macroeconomic priorities. American Economic Review, 93, p.
1, Mar. 2003.
b LUCAS, 2003, p. 11.
12.1.4 Questões sobre modelos de ciclos reais de negócios
Os ciclos reais de negócios têm sido uma área de pesquisa ativa em anos
recentes, mas a abordagem não está livre de críticas. Esses críticos afirmam
que “a teoria dos ciclos reais de negócios não oferece uma explicação
empiricamente plausível para flutuações econômicas”.7Os críticos levantaram
uma série de questões referentes ao realismo da explicação de flutuações
econômicas pela teoria. Vamos examinar duas que parecem ser fundamentais:
a questão de os choques de tecnologia serem ou não de magnitude suficiente
para explicar ciclos de negócios observados e a questão relacionada de
poderem ou não, as mudanças observadas no emprego, ser de fato explicadas
como escolhas voluntárias de agentes econômicos diante de mudanças nas
possibilidades de produção (ou com mudanças de gostos).
12.1.4.1 A importância de choques de tecnologia
Críticos da abordagem dos ciclos reais de negócios questionam se os
choques de tecnologia são grandes o bastante para causar flutuações
econômicas do tipo e tamanho que observamos. Esses críticos ressaltam que
muitos choques de tecnologia tendem a ser específicos para setores
individuais. Em qualquer ano específico, enquanto alguns setores talvez
estejam vivendo choques negativos, outros terão choques positivos. No
entanto, em uma recessão no mundo real, por exemplo, o declínio do produto
é disseminado por setores de estruturas muito diversas. Embora os críticos
não neguem que alguns choques de tecnologia afetem muitos setores (por ex.,
a revolução da transmissão de informações), eles não creem que haja uma
quantidade suficiente de tais choques para explicar recessões em que o
produto cai para até 10% abaixo do produto potencial.
Choques de tecnologia são, claro, apenas um tipo de choque considerado
na teoria dos ciclos reais de negócios, embora eles tenham recebido a maior
ênfase. Quanto aos outros choques (e aos choques de tecnologia também)
incluídos nos modelos de ciclos reais de negócios, os críticos não dizem que
choques reais no lado da oferta não são importantes, mas apenas que não são
tão importantes. Muitos economistas que não aceitam a explicação dos ciclos
reais de negócios para flutuações econômicas acreditam que a elevação
abrupta do preço relativo do petróleo importado foi de fato a causa central da
profunda recessão nos Estados Unidos e em outras nações industrializadas em
meados da década de 1970. Outras recessões, como a dos Estados Unidos no
início da década de 1980, seriam mais bem explicadas, segundo os críticos,
por mudanças na demanda agregada – nesse caso, por uma política monetária
restritiva do Federal Reserve.
12.1.4.2 Mudanças voluntárias no emprego
Nos modelos de ciclos reais de negócios, mudanças no emprego acontecem
quando os agentes econômicos respondem a mudanças nas condições
econômicas. Em nossa discussão dos efeitos de um choque de tecnologia
positivo, vimos que Robinson Crusoe tornou-se mais produtivo e respondeu a
isso trabalhando mais. O produto subiu tanto pelo efeito direto do choque
como pelo aumento no insumo trabalho de Crusoe. Um choque de tecnologia
negativo teria o efeito oposto: o produto e o emprego declinariam. Em ambos
os casos, as mudanças no emprego seriam voluntárias e desejáveis (os agentes
são otimizadores).
Outra maneira de expressar esse conceito é dizer que os indivíduos estão
se movendo ao longo de suas curvas de oferta de trabalho em resposta a
mudanças em sua produtividade marginal e, portanto, em seu salário real.
Essa foi a análise de mudanças no emprego no modelo clássico, apresentada
no Capítulo 3. Críticos da abordagem dos ciclos reais de negócios afirmam
que, para explicar as flutuações do mundo real dessa maneira, seria
necessária uma resposta implausivelmente alta da oferta de trabalho a
mudanças no salário real – uma curva de oferta de trabalho muito plana. Isso
porque, embora as variações no emprego ao longo do ciclo de negócios sejam
grandes, as mudanças no salário real são pequenas. Segundo os críticos,
estudos mostram apenas pequenas respostas na quantidade de horas
trabalhadas a mudanças no salário real (uma curva de oferta de trabalho muito
inclinada).8 Eles afirmam que os dados são mais consistentes com a
explicação keynesiana, em que se pressupõe que os trabalhadores são tirados
de suas curvas de oferta de trabalho; o desemprego é involuntário.
12.1.5 Comentário final
Os teóricos dos ciclos reais de negócios estão convencidos de que o ciclo
de negócios pode ser explicado como um fenômeno de equilíbrio. Flutuações
no produto surgem quando agentes econômicos otimizadores reagem a
choques reais que afetam as possibilidades de produção. Políticas
econômicas para tentar evitar essas flutuações são desnecessárias e mal
direcionadas. Os críticos da abordagem dos ciclos reais de negócios, muitos
dos quais interpretam o ciclo de negócios por uma perspectiva keynesiana,
acham essa explicação implausível. Eles veem os ciclos de negócios como
resultado de mudanças na demanda agregada nominal, ao lado das mudanças
em variáveis reais do lado da oferta. Os economistas que interpretam o ciclo
de negócios por essa perspectiva keynesiana acreditam que a prescrição da
teoria dos ciclos reais de negócios quanto a políticas econômicas defende
erroneamente a falta de ação diante de desvios custosos em relação ao
produto potencial.
12.2 A economia novo-keynesiana
Keynes tentou explicar o desemprego involuntário – às vezes, desemprego
involuntário em massa. Ele se propôs a mostrar como a demanda agregada
afetava o produto e o emprego. Os modelos keynesianos podem explicar o
desemprego e a participação da demanda agregada na determinação do
produto e do emprego. Um elemento-chave nesses modelos é a rigidez do
salário monetário. Uma queda na demanda agregada por mercadorias, por
exemplo, leva a uma queda na demanda por trabalho. Como resultado de
contratos de trabalho de salário fixo e das expectativas de preços
retrospectivas dos trabalhadores, o salário monetário não cairá o suficiente no
curto prazo para manter o nível de emprego inicial. Emprego e produto
cairão. O desemprego aumentará.
Nas duas últimas décadas, economistas que trabalham na tradição
keynesiana têm buscado explicações adicionais para o desemprego
involuntário. Os modelos que surgiram dessas pesquisas são chamados de
modelos novo-keynesianos. Em parte, essa nova pesquisa é uma resposta à
crítica novo-clássica aos modelos keynesianos mais antigos. N. Gregory
Mankiw e David Romer, ambos com contribuições importantes à economia
novo-keynesiana, afirmam que “os economistas novo-clássicos argumentavam
persuasivamente que a economia keynesiana era teoricamente inadequada, que
a macroeconomia precisa ser construída sobre uma base microeconômica
sólida”.9 Nem todos os novo-keynesianos são tão críticos quanto aos modelos
keynesianos mais antigos, mas sua principal tarefa tem sido aperfeiçoar as
bases microeconômicas do sistema keynesiano. Como consideram a rigidez
do salário e dos preços um aspecto fundamental da explicação de Keynes para
o desemprego involuntário, muito esforço foi dedicado a demonstrar que essa
rigidez pode derivar do comportamento de agentes otimizadores.
PERSPECTIVAS 12.2 - FLUXOS NO MERCADO DE
TRABALHO
Os críticos da abordagem dos ciclos reais de negócios afirmam que a natureza dos
fluxos no mercado de trabalho é inconsistente com uma teoria em que o
desemprego cíclico é voluntário. A Figura 12.2 mostra a participação no
desemprego total de pessoas que deixaram o emprego e de pessoas que perderam
o emprego nos Estados Unidos nos anos de 1984-96. Os que deixaram o emprego
são os trabalhadores que seriam classificados como desempregados voluntários.
Os que perderam o emprego são os que foram dispensados ou demitidos.
Repare que, durante a longa recuperação após a recessão de 1981-82, a
proporção de pessoas que perderam o emprego diminuiu e a de pessoas que
deixaram o emprego subiu. Isso é consistente com um padrão: quando a
atividade econômica recuperou fôlego, as dispensas diminuíram e, com a
criação de novas oportunidades de trabalho, o número de pessoas que deixaram
seus empregos cresceu. Depois, na recessão que começou em 1990, a
proporção dos que perderam o emprego subiu abruptamente, ao passo que
menos trabalhadores largaram o emprego.
O padrão dos fluxos no mercado de trabalho da Figura 12.2 não é, porém,
facilmente explicado pela perspectiva dos ciclos reais de negócios. Se o
desemprego cíclico é voluntário, o número de pessoas que deixam o emprego
deveria subir, e não cair, durante uma recessão. Além disso, uma explicação de
ciclos reais de negócios para a Figura 12.2 deveria, de alguma forma, levar em
conta os que perderam o emprego. Eles perderam seu emprego
voluntariamente? Diante disso, esses dados parecem mais consistentes com uma
explicação do desemprego cíclico como involuntário.
FIG 12.2 Perda do emprego e saída do emprego, participação no
desemprego total (Estados Unidos, 1984-96)
Os economistas novo-keynesianos não tentaram desenvolver uma única
base racional para todos os casos de rigidez de preços e salários. Em vez
disso, acreditam que uma série de aspectos do processo de definição de
preços e salários explica essa rigidez. Na verdade, a literatura novokeynesiana é caracterizada pelo que tem sido chamado de “atordoante
diversidade” de abordagens. Essas abordagens, no entanto, têm os seguintes
elementos em comum:
1. Nos modelos novo-keynesianos, considera-se que haja concorrência
imperfeita pelo mercado de produtos. Isso contrasta com os modelos
keynesianos anteriores, que supunham uma concorrência perfeita.
2. Enquanto a rigidez nominal central nos modelos keynesianos anteriores
era a do salário monetário, os modelos novo-keynesianos também se
voltam para a rigidez dos preços dos produtos.
3. Além dos fatores que causam a rigidez de variáveis nominais (por ex., o
salário monetário), os modelos novo-keynesianos introduzem a rigidez
real – fatores que provocam a rigidez do salário real ou do preço
relativo das firmas diante de mudanças na demanda agregada.
Vamos examinar três tipos de modelos novo-keynesianos: modelos de
preços rígidos (custo de menu), modelos de salário-eficiência e modelos
incluído-excluído.
12.2.1 Modelos de preços rígidos (custo de menu)
Os modelos keynesianos viam o salário monetário como a variável que não
se ajustava a mudanças na demanda agregada; produto e emprego tinham de se
ajustar. O mercado de produtos nesses modelos era caracterizado por
concorrência perfeita. Os economistas keynesianos não acreditavam de fato
que a maioria dos mercados de produtos da vida real fosse perfeitamente
competitiva. O pressuposto da concorrência perfeita era usado por uma
questão de simplificação e refletia a ideia de que a rigidez do salário
monetário era a verdadeira culpada na explicação do desemprego.
Um elemento crucial nos modelos de preços rígidos novo-keynesianos é
que a firma não está em uma concorrência perfeita.10 Com concorrência
perfeita, os preços são definidos pelas forças da oferta e da demanda. Firmas
individuais não têm poder sobre o preço de seus produtos; elas têm curvas de
demanda horizontais. A firma perfeitamente competitiva, uma fazenda de
laticínios, por exemplo, pode vender todo o leite que quiser pelo preço de
mercado vigente de, digamos, $1,00 por galão. Se, devido a uma queda na
demanda agregada, o preço de mercado cair para $0,80 por galão, a firma
pode vender tudo o que quiser por esse novo preço. Se, diante da queda na
demanda, a firma perfeitamente competitiva mantivesse seu preço de produto
original, ela não venderia nada. Não há lugar para preços rígidos neste
mercado.
Modelos de preços rígidos
(Ou modelos de custo de menu) são
aqueles em que os custos para mudar os
preços impedem ajustes de preços quando
a demanda muda. Em consequência, o
produto cai quando há, por exemplo, um
declínio na demanda.
Se, porém, houver um concorrente monopolista ou uma firma oligopolista,
a situação é diferente.11 Se um restaurante não baixasse os preços diante de
uma queda geral na demanda por refeições em restaurantes, ele perderia
alguns, mas não todos os seus clientes. Similarmente, durante uma recessão,
quando a demanda por automóveis diminui, a Ford Motor Company pode
continuar a vender carros mesmo que os preços permaneçam inalterados.
Concorrentes monopolistas e oligopólios têm algum controle sobre o preço de
seus produtos. De fato, o incentivo para baixar preços pode ser bastante fraco
para esses tipos de firmas. Se elas mantiverem seu preço inicial quando a
demanda cair, perderão vendas, mas as vendas que mantiverem serão ainda
pelo preço relativamente alto inicial. Além disso, se todas as firmas
mantiverem o preço inicial, nenhuma firma individual perderá vendas para
seus concorrentes.
Ainda assim, diante de uma queda na demanda, o preço que maximiza o
lucro cairá mesmo para as firmas de um ambiente de concorrência imperfeita.
Embora o lucro com a redução do preço possa ser pequeno, há algum ganho.
Por que, então, as firmas não baixariam o preço? As firmas poderiam manter
os preços dos produtos constantes mesmo com a queda da demanda se
houvesse um custo percebido na mudança de preços que superasse o benefício
da redução dos preços. Esses custos de mudanças de preços são chamados de
custos de menu.
Custos de menu
Refere-se a qualquer tipo de custo
incorrido por uma firma se esta alterar o
preço de seu produto.
O nome deriva do fato de que, se restaurantes alterarem preços, precisam
imprimir novos menus. De maneira mais geral, quando firmas mudam preços,
incorrem em custos diretos e indiretos de vários tipos.
Um tipo é chamado de custos gerenciais. Estes incluem os custos de
coletar as informações necessárias para decidir quanto à mudança ótima no
preço, o custo de comunicar aos clientes a lógica da mudança e, talvez, de
negociar com os clientes que resistam a ela. Cada uma dessas atividades tira
o tempo gerencial de outras atividades.
Um segundo custo é a perda de prestígio junto aos clientes. Esse prestígio
só seria perdido com aumentos dos preços, mas as firmas que cortam preços
em recessões precisam aumentá-los de novo quando a economia se recuperar.
As firmas podem, em vez disso, achar adequado alterar preços quando seus
custos mudam, porque essa é uma necessidade que os clientes entenderão, mas
não variar preços devido a mudanças na demanda. Desse modo, não serão
consideradas “exploradoras” em períodos de alta demanda e não baixarão os
preços quando a demanda cair.
Outro custo percebido possível de uma redução de preços em uma
recessão é que isso pode desencadear rodadas competitivas de cortes de
preços ou mesmo levar a uma guerra de preços quando outras firmas
responderem. Esse custo potencial é relevante para mercados oligopolistas,
em que as firmas estão cientes das reações de outras firmas a suas decisões de
preços.
Se esses custos percebidos de mudanças de preços forem suficientemente
altos, existirá rigidez de preços. Declínios na demanda agregada resultarão
em quedas no produto e no emprego, e não em reduções de preços. Claro que
nem todos os preços precisam ser rígidos. Se o número de setores em que os
preços são rígidos constituir um segmento significativo da economia, os
declínios no produto e no emprego serão substanciais.
Modelos de preços rígidos sugerem, então, um papel para as políticas
monetária e fiscal na compensação de deslocamentos da demanda agregada.
As políticas ideais nesses modelos, no entanto, podem diferir das que
derivavam dos modelos keynesianos tradicionais. Uma diferença decorre do
fato de que, se há elementos monopolistas na economia, o nível de equilíbrio
do produto estará abaixo do nível ótimo, portanto compensações de declínios
na demanda serão mais importantes do que compensações de aumentos. A
estabilização não será simétrica. Além disso, na presença de custos de menu,
no momento de tomar decisões de preços as firmas reconhecerão que podem
ter de manter um determinado preço por algum tempo e, desse modo, tentarão
prever custos e demandas futuros em sua decisão. Isso abre um papel para
políticas monetárias ou fiscais condicionarem as expectativas de uma maneira
estabilizadora. No Capítulo 17, essa possibilidade será examinada com
relação à política monetária.
PERSPECTIVAS 12.3 - OS PREÇOS SÃO RÍGIDOS?
Os economistas novo-keynesianos procuraram examinar se os preços no mundo
real são de fato rígidos. Em um estudo, Stephen Cecchetti encontrou uma rigidez
considerável nos preços de revistas vendidas em bancas.a A revista Readers
Digest, por exemplo, mudou seu preço de banca apenas seis vezes entre 1950 e
1980. Em muitos anos, poucas das 38 revistas no estudo tiveram alterações de
preços.
Em um estudo mais amplo, Alan Blinder supervisionou entrevistas com
executivos empresariais sobre a frequência com que suas firmas alteravam os
preços.b Um resumo de algumas de suas descobertas é mostrado na Tabela
12.1. Os dados do levantamento indicam que 49,5% das firmas alteravam
preços uma vez por ano ou menos. Isso indica um considerável afastamento do
comportamento de mercado de leilão.
Tabela 12.1 - Frequência de alterações de preços
Número de alterações de
preços
por ano
Porcentagem
de firmas
Mais de 12
14,5
4 a 12
7,5
2a4
12,9
1a2
15,6
1
39,3
Menos de 1
10,2
a Stephen Cecchetti. The Frequency of Price Adjustment: A Study of the
Newsstand Prices of Magazines”, Journal of Econometrics, 31, abril de 1986,
pp. 255-74.
b Alan Blinder, “On Sticky Prices”, in N. Gregory Mankiw, org., Monetary Policy,
Chicago, University of Chicago Press, 1994, pp. 117-50.
12.2.2 Modelos de salário-eficiência
Em 1914, Henry Ford instituiu o dia de cinco dólares para seus
trabalhadores. Na época, o salário competitivo vigente era de dois a três
dólares por dia. Ford decidiu pagar esse salário acima do mercado porque
achou que isso desestimularia as faltas ao trabalho, reduziria a rotatividade da
mão de obra e melhoria o estado de espírito dos trabalhadores; a
produtividade, como resultado, aumentaria. Os modelos de salário-eficiência
modernos seguem a mesma premissa: a eficiência dos trabalhadores depende
positivamente do salário real que eles recebem.12
Modelos de salário-eficiência
Modelos em que a produtividade do
trabalho depende do salário real que os
trabalhadores recebem. Nesses modelos, o
salário real é estabelecido para maximizar
as unidades de eficiência do trabalho por
unidade monetária gasta, não para
equilibrar o mercado.
A ideia do salário-eficiência pode ser formalizada pela definição de um
índice de eficiência do trabalhador, ou produtividade (e), tal que
A eficiência do trabalhador é uma função positiva do salário real. Assim
sendo, expressamos agora a função produção agregada como
Como antes, o produto (Y) depende da quantidade de capital (K).13 O
produto também depende da quantidade do insumo trabalho, que agora
medimos em unidades de eficiência. O número de unidades de eficiência do
trabalho é igual ao número de unidades físicas (N), medidas, por exemplo, em
homens-horas por período, multiplicado pelo índice de eficiência (e). O
produto aumenta quando mais unidades de trabalho são contratadas (N
aumenta) ou quando a eficiência da força de trabalho existente melhora (e
aumenta com um aumento em W/P).
Com a função produção dada pela equação (12.6), a meta da firma é
estabelecer o salário real de forma que o custo de uma unidade de eficiência
de trabalho seja minimizado ou, em outros termos, maximizar o número de
unidades de eficiência de trabalho compradas com cada unidade monetária
gasta na folha de pagamento. Isso é feito aumentando o salário real até o ponto
em que a elasticidade do índice de eficiência [e(W/P)] em relação ao salário
real seja igual a 1.
Vamos usar um exemplo para ver por que isso acontece. Primeiro,
lembremos que a elasticidade é a mudança percentual em uma variável (aqui,
a eficiência de trabalho) a cada 1% de mudança em outra variável (aqui, o
salário real). Assim, estamos dizendo que a condição que determina o nível
ótimo do salário real, que, na literatura, recebe o nome de salário-eficiência,
(W/P)*, é
Suponhamos que, começando com um nível baixo, um aumento de 1% no
salário real leve a um aumento de 2% na eficiência de trabalho. A firma vai se
beneficiar com esse aumento, porque cada unidade monetária da folha de
pagamento comprará mais unidades de eficiência de trabalho (a folha de
pagamento aumenta 1% e o número de unidades de eficiência sobe 2%). Com
aumentos adicionais na folha de pagamento, os ganhos em eficiência começam
a declinar. No ponto em que um aumento de 1% no salário real produz apenas
1% de aumento na eficiência, a firma não achará ótimo aumentar ainda mais o
salário real; o salário-eficiência foi atingido.
Os proponentes da teoria do salário-eficiência afirmam que, em muitos
setores, os salários reais são determinados com base na eficiência. Os
salários reais não se ajustam para equilibrar os mercados de trabalho. Na
verdade, os princípios que norteiam os modelos de salário-eficiência
implicam que as firmas definirão o salário real acima do nível de equilíbrio
do mercado. O resultado disso será desemprego involuntário persistente.
Nossa próxima tarefa é examinar esses princípios que estão por trás da noção
de salários-eficiência, alguns dos quais já foram antecipados por Henry Ford.
Várias justificativas foram oferecidas para o pagamento de salárioseficiência:
1. O modelo da negligência. Definindo o salário real acima dos níveis de
mercado vigentes (isto é, a próxima melhor oportunidade para o trabalhador),
a firma dá ao funcionário um incentivo para não “fazer corpo mole” no
serviço. Se ele fizer, pode ser demitido, e sabe que seria difícil encontrar
outro emprego com um salário tão alto. Se as firmas só tiverem condições de
monitorar o desempenho no trabalho de forma imperfeita e com algum custo,
esta estratégia de salários altos pode ser lucrativa.
2. Modelos de custos de rotatividade. Ao pagar um salário acima do nível
de mercado, as firmas podem reduzir as taxas de saída do emprego e, assim,
os custos de recrutamento e treinamento. O salário alto também permite que
elas desenvolvam um contingente de mão de obra mais experiente e, portanto,
mais produtivo.
3. Modelos de reciprocidade. Outra explicação para a dependência entre
eficiência e salário real centra-se no estado de espírito dos trabalhadores da
firma. De acordo com este argumento, se a firma pagar um salário real acima
do salário de equilíbrio do mercado, isso melhorará o moral dos
trabalhadores e eles se esforçarão mais. A firma paga aos trabalhadores o
presente de um salário acima do mercado e os trabalhadores retribuem com
uma maior eficiência.14
Nenhuma dessas justificativas pretende ser aplicável a todas as partes do
mercado de trabalho. Se, porém, considerações de salário-eficiência forem
importantes e, assim, os salários reais forem definidos acima dos níveis de
equilíbrio do mercado em muitos setores, o resultado pode ser um nível
substancial desemprego involuntário. Os trabalhadores continuarão a procurar
empregos no setor de salários mais altos, trabalhando, por exemplo, quando a
demanda é alta, em vez de aceitar empregos com salários mais baixos.
Observe que é o salário real que é fixado com base na eficiência (para
satisfazer a condição (12.7)). Os modelos de salário-eficiência explicam uma
rigidez real. Acabamos de ver como essa rigidez real pode explicar o
desemprego involuntário. Por si só, porém, a rigidez do salário real devido
ao pagamento de salários-eficiência não explica por que mudanças na
demanda agregada afetam o produto e o emprego e, assim, o nível de
desemprego involuntário. Se houvesse uma queda na demanda agregada
nominal, resultante, por exemplo, de um declínio na oferta de moeda, as
firmas poderiam baixar seus preços o suficiente para manter o produto
(vendas) inalterado e baixar o salário monetário no mesmo montante para
manter o salário real no salário-eficiência, (W/P)*. Se, porém, as firmas não
baixarem os preços por causa de custos de menu, como foi explicado na seção
anterior, então, para manter o salário real no nível de salário-eficiência é
preciso que o salário monetário também seja fixo. Nesse caso, quando a
demanda agregada declinar, produto e emprego cairão e o desemprego
involuntário aumentará. Assim, uma rigidez nominal, o custo de menu, e a
rigidez do salário real devido a salários-eficiência combinam-se para
explicar o desemprego involuntário.
12.2.3 Modelos incluído-excluído e histerese
O último rumo da pesquisa novo-keynesiana que examinaremos é o que
está mais relacionado às altas taxas de desemprego persistentes na Europa
desde 1980 (veja Tabela 10.2). Esse alto desemprego persistente contrasta
drasticamente com as baixas taxas de desemprego dos mesmos países do final
da década de 1950 ao início da década de 1970. Esses padrões levaram à
hipótese de que o desemprego presente é fortemente influenciado pelo
desemprego passado. As economias podem, por assim dizer, ficar presas em
armadilhas de desemprego. O termo para essa condição que usamos no
Capítulo 10 é histerese. Uma variável exibe histerese se, ao ser forçada por
um choque a se afastar de um valor inicial, não apresenta nenhuma tendência
de retorno mesmo quando o choque termina. Em termos de desemprego,
modelos de histerese procuram explicar por que altas taxas de desemprego
persistem mesmo depois de sua causa inicial já ter deixado há muito de
existir.
Há uma série de explicações para a histerese no processo do desemprego.
A discussão aqui ficará limitada a um modelo que recebeu considerável
atenção: o modelo incluído-excluído (insider-outsider).15 Em vez de
apresentar o modelo formalmente, vamos explicá-lo com um exemplo.
Modelos incluído-excluído
Oferecem uma explicação de histerese no
desemprego. Os incluídos (por ex.,
membros de sindicatos) são o único grupo
que afeta a negociação do salário real. Os
excluídos (por ex., aqueles que querem
empregos) não influem. Recessões fazem
incluídos tornarem-se excluídos. Depois
da recessão, com menos incluídos, o
salário real aumenta e o desemprego
persiste.
Como acontece com os modelos de preços rígidos, as versões do modelo
incluído-excluído requerem concorrência imperfeita. No caso do modelo
incluído-excluído, considera-se que tanto o mercado de produto como o
mercado de trabalho sejam imperfeitamente competitivos. Assim sendo,
vamos examinar uma situação com um sindicato pelo lado dos empregados e
algumas poucas firmas como empregadores: por exemplo, a indústria
siderúrgica alemã. Os membros do sindicato, que chamaremos de incluídos,
têm poder de negociação com os empregadores porque é caro substituí-los
por excluídos (trabalhadores não pertencentes ao sindicato). O custo de
substituí-los é um custo de recrutamento e treinamento de novos
trabalhadores. Os membros do sindicato também podem impor custos aos
excluídos que tentem aceitar empregos por salários mais baixos, fazendo uso
de piquetes, por exemplo.
Considera-se que os incluídos usem seu poder de negociação para
empurrar o salário real para cima do nível de equilíbrio do mercado, o que
resulta em um grupo desempregado de excluídos. Os incluídos só empurrarão
o salário real para cima até um certo ponto, porém, porque quanto mais alto
for o salário real, menos incluídos estarão empregados. Essa relação acontece
porque o nível de empregos é igual à demanda por trabalho das firmas, a qual
depende negativamente do salário real. Se, em nosso exemplo, os incluídos
forem 200.000, vamos considerar que negociem por um salário real que eles
acreditam que irá resultar em emprego para todos (ou quase todos). É
possível, porém, que acabem sem emprego, uma vez que, se a demanda
agregada da economia como um todo declinar inesperadamente, o produto e o
emprego cairão. Uma parte dos incluídos será dispensada.
Assim, no modelo incluído-excluído, o desemprego resulta de um salário
real fixado acima do nível de equilíbrio do mercado (desemprego de
excluídos), bem como de uma resposta cíclica a mudanças na demanda
agregada. Uma característica nova desses modelos é a inter-relação desses
dois tipos de desemprego.
Para perceber essa inter-relação, consideremos o efeito de várias
recessões prolongadas como as da década de 1970, começo da década de
1980 e década de 1990. Durante as recessões, algumas dispensas são
permanentes e alguns trabalhadores saem do sindicato. Alguns incluídos
tornam-se excluídos. A velocidade com que isso acontece depende das regras
do sindicato. Com o pool de incluídos reduzido, digamos, para 160.000
trabalhadores, quando ocorrer uma recuperação econômica o sindicato
negociará por um salário real mais alto que o anterior (antes das recessões,
quando havia 200.000 incluídos). Agora há menos incluídos cujas
perspectivas de emprego precisem ser levadas em conta. (Observe aqui o
pressuposto de que os incluídos não se preocupam com os excluídos). Com
um salário real mais alto, o emprego permanecerá mais baixo do que no
período pré-recessão.
O desemprego passado, portanto, causa o desemprego atual por
transformar incluídos em excluídos; esse é o fenômeno da histerese. Uma vez
isso tendo acontecido, ocorre uma espécie de armadilha de desemprego. Os
excluídos não exercem pressão para baixo sobre os salários reais, porque
eles são irrelevantes para o processo de negociação de salários.16 Os
modelos incluído-excluído, assim, explicam por que altas taxas de
desemprego persistiram em alguns países europeus por períodos tão longos –
períodos longos demais para serem resultado de contratos com salários
monetários fixos ou de expectativas de preços retrospectivas.
Conclusão
A teoria dos ciclos reais de negócios e a economia novo-keynesiana são
extensões de duas tradições conflitantes em macroeconomia. A teoria dos
ciclos reais de negócios é uma versão moderna da economia clássica. O ciclo
de negócios é um fenômeno de equilíbrio. Ele é o resultado das ações de
agentes otimizadores diante de mudanças no ambiente econômico (por ex.,
choques de produtividade) ou em preferências. Políticas de estabilização
macroeconômica são contraproducentes. Os teóricos dos ciclos reais de
negócios, portanto, chegam a conclusões não-intervencionistas quanto a
políticas econômicas, assim como os economistas clássicos originais.
A economia novo-keynesiana apóia-se firmemente na tradição de John
Maynard Keynes. Os economistas novo-keynesianos acreditam que boa parte
do desemprego é involuntária. Eles acham que os desvios do produto para
baixo do produto potencial durante recessões são socialmente nocivos. Há um
papel potencial para políticas de estabilização na prevenção desses desvios
do produto e redução dos custos pessoais do desemprego involuntário. A
economia novo-keynesiana é uma tentativa de melhorar as bases
microeconômicas dos modelos keynesianos tradicionais, sem questionar suas
premissas fundamentais.
Note-se que os teóricos dos ciclos reais de negócios e os economistas
novo-keynesianos compartilham um desejo de colocar a macroeconomia
sobre uma base microeconômica sólida. Em anos recentes, isso levou a
considerável convergência entre as duas linhas. Como veremos nos capítulos
da Parte V, boa parte da análise de políticas moderna é realizada em modelos
que combinam elementos dessas duas escolas. Esses são modelos em que os
agentes otimizam, mas em que é incorporado algum tipo de rigidez (com
frequência um custo de menu). É criado um papel para a política econômica:
levar a economia a se comportar como ela o faria na ausência da rigidez. Para
alguns keynesianos, esses modelos exageram ao incorporar outros elementos
da teoria dos ciclos reais de negócios (por ex., expectativas racionais), mas,
para muitos economistas, elas constituem um feliz meio-termo.
A crise financeira e a recessão profunda de 2007-2009 mudaram essa
situação, mas o quanto essa mudança será fundamental é algo que ainda não
foi determinado. Alguns economistas keynesianos afirmaram a necessidade de
uma reconstrução total da macroeconomia e um retorno a teorias keynesianas
originais como o ponto de partida. Outros estão usando como ponto de partida
os modelos novo-keynesianos com muitos elementos de teorias dos ciclos
reais de negócios. Eles acreditam que, com a inclusão de um papel maior para
os mercados financeiros e as instituições financeiras, entre outros elementos,
será possível obter uma explicação melhor para flutuações macroeconômicas
graves.
Questões de revisão
1. Compare a visão dos teóricos dos ciclos reais de negócios quanto às
causas de flutuações do produto e do emprego com a visão dos
economistas novo-clássicos.
2. Dentro do modelo simples de ciclos reais de negócios apresentado na
Seção 12.1, analise o efeito de um choque de tecnologia negativo (um
choque negativo para zt) que dure um (1) período.
3. Explique as ideias dos teóricos dos ciclos reais de negócios sobre a
conduta adequada de política monetária e fiscal.
4. Suponha que tenha havido uma mudança nas preferências em um modelo
de ciclos reais de negócios de forma que o agente representativo valorize
mais o lazer e menos os bens de consumo. Como o produto e o emprego
seriam afetados pela mudança?
5. Explique por que o pressuposto da concorrência imperfeita é importante
em cada um dos modelos novo-keynesianos examinados na Seção 12.2.
6. Suponha que dados sobre salários mostrem que trabalhadores com
qualificações idênticas recebem salários muito diferentes em diferentes
setores. Essa diferença é consistente com o pressuposto de que o mercado
de trabalho é competitivo? Ela é consistente com o modelo de salárioeficiência?
7. Explique como o modelo incluído-excluído explica o alto desemprego
persistente em países europeus durante o período pós-1980.
8. Os economistas novo-clássicos acreditam que modelos macroeconômicos
úteis são aqueles em que (a) os agentes otimizam e (b) os mercados se
equilibram. Os modelos que surgem das pesquisas novo-keynesianas
apresentam alguma dessas propriedades? Explique.
9. Explique a relação entre os modelos novo-keynesianos e os modelos
keynesianos examinados nos Capítulos 5 a 8.
10. Durante o governo de George W. Bush, reduções nas alíquotas dos
impostos sobre a renda dos trabalhadores, os dividendos e os ganhos de
capital foram a peça central da política fiscal. Analise os efeitos desses
cortes de impostos dentro da teoria dos ciclos reais de negócios.
CAPÍTULO 13
Modelos macroeconômicos: um resumo
Este capítulo resume as teorias examinadas nos capítulos anteriores e
procura esclarecer áreas de concordância e de controvérsia entre as várias
escolas.
13.1 Questões teóricas
É conveniente centrar nossa discussão na estrutura oferta agregadademanda agregada usada anteriormente para caracterizar os modelos
econômicos. O primeiro modelo que examinamos, o modelo clássico,
considera que o produto é completamente determinado por fatores de oferta.
Essa concepção é resumida na curva de oferta agregada vertical mostrada na
Figura 13.1a.
São centrais na teoria clássica os pressupostos clássicos sobre o mercado
de trabalho. Tanto a oferta como a demanda por trabalho dependem apenas do
salário real, que é do conhecimento de todos os participantes do mercado. O
salário monetário é perfeitamente flexível e move-se de forma a igualar
demanda e oferta no mercado de trabalho. Aumentos na demanda agregada
fazem os preços subirem, o que, outros fatores sendo constantes, incentiva a
produção. Para equilibrar o mercado de trabalho, porém, o salário monetário
precisa subir proporcionalmente ao nível de preços. O salário real fica, então,
inalterado e, em consequência, os níveis de emprego e produto também não se
alteram no novo equilíbrio.
No sistema clássico, o papel da demanda agregada é determinar o nível de
preços. A teoria clássica da demanda agregada é uma teoria implícita baseada
na teoria quantitativa da moeda. A teoria quantitativa oferece uma relação
proporcional entre a quantidade exógena de moeda e a renda nominal.
Essa relação fornece a base para a curva de demanda agregada clássica
mostrada na Figura 13.1a. O processo econômico por trás dessa teoria é que
se, por exemplo, houver um excesso de oferta de moeda, um excesso
correspondente de demanda por mercadorias elevará o nível agregado de
preços. O modelo clássico tem uma teoria monetária da demanda agregada.
A teoria dos ciclos reais de negócios é uma versão moderna da teoria
clássica. Como no modelo clássico, no modelo de ciclos reais de negócios o
produto e o emprego são determinados por variáveis reais. O mercado de
trabalho está sempre em equilíbrio; todo o desemprego é voluntário. O papel
da moeda no modelo de ciclos reais de negócios, como no modelo clássico, é
unicamente determinar o nível de preços.
FIG 13.1 Teorias da demanda e oferta agregadas
Em sua forma mais simples, o modelo keynesiano é a antítese da teoria
clássica e da teoria dos ciclos reais de negócios. Em um modelo keynesiano
simples, como o que foi discutido no Capítulo 5, a oferta não tem nenhuma
participação na determinação do produto. A curva de oferta agregada
resultante de tais modelos keynesianos simples é horizontal, indicando que a
oferta não é uma limitação para o nível de produção, um pressuposto que só é
apropriado, se tanto, a situações em que a produção está bem abaixo dos
níveis de plena capacidade. No lado da demanda, o modelo keynesiano
simples concentra-se nos determinantes de gastos autônomos: gastos
governamentais, impostos e demanda por investimento autônomo. Fatores
monetários são negligenciados. Esse modelo simples destaca uma ideia
central da economia keynesiana: a importância da demanda agregada na
determinação do produto e do emprego.
Mas esse modelo keynesiano simples é incompleto. A teoria keynesiana foi
modificada e aperfeiçoada desde a época em que Keynes escreveu. O modelo
keynesiano moderno abre espaço para a influência tanto de fatores de oferta
sobre o produto como de fatores monetários sobre a demanda agregada. Ainda
assim, o modelo continua sendo “keynesiano”, no sentido de que a demanda
agregada é importante na determinação do produto.
No lado da oferta, a visão keynesiana é ilustrada pela curva de oferta
agregada mostrada na Figura 13.1b. Em contraste com a curva de oferta
vertical clássica, a curva de oferta agregada keynesiana inclina-se para cima e
para a direita. Aumentos na demanda agregada que deslocam a curva de
demanda agregada para a direita elevarão tanto o preço como o produto. No
curto prazo, um aumento no nível de preços fará com que as firmas ofertem
mais produto, porque o salário monetário não subirá proporcionalmente ao
preço.
Considera-se que o salário monetário ajuste-se incompletamente como
resultado de fatores institucionais do mercado de trabalho, dos quais os mais
importantes são os contratos com salário monetário fixo e as informações
imperfeitas dos ofertantes de mão de obra sobre o nível agregado de preços e,
portanto, sobre o salário real. Boa parte das pesquisas dos economistas novokeynesianos dedica-se a apresentar fundamentos adicionais para a rigidez de
salários e de preços – ou seja, a melhorar a base microeconômica da curva de
oferta agregada keynesiana da Figura 13.1b.
No lado da demanda (a curva Yd na Figura 13.1b), o modelo keynesiano
moderno inclui a participação de fatores monetários (M), assim como de
variáveis de política fiscal (G e T) e outros elementos autônomos da demanda
agregada (por ex., investimento autônomo, T). A teoria keynesiana da
demanda agregada é uma teoria explícita, em contraste com a teoria implícita
dos economistas clássicos, no sentido de que o nível de demanda agregada é
encontrado determinando-se primeiro o nível dos componentes da demanda
agregada: consumo, investimento e gastos governamentais. Soma-se, então,
esses componentes para chegar à demanda agregada. A moeda afeta a
demanda agregada, principalmente o seu componente investimento, por
influenciar a taxa de juros. Não há razão para acreditar que tais efeitos
monetários sobre a demanda agregada sejam pequenos. Nem há razão para
supor que as influências monetárias sejam dominantes. A moeda é uma das
várias influências importantes sobre a demanda agregada no sistema
keynesiano.
Há, assim, duas diferenças importantes entre os modelos keynesiano e
clássico:
1. No modelo clássico, produto e emprego são completamente
determinados pela oferta, enquanto na teoria keynesiana, no curto prazo,
produto e emprego são determinados conjuntamente pela oferta e pela
demanda agregadas. No sistema keynesiano, a demanda agregada é um
determinante importante do produto e do emprego.
2. A demanda agregada no modelo clássico é determinada unicamente pela
quantidade de moeda. No sistema keynesiano, a moeda é apenas um entre
vários fatores que determinam a demanda agregada.
Esses dois pontos, o papel da demanda agregada na determinação do
produto e do emprego e a importância relativa de fatores monetários e outros
como determinantes da demanda agregada, são também os que separam os
keynesianos dos monetaristas e dos economistas novo-clássicos.
A principal controvérsia entre monetaristas, cuja concepção da oferta e
demanda agregadas é representada na Figura 13.1c, e keynesianos centrou-se
no ponto 2, o grau em que forças monetárias dominam a determinação da
demanda agregada. Os monetaristas adotaram uma versão da teoria
quantitativa clássica como base para sua própria noção de que a moeda é a
influência dominante sobre a demanda agregada e, portanto, sobre a renda
nominal. No lado da oferta, não há diferença fundamental entre as teorias
monetarista e keynesiana. Tanto no modelo monetarista como no keynesiano, a
curva de oferta agregada inclina-se para cima e para a direita no curto prazo e
aproxima-se da formulação vertical clássica apenas no longo prazo. Em
ambos os modelos, mudanças na demanda agregada afetam o produto no curto
prazo.
A visão novo-clássica da determinação da oferta e da demanda agregadas
é ilustrada na Figura 13.1d. A questão que separa os economistas novoclássicos e os keynesianos refere-se ao ponto 1, o grau em que a demanda
agregada tem participação na determinação do produto real. Os economistas
novo-clássicos acreditam que mudanças sistemáticas e, portanto, previsíveis
na demanda agregada não afetarão o produto real. Tais mudanças serão
antecipadas por agentes econômicos racionais. A curva de demanda agregada
e a curva de oferta agregada deslocam-se simetricamente, alterando o nível de
preços, mas deixando o produto real inalterado. Para refletir essa
dependência da curva de oferta agregada em relação a mudanças esperadas
nos determinantes da demanda agregada e, em consequência, na expectativa
racional do nível de preços, a curva de oferta agregada na Figura 13.1d é
representada como dependente do nível esperado da oferta de moeda (Me) e
dos valores esperados de variáveis de política fiscal e outros possíveis
determinantes da demanda agregada (Ge, Te, Ie, …).
Mudanças não antecipadas na demanda agregada – por exemplo, um
aumento na oferta de moeda (M) que não poderia ter sido previsto (Me não se
altera) – deslocará a curva de demanda agregada sem deslocar a curva de
oferta agregada. Essas mudanças não previstas na demanda agregada farão
com que os ofertantes de mão de obra cometam erros de previsão de preços e,
portanto, afetarão o produto e o emprego. Nesse aspecto, o modelo novoclássico é uma modificação do modelo clássico original, em que não havia
nenhuma participação da demanda agregada na determinação do produto e do
emprego. A modificação é a substituição do pressuposto clássico das
informações perfeitas pelo pressuposto das expectativas racionais na análise
novo-clássica. Na análise clássica, não havia erros de previsão de preços por
parte dos ofertantes de trabalho. Estes tinham informações perfeitas sobre o
nível de preços. Não se supunha nenhuma mudança não antecipada na
demanda agregada. No lado da demanda, não há diferenças evidentes entre as
posições novo-clássica e keynesiana. (Compare as curvas Yd nas Figuras
13.1b e d.) Isso não quer dizer, porém, que os economistas novo-clássicos
concordem com todos os aspectos da teoria keynesiana da demanda agregada.
Na verdade, eles acham que boa parte da teoria keynesiana não se apoia em
bases microeconômicas sólidas.
Do que foi dito, deve estar claro que a controvérsia monetarista/keynesiana
e a controvérsia keynesiana/novo-clássica giram em torno das mesmas
questões que separam os keynesianos dos economistas clássicos e dos
teóricos dos ciclos reais de negócios. A revolução keynesiana foi um ataque à
teoria clássica do produto e emprego determinados pela oferta e com pleno
emprego, e à teoria quantitativa da moeda. Economistas novo-clássicos e
monetaristas modificaram esses dois aspectos da economia clássica e
utilizaram essas versões modificadas para atacar o sistema keynesiano. Os
pontos 1 e 2, que, em termos da Figura 13.1, referem-se à inclinação da
função oferta agregada de curto prazo e aos determinantes da função demanda
agregada, têm sido as questões centrais nas controvérsias macroeconômicas
há 70 anos.
13.2 Questões de política econômica
Dadas as raízes clássicas das teorias dos ciclos reais de negócios,
monetarista e novo-clássica, não é surpresa que essas teorias compartilhem as
conclusões não intervencionistas de política econômica do modelo clássico
original. Em contraste, os keynesianos são intervencionistas em políticas
econômicas e defendem uma administração da demanda agregada para
estabilizar o produto e o emprego.
No sistema clássico, produto e emprego são autoajustáveis ao nível de
pleno emprego determinado pela oferta. Não há lugar para políticas de
estabilização da demanda agregada. Este também é o caso nos modelos de
ciclos reais de negócios, em que flutuações no produto e no emprego resultam
de respostas ótimas de agentes econômicos a mudanças no ambiente
econômico. No modelo novo-clássico, mudanças não previstas na demanda
agregada afetam o produto e o emprego. Políticas de estabilização sensatas,
porém, teriam de consistir em padrões sistemáticos de reação ao estado da
economia. Tais mudanças sistemáticas na demanda agregada seriam
antecipadas pelo público e, portanto, não afetariam o produto e o emprego.
Consequentemente, os economistas novo-clássicos também veem políticas de
estabilização da demanda agregada como ineficazes.
Os monetaristas acreditam que ações de política monetária, antecipadas
ou não, afetam o produto e o emprego no curto prazo. Ainda assim, chegam às
mesmas conclusões não intervencionistas que os economistas clássicos e
novo-clássicos sobre políticas econômicas. Como os economistas clássicos,
os monetaristas acham que o setor privado é estável se deixado livre de ações
de políticas governamentais desestabilizadoras. Além disso, como os
monetaristas consideram que a demanda agregada é determinada
predominantemente pela oferta de moeda, a melhor maneira de estabilizar a
demanda agregada é proporcionar um crescimento estável da oferta de moeda.
Contrária a essa visão não intervencionista é a posição keynesiana de que
uma economia monetária de iniciativa privada é instável na ausência de
políticas governamentais para regular a demanda agregada. Os keynesianos
defendem políticas fiscais e monetárias ativas para compensar choques na
demanda agregada privada.
Assim, embora tenhamos examinado várias escolas de teoria
macroeconômica, a principal controvérsia com relação a políticas
econômicas é entre duas posições: a posição não intervencionista, com raízes
no sistema clássico original, e a posição intervencionista keynesiana. Essa
controvérsia, como as das questões teóricas discutidas anteriormente, vem de
longa data. Na forma moderna, ela remonta ao ataque keynesiano à ortodoxia
clássica. Mas houve heréticos antes de Keynes, e as origens das controvérsias
teóricas e de políticas econômicas discutidas aqui podem ser buscadas no
início do século XIX.
Como podem tais controvérsias prosseguir por tanto tempo sem solução?
Em economia, não temos como conduzir experiências laboratoriais
controladas. Como Milton Friedman escreveu sobre isso,
Experiências controladas que permitam o quase isolamento de uma ou
algumas forças são impossíveis na prática. Precisamos testar nossas
proposições observando experiências não controladas que envolvem um
grande número de pessoas, inúmeras variáveis econômicas, mudanças
frequentes em outras circunstâncias e que, assim, são imperfeitamente
registradas. A interpretação da experiência também é complicada por
ela afetar diretamente muitos dos observadores, com frequência dandolhes razões, irrelevantes do ponto de vista científico, para preferir uma e
não outra interpretação do complexo e sempre mutável curso dos
acontecimentos1.
Ou, como Keynes escreveu antes, “Em economia, não se pode condenar
seu oponente por erro – só se pode convencê-lo disso”2.
13.3 Controvérsia e consenso
A discussão das várias teorias macroeconômicas tende a enfatizar as
diferenças entre elas. Isso obscurece áreas de concordância. Antes de
encerrar a discussão das teorias, é bom, portanto, examinar algumas das áreas
de concordância, de quase consenso, entre as diferentes escolas.
No centro da teoria quantitativa da moeda clássica está a equação de
trocas. Em sua versão fisheriana, ela assume a forma
Com base na equação (13.1), podemos expressar o que pode ser chamado
de núcleo válido da teoria quantitativa: uma alta inflação persistente requer
alto crescimento sustentado da moeda. Os teóricos quantitativistas originais, e
também Milton Friedman, teriam apresentado uma formulação mais precisa
sobre a relação entre crescimento da moeda e inflação, mas, da forma
expressa acima, a relação não é controversa. O crescimento do produto real
(Y) é limitado a uma faixa bastante estreita por restrições físicas. A
velocidade da moeda (V) tem variado historicamente dentro da uma faixa
relativamente estreita. Assim, se o crescimento da moeda for muito alto (por
ex., taxas de dois dígitos por vários anos), o resultado deve ser alta inflação.
Passando a outra área, os economistas keynesianos e novo-clássicos estão
muito menos distanciados hoje do que estavam na década de 1980 quanto à
especificação das expectativas. Poucos economistas keynesianos hoje usariam
formulações retrospectivas simples para expectativas de inflação. Por outro
lado, os economistas novo-clássicos atuais estão explorando modelos de
aprendizagem que fazem pressupostos informacionais menos extremos que as
primeiras formulações das expectativas racionais. Além disso, a maioria dos
economistas keynesianos hoje reconheceria que os efeitos de política
econômica dependem em certa medida de as mudanças de política serem
previsíveis ou não e, de modo mais amplo, do ambiente em que as políticas
são formadas. Por exemplo, como veremos em nossa discussão posterior da
política monetária, a credibilidade importa.
Por fim, embora haja diferenças entre os teóricos dos ciclos reais de
negócios e os keynesianos quanto à importância relativa de choques de
produtividade e da demanda agregada na determinação do produto, a maioria
dos macroeconomistas atuais aceita algum papel para a demanda. Esse pode
ser considerado o núcleo válido da economia de Keynes.
13.4 O avanço da macroeconomia
A crise financeira de 2007-2009 e a recessão profunda que se seguiu
levaram a um reexame do estado da macroeconomia. Muitos economistas e
formuladores de políticas econômicas, embora nem todos, não perceberam a
aproximação da crise e, depois, não avaliaram corretamente a gravidade da
recessão que se seguiu. Isso, em si, não é muito perturbador; poucos
economistas eram especialistas nos complexos instrumentos financeiros que
estiveram no centro da crise. Ainda assim, a crise expôs várias deficiências
dos modelos macroeconômicos atuais e reacendeu controvérsias anteriores.
Parece correto dizer que o período da chamada grande moderação havia
levado a macroeconomia dominante a um estado de complacência quanto à
probabilidade de uma “grande recessão” ou uma depressão. Conforme as
palavras de Robert Lucas que citamos anteriormente, muitos acreditavam que
“o problema central de prevenção de depressões foi resolvido”. Os modelos
em uso para análise de políticas econômicas incluíam um papel para a
política de estabilização monetária. O ciclo de negócios fora domado, mas
não estava extinto. A política de estabilização fiscal, no entanto, ficara
relativamente negligenciada. Crises financeiras haviam se tornado uma área
de estudo para os especialistas em economias em desenvolvimento ou em
história da economia.
Houve muitos simpósios recentes com títulos como “A macroeconomia
depois da crise” e “Novas direções em macroeconomia: para onde o mundo
real está nos levando?” Alguns acham que é possível avançar dentro dos
modelos existentes. Outros acreditam na necessidade de uma reformulação da
magnitude da revolução keynesiana da década de 1930.
Questões de revisão
1. Suponha que as previsões indiquem que a demanda por investimento em
uma dada economia será fraca no próximo ano, digamos, 10% abaixo do
nível deste ano, devido a um choque exógeno. Todos os outros
componentes da demanda agregada, segundo as previsões, ficarão em
níveis comparáveis aos deste ano. Esses níveis foram consistentes com
emprego elevado e preços relativamente estáveis. Para cada um dos
sistemas macroeconômicos a seguir, explique os efeitos dessa queda
exógena na demanda agregada e explique a resposta de política econômica
adequada sugerida pelo modelo, ou seja, que ação o formulador de
políticas deveria tomar?
a. Modelo clássico.
b. Modelo keynesiano.
c. Modelo novo-clássico.
2. A questão de quais informações os participantes do mercado possuem em
um determinado momento e a rapidez com que eles as obtêm – em outras
palavras, a estrutura de informações do modelo – é uma característica
distintiva dos diferentes sistemas macroeconômicos discutidos. Com
referência aos modelos clássico, keynesiano, monetarista e novo-clássico,
explique os diferentes pressupostos sobre as informações que os
participantes do mercado possuem e o grau em que esses pressupostos
diversos explicam as diferentes conclusões de política econômica
derivadas desses modelos.
3. Nos modelos clássico, de ciclos reais de negócios, keynesiano,
monetarista e novo-clássico, analise o efeito de uma queda autônoma no
preço do petróleo importado. Explique o efeito dessa mudança sobre o
produto, o emprego e no nível agregado de preços em cada um dos
modelos.
4. Uma regra que foi proposta para a política fiscal é que o orçamento
governamental deveria ser equilibrado a cada ano – sem déficits
orçamentários. Qual você acha que seria a posição de cada um dos
seguintes grupos de economistas sobre essa proposta?
a. Economistas novo-clássicos.
b. Keynesianos.
c. Teóricos dos ciclos reais de negócios.
5. Qual dos modelos que examinamos você considera o mais útil para
explicar o comportamento da economia e oferecer prescrições de política
econômica adequadas? Os eventos a partir de 2007 influíram em sua
escolha?
PARTE IV
Macroeconomia em economia aberta
A Parte IV examina as relações econômicas internacionais dos Estados
Unidos, incluindo fluxos comerciais e movimentos de capital. O Capítulo 14
analisa como as taxas de câmbio são determinadas em diferentes sistemas
monetários internacionais e examina os méritos relativos desses sistemas.
Aspectos do desempenho dos Estados Unidos e de outras grandes economias
no período de taxas de juros flutuantes pós-1973 são analisados. No Capítulo
15, desenvolvemos uma versão de economia aberta do modelo IS-LM.
Usamos, então, esse modelo para estudar os efeitos das políticas fiscal e
monetária na economia aberta em regimes de taxas de câmbio fixas e
flexíveis.
CAPÍTULO 14
Taxas de câmbio e o sistema monetário internacional
Em 1960, as importações de bens e serviços totalizaram 4,4% do PIB nos
Estados Unidos; em 2010, esse número era de 16,2%. As exportações subiram
de 4,9% do PIB em 1960 para 12,7% em 2010. Os mercados financeiros dos
Estados Unidos e de outras nações também ficaram muito mais estreitamente
ligados nas últimas três décadas. Essa integração de mercados financeiros
aparece nos maiores fluxos de capitais e na maior correlação dos retornos
sobre os ativos entre os países. A economia americana tornou-se bem mais
aberta, no sentido de ter ampliado seu comércio e relações financeiras com
outras economias.
Em outros capítulos, exemplos e Perspectivas enfatizam as inter-relações
da economia americana com as economias de outros países. Os capítulos
desta parte focalizam explicitamente a macroeconomia de economias abertas,
o que traz essas inter-relações para o palco central. Este capítulo examina a
determinação das taxas de câmbio, o sistema monetário internacional atual e o
sistema que ele substituiu, e as interações entre a economia doméstica e as
transações econômicas internacionais.
Começamos examinando o balanço de pagamentos, que resume as
transações econômicas internacionais (Seção 14.1). Em seguida, explicamos
como as taxas de câmbio são determinadas nos mercados de divisas sob
diferentes sistemas cambiais (Seção 14.2). O regime de taxa de câmbio
efetivo que compõe o sistema monetário internacional atual é examinado na
Seção 14.3. Em seguida, avaliam-se os méritos relativos dos sistemas de taxa
de câmbio fixa e flexível (Seção 14.4). Analisamos, então, a experiência
americana com um sistema de taxas de câmbio pelo menos parcialmente
flexíveis ao longo dos anos desde 1973 (Seção 14.5). Por fim, são avaliados
os riscos de alguns crescentes desequilíbrios no comércio internacional
(Seção 14.6).
Balanço de pagamentos
Registra as transações econômicas entre
residentes e não residentes do país,
envolvendo bens e ativos.
As taxas de câmbio são centrais para o foco deste capítulo. Uma taxa de
câmbio entre duas moedas é o preço de uma moeda em relação à outra. O
preço da libra britânica em relação ao dólar-americano em 11 de novembro
de 2011 era US$ 1,61 (US$ 1,61 = 1 libra); o preço de um dólar canadense
era US$ 0,99; o preço de um euro (a moeda comum de 17 países europeus)
era US$1,38. Operações de câmbio entre a moeda de um país e outras moedas
acontecem quando residentes desse país compram bens ou ativos estrangeiros,
assim como quando residentes de outros países compram bens e ativos desse
país. Um exame dessas transações entre os Estados Unidos e outros países é o
ponto de partida para nosso estudo de como as taxas de câmbio são
determinadas.
14.1 O balanço de pagamentos
Nos Estados Unidos, é o Departamento de Comércio que registra as
transações econômicas internacionais no balanço de pagamentos. De um lado
do balanço são registrados como créditos todos os ganhos decorrentes de
atividades internacionais de residentes e do governo nacional, enquanto do
outro lado são computados como débitos todos os gastos no exterior. Um
ponto a ser notado é que, pelos princípios habituais de contabilidade de
partidas dobradas, cada crédito deve corresponder a um débito igual, e viceversa. Cada gasto em bens estrangeiros, por exemplo, precisa ser financiado
de alguma maneira; a fonte de financiamento é registrada como um crédito.
Uma primeira conclusão, portanto, antes de sequer olharmos para os números,
é que se todas as transações forem contabilizadas, o balanço de pagamentos
sempre estará equilibrado.
Vamos, porém, examinar subcategorias de transações internacionais para
as quais não há razão para acreditar que os recebimentos do exterior serão
iguais aos ganhos com operações com o exterior. Em anos recentes, por
exemplo, os gastos de residentes estrangeiros com mercadorias de exportação
americanas (um crédito no balanço de pagamentos) ficaram bem abaixo dos
gastos dos americanos com bens importados (um débito no balanço de
pagamentos). Esse déficit na balança comercial de mercadorias foi motivo
de preocupação, por razões que serão discutidas.
Balança comercial de
mercadorias
Mede exportações menos importações no
balanço de pagamentos.
14.1.1 A conta corrente
O primeiro grupo de itens na tabela são as transações de conta corrente.
Entre essas, os primeiros itens listados são exportações e importações de
mercadorias, que acabamos de comentar. Exemplos de exportações de
mercadorias são a venda de um sistema de computação brasileiro para uma
firma britânica ou a venda de cereais brasileiros para a Rússia. Compras de
carros japoneses, câmeras alemãs ou maçãs argentinas por residentes do
Brasil são exemplos de importações. Em 2010, as importações de
mercadorias pelos Estados Unidos excederam as exportações em U$ 645,9
bilhões. Esse foi o montante do déficit da balança comercial americana.
Conta corrente
No balanço de pagamentos, é um registro
das exportações e importações de
mercadorias do país, bem como do
comércio de serviços e das transferências
correntes.
Tabela 14.1 - Balanço de pagamentos dos Estados Unidos, 2010 (bilhões de
dólares)
Fonte: Survey of Current Business, September 2011 Os dados referem-se a uma base
ligeiramente diferente (amplitude e tempo) dos dados do censo americano usados em
outras partes do livro.
A categoria seguinte na tabela são as importações e exportações de
serviços, contabilizadas apenas em termos de seu valor líquido. Exemplos de
transações na categoria de serviços são serviços financeiros, de seguros e de
transporte de mercadorias. Também nessa categoria estão dividendos e juros
ganhos por residentes dos Estados Unidos devido a seus ativos no exterior
(um crédito) e juros e dividendos pagos a residentes no exterior que tenham
ativos americanos (um débito). O item líquido na tabela, US$ 311,11 bilhões,
indica que, em 2010, os Estados Unidos exportaram mais serviços do que
importaram. As últimas transações nas contas correntes são transferências
líquidas. São registrados aqui pagamentos de transferência privados e
governamentais feitos entre os Estados Unidos e outros países. Esses
pagamentos incluem pagamentos de auxílio a países estrangeiros (um débito)
e pagamentos de benefícios privados ou governamentais a pessoas que vivem
no exterior (um débito). Qualquer transferência desse tipo do exterior para um
residente dos Estados Unidos seria um crédito nesse item.
Se pararmos ou traçarmos uma linha neste ponto, podemos calcular o saldo
da conta corrente. A tabela indica que, em 2010, as contas correntes
americanas estavam com um déficit de US$ 470,9 bilhões.
No geral, considerando apenas as transações de conta corrente, os
residentes dos Estados Unidos gastaram US$ 470,9 bilhões a mais do que
ganharam no exterior.
14.1.2 A balança de capitais
Os itens seguintes na tabela registram a balança de capitais,1 ou
movimento de capitais. Entradas de capital (créditos) são compras de ativos
domésticos por residentes de países estrangeiros. Essas entradas de capital
incluem compras por estrangeiros de títulos privados ou públicos, ações e
depósitos bancários domésticos. Além disso, investimentos estrangeiros
diretos no país, como a construção de uma fábrica da Honda no Brasil, são
entradas de capital no balanço de pagamentos. Compras de ativos financeiros
ou investimentos diretos em países estrangeiros por residentes do país são
saídas de capital (débitos) no balanço de pagamentos. Durante a década de
1980, os Estados Unidos começaram a ter grandes superávits na balança de
capitais que equilibraram em parte os grandes déficits na conta corrente. Em
2006, por exemplo, esse superávit foi de US$ 412,4 bilhões. Em 2010, no
entanto, as saídas de capital excederam as entradas e esse item representa
US$ 93,6 negativos na Tabela 14.1.
Balança de capitais
No balanço de pagamentos, é um registro
de compras de ativos domésticos por
residentes estrangeiros (entradas de
capital) e compras de ativos estrangeiros
por residentes do país (saídas de capital).
Um ponto importante a ser notado em relação à balança de capitais dos
Estados Unidos é que as compras de ativos americanos por estrangeiros
representam, em grande medida, empréstimos tomados de residentes
estrangeiros pelos Estados Unidos. As grandes entradas de capital no período
de 1982-2010 incluíram US$ 2.000 bilhões em compras de títulos do governo
americano por estrangeiros e um montante ainda maior de empréstimos ou
compras de títulos privados americanos por estrangeiros. Durante esse
período, grandes excedentes de importações sobre exportações de
mercadorias (déficits comerciais) foram, na verdade, financiados por
empréstimos do exterior. Entre 1983 e 2010, como resultado desses
empréstimos, os Estados Unidos passaram de uma nação credora líquida para
nação com uma dívida externa líquida de US$ 2,5 trilhões. Em 2010, o saldo
negativo da balança de capitais privados significa que, nesse ano, em vez de
aumentar o endividamento, as entradas de capital privado reduziram a dívida.
Como veremos adiante, porém, quando os fluxos do Banco Central são
levados em conta, a dívida externa americana de fato aumentou em 2010.
14.1.3 Discrepância estatística
O item seguinte na tabela é a discrepância estatística. Como nem todas as
transações econômicas internacionais são adequadamente registradas, a
discrepância estatística (ou erros e omissões) é o montante que deve ser
acrescentado para equilibrar o balanço de pagamentos total. Como pode ser
visto na tabela, a discrepância estatística nos Estados Unidos em 2010 foi de
US$ 216,5 bilhões. A discrepância estatística vem crescendo em anos
recentes; tornou-se mais difícil registrar todas as transações econômicas
internacionais do país.
14.1.4 Transações de reservas oficiais
Sigamos em frente e examinemos o ponto que alcançamos agora no exame
das transações econômicas externas. Vamos supor que tracemos uma linha
abaixo da discrepância estatística. Todos os itens acima da linha representam
transações econômicas internacionais realizadas por residentes ou pelo
governo do país, por algum motivo independente. Com isso referimo-nos a um
motivo não relacionado ao efeito que a transação terá sobre o balanço de
pagamentos ou, como veremos adiante, sobre o valor da moeda local em
relação a outras moedas. Um residente no Brasil compra um carro japonês ou
uma cota de ações de uma empresa alemã porque os acha preferíveis aos
similares nacionais. O governo pode dar auxílio financeiro a outro governo
para estabilizar a situação política desse país. Todos os itens acima da linha
são o que, pela perspectiva do balanço de pagamentos, pode ser chamado de
transações autônomas, ou independentemente motivadas.
Em contraste, as transações de reservas oficiais abaixo dessa linha são
realizadas por bancos centrais, tanto o Banco Central do próprio país como
bancos centrais estrangeiros (por ex., o Bank of England ou o Bundesbank
alemão), em busca de objetivos internacionais de política econômica. Aqui
vamos explicar apenas a natureza dessas transações. Sua motivação será
explicada mais adiante neste capítulo.
O primeiro item abaixo da discrepância estatística na Tabela 14.1 é a
redução nos ativos de reservas oficiais dos EUA. Ativos de reservas oficiais
são estoques de ouro, direitos especiais de saque (DES – um ativo de reserva
criado pelo Fundo Monetário Internacional)2 e moeda estrangeira. Aumentos
dos ativos de reservas oficiais são um débito no balanço de pagamentos; eles
foram financiados por alguma fonte. Em 2010, o valor desses ativos nos
Estados Unidos aumentou US$ 1,8 bilhão.
O próximo e último item na tabela do balanço de pagamentos é o aumento
dos ativos internacionais oficiais nos Estados Unidos. Os bancos centrais
estrangeiros detêm uma parte de seus ativos de reserva na forma de dólares.
Dólares são um ativo de reserva importante, porque o dólar é comumente
usado em transações internacionais. Se os bancos centrais estrangeiros
compram dólares, isso é um crédito no balanço de pagamentos americano
(uma entrada de capital), uma vez que eles estão investindo nos Estados
Unidos.3 Em 2010, os bancos centrais estrangeiros aumentaram a quantidade
de ativos de reservas oficiais mantidos nos Estados Unidos em US$ 349,8
bilhões, daí o item positivo nessa linha do balanço de pagamentos americano.
Como foi observado anteriormente, isso representa um aumento do
endividamento com bancos centrais estrangeiros, ou seja, um aumento da
dívida externa americana.
14.2 Taxas de câmbio e o mercado de câmbio
A demanda por moedas de outros países por parte de residentes locais é
chamada de demanda por moeda estrangeira. O mercado de câmbio é o
mercado em que moedas nacionais são comercializadas entre si. É nesse
mercado, por exemplo, que residentes brasileiros vendem reais para comprar
moeda estrangeira. O mercado de moeda estrangeira oficial é composto de
uma série de corretoras e departamentos bancários de câmbio.
Câmbio
Termo genérico para se referir a um
agregado de moedas estrangeiras.
PERSPECTIVAS 14.1 – DÉFICITS DE CONTA
CORRENTE AMERICANOS – ELES SÃO
SUSTENTÁVEIS?
Pela Tabela 14.1, pode-se ver que o déficit de conta corrente americano foi de
US$ 470,9 bilhões ou 3,2% do PIB em 2010. Esse número foi menor que os
US$ 856,7 bilhões, ou aproximadamente 6,5% do PIB, em 2006. Déficits de
conta corrente dessa magnitude são motivo de preocupação? Se sim, de quanta
preocupação? Mesmo antes da crise financeira de 2007-2009, muitos
afirmavam que esses déficits eram preocupantes. Em 2004, o Fundo Monetário
Internacional (FMI) alertou que o déficit de conta corrente americano
representava sérios riscos tanto para a economia americana como para a
economia mundial. No plano doméstico, muitos alertaram que, em algum
momento, esses déficits acabarão por resultar em uma crise em que o valor do
dólar americano despencará, a demanda por ativos financeiros americanos cairá
e as taxas de juros americanas dispararão.
Outros observadores, entre eles Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve
de 1987 a 2006, não viam nenhuma crise iminente. Eles acreditavam que o
déficit de conta corrente provavelmente seria revertido por forças de mercado
de maneira benigna. Vamos examinar a questão.
A Tabela 14.1 mostra que o déficit americano nas contas correntes é
contrabalançado, por um aumento de ativos internacionais oficiais nos Estados
Unidos. Na maioria dos outros anos recentes, um item adicional no balanço foi
um superávit no fluxo de capital privado na balança de capitais. Os Estados
Unidos financiam seu déficit de conta corrente tomando empréstimos no
exterior: de investidores privados (o superávit na balança de capitais) e de
bancos centrais estrangeiros (o aumento nos ativos estrangeiros oficiais). Como
os Estados Unidos têm registrado déficits de conta corrente repetidamente
grandes, sua dívida externa cresceu para aproximadamente US$ 2,5 trilhões em
2010.
Os que se preocupam com os déficits de conta corrente acreditam que, em um
ponto não muito distante no futuro, os investidores estrangeiros, incluindo
bancos centrais estrangeiros, não estarão mais dispostos a comprar quantidades
tão grandes de ativos financeiros americanos. Nesse ponto, o dólar cairá
acentuadamente e as taxas de juros americanas subirão. Em particular, esses
observadores citam as enormes compras de dólares por bancos centrais
asiáticos nos últimos anos como um fluxo de capital insustentável para os
Estados Unidos. O Banco Central chinês mantém cerca de US$ 1,3 trilhão em
títulos americanos. O Banco do Japão tem cerca de US$ 950 bilhões. Além
disso, como ressaltou o FMI, os empréstimos americanos para financiar os
déficits de conta corrente levaram, em decorrência do aumento geral dos
empréstimos, a um aumento nas taxas de juros mundiais, tornando mais difícil
para outros países, incluindo as economias emergentes, tomar empréstimos para
financiar suas necessidades de investimento.
Aqueles que não veem o déficit de conta corrente como um problema sério
imediato destacam a crescente globalização dos mercados de capitais mundiais.
Com a liberalização dos mercados de capitais de outros países, os investidores
desses países aumentaram sua demanda por ativos estrangeiros, em grande
parte ativos americanos. Mesmo em países que há muito já permitiam
mobilidade de capitais, os investidores passaram a fazer mais investimentos
externos em anos recentes. Os economistas referiram-se a essa tendência como
um declínio do viés doméstico. Esses observadores entendem que o aumento da
demanda por ativos em dólares por parte dos bancos centrais asiáticos deve-se
às políticas específicas desses países. A China, por exemplo, cujo Banco
Central tem sido, em anos recentes, o maior comprador de dólares, atua dessa
maneira para manter o valor de sua moeda, o yuan, fixo em relação ao dólar.
Na opinião deles, os fatores que levaram à maior demanda por ativos
americanos e as forças nos Estados Unidos que contribuem para o déficit de
conta corrente serão revertidos de maneira gradual.
A crise financeira afetou o debate sobre os problemas potenciais associados às
contas correntes americanas em dois sentidos. Primeiro, a recessão profunda
nos Estados Unidos em 2007-2009 reduziu o déficit de conta corrente quando
as importações caíram mais rápido que as exportações; o déficit de conta
corrente foi reduzido pela metade como porcentagem do PIB. Isso afetou os
cálculos quanto a se o déficit seria ou não sustentável. Segundo, a crise levou os
formuladores de políticas econômicas a ver desequilíbrios de conta corrente
como um elemento de desequilíbrios gerais nos mercados financeiros que se
tornaram evidentes com a crise. O déficit de conta corrente americano é visto
agora em um contexto mais amplo, como explicaremos adiante neste capítulo.
Para ver a ligação entre o balanço de pagamentos e transações no mercado
de câmbio, começamos reconhecendo que todos os gastos de residentes do
país em bens, serviços ou ativos estrangeiros e todos os pagamentos de
transferência externos (débitos no balanço de pagamentos) também
representam demandas por moeda estrangeira. Os residentes no Brasil que
compram um carro japonês pagam por ele em reais, mas o exportador japonês
espera ser pago em ienes. Assim, reais precisam ser trocados por ienes no
mercado de câmbio. Para dar outro exemplo, se um residente brasileiro quiser
comprar ações na bolsa de valores de Londres, um corretor precisa converter
os reais do comprador em libras britânicas antes de fazer a compra. Assim, os
gastos totais de residentes de um país no exterior representam uma
demanda por moeda estrangeira. Olhando pela perspectiva da moeda,
também podemos dizer que os gastos totais de residentes do país no exterior
representam uma oferta correspondente de moeda doméstico no mercado de
câmbio.
Inversamente, todos os ganhos de residentes de um país provenientes do
exterior refletem ganhos correspondentes de moeda estrangeira. Exportadores
brasileiros, por exemplo, esperam ser pagos em reais e, para comprar bens
brasileiros, os estrangeiros precisam vender sua moeda e comprar reais. O
valor total dos créditos no balanço de pagamentos é, portanto, igual à
oferta de moeda estrangeira ou, o que é a mesma coisa, à demanda por
moeda doméstica.
14.2.1 Demanda e oferta no mercado de câmbio
É no mercado de câmbio que as taxas de conversão entre as diferentes
moedas nacionais são determinadas. Em nossa discussão desse processo,
vamos fazer as seguintes suposições simplificadoras. Inicialmente, excluímos
as transações de reservas oficiais pelos bancos centrais. No jargão da
economia internacional, vamos supor que os bancos centrais não intervenham
no mercado de câmbio. Atenuaremos essa suposição mais adiante nesta seção.
Também para simplificar, suporemos que haja apenas dois países: os Estados
Unidos, cuja moeda doméstica é o dólar, e a “Europa”, com o euro como
unidade monetária doméstica.4 A taxa de câmbio nessa situação simples é o
preço relativo das duas moedas, que expressamos como o preço do euro em
relação ao dólar. Se, por exemplo, o preço do euro for 1 dólar, então 1 euro é
trocado por 1 dólar; a 1,25 dólar, a taxa de câmbio (o preço do euro) é mais
alta e 1 euro equivale a 1,25 dólar (0,8 euro = 1 dólar). É importante lembrar
que, com a taxa de câmbio expressa dessa maneira, uma taxa de câmbio mais
alta significa que o preço da moeda estrangeira (o câmbio) subiu. Quando a
taxa de câmbio sobe, dizemos que a moeda estrangeira apreciou-se ou o dólar
depreciou-se. Alternativamente, uma queda na taxa de câmbio significa que o
preço da moeda estrangeira (o preço do euro) caiu. O euro depreciou-se,
enquanto o dólar apreciou-se.
FIG 14.1 Mercado de câmbio
A curva de demanda por moeda estrangeira tem inclinação negativa porque a demanda
por moeda estrangeira para financiar importações cai quando a taxa de câmbio sobe,
tornando os bens estrangeiros mais caros. A curva de oferta de moeda estrangeira tem
inclinação positiva, refletindo o pressuposto de que a entrada de moeda estrangeira
derivada do aumento das exportações sobe quando a taxa de câmbio sobe, tornando
os bens domésticos menos caros para os compradores estrangeiros. O valor de
equilíbrio da taxa de câmbio é π0, a taxa que iguala demanda e oferta.
A Figura 14.1 mostra as curvas de oferta e de demanda por moeda
estrangeira traçadas em relação à taxa de câmbio (π). Como foi explicado, os
gastos no exterior de residentes dos Estados Unidos (importações, compras de
ativos estrangeiros e transferências externas) são demandas por moeda
estrangeira. Como essa demanda por moeda estrangeira variará em relação ao
preço da moeda estrangeira? Na Figura 14.1, a curva de demanda (Dme) tem
inclinação negativa, o que indica que, quando o preço da moeda estrangeira
(preço do euro) sobe, a demanda por moeda estrangeira cai. Isso acontece
porque uma elevação no preço da moeda estrangeira aumentará o custo em
dólares da compra de bens estrangeiros. As importações, portanto, declinarão
e haverá menos demanda por moeda estrangeira. Repare que, aqui, estamos
mantendo constantes todos os outros preços com exceção da taxa de câmbio.
Suponhamos que um americano esteja querendo comprar uma câmera alemã
que custe 200 euros. Se a taxa de câmbio, o preço do euro em relação ao
dólar, for 1,00, a câmera vai custar 200 dólares (200 euros = 200 dólares a
1,00 euro por dólar). Se a taxa de câmbio subir para 1,25, a câmera custará
250 dólares (200 euros = 250 dólares a 0,80 euro por dólar). Quanto mais
alta a taxa de câmbio, maior o custo em dólares de bens importados e mais
baixa a demanda por moeda estrangeira.
Consideremos agora a demanda por moeda estrangeira para a compra de
ativos estrangeiros e para transferências externas. Em relação a estas últimas,
não há razão para uma relação definida entre a quantidade de transferências
externas e a taxa de câmbio. Não é claro o efeito que a mudança na taxa de
câmbio teria sobre programas de ajuda externa, pagamentos de benefícios a
pessoas vivendo no exterior ou remessas de dinheiro a cidadãos do país que
vivam no exterior. No caso de compras de ativos estrangeiros, um aumento na
taxa de câmbio, como no caso de produtos importados, empurrará para cima o
preço em dólares das ações ou títulos estrangeiros. A elevação da taxa de
câmbio, porém, também resultará em um aumento proporcional do pagamento
de juros ou dividendos sobre os títulos ou ações estrangeiros, medidos em
dólares. Por exemplo, um título francês que custe 800 euros e pague juros de
80 euros ao ano custará 800 dólares e pagará juros de 80 dólares ao ano com
uma taxa de câmbio de 1,00 (1,00 euro = 1 dólar). Com uma taxa de câmbio
de 1,25 (0,80 euro = 1 dólar), o título custará 1.000 dólares e pagará juros de
100 dólares ao ano. Em qualquer caso, o título representa um ativo que paga
um retorno de 10% ao ano. Em consequência, não esperaríamos
necessariamente algum efeito sobre a demanda por ativos estrangeiros como
resultado de uma mudança na taxa de câmbio.5 A inclinação negativa da curva
de demanda por moeda estrangeira resulta apenas do fato de que as
importações diminuem quando a taxa de câmbio sobe.
A curva de oferta de moeda estrangeira é traçada com uma inclinação
positiva na Figura 14.1, o que reflete o pressuposto de que a oferta de moeda
estrangeira aumenta quando a taxa de câmbio sobe. Quando a taxa de câmbio
(preço do euro) aumenta, os bens de exportação americanos ficam menos
caros em euros para os europeus. Uma vez mais, estamos mantendo fixos
todos os outros preços, incluindo o preço em dólares dos bens de exportação
americanos. Por exemplo, o trigo americano que é vendido a 5 dólares por
bushel* custaria para um europeu 10 euros por bushel com uma taxa de
câmbio de 1,00, mas apenas 4 euros com uma taxa de câmbio de 1,25.
A demanda por produtos de exportação, portanto, deve aumentar quando a
taxa de câmbio sobe. Repare, porém, que um dado volume de exportações em
dólares corresponde a uma entrada menor de moeda estrangeira (menos
euros) com uma taxa de câmbio mais alta. Se, por exemplo, a taxa de câmbio
subisse 10% e, como resultado, o volume em dólares das exportações subisse
10%, os ganhos em termos de moeda estrangeira ficariam inalterados. Os
Estados Unidos estariam vendendo 10% mais, mas ganhando 10% menos
euros em cada venda.
Para que a oferta de moeda estrangeira aumente quando a taxa de câmbio
sobe, a demanda externa por produtos de exportação deve ter elasticidadepreço mais que 1, o que significa que um aumento de 1% na taxa de câmbio
(que resulta em uma queda de 1% no preço dos bens de exportação para os
estrangeiros) deve resultar em um aumento na demanda de mais de 1%. Se
essa condição for satisfeita, o volume em moeda doméstica das exportações
subirá mais do que proporcionalmente ao aumento da taxa de câmbio e os
ganhos em moeda estrangeira (a oferta de moeda estrangeira) aumentarão
quando a taxa de câmbio subir. Essa é a suposição que fazemos na Figura
14.1.6
14.2.2 Determinação da taxa de câmbio: taxas de câmbio
flexíveis
Até aqui, excluímos a intervenção (transações de reservas oficiais) dos
bancos centrais. As curvas de oferta e de demanda na Figura 14.1 referem-se
apenas a transações autônomas no balanço de pagamentos. Vamos continuar
com esse pressuposto e ver como a taxa de câmbio é determinada na ausência
de intervenção. Nesse caso, esperaríamos que a taxa de câmbio se movesse
de modo a equilibrar o mercado, a igualar a demanda e a oferta de moeda
estrangeira. Na Figura 14.1, essa taxa de câmbio de equilíbrio é π0. Os
elementos autônomos no balanço de pagamentos, aqueles acima das linhas em
que as transações de reservas oficiais são registradas, são igualados pelo
ajuste da taxa de câmbio. Esse sistema de determinação da taxa de câmbio em
que não há intervenção do Banco Central é um sistema de taxas de câmbios
flexíveis ou, como é às vezes chamado, um sistema de câmbio flutuante. Um
sistema ou regime de taxa de câmbio é um conjunto de regras internacionais
que governam a definição das taxas de câmbio. Um sistema cambial
completamente flexível ou flutuante é um conjunto particularmente simples de
regras a serem seguidas pelos bancos centrais; eles não fazem nada para
afetar diretamente o nível de suas taxas de câmbio. A taxa de câmbio é
determinada pelo mercado.
FIG 14.2 Efeito no mercado de câmbio de um aumento na demanda por
importados
Um aumento autônomo na demanda por importados desloca a curva de demanda por
moeda estrangeira de Dme0 para Dme1. Na taxa de câmbio de equilíbrio inicial, há um
excesso de demanda por moeda estrangeira (XDme). A taxa de câmbio sobe para π1 a
fim de reequilibrar a oferta e a demanda no mercado de moeda estrangeira.
Para compreender melhor o funcionamento de um sistema de taxas de
câmbios flexíveis, vamos examinar o efeito de um choque que aumente a
demanda por moeda estrangeira. Suponhamos que haja um aumento na
demanda por bens importados. Por exemplo, vamos imaginar que um aumento
nos preços da gasolina cause um deslocamento para carros estrangeiros
pequenos com menor consumo de combustível. O efeito desse aumento na
demanda por importados apareceria no mercado de câmbio como um
deslocamento para a direita da curva de demanda por moeda estrangeira – por
exemplo, de Dme0 para Dme1, conforme ilustrado na Figura 14.2. A uma dada
taxa de câmbio, há uma maior demanda por importados e,
correspondentemente, uma demanda maior por moeda estrangeira. À taxa de
câmbio de equilíbrio inicial, π0, há agora um excesso de demanda por moeda
estrangeira (mostrado como XDme na Figura 14.2). Para equilibrar o mercado,
a taxa de câmbio precisa subir para o novo valor de equilíbrio, π1. O aumento
da taxa de câmbio fará com que a demanda por importados diminua, uma vez
que o preço em moeda doméstica dos bens importados sobe com a taxa de
câmbio. Além disso, o volume de exportações aumentará, uma vez que o
aumento da taxa de câmbio faz com que os produtos de exportação domésticos
fiquem menos caros para os estrangeiros. No novo equilíbrio com a taxa de
câmbio mais alta (π1), a oferta e a demanda por moeda estrangeira são
novamente iguais. O aumento na demanda por importados leva a uma
depreciação da moeda local.
Em 1973, os Estados Unidos moveram-se para uma maior flexibilidade da
taxa de câmbio, assim como fizeram outros países industrializados. Ao longo
do período pós-1970, porém, os Estados Unidos não tiveram um sistema
cambial completamente flexível. Em graus variáveis durante esse período, os
bancos centrais, inclusive o Banco Central americano, intervieram no
mercado cambial para influir nos valores de suas moedas nacionais. As
características do sistema monetário internacional atual são discutidas mais
adiante. Antes de começarmos essa discussão, examinaremos o funcionamento
do mercado cambial sob o extremo oposto a um sistema de taxas de câmbio
completamente flexível: um sistema de taxas de câmbio fixas.
14.2.3 Determinação da taxa de câmbio: taxas de câmbio
fixas
Um sistema monetário internacional é um conjunto de regras que organizam
a determinação da taxa de câmbio e definem quais ativos comporão as
reservas internacionais oficiais. Um exemplo de um sistema de taxas de
câmbio fixas é o sistema Bretton Woods adotado após a Segunda Guerra
Mundial. Os acordos monetários internacionais que compuseram esse sistema
foram negociados perto do final da guerra (em Bretton Woods, New
Hampshire). O FMI foi criado para administrar o sistema Bretton Woods. De
acordo com regras do FMI, os Estados Unidos deveriam definir uma
paridade, ou valor de par, para sua moeda em relação ao ouro. Outras nações
definiriam paridades para suas moedas em relação ao dólar, de modo que o
dólar vinculado ao ouro também fixava o valor em ouro dessas outras
moedas. Os Estados Unidos concordaram em manter a conversibilidade entre
o dólar e o ouro em um preço fixo (originalmente 35 dólares por onça). Os
outros países concordaram em manter a conversibilidade (depois de um
período de ajuste pós-guerra) com o dólar e com outras moedas, mas não com
o ouro, e concordaram em manter suas taxas de câmbio em relação ao dólar
dentro de uma margem de 1% para cada lado do nível de paridade. A
responsabilidade diferencial dos Estados Unidos em relação aos outros
membros do FMI quanto à conversibilidade em ouro parecia sensata, uma vez
que os Estados Unidos detinham na época aproximadamente dois terços das
reservas internacionais mundiais de ouro.
Sistema Bretton Woods
Sistema de taxas de câmbio fixas
instituído no final da Segunda Guerra
Mundial.
14.2.3.1 Atrelagem da taxa de câmbio
Para ver como um sistema de taxas de câmbio fixas funciona, vamos
examinar como um país pode “atrelar” ou fixar o nível de sua taxa de câmbio.
Para isso, voltaremos ao nosso exemplo de dois países e consideraremos que
os Estados Unidos queiram fixar sua taxa de câmbio em relação ao euro, que
estamos usando para representar as moedas do resto do mundo. Vamos ignorar
a margem de 1% que acabamos de mencionar e supor que o Banco Central
americano queira fixar uma paridade exata para o dólar; digamos, uma taxa de
câmbio de 1 euro igual a 1 dólar. O funcionamento do mercado cambial com
esse sistema de taxas de câmbio fixas é ilustrado na Figura 14.3.
Supomos que essa taxa de câmbio oficial fixa, 1,0, esteja abaixo da taxa de
câmbio que equilibraria um sistema de taxas flexíveis, sendo a taxa de
equilíbrio na Figura 14.3 igual a 1,25 euro (0,8 euro = 1 dólar). Com a taxa de
câmbio fixa nessa situação, diz-se que o dólar está sobrevalorizado e o euro
subvalorizado. Isso significa que, se a taxa de câmbio fosse determinada pelo
mercado, o preço do euro em relação ao dólar (a taxa de câmbio) teria de
subir para equilibrar o mercado. O que impede que isso aconteça?
FIG 14.3 Mercado de câmbio com uma taxa de câmbio fixa
Em um sistema de taxas de câmbio fixas, se a taxa de câmbio oficial (π = 1,0) estiver
abaixo da taxa de equilíbrio do mercado (π = 1,25), haverá um excesso de demanda
por moeda estrangeira, XDme. Para impedir que a taxa de câmbio suba, os bancos
centrais locais ou estrangeiros precisam ofertar moeda estrangeira.
Lembre-se que as curvas de demanda e oferta que construímos para o
mercado de câmbio medem apenas transações autônomas; elas não levam em
conta as transações de acomodação realizadas pelos bancos centrais para
financiar desequilíbrios de pagamentos. É precisamente essa intervenção dos
bancos centrais que precisa acontecer para fixar a taxa de câmbio em um
valor diferente do valor de equilíbrio, como 1,0 dólar na Figura 14.3. Para
manter a taxa em 1,0, os Estados Unidos têm de estar prontos para comprar e
vender dólares a essa taxa de câmbio. Se o Banco Central americano comprar
euros por 1,0 dólar, a taxa de câmbio não pode cair abaixo desse ponto, uma
vez que ninguém venderia por menos do que isso. Similarmente, a taxa de
câmbio não pode subir acima de 1,0, porque o Banco Central estará disposto
a vender euros por esse preço.
Na situação representada na Figura 14.3, com a taxa de câmbio abaixo da
taxa de equilíbrio, há um excesso de demanda por moeda estrangeira (euros),
mostrado como XDme na figura. Para impedir que a taxa de câmbio suba, o
Banco Central americano pode ofertar moeda estrangeira; ou seja, pode trocar
euros por dólares no mercado de câmbio.
Alternativamente, o Banco Central europeu poderia intervir. Esse banco
ofertaria euros (venderia euros e compraria dólares) para satisfazer o excesso
de demanda por euros e manter o preço do euro na taxa de câmbio oficial.
14.2.3.2 Implicações da intervenção
Dois pontos devem ser observados em relação à intervenção do Banco
Central. O primeiro refere-se ao efeito sobre o balanço de pagamentos como
resultado de uma intervenção no mercado cambial. Suponhamos que a
intervenção seja do Banco Central dos Estados Unidos. Onde ele obtém os
euros que vende para impedir que a taxa de câmbio suba? O Banco Central
precisa fazer uso de suas reservas internacionais para comprar euros do
Banco Central europeu a fim de vendê-los no mercado de moeda estrangeira.
Essa ação apareceria na Tabela 14.1 como uma redução dos ativos de
reservas oficiais dos Estados Unidos.
Alternativamente, se o Banco Central europeu ofertasse euros diretamente
no mercado de câmbio para satisfazer o excesso de demanda americana por
moeda estrangeira, ele acabaria com um estoque aumentado de dólares. No
balanço de pagamentos americano (Tabela 14.1), essa ação apareceria como
um aumento dos ativos internacionais oficiais nos Estados Unidos. A soma
desses dois itens (uma redução dos ativos de reservas oficiais americanas e
um aumento nos ativos oficiais estrangeiros nos Estados Unidos) equivale ao
déficit do balanço de pagamentos americano. Isso é um déficit porque é o
valor em que os gastos no exterior (demanda por moeda estrangeira) excedem
os ganhos provenientes do exterior (oferta de moeda estrangeira), levando em
conta apenas transações autônomas (aquelas refletidas nas curvas Dme e Sme).
Esse déficit precisa ser financiado por uma intervenção do Banco Central
caso se deseje manter a taxa de câmbio fixa.
Inversamente, se, com a taxa de câmbio oficial, a oferta de moeda
estrangeira exceder a demanda (há um excesso de oferta de moeda
estrangeira), o país terá um superávit no balanço de pagamentos. Nesse caso,
os ganhos provenientes de vendas para residentes no exterior que produzem a
oferta de moeda estrangeira superam os gastos dos residentes locais no
exterior. Quando isso acontece, os ativos de reservas oficiais aumentam ou os
ativos de reservas oficiais estrangeiras no país diminuem.
O segundo ponto a observar sobre a intervenção do Banco Central é que
países que precisam intervir continuamente para financiar déficits acabarão
ficando sem reservas oficiais. Em nosso exemplo, está claro que, se os
Estados Unidos financiassem seus déficits por meio de reduções de seus
ativos oficiais, acabariam por esgotar seu estoque de reservas. Mas e se o
déficit fosse financiado pelo Banco Central europeu (ou outros bancos
centrais), aumentando seus ativos de reservas nos Estados Unidos pela
compra de dólares? Se os bancos centrais estrangeiros continuassem a manter
dólares, isso não afetaria as reservas americanas. Sob o acordo de Bretton
Woods, porém, se quisessem, os bancos centrais estrangeiros poderiam
solicitar que os Estados Unidos comprassem dólares de volta, usando ativos
das reservas (ouro e DES). Caso isso acontecesse, as reservas americanas
cairiam.
Em certa medida, os Estados Unidos conseguiram manter déficits contínuos
no balanço de pagamento durante o período de Bretton Woods porque os
bancos centrais estrangeiros não lhes pediram para comprar de volta os
dólares que eles haviam adquirido em intervenções no mercado de câmbio. A
princípio, eles não fizeram isso porque queriam os dólares, que lhes serviam
como um ativo de reserva. (Lembre-se que eles tinham o compromisso de
manter a conversibilidade entre sua moeda e o dólar.) Mais tarde, não
pediram que os Estados Unidos comprassem os dólares de volta porque
sabiam que isso não poderia ser feito; os estoques de dólares no exterior eram
muito superiores às reservas americanas. Como veremos, essa situação
contribuiu para o colapso do sistema.
Outros países – a Dinamarca, por exemplo – não poderiam manter déficits
persistentes sem perder suas reservas. No caso da Dinamarca, sua moeda, a
coroa dinamarquesa, não era usada como um ativo de reserva, portanto outros
bancos centrais esperariam que o governo dinamarquês comprasse de volta as
coroas que eles haviam obtido em intervenções no mercado de câmbio. Para
fazer isso, a Dinamarca teria de esgotar suas reservas oficiais (ouro, DES e
dólares americanos).
Há, contudo, uma assimetria importante aqui. A Dinamarca poderia manter
superávits persistentes. O Banco Central dinamarquês acumularia, então,
dólares americanos comprados com coroas dinamarquesas. Países esgotam
reservas, mas não moedas próprias. Para considerar um exemplo de anos
recentes, a China registrou enormes superávits no balanço de pagamentos e
comprou grandes quantidades de dólares americanos. Eles na verdade fixam o
valor do yuan em relação ao dólar abaixo do valor de mercado.
14.3 O sistema de taxas de câmbio atual
O sistema Bretton Woods entrou em colapso em 1971. O atual sistema
mundial de determinação da taxa de câmbio pode ser descrito como flutuação
administrada para o caso dos principais países industrializados (ou, no caso
dos países da zona do euro, para um grupo de países). Nações em
desenvolvimento com frequência usam sistemas de taxa de câmbio fixa,
embora algumas permitam uma flexibilidade da taxa de câmbio em graus
diversos. Uma flutuação administrada, ou flutuação suja (dirty floating),
contém elementos de um sistema de taxa de câmbio flexível (a parte da
flutuação) e de um sistema de taxa de câmbio fixa (a parte administrada). Para
um país com uma flutuação administrada, a taxa de câmbio é deixada livre
para se mover em resposta a forças de mercado. O Banco Central, porém,
pode intervir para evitar movimentos indesejáveis ou desordenados da taxa
de câmbio. A questão de como um movimento indesejável ou desordenado da
taxa de câmbio tem sido definido na prática e, portanto, de quando os bancos
centrais decidem intervir em mercados de câmbio será discutida adiante. Os
fatores que levaram à falência do sistema Bretton Woods também serão
discutidos.
14.3.1 Regimes cambiais
A Tabela 14.2 resume os regimes de taxa de câmbio dos países-membros
do FMI. Como já foi dito, não existe um sistema único de determinação da
taxa de juros. Alguns países atrelam sua taxa de juros a uma moeda ou a uma
cesta de moedas com uma margem estreita de 1% ou menos. Esse é o grupo de
42 países incluídos em “regimes de taxa fixa” na tabela. O grupo incluído em
“taxas fixas dentro de bandas” também segue uma política de taxa de câmbio
fixa, mas dentro de uma banda maior. O grupo de “câmbio deslizante”
(crawling pegs) ajusta o valor de sua moeda em relação a uma taxa fixa
central em resposta a um conjunto de indicadores econômicos (por ex., taxas
de inflação domésticas x estrangeiras) e, assim, encaixa-se em um terreno
médio entre taxas fixas e flexíveis. O grupo “participam de um mecanismo
cambial” compreende as nações europeias que adotaram uma moeda comum,
o euro, mas flutuam como grupo em relação a outras moedas. Esse regime de
taxa de câmbio é descrito mais detalhadamente mais adiante neste capítulo. O
próximo grupo na tabela são 77 países que têm regimes de taxas flutuantes,
embora algumas sejam flutuações administradas. O último grupo, chamado de
“outros”, tem sistemas de taxas de câmbio que descreveremos em
Perspectivas 14.2. Japão, Canadá, Reino Unido e Estados Unidos estão entre
os países com taxas de câmbio flutuantes.
Tabela 14.2 - Regimes cambiais dos países-membros do FMI
Regime cambial
Número
Regimes de taxas fixas
42
Taxas fixas dentro de bandas
14
Câmbio deslizante
5
Participam de um mecanismo cambial
17
Flutuação administrada e flutuação livre
77
Outros
34
Fonte: FMI, International Financial Statistics.
14.3.2 Quanto de administração? Quanto de flutuação?
Em uma flutuação administrada, os bancos centrais intervêm em
mercados cambiais para evitar movimentos indesejáveis ou desordenados em
suas taxas de câmbio. Fora isso, suas taxas de câmbio flutuam. Durante o
período pós-1973, o grau em que os países industrializados intervieram em
seu mercado de câmbio variou muito.
Nos Estados Unidos na década de 1970, houve intervenções frequentes do
Banco Central americano no mercado de câmbio. Por exemplo, em novembro
de 1978, o governo americano coordenou um extenso programa de apoio ao
preço do dólar. Em 1981, o governo Reagan anunciou que a intervenção do
Banco Central ocorreria apenas quando necessário para evitar desordens no
mercado cambial iniciadas por situações de crise. Depois dessa mudança na
interpretação do que constituía um movimento desordenado da taxa de
câmbio, houve um notável declínio da intervenção americana no mercado de
câmbio.
PERSPECTIVAS 14.2 - CURRENCY BOARDS E
DOLARIZAÇÃO
Sem um sistema monetário internacional unificado como o sistema Bretton
Woods, os países individuais ficaram livres para escolher seu regime cambial
como parte de seu programa geral de políticas macroeconômicas. Vários países
emergentes seguiram sistemas de taxa de câmbio fixa. Tal sistema destina-se a
proporcionar estabilidade cambial para estimular o crescimento do comércio e
dos investimentos. Em alguns casos, o compromisso com uma taxa de câmbio
fixa é parte de um pacote anti-inflação.
Em um mundo de alta mobilidade do capital, porém, alguns países perceberam
que não conseguem manter as taxas que fixavam para suas moedas. Saídas de
capitais ameaçam esgotar suas reservas e eles são forçados a desvalorizar a
moeda. Duas maneiras de dar suporte a um sistema de taxas fixas são: currency
boards e dolarização. Com um sistema currency board, o país compromete-se a
fixar o valor de sua moeda em relação a alguma moeda forte, como o dólar, e a
estar pronto para converter sua moeda nessa moeda estrangeira sob demanda.
Compromete-se ainda a só emitir mais moeda conforme for acumulando a
moeda estrangeira. Isso, na prática, tira a política monetária das mãos do país e
alivia o medo dos investidores estrangeiros de que a inflação destrua o valor de
seus estoques de moeda local. Currency boards, portanto, criam credibilidade
para a taxa de câmbio fixa. A Argentina, que enfrentava um longo período de
alta inflação, adotou um currency board em 1991 com o dólar como a moeda
estrangeira. O currency board permitiu que a Argentina detivesse a inflação por
uma década, mas perdeu sua eficácia em 2001. A opinião mais geral é que a
causa do colapso tenham sido os contínuos e crescentes déficits do orçamento
do governo que acabaram por minar a credibilidade da taxa de câmbio fixa.
A dolarização avança um passo adiante de um currency board, no sentido de
que o país simplesmente adota uma moeda estrangeira forte, novamente com
frequência o dólar, e elimina a sua própria moeda. Como a moeda do país fica
sendo, por exemplo, o dólar, esta é uma forma extrema de taxa de câmbio fixa
(em relação ao dólar). Uma vez mais, aqui o país abdica de sua prerrogativa de
conduzir uma política monetária independente. Em meio a alta inflação e outras
dificuldades econômicas, o Equador dolarizou sua economia em 2000. O
Panamá usou o dólar como a moeda desde sua independência em 1903.
Mesmo na ausência de intervenção do Banco Central americano, o preço
do dólar não flutua livremente com o sistema de taxas de câmbio atual, porque
outros bancos centrais compram ou vendem dólares para influenciar o preço
de suas moedas em relação ao dólar. Por exemplo, em 1981 e novamente em
1984, bancos centrais europeus venderam dólares de suas reservas para
desacelerar a elevação do preço do dólar, que significaria uma queda no
preço das moedas locais (um aumento de sua taxa de câmbio em relação ao
dólar). Depois, com o Acordo do Plaza em setembro de 1985, os bancos
centrais dos grandes países industrializados começaram a coordenar
intervenções conjuntas com o objetivo de baixar o valor do dólar (elevando a
taxa de câmbio americana). Em 1987, por razões que serão explicadas
adiante, esses bancos centrais reverteram o curso e intervieram, novamente
em conjunto, para elevar o preço do dólar.
Em anos recentes, as principais intervenções no mercado cambial têm sido
compras de dólares americanos por bancos centrais asiáticos. O Banco da
China acumulou enormes reservas a fim de manter o valor fixo de sua moeda.
O Banco do Japão também comprou uma grande quantidade de dólares para
evitar (ou limitar) a valorização do iene. Outros bancos centrais asiáticos
compraram centenas de bilhões de dólares para aumentar suas reservas.
14.3.3 A falência do sistema Bretton Woods
Vimos pela Tabela 14.2 que o sistema monetário internacional atual é
bastante desorganizado. Como veio a surgir tal sistema (ou falta de sistema)?
Que processo levou à falência do sistema de taxas de câmbio fixas de Bretton
Woods?
Eram centrais para o sistema Bretton Woods as taxas de câmbio fixas e o
papel de moeda principal exercido pelo dólar. Os valores de paridade
definidos para as moedas não seriam fixos para sempre; o sistema Bretton
Woods pretendia utilizar taxas ajustáveis. Um país poderia mudar sua taxa de
câmbio se encontrasse um “desequilíbrio fundamental” em seu balanço de
pagamentos. Essas mudanças deveriam ser feitas por meio de consultas com o
FMI. Países com déficits crônicos deveriam desvalorizar sua moeda, o que
significa baixar a paridade da moeda em relação ao dólar e, como o valor do
dólar em relação ao ouro era fixo, baixar também o valor da moeda em
relação ao ouro. Países com superávits persistentes revalorizariam sua
moeda em valores de paridade mais altos em relação ao dólar e ao ouro.
Na verdade, os ajustes mostraram-se extremamente difíceis. Países com
superávits persistentes não sofriam pressão alguma para valorizar sua moeda.
Os governos de países com déficits persistentes achavam politicamente difícil
desvalorizá-la, uma vez que uma redução no valor da moeda era interpretada
como sinal de fracasso da política econômica do governo. Além disso,
rumores de que uma moeda seria desvalorizada levavam a ondas de
especulação contra a moeda, com especuladores vendendo a moeda com a
intenção de comprá-la de novo depois da desvalorização. Devido a essas
dificuldades no ajuste dos valores de paridade das moedas, durante o período
do Bretton Woods alguns países (por ex., a Grã Bretanha) desenvolveram
déficits crônicos no balanço de pagamentos e outros (por ex., a Alemanha)
desenvolveram superávits crônicos.
O fator mais prejudicial ao sistema foi o déficit crônico apresentado pelos
Estados Unidos, indicando que o dólar estava sobrevalorizado. Desvalorizar
o dólar significava elevar o preço do ouro, uma vez que o dólar era
conversível em ouro por um valor de par fixo. Isso apresentava dificuldades
especiais devido ao papel-chave do dólar dentro do sistema. Mas os
crescentes déficits no balanço de pagamentos americano estavam criando uma
superabundância de dólares no mercado.
No final da década de 1960, a posição do balanço de pagamentos
americano piorou. Graves pressões inflacionárias surgiram nos Estados
Unidos como resultado dos gastos do governo na Guerra do Vietnã. Esse
aumento da inflação piorou o balanço de pagamentos americano. Os preços
nos Estados Unidos subiram mais rápido do que os preços em outros países
industrializados. Com a taxa de câmbio fixa, isso significou que os bens de
exportação americanos ficaram mais caros para os estrangeiros, enquanto o
preço de importados caiu em relação aos preços dos produtos nacionais.
Como consequência, a demanda por bens de exportação americanos caiu e a
demanda por importados subiu; o déficit do balanço de pagamentos dos
Estados Unidos aumentou.
Em 1972, o dólar foi desvalorizado e o preço do ouro subiu para 38
dólares a onça. Estabeleceu-se um novo conjunto de valores de paridade para
as moedas dos outros membros do FMI. No entanto, as tentativas de defender
o novo conjunto de valores de paridade fracassaram já em 1973. Uma vez
mais, uma onda de inflação nos Estados Unidos e a perda de confiança no
dólar foram as causas mais imediatas dos problemas para manter um conjunto
de valores de câmbio fixos. Além disso, a partir de 1973-1974, enormes
aumentos no preço do petróleo levaram a grandes déficits no balanço de
pagamentos das nações industrializadas consumidoras de petróleo e
superávits para os países produtores de petróleo. Foram necessários ajustes
nas taxas de câmbio para restaurar o equilíbrio. O sistema de flutuação
administrada que surgiu na década de 1970 foi o mecanismo pelo qual se
realizaram os ajustes na taxa de câmbio exigidos pelo declínio da força do
dólar e pela elevação dos preços do petróleo.
14.4 Vantagens dos regimes cambiais alternativos
Dentro do sistema atual de determinação da taxa de câmbio, cada país ou
grupo de países escolhe um regime cambial. Um elemento-chave nessa
decisão é a escolha do grau de flexibilidade da taxa de câmbio. O país faz sua
escolha ao longo de um espectro que tem em uma extremidade a flexibilidade
total da taxa de câmbio e, na outra, um câmbio fixo rígido. Há outros aspectos
na escolha de um regime cambial, como qual moeda será escolhida para
atrelamento se a moeda for atrelada a outra moeda e qual o nível e tipo de
ativos de reserva a serem mantidos. Ainda assim, a escolha do grau de
flexibilidade é central para o regime cambial.
Os méritos relativos das taxas de câmbio fixas e flexíveis têm sido há
muito debatidos por economistas e autoridades de bancos centrais. Nesta
seção, vamos examinar os principais argumentos a favor e contra cada
sistema.
14.4.1 Vantagens da flexibilidade da taxa de câmbio
Começamos com os argumentos propostos a favor da flexibilidade da taxa
de câmbio. Duas vantagens citadas para uma maior flexibilidade das taxas de
câmbio são:7
1. Taxas de câmbio flexíveis permitiriam que os formuladores de políticas
econômicas concentrassem-se em metas domésticas, livres de
preocupações com déficits no balanço de pagamentos. Esse sistema
removeria conflitos potenciais que surgem entre o equilíbrio interno
(metas domésticas) e o equilíbrio externo (equilíbrio do balanço de
pagamentos).
2. Taxas de câmbio flexíveis isolariam a economia interna de choques
econômicos originados no exterior.
14.4.1.1 Independência das políticas econômicas e flexibilidade da
taxa de câmbio
Nossa análise anterior indicou que, se o Banco Central de uma nação
interviesse no mercado de câmbio para financiar um déficit no balanço de
pagamentos, ele perderia ativos de reservas oficiais. Déficits continuados
acabariam levando, assim, a um esgotamento das reservas do Banco Central.
Antes que isso acontecesse, o Banco Central teria de tomar ações de política
econômica com o objetivo de eliminar o déficit do balanço de pagamentos. É
nesse ponto que ocorre o possível conflito entre metas internas e o equilíbrio
do balanço de pagamentos.
Para entender a natureza do conflito mais claramente, vamos examinar
como os principais itens do balanço de pagamentos relacionam-se com o
nível de atividade econômica interna.
A balança comercial e o nível de atividade econômica. A Figura 14.4
mostra importações (Z) e exportações (X) no eixo vertical e a renda nacional
interna no eixo horizontal. A curva das importações é traçada com inclinação
positiva porque a demanda por importados depende positivamente da renda.
Isso acontece porque o consumo depende positivamente da renda. Quando a
renda sobe, o consumo tanto de bens importados como de bens nacionais
também sobe. Além disso, à medida que a renda nacional interna aumenta,
mais insumos importados serão necessários (por ex., petróleo bruto
importado).
Em contraste, a curva de exportações é horizontal. A demanda por produtos
de exportação domésticos é uma parte da demanda estrangeira por
importados, a qual depende da renda estrangeira. Pela perspectiva do país
em questão, a renda estrangeira e, portanto, a demanda por produtos de
exportação domésticos são exógenas.
FIG 14.4 Balança comercial e o nível de atividade econômica
O nível de renda que iguala as importações (Z) com o nível exógeno de exportações
(X) é Ybc = 0. Não há razão para que o nível de equilíbrio da renda seja igual a Ybc = 0.
Por exemplo, se Y0 for o nível de equilíbrio da renda, as importações excederão as
exportações e haverá um déficit na balança comercial (Z0 - X0).
Variáveis adicionais que influenciam tanto a demanda doméstica por
importados como a demanda estrangeira por produtos de exportação
domésticos são os níveis de preços relativos dos dois países e o nível da taxa
de câmbio. Essas variáveis determinam os custos relativos dos produtos dos
dois países para os seus cidadãos. Por enquanto, estamos supondo que os
níveis de preços e a taxa de câmbio sejam fixos.
Como é mostrado na Figura 14.4, exportações e importações serão iguais
se a renda estiver no nível Ybc = 0 (onde bc, a balança comercial, será zero).
Esse nível de renda gera uma demanda por importados igual ao nível exógeno
de exportações. Mas não há razão para esperar que Ybc = 0 será um nível de
equilíbrio da renda. A renda de equilíbrio será determinada pela demanda e
pela oferta agregadas da economia como um todo, não apenas pelo setor
externo. Por exemplo, na Figura 14.4, vamos supor que a renda de equilíbrio
esteja em Y0, acima de Ybc = 0. Em Y0, as importações excedem as exportações
e há um déficit comercial.
Vimos em capítulos anteriores como políticas de administração da
demanda agregada podem, pelo menos na visão keynesiana, afetar a renda de
equilíbrio. Assim, políticas desse tipo poderiam ser usadas para mover a
renda de equilíbrio para o nível Ybc = 0, em que as exportações são iguais às
importações. Se os outros itens da conta corrente e a balança de capitais
estivessem em equilíbrio, essa seria uma posição de equilíbrio externo para a
economia, o que, em um sistema de taxas de câmbio fixas, significa equilíbrio
do balanço de pagamentos (déficit das transações de reservas oficiais igual a
zero). Em termos da Figura 14.4, o formulador de políticas econômicas
poderia, por exemplo, usar uma política fiscal restritiva, como um aumento de
impostos, para reduzir a renda de Y0 para Ybc = 0.
Mas os formuladores de políticas também têm metas internas. Na estrutura
keynesiana, políticas de administração da demanda agregada devem ser
usadas para alcançar metas de desemprego e inflação – ou seja, para alcançar
equilíbrio interno. O problema é que não há razão para acreditar que o nível
de renda que produz equilíbrio externo seja o nível ótimo no que se refere às
metas internas. Suponhamos, por exemplo, que, na Figura 14.4, o nível ótimo
do ponto de vista das metas internas seja Y0. Se uma política fiscal restritiva
fosse usada para baixar a renda para Ybc = 0, o resultado poderia ser uma
indesejável alta taxa de desemprego e o equilíbrio interno seria perturbado.
Mas, se a renda for mantida em Y0, haverá um déficit comercial; a economia
não terá equilíbrio externo.
Fluxos de capital e o nível de atividade econômica. Os determinantes
primários dos fluxos de capital entre nações são as taxas de retorno esperadas
dos ativos em cada país. Com um sistema de taxas de câmbio fixas, os efeitos
de movimentos esperados das taxas de câmbio sobre retornos dos ativos
podem ser ignorados (exceto nas ocasiões em que houver especulações sobre
uma mudança iminente da taxa de câmbio oficial). As taxas de juros nos
vários países serão medidas das taxas de retorno relativas. Se tomarmos a
taxa de retorno de outros países como constante, o nível do fluxo de capital
para um determinado país dependerá positivamente do nível de sua taxa de
juros (r); ou seja,
em que F é a entrada de capital líquida (um valor negativo de F representa
um fluxo de saída líquido ou déficit na balança de capitais).8 O modo como
mudanças na atividade econômica afetam o equilíbrio da balança de capitais
dependerá, portanto, de como a taxa de juros varia com a mudança na
atividade econômica.
Consideremos, em primeiro lugar, aumentos na atividade econômica
causados por políticas monetárias expansionistas. Uma política monetária
expansionista estimulará a demanda agregada reduzindo a taxa de juros. O
efeito da taxa de juros mais baixa será desfavorável para o equilíbrio da
balança de capitais. O montante de investimentos estrangeiros diminuirá e os
investimentos do país no exterior aumentarão porque os ativos estrangeiros
tornam-se relativamente mais atraentes. Na seção anterior, vimos que
aumentos na renda, por qualquer razão, aumentam as importações e deixam as
exportações inalteradas, piorando a balança comercial. Se o aumento na renda
for resultado de uma política monetária expansionista, o que acontece é que
tanto a balança comercial como a balança de capitais vão se deteriorar.
Vamos supor agora, alternativamente, que o aumento na atividade
econômica seja resultante de uma política fiscal expansionista. Quando a
renda sobe, há um consequente aumento na demanda por moeda e, com uma
oferta de moeda fixa, a taxa de juros subirá. Nesse caso, o aumento na renda é
acompanhado por um aumento da taxa de juros. Consequentemente, embora a
balança comercial piore, a elevação da taxa de juros estimulará a entrada de
capital. Se o efeito geral sobre o balanço de pagamentos será favorável ou
desfavorável depende da força relativa desses dois efeitos da expansão
induzida pela política fiscal: o efeito favorável sobre a balança de capitais ou
o efeito desfavorável sobre a balança comercial.
Vemos, portanto, que, num sistema de taxas de câmbio fixas, podem surgir
conflitos entre metas internas, como baixo desemprego, e a meta de equilíbrio
externo medida pelo equilíbrio do balanço de pagamentos. O conflito é
especialmente grave com relação à política monetária, em que ações de
política expansionista têm efeitos desfavoráveis tanto sobre a balança
comercial como sobre a balança de capitais.
Um último vínculo entre o balanço de pagamentos e a atividade econômica
dá-se pelo nível de preços. A menos que a economia esteja longe de uma
situação de pleno emprego, políticas de expansão da demanda agregada,
sejam monetárias ou fiscais, farão o nível de preços subir. Com uma taxa de
câmbio fixa, um aumento no nível de preços domésticos causará, para um
nível de preços externos constante, um aumento nas importações e um declínio
nas exportações. Bens estrangeiros serão relativamente mais baratos para os
cidadãos do país e os produtos de exportação domésticos serão mais caros
para os compradores estrangeiros. Esse efeito do preço sobre a balança
comercial reforça o efeito diretamente desfavorável de uma expansão
econômica sobre a balança comercial no que se refere tanto a políticas
monetárias como fiscais.
14.4.1.2 Flexibilidade das taxas de câmbio e isolamento contra
choques externos
Uma segunda vantagem sugerida pelos defensores de taxas de câmbio
flexíveis é que esse sistema pode isolar a economia de certos choques. Para
entender o raciocínio que está por trás dessa afirmação, consideremos um
país que esteja inicialmente em um estado de equilíbrio macroeconômico,
com um nível ótimo de desemprego, um nível ótimo de preços e equilíbrio no
balanço de pagamentos. Agora, vamos supor que haja uma recessão no
exterior e a renda externa decline. Como a demanda por importações dos
países estrangeiros, que é a demanda pelos bens de exportação do país em
questão, depende da renda externa, ela cairá com a recessão no exterior. No
mercado de câmbio, esse declínio na demanda por exportações aparecerá
como um deslocamento para a esquerda da curva de oferta de moeda
estrangeira. Como é mostrado na Figura 14.5, a curva de oferta desloca-se de
Sme0 para Sme1 como resultado da recessão externa.
FIG 14.5 Isolamento da economia interna em um sistema de taxas de câmbio
flexíveis
Uma recessão externa resulta em uma queda nas exportações e um deslocamento para
a esquerda da curva de oferta da moeda estrangeira, de Sme0 para Sme1. Com um
sistema de taxas de câmbio fixas, haverá um déficit no balanço de pagamentos
(distância AB). Em um sistema de taxas de câmbio flexíveis, a taxa de câmbio subirá
para π1 para equilibrar o mercado de moeda estrangeira.
Em um sistema de taxas de câmbio fixas, o país ficaria com um déficit no
balanço de pagamentos igual à distância AB na Figura 14.5. Além disso,
como a demanda por exportações é uma parcela de demanda agregada (a
demanda estrangeira pelo produto doméstico), a recessão externa terá efeitos
de contração sobre a economia interna; a demanda agregada cairá e a renda
diminuirá.
Em um sistema de taxas de câmbio flexíveis, o excesso de demanda por
moeda estrangeira (igual ao déficit do balanço de pagamentos AB), que
resultou da recessão externa, fará a taxa de câmbio subir. O novo equilíbrio
estará no ponto C, com a taxa de câmbio mais alta π1. O aumento da taxa de
câmbio eliminará o déficit do balanço de pagamentos. Observe outro aspecto
do ajuste a um novo equilíbrio. Quando passamos para o ponto C, o aumento
da taxa de câmbio estimula a demanda por exportações e reduz a demanda por
importações. Esse aumento nas exportações induzido pela elevação da taxa de
câmbio terá um efeito de expansão sobre a demanda agregada. A redução das
importações que é causada pelo aumento da taxa de câmbio também terá
efeitos de expansão; a demanda agregada interna aumentará quando os
residentes do país deixarem de comprar produtos importados para comprar
bens nacionais.
No caso de taxas de câmbio flexíveis, vemos que o ajuste da taxa de
câmbio compensa o efeito de contração da economia doméstica que resulta de
uma recessão externa. Nesse sentido, um sistema de taxas de câmbio flexíveis
atua no sentido de isolar a economia de certos choques externos.
14.4.2 Argumentos em favor de taxas de câmbio fixas
Os defensores de taxas de câmbio fixas acreditam que tal sistema
proporcionará um ambiente mais estável para o crescimento do comércio
mundial e dos investimentos internacionais. Afirmam também que a
combinação de um sistema de taxas de câmbio fixas e uma maior coordenação
de políticas econômicas entre as economias industrializadas levará a mais
estabilidade macroeconômica.
Depois do fracasso de um sistema de taxas de câmbio fixas anterior no
início da década de 1930, a economia mundial passou por um período de
taxas de câmbio livremente flutuantes. Com base nessa experiência, o
economista norueguês Ragnar Nurkse apresentou a seguinte argumentação
contra taxas de câmbio flexíveis:
Taxas de câmbio livremente flutuantes envolvem três desvantagens
sérias. Em primeiro lugar, elas criam um elemento de risco que tende a
desestimular o comércio internacional. O risco pode ser coberto por
meio de operações de hedging no caso de mercados de câmbio a termo;
mas essa proteção, caso seja possível, só é conseguida a um preço...
Em segundo lugar, como meio de ajustar o balanço de pagamentos,
flutuações cambiais envolvem constantes deslocamentos de mão de obra
e outros recursos entre produção para o mercado interno e produção
para exportação. Tais deslocamentos podem ser caros e perturbadores;
eles tendem a criar desemprego friccional e representam óbvios
desperdícios caso as condições do mercado cambial que os induzem
sejam temporárias...
Em terceiro lugar, a experiência mostrou que nem sempre é possível
confiar em câmbios flutuantes para promover ajustes. Um movimento
importante e contínuo da taxa de câmbio pode gerar expectativas de um
novo movimento na mesma direção, dando origem, assim, a
transferências especulativas de capital desestabilizadoras.9
Vamos examinar cada uma dessas supostas falhas de um sistema taxas
de câmbio flutuantes.
14.4.2.1 Risco cambial e comércio internacional
As taxas de câmbio mostraram-se voláteis tanto no curto como no longo
prazo durante o período pós-Bretton Woods. Essa volatilidade representa um
risco, por exemplo, para um exportador ou um investidor local que planeje um
investimento no exterior, como uma fábrica em outro país. Alguns desses
riscos podem ser cobertos nos mercados futuros de moeda estrangeira. Um
exportador que esteja para receber ienes japoneses daqui a três meses pode
fazer um contrato para converter esses ienes em moeda doméstica pelo preço
que estiver definido hoje.
Mas nem todos os riscos cambiais no comércio internacional e em
investimentos estrangeiros podem ser facilmente cobertos. Se uma firma
estiver decidindo se deve ou não entrar no mercado de exportações, o que
envolve custos como realizar contatos comerciais e propaganda no exterior,
ela precisa analisar as perspectivas futuras da moeda doméstica. Uma
elevação futura no valor da moeda, por exemplo, pode tornar o produto da
firma não-competitivo no mercado de exportações. Flutuações na taxa de
câmbio, portanto, são um risco adicional.
14.4.2.2 Oscilações da taxa de câmbio e custos de ajustamento
O segundo argumento de Nurkse era que flutuações da taxa de câmbio
fariam recursos serem deslocados entre os setores de produção interna e de
exportação, com consequentes custos de ajustamento, que incluem desemprego
friccional. Quando o valor do dólar americano subiu no início da década de
1980, o desempenho do país em exportações foi prejudicado. Depois, quando
o valor do dólar caiu e as exportações melhoraram, surgiram problemas para
os exportadores alemães e japoneses. Os custos de ajustamento que
acompanharam as grandes oscilações no valor do dólar na década de 1980
foram a razão mais importante do descontentamento com as taxas de câmbio
flexíveis na época.
14.4.2.3 Especulação e instabilidade cambial
O último argumento de Nurkse era que taxas de câmbio livremente
flutuantes levariam a uma especulação desestabilizadora nos mercados de
câmbio. Muitos economistas acreditam que esse tipo de especulação pode ter
sido um dos fatores envolvidos no nível de alta que o dólar americano atingiu
em 1985. Os investidores em ativos financeiros viram o dólar subir e,
acreditando que subiria ainda mais, aumentaram sua demanda por ativos em
dólares. Essa demanda fez subir ainda mais o valor do dólar. Na medida em
que uma especulação desse tipo amplia os movimentos da taxa de câmbio, ela
exacerba os problemas discutidos nas duas subseções anteriores.
14.5 Taxas de câmbio no período de câmbio flutuante
Como o sistema de taxas de câmbio flutuantes funcionou durante o período
pós-1973? Como as informações desse período podem ajudar a esclarecer a
questão dos méritos relativos dos sistemas de taxas fixas e flutuantes? Para
examinar isso, vamos observar o comportamento da taxa de câmbio dos
Estados Unidos ao longo dos anos de câmbio flutuante.
A Figura 14.6 mostra o preço do marco alemão medido em centavos de
dólar no período 1973-2000. O marco era a moeda alemã antes da adoção do
euro em 1999. Assim, por boa parte do período de taxas flutuantes, o marco é
um análogo a π em gráficos anteriores onde π, o preço da moeda estrangeira,
foi medido em termos do euro.10 A Figura 14.7 mostra uma medida mais
abrangente do preço relativo da moeda americana, a taxa de câmbio efetiva,
que mede o valor do dólar em relação a uma média ponderada de outras
moedas. Os pesos dados às moedas de outros países dependem de sua
importância no comércio exterior americano. É importante observar que o que
estamos medindo na Figura 14.7 é o valor do dólar, que é o contrário do
preço da moeda estrangeira, por exemplo, quando o valor do dólar aumenta, π
(o preço da moeda estrangeira) cai.
Nas Figuras 14.6 e 14.7, pode ser visto que a taxa de câmbio americana foi
bastante volátil durante o período de taxas flutuantes. Se examinássemos os
valores mensais, observaríamos que a volatilidade de curto prazo da taxa de
câmbio também foi grande. Essa volatilidade das taxas de câmbio no curto e
no médio prazo foi uma causa de preocupação quanto ao sistema de taxas de
câmbio flexíveis.
FIG 14.6 Preço do marco alemão, 1973-2000 (em centavos de dólar)
Fonte: Federal Reserve Bulletin.
FIG 14.7 Valor do dólar americano, 1973-2010
Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve.
14.5.1 O dólar em queda, 1976-1980
Um fator importante na determinação do comportamento das taxas de
câmbio entre os países industrializados em meados e fim da década de 1970
foram suas diferentes respostas aos choques no preço do petróleo no período.
Os países confrontados com um choque de oferta desfavorável, como a
quadruplicação do preço do petróleo em 1973-74, tiveram de escolher o grau
em que sua política de demanda agregada poderia acomodar o choque.
Acomodar, nesse contexto, significa expandir a demanda agregada para tentar
compensar os efeitos desfavoráveis dos choques de oferta sobre a produção e
o emprego. O custo dessa acomodação é uma inflação mais alta.
Embora outros fatores estivessem em ação durante o período de 1976-80,
as moedas dos países que escolheram mais acomodação, em especial por
meio de políticas monetárias expansionistas, tenderam a se depreciar em
relação àquelas que tiveram pouca ou nenhuma acomodação. Para entender
por que, vamos examinar os efeitos de uma política monetária expansionista
no mercado cambial em um sistema de taxas de câmbio flexíveis, como é
ilustrado na Figura 14.8.
Na figura, consideramos que as posições iniciais das curvas de oferta e de
demanda por moeda estrangeira sejam dadas por S me0 e D me0,
respectivamente. A taxa de câmbio de equilíbrio inicial, portanto, é p0, onde
essas curvas se interceptam.
Agora, vamos examinar os efeitos de uma política monetária expansionista.
Uma política desse tipo reduzirá a taxa de juros interna e aumentará a renda e
o nível de preços internos. Como já foi discutido, a demanda por importações
aumentará como resultado do aumento da renda e do aumento do nível interno
de preços. Além disso, a queda da taxa de juros interna tornará os ativos
domésticos menos atraentes e os investidores locais mudarão para ativos
estrangeiros. O aumento da demanda por bens importados e por ativos
estrangeiros representa um aumento na demanda por moeda estrangeira. Em
termos da Figura 14.8, a curva de demanda por moeda estrangeira desloca-se
de Dme0 para Dme1 como resultado da política monetária expansionista.
Essa política também afetará a oferta de moeda estrangeira. A queda da taxa
de juros induzida pela política monetária fará com que os investidores
estrangeiros comprem menos ativos do país e o aumento do nível interno de
preços reduzirá a demanda por exportações. A curva de oferta de moeda
estrangeira na Figura 14.8 desloca-se de Sme0 para Sme1.
Com uma taxa de câmbio flexível, o aumento na demanda e a queda na
oferta farão a taxa de câmbio subir. Quando a taxa de câmbio sobe, a
quantidade de moeda estrangeira demandada diminui e a quantidade de moeda
estrangeira ofertada aumenta. Um novo equilíbrio será atingido na taxa de
câmbio π1, onde a demanda e a oferta de moeda estrangeira são novamente
iguais.
Vemos, então, que, em um sistema de taxas de câmbio flexíveis, uma
política monetária expansionista faz a taxa de câmbio subir (o valor da moeda
nacional cair). A Figura 14.8 examina a ação de um país isolado. Aplicada ao
comportamento dos principais países industrializados no final da década de
1970, essa análise sugere que países que seguiram políticas monetárias de
maior acomodação e, portanto, mais expansionistas teriam feito suas taxas de
câmbio subirem (e suas moedas se depreciarem). Aqueles que acomodaram
menos teriam visto suas taxas de câmbio caírem (suas moedas serem
apreciadas).
A elevação da taxa de câmbio americana no período de 1976-1980,
medida em relação ao preço do marco alemão (veja a Figura 14.6), pode ser
atribuída a um grau mais alto de política de acomodação da demanda
agregada nos Estados Unidos em comparação com a Alemanha. A queda no
valor do dólar medida de uma forma mais geral em relação às moedas de
outros parceiros comerciais durante esse período indica que a política
americana esteve entre as mais expansionistas.
FIG 14.8 Efeito de uma política monetária expansionista no mercado
cambial: taxas de câmbio flexíveis
14.5.2 O dólar na década de 1980
A partir de 1981, o dólar inverteu seu curso e começou a subir fortemente
em relação a outras moedas importantes, como pode ser visto na Figura 14.7.
Isso significa que a taxa de câmbio caiu ao longo desse período, como pode
ser observado na Figura 14.6. Entre 1980 e o pico do valor do dólar no início
de 1985, o marco caiu de um preço de 55 centavos de dólar (menos de 2 por
dólar) para 31 centavos de dólar (mais de 3 por dólar), uma queda de 44%.
Em relação à média ponderada de moedas estrangeiras (veja a Figura 14.7), o
dólar subiu 64%.
Como no caso da análise dos movimentos do dólar na década de 1970,
diferentes políticas macroeconômicas em vários países oferecem uma
explicação para a elevação do valor do dólar no início da década de 1980.
Nessa época, a política importante foi a política monetária fortemente
restritiva nos Estados Unidos. A política monetária restritiva levaria a um
aumento do valor do dólar (queda da taxa de câmbio americana). A análise
aqui é o inverso do caso representado na Figura 14.8. As altas taxas de juros
americanas aumentam a entrada líquida de capital. Além disso, a política
monetária restritiva reduz a renda, diminuindo, assim, as importações. Por
fim, outros fatores permanecendo constantes, uma política monetária mais
restritiva levaria a uma taxa de inflação interna mais baixa, o que também
desestimularia as importações e incentivaria as exportações.
Um fator adicional que pode ser importante para explicar a subida do valor
do dólar, especialmente perto de seu pico no início de 1985, foi a compra
especulativa de ativos financeiros americanos. Na Seção 14.2, foi comentado
que a demanda por ativos estrangeiros não depende do nível da taxa de
câmbio. Se, por exemplo, a taxa de câmbio subisse de um nível inicial para
outro mais alto, digamos 10% mais alto, um ativo estrangeiro custaria 10%
mais na moeda local, mas os juros pagos sobre o ativo seriam 10% mais
altos, também em termos da moda local. O retorno percentual do ativo seria o
mesmo em ambos os níveis da taxa de câmbio.
O que faz diferença para a demanda por ativos, porém, são mudanças
esperadas na taxa de câmbio. Se fosse esperada uma queda da taxa de câmbio
americana (ou seja, que o valor do dólar subisse), os investidores
estrangeiros iam querer comprar ativos financeiros americanos agora, antes
da mudança do câmbio. Um investidor alemão, por exemplo, compraria ativos
financeiros americanos porque espera que o dólar suba em relação ao marco,
o que lhe permitiria vender os ativos mais tarde e receber mais marcos. Ao
comprar dólares para adquirir os ativos americanos, o investidor alemão
estaria especulando quanto a uma elevação futura do valor do dólar. Muitos
acreditam que essa compra especulativa estava pressionando o valor do dólar
para cima em 1984-1985.
Em outubro de 1985, os ministros da Fazenda de cinco das maiores
economias de mercado (o chamado G5, ou grupo dos cinco) reuniram-se no
Plaza Hotel, em Nova York.11 Na reunião, concordaram em intervir
conjuntamente no mercado de câmbio para baixar o valor do dólar. Os bancos
centrais desses países fariam isso vendendo dólares de suas reservas
(comprando suas próprias moedas nacionais) no mercado de câmbio e, dessa
forma, aumentando a oferta de dólares (reduzindo a oferta de moedas
estrangeiras) e levando a uma queda no preço do dólar.
Outros fatores também estavam provocando uma redução no valor do
dólar. Assim como a compra especulativa de dólares havia contribuído para a
elevação do valor da moeda, o receio de uma intervenção do Banco Central e
outros sinais de fraqueza fizeram com que a venda especulativa começasse,
em 1986, a contribuir para a queda do dólar. Além disso, quando a expansão
econômica americana desacelerou, a política monetária tornou-se menos
restritiva e a taxa de juros nos Estados Unidos caiu.
Em 1987, em relação à média ponderada de moedas estrangeiras (veja a
Figura 14.7), o valor do dólar havia caído 32% em comparação com seu pico
em 1985. Em fevereiro, os ministros da Fazenda reuniram-se novamente,
dessa vez em Paris, e chegaram ao que foi chamado de Acordo do Louvre.
Eles decidiram que o dólar havia caído o suficiente. Concordaram em usar
intervenções no mercado de câmbio para tentar manter suas taxas de câmbio
mais ou menos em torno do valor em que estavam na época.
14.5.3 O dólar em anos recentes
Como pode ser visto na Figura 14.7, a década de 1990 não trouxe mais
nenhuma oscilação acentuada no valor do dólar. Talvez não seja surpresa que,
durante esse período, tenha havido menos pressão por mudanças no sistema
de determinação da taxa de câmbio.
Em anos recentes, as questões referentes ao sistema monetário
internacional centraram-se nos desequilíbrios globais, especialmente nas
contas correntes das maiores economias, e não na instabilidade da taxa de
câmbio. Alguns desses desequilíbrios de fato foram atribuídos a falta de
ajustes cambiais, o mais importante dos quais refere-se à taxa de câmbio entre
o dólar americano e o yuan chinês. Outros desequilíbrios surgiram dentro da
zona do euro, onde, por haver uma só moeda, não seria possível fazer ajustes
cambiais. Voltamo-nos agora a essas questões.
PERSPECTIVAS 14.3 - O EURO
Vários países europeus participaram entre si de algum tipo de sistema de taxas
de câmbio fixas desde 1979. Os detalhes do sistema e o número de países
participantes variaram ao longo do tempo.
Na década de 1980 e até janeiro de 1999, como foi o caso com o sistema
Bretton Woods, as taxas de câmbio não foram fixadas de forma permanente nos
mecanismos cambiais europeus. Houve realinhamentos periódicos dos valores
das moedas quando as condições econômicas assim exigiam. Como o sistema
Bretton Woods, essa prática causou problemas. Quando os especuladores
esperavam que o valor de uma moeda fosse reduzido, eles lançavam um ataque
especulativo à moeda, vendendo-a em enormes volumes. Esses ataques
forçaram a saída da Itália e do Reino Unido do mecanismo cambial então
vigente em 1992.
O mecanismo cambial, com todos os seus problemas, foi um passo no plano da
União Europeia (UE) para formar uma união monetária completa. No Tratado
de Maastricht, em 1991, os países da UE concordaram em passar, em estágios,
para um sistema com uma única moeda e um Banco Central europeu comum.
Antes de esses passos serem dados, os países tiveram de atender a um conjunto
de diretrizes referentes a níveis de taxas de juros, taxas de inflação, déficits
orçamentários federais e dívida pública. A finalidade dessas diretrizes era obter
uma convergência das políticas macroeconômicas dos países antes de fixar
irrevogavelmente os valores relativos de suas moeda, que é o que significa a
adoção de uma moeda comum. Em maio de 1998, os países decidiram adotar
uma moeda única, o euro. A moeda foi lançada em janeiro de 1999.
Inicialmente, 11 membros da UE adotaram o euro (Alemanha, Holanda,
Luxemburgo, Bélgica, Finlândia, Espanha, Portugal, França, Irlanda, Itália e
Áustria). Tendo satisfeito mais tarde as diretrizes de Maastricht, a Grécia entrou
no sistema em 2001. O Reino Unido, a Dinamarca e a Suécia, embora sejam
membros da UE, não adotaram o euro. Conforme a UE se expandiu
posteriormente, novos membros – Eslovênia, Eslováquia, Estônia, Malta e
Chipre – atenderam os critérios e foram incorporados, aumentando o número
de países na zona do euro para 17.
Desde 1999, as transações interbancárias passaram a ser conduzidas em euros e
os clientes podiam abrir contas em euros. A partir de janeiro de 2002, notas e
moedas de euros substituíram as moedas nacionais anteriores. O Banco Central
europeu agora estabelece a política monetária para todos os países-membros. A
Figura 14.9 mostra a taxa de câmbio do euro em relação ao dólar.
Tecnicamente, o euro foi introduzido sem problemas e, em sua primeira década,
até a crise financeira mundial de 2007-2009, foi considerado, de modo geral,
um sucesso. A crise, no entanto, aguçou alguns problemas antigos referentes à
competitividade relativa dos diferentes países dentro da união monetária e aos
desequilíbrios relacionados em suas contas correntes. Políticas fiscais diversas e
os déficits orçamentários e níveis da dívida resultantes também surgiram como
um problema sério para a zona do euro em 2011, como será discutido em
Perspectivas 14.4.
FIG 14.9 O euro em relação ao dólar
14.6 Desequilíbrios no comércio mundial
Dizem que a história é “apenas uma coisa após outra”, com algum adjetivo
desagradável associado a “coisa”. A história dos sistemas monetários
internacionais certamente parece ser um problema após outro. O sistema de
taxas flutuantes foi uma resposta ao problema dos balanços de pagamentos
que existiu na era Bretton Woods. As duas primeiras décadas de taxas
flutuantes foram caracterizadas por uma preocupação com um alto grau de
volatilidade da taxa de câmbio. Na última década, o problema que recebeu
mais atenção foram os crescentes desequilíbrios comerciais entre os
principais países industrializados.
Tabela 14.3 - Superávit (+) ou déficit (-) de conta corrente como porcentagem
do PIB, 2006, 2011
2006
2011
China
8,1
3,9
Japão
4,0
2,3
Alemanha
4,9
5,0
Estados Unidos
-6,1
-3,2
Reino Unido
-3,0
-1,9
Suíça
15,9
12,2
Holanda
7,6
7,3
Espanha
-8,8
-3,8
Arábia Saudita
20,1
25,5
Taiwan
6,7
8,4
Malásia
13,5
10,4
Cingapura
23,3
17,7
Austrália
-5,5
-2,2
Os desequilíbrios comerciais aparecem nos superávits e déficits de conta
corrente de várias grandes economias. Já examinamos o crescente déficit de
conta corrente dos Estados Unidos. A Tabela 14.3 mostra os saldos de conta
corrente de alguns outros países também.
Vamos começar examinando a primeira coluna. Voltaremos à segunda
coluna mais adiante nesta seção. As cinco primeiras linhas dessa coluna
mostram o superávit e déficit de conta corrente em 2006 para as economias
com o maior volume de comércio exterior. O déficit americano e o superávit
chinês destacam-se. O Japão e a Alemanha têm grandes superávits e o Reino
Unido tem um déficit relativamente grande. Note-se que o tamanho da
economia americana faz com que seu déficit supere os superávits combinados
de China, Japão e Alemanha em mais de US$ 200 bilhões. Assim sendo, o
foco da atenção no déficit de conta corrente dos Estados Unidos como um
fator central para os desequilíbrios mundiais não é equivocado.
O grande superávit de conta corrente da Arábia Saudita reflete o alto preço
do petróleo. Alguns outros produtores de petróleo também têm grandes
superávits. Como pode ser visto na tabela, outros países asiáticos além de
China e Japão também têm superávits de conta corrente significativos.
14.6.1 Implicação de algumas identidades
Assim, há grandes desequilíbrios de conta corrente em várias
economias, incluindo as nações líderes do comércio internacional. O que
devemos entender disso? Algumas identidades podem nos ajudar aqui.
Primeiro, se somarmos as balanças comerciais de todas as nações,
desconsiderando imprecisões na conta, encontraremos que o saldo comercial
se equilibra. Superávits em alguns países devem ser equilibrados por déficits
em outros. Onde, então, devemos procurar as causas dos desequilíbrios? As
políticas econômicas americanas são a causa de seus déficits de conta
corrente? Ou as políticas chinesas e japonesas são a causa de seus superávits,
que devem se refletir em déficits em outras partes do mundo?
Uma segunda identidade envolvendo a conta corrente pode ser percebida
voltando à Tabela 14.1. Partindo do fato de que o saldo final dos balanços de
pagamentos deve se equilibrar (todos os gastos são financiados de alguma
maneira), podemos escrever
Se ignorarmos a discrepância estatística, a soma do saldo de conta
corrente (CO) mais o saldo da balança de capitais (privados) (CA) mais o
saldo de transações de reservas oficiais (intervenções de bancos centrais,
TRO) deve ser zero. A equação (14.2) indica que, por exemplo, um país com
um grande superávit de conta corrente deve ter ou uma grande saída líquida de
capitais privados ou um grande aumento nos ativos de reservas como
resultado de intervenção do Banco Central no mercado de câmbio.
Uma terceira identidade também é útil. A partir da nossa discussão das
contas nacionais no Capítulo 2, podemos escrever a seguinte relação:
onde, conforme definido anteriormente, C = consumo, S = poupança, T =
impostos, Y = PIB, I = investimento, G = gastos governamentais, X =
exportações e Z = importações. Reagrupando e cancelando os Cs, temos
O lado esquerdo da equação (14.4) pode ser entendido em relação a um
país como seu saldo poupança-investimento: poupança líquida privada (S - I)
mais poupança governamental (T – G), com o superávit no orçamento
governamental medindo a poupança do setor público. Esse saldo poupançainvestimento é compensado pela balança comercial. Por exemplo, países com
grande déficit de conta corrente, como os Estados Unidos, têm investimento
maior que poupança. Esse excedente de investimento é financiado pelas
entradas de capital que devem acompanhar o déficit de conta corrente. A
situação é inversa na China, Japão, Alemanha, Malásia, Cingapura e Arábia
Saudita.
14.6.2 Causas e efeitos dos desequilíbrios no comércio
internacional
As identidades (14.2) e (14.4) dizem-nos várias coisas sobre a situação
atual do comércio mundial. Como foi mostrado, por uma perspectiva global o
déficit de conta corrente dos Estados Unidos é muito alto. Pelas equações
(14.2) e (14.4), podemos ver que os Estados Unidos poupam menos do que
investem. Os fundos para o investimento maior que a poupança doméstica são
proporcionados por uma entrada de capital, tanto privado (CA) como
resultante de intervenção de bancos centrais estrangeiros (TRO). A situação
atual pode ser entendida como resultado de muito pouca poupança nos
Estados Unidos.
Mas, alternativamente, pode-se entender a fonte dos desequilíbrios como
um excesso de poupança global, um termo usado pelo presidente do Federal
Reserve, Ben Bernanke.12 Países como China e Japão têm saídas de capital
que equilibram seus superávits de conta corrente (equação 14.2). Estas
refletem uma poupança mais alta do que o investimento doméstico. O mesmo
se aplica a nações produtoras de petróleo como a Arábia Saudita, que tiveram
uma abundância de receitas do petróleo que ainda não foram investidas
domesticamente.
Uma perspectiva global ajuda-nos a interpretar os desequilíbrios atuais do
comércio internacional, mas não nos leva muito longe na identificação de suas
causas e avaliação de suas consequências. As identidades nesta seção e a
análise nas seções anteriores do capítulo sugerem a importância das políticas
macroeconômicas dos países. Exemplos são a taxa de câmbio fixa dólar-yuan
adotada pela China para estimular o crescimento por meio de exportações e
os cortes de impostos nos Estados Unidos em 2001 e 2003 para apoiar um
boom de consumo. Também não é respondida a questão das consequências.
Como os desequilíbrios globais indicados na Tabela 14.3 relacionam-se à
crise financeira de 2007-2009? Se os desequilíbrios forem resultado de
políticas macroeconômicas dos países representados na tabela, perguntar
sobre o seu papel é perguntar sobre o papel das políticas macroeconômicas
na recente crise. Essa questão deve aguardar nosso exame mais detalhado das
políticas monetária e fiscal nos capítulos da Parte V. Um último ponto a
observar antes de prosseguir é que a crise financeira e a recessão profunda
que se seguiu na verdade reduziram o tamanho dos desequilíbrios de conta
corrente das maiores economias. Isso pode ser visto na segunda coluna da
Tabela 14.3, que mostra os saldos de conta corrente para 2011. O déficit de
conta corrente americano e o superávit comercial chinês foram reduzidos mais
ou menos pela metade entre 2006 e 2011. O tamanho dos desequilíbrios de
conta corrente do Japão e do Reino Unido também diminuiu. Conforme a
recuperação prossegue, o cenário favorável é que seja atingido um novo
equilíbrio em que esses desequilíbrios não retornem a seus níveis de antes da
crise. Isso também dependerá das escolhas de políticas dessas economias.
PERSPECTIVAS 14.4: A CRISE DA DÍVIDA SOBERANA
NA ZONA DO EURO
Na esteira da crise financeira mundial e da recessão subsequente, os países da
zona do euro viram-se em uma crise da dívida soberana que ameaçou a
existência da moeda comum. A crise exacerbou e trouxe para o primeiro plano
uma série de problemas e desequilíbrios antigos dentro da zona do euro.
Embora apenas um dos aspectos da situação, os problemas da dívida soberana
de vários membros foram o ponto focal da crise. Houve uma perda de
confiança na disposição e na capacidade de alguns países membros de servir e
pagar sua dívida soberana (governamental). Toda a dívida soberana da zona do
euro é denominada na moeda comum. Assim, a perda de confiança em um país
levou a um contágio para os outros e a receios de que todo o sistema monetário
pudesse desabar.
A Tabela 14.4 mostra as taxas de juros de títulos de 10 anos emitidos por cinco
países da zona do euro em 2007 e em 2011. Em 2007, todos os spreads das
taxas de juros eram menores que 30 pontos-base. (100 pontos-base = 1%) Para
os investidores, um título de 10 anos italiano ou grego era visto como quase tão
seguro quanto um título alemão. Afinal, todos eles eram promessas de
pagamento em euros. Mas será que as promessas seriam mantidas? No final de
2011, como a tabela mostra, o risco de não pagamento dos títulos italianos e
espanhóis havia feito os spreads subirem para várias centenas de pontos-base e
a Grécia ficou, efetivamente, fora do mercado. A recessão de 2007-2009 havia
criado dificuldades para as finanças de todos os principais países
industrializados, com a queda da receita tributária e o aumento dos gastos do
governo com pagamentos de transferências de renda e programas para estimular
a economia. Vários países da zona do euro enfrentaram problemas financeiros,
especialmente graves. Isso, em parte, deveu-se diretamente à sua participação
na zona do euro. Seus títulos eram denominados em euros e não em suas
próprias moedas, que haviam deixado de existir (lira, dracma, etc.) Eles não
podiam emitir moeda para pagar a dívida e os mercados sabiam disso. A política
monetária era conduzida pelo Banco Central europeu – uma só para todos.
Assim, a política monetária não podia ser usada para estimular suas economias
como esses países desejassem.
Problemas mais básicos haviam sido expostos pela crise financeira e a recessão.
Grécia, Itália e Espanha vinham enfrentando grandes déficits de conta corrente
por boa parte da década antes da crise financeira. Isso era resultado de uma
perda de competitividade por esses países devido à elevação de seus custos
unitários de mão de obra em comparação com a Alemanha, em particular. No
caso mais extremo, os custos unitários de mão de obra haviam subido cerca de
30% mais na Grécia que na Alemanha. Antes da instituição da moeda comum, a
Itália ou a Grécia teriam desvalorizado sua moeda (aumentado a taxa de
câmbio) para restaurar a competitividade. Com a moeda comum, essa via de
ajuste não existia mais.
Em desvantagem em termos de competitividade e pressionadas por uma alta
relação dívida/PIB (150% do PIB para a Grécia, 120% para a Itália), essas
economias, assim como Irlanda e Portugal, pareciam um risco de crédito muito
elevado para os investidores mundiais. A partir de 2010, os países da zona do
euro em conjunto começaram a procurar soluções para a dívida soberana e para
problemas de longo prazo mais profundos do grupo. Há muito em jogo, já que
os custos econômicos e políticos de uma dissolução da zona do euro seriam
grandes, tanto para os próprios países membros como para a economia
mundial.
Tabela 14.4 - Taxas de juros de títulos governamentais de 10 anos,
países selecionados
Março 2007 Novembro 2011
Alemanha
3,83
1,73
França
3,88
4,37
Itália
4,07
7,51
Espanha
3,89
5,80
Grécia
4,09
27,95
Conclusão
Este capítulo tratou da determinação das taxas de câmbio e de tema
relacionado do estabelecimento do sistema monetário internacional. Uma
questão crítica nessa área é o grau ótimo de flexibilidade na determinação da
taxa de câmbio. O colapso do sistema Bretton Woods levou a um período de
flutuação administrada para a maior parte das moedas.
O valor do dólar americano esteve bastante instável durante o período de
taxas de câmbio flutuantes. Nos períodos de variações acentuadas no valor da
moeda, houve defesas de mudanças no sistema monetário internacional para
proporcionar mais estabilidade às taxas de câmbio.
Como vimos, porém, as oscilações no valor do dólar em relação a outras
moedas nacionais são devidas, em grande parte, a divergências nas políticas
fiscais e monetárias domésticas adotadas pelos países. Uma maior
estabilidade cambial provavelmente exigiria maior coordenação das políticas
macroeconômicas nacionais. Há muitos obstáculos para uma coordenação
internacional eficaz das políticas, entre eles as diferentes preferências dos
formuladores de políticas e as diferentes estruturas industriais das principais
economias do mundo. O câmbio flutuante libera os países da necessidade de
coordenar políticas, mas ao custo de taxas de câmbio altamente voláteis.
Em anos recentes, os crescentes desequilíbrios de conta corrente nas
principais economias do mundo também levaram a que se sentisse a
necessidade de uma maior coordenação das políticas econômicas. Em 2006, o
FMI estabeleceu um mecanismo de consulta pelo qual países deficitários e
superavitários discutiriam possíveis maneiras de reduzir os desequilíbrios.
Houve uma redução do tamanho desses desequilíbrios de conta corrente
durante a recessão de 2007-2009. Ainda assim, o problema persiste para as
principais economias desenvolvidas em geral e, em especial, na Europa.
Questões de revisão
1. Por que o balanço de pagamentos sempre se equilibra?
2. Explique como a taxa de câmbio de um país é determinada no caso de:
a. um sistema de taxas de câmbio fixas.
b. um sistema de taxas de câmbio flexíveis.
c. uma flutuação administrada, ou “suja”.
3. Analise os efeitos de uma queda autônoma na demanda pelos produtos de
exportação de um país dentro dos sistemas de taxas de câmbio fixas e
flexíveis. Em cada caso, indique os efeitos sobre o balanço de pagamentos
do país e sobre a taxa de câmbio.
4. Se os bancos centrais nunca interviessem em mercados de câmbio, poderia
haver déficits ou superávits no balanço de pagamentos de um país?
Explique.
5. Descreva o sistema Bretton Woods de determinação das taxas de câmbio
que foi estabelecido no final da Segunda Guerra Mundial e durou até
1973.
6. Explique a relação entre a balança comercial e o nível de atividade
econômica em um sistema de taxas de câmbio fixas. Por que essa relação
cria um conflito potencial entre as metas de equilíbrio interno e externo?
7. Levando em conta o efeito sobre a balança comercial e sobre a balança de
capitais, explique as relações entre equilíbrio do balanço de pagamentos e
políticas monetárias e fiscais expansionistas dentro de um sistema de taxas
de câmbio fixas.
8. “A adoção de um sistema de taxas de câmbio flexíveis liberaria as
políticas fiscal e monetária para que fossem usadas para alcançar metas
internas de pleno emprego e estabilidade de preços.” Você concorda ou
discorda dessa afirmação? Explique.
9. Quais são algumas das vantagens ou desvantagens relativas de taxas de
câmbio fixas e flexíveis?
10. Ilustre graficamente os efeitos no mercado de câmbio de uma política
monetária expansionista adotada pelo país estrangeiro em nosso modelo
de dois países. Considere os casos de taxas de câmbio fixas e de taxas de
câmbio flexíveis.
11. Suponha que você observe que um país tem um grande superávit de conta
corrente. Desse fato, é possível determinar se
a. o país tem superávit ou déficit no balanço de pagamentos?
b. o país tem superávit ou déficit em sua balança de capitais?
12. Às vezes, o déficit de conta corrente de um país e o déficit do orçamento
federal do país são chamados de déficits “gêmeos” porque movem-se
praticamente juntos na mesma direção. Apoiando-se na análise da Seção
14.6 (em especial a equação 14.4), explique por que seria esperado que
esses dois déficits caminhassem juntos em algumas ocasiões. Por que isso
poderia não acontecer em outras ocasiões?
CAPÍTULO 15
Políticas monetária e fiscal em economia aberta
Economias que são abertas, como todas as economias são em certa
medida, têm comércio e fluxos de capitais com outras economias. Neste
capítulo, vamos examinar as políticas fiscal e monetária em um modelo de
economia aberta. Como os efeitos de ações de políticas diferem na economia
aberta em relação à economia fechada? Como eles diferem com taxas de
câmbio fixas ou flexíveis? Vamos examinar conflitos que surgem entre os
equilíbrios interno e externo em um sistema de taxas de câmbio fixas,
conforme discutido no Capítulo 14. Ilustraremos por que esses conflitos não
aparecem quando as taxas de câmbio são flexíveis.
Há vários modelos macroeconômicos de economia aberta. O usado aqui é
o modelo Mundell-Fleming, uma referência básica para a macroeconomia de
economia aberta.1 O modelo é explicado na Seção 15.1. Depois, nas Seções
15.2 e 15.3, examinamos os efeitos de mudanças em políticas econômicas e
outras variáveis sob dois pressupostos diferentes sobre a mobilidade de
capitais entre países.
15.1 O modelo Mundell-Fleming
O modelo Mundell-Fleming é uma versão de economia aberta do modelo
IS-LM examinado nos Capítulos 6 e 7. O modelo IS-LM de economia fechada
consiste nas duas equações a seguir:
A equação (15.1) é o equilíbrio do mercado monetário (curva LM) e a
equação (15.2) é o equilíbrio do mercado de bens (curva IS). O modelo
determina simultaneamente a taxa de juros nominal (r) e o nível de renda real
(Y), com o nível agregado de preços mantido constante. Que mudanças serão
necessárias para analisar uma economia aberta?
Quando consideramos uma economia aberta, a curva LM não muda. A
equação (15.1) diz que a oferta de moeda real, que consideramos ser
controlada pelo formulador de políticas nacional, precisa, no equilíbrio, ser
igual à demanda real por moeda. É a oferta de moeda nominal que o
formulador de políticas controla de fato, mas, com a premissa de um nível de
preços fixo, mudanças na oferta de moeda nominal são mudanças na oferta de
moeda real também.
A equação da curva IS (15.2) é derivada da condição de equilíbrio do
mercado de bens para uma economia fechada:
que, quando subtraímos C de ambos os lados, reduz-se a
Se acrescentarmos importações (Z) e exportações (X) ao modelo, a
equação (15.3) é substituída por2
e a equação IS torna-se
onde (X - Z), as exportações líquidas, é a contribuição do setor externo para a
demanda agregada. Se trouxermos as importações para o lado esquerdo e
indicarmos as variáveis de que cada elemento da equação depende, a equação
IS da economia aberta pode ser escrita como
Poupança e investimento são os mesmos que no modelo de economia
fechada. As importações, como discutido no Capítulo 14, dependem
positivamente da renda. As importações também dependem negativamente da
taxa de câmbio (π). E, também como no Capítulo 14, estamos definindo a taxa
de câmbio como o preço da moeda estrangeira – por exemplo, quantidade de
dólares americanos por euro. Uma elevação da taxa de câmbio, portanto,
tornará os bens estrangeiros mais caros e causará uma queda nas importações.
As exportações domésticas são as importações dos outros países e, assim,
dependem positivamente da renda externa e da taxa de câmbio. Esta última
relação se dá porque uma elevação da taxa de câmbio baixa o custo das
mercadorias em moeda doméstica em relação à moeda estrangeira e faz com
que os bens domésticos fiquem mais baratos para os residentes no exterior.
Por uma derivação análoga à do Capítulo 6, é possível demonstrar que a
curva IS para a economia aberta tem inclinação negativa, como é representado
na Figura 15.1. Valores altos da taxa de juros resultarão em níveis baixos de
investimento. Para satisfazer a equação (15.7), nesses níveis altos da taxa de
juros a renda precisa ser baixa para que os níveis de importações e poupança
também sejam baixos. Alternativamente, com níveis baixos da taxa de juros, o
que resulta em níveis altos de investimento, o equilíbrio do mercado de bens
requer que a poupança e as importações sejam altas; portanto, Y precisa ser
alto.
Ao construir a curva IS da economia aberta na Figura 15.1, mantivemos
constantes quatro variáveis: impostos, gastos governamentais, renda externa e
taxa de câmbio. Essas são variáveis que deslocam a curva. Choques
expansionistas, como um aumento nos gastos do governo, um corte nos
impostos, um aumento da renda externa ou uma elevação da taxa de câmbio,
deslocam a curva para a direita. Um aumento da renda externa é expansionista
porque aumenta a demanda por bens de exportação do país em questão. Uma
elevação da taxa de câmbio é expansionista porque aumenta as exportações e
porque reduz as importações para um nível dado de renda; desloca a demanda
de produtos estrangeiros para produtos nacionais. Uma queda autônoma da
demanda por importações é expansionista pela mesma razão. Mudanças na
direção oposta nessas variáveis deslocam a curva IS para a esquerda.
FIG 15.1 Modelo IS-LM para economia aberta
A curva LM mostra as combinações de r e Y que são pontos de equilíbrio para o
mercado monetário e a curva IS mostra as combinações de r e Y que equilibram o
mercado de bens. A curva BP mostra as combinações de r e Y que igualam a oferta e
a demanda no mercado de câmbio a uma dada taxa de câmbio.
Além das curvas IS e LM, nosso modelo de economia aberta contém uma
curva de equilíbrio do balanço de pagamentos, a curva BP na Figura 15.1.
Essa curva mostra todas as combinações taxa de juros/renda que resultam em
equilíbrio do balanço de pagamentos a uma dada taxa de câmbio. Equilíbrio
do balanço de pagamentos significa que variação das reservas oficiais é zero.
A equação para a curva BP pode ser escrita como
Os dois primeiros termos da equação (15.8) constituem a balança
comercial (exportações líquidas). O terceiro item (F) é a entrada líquida de
capitais (o superávit ou déficit na balança de capitais autônomos no balanço
de pagamentos. A entrada líquida de capitais depende positivamente da taxa
de juros interna menos a taxa de juros externa (r - rx), como discutido no
Capítulo 14. Uma elevação da taxa de juros interna em relação à taxa de juros
externa leva a um aumento na demanda por ativos financeiros domésticos (por
ex., títulos) em lugar de ativos estrangeiros; a entrada líquida de capitais no
país aumenta. Uma elevação da taxa de juros externa tem o efeito oposto.
Considera-se que a taxa de juros externa seja exógena.3
A curva BP tem inclinação positiva, como é mostrado na Figura 15.1.
Quando a renda sobe, a demanda por importações aumenta, mas não a
demanda por exportações. Para manter o equilíbrio do balanço de
pagamentos, a entrada de capitais precisa aumentar, o que acontecerá se a taxa
de juros for mais alta. Agora, consideremos os fatores que deslocam a curva
BP. Um aumento em π deslocará a curva horizontalmente para a direita. Para
um dado nível da taxa de juros, que determina o fluxo de capitais, uma taxa de
câmbio mais alta exigirá um nível mais alto de renda para equilibrar o
balanço de pagamentos. Isso acontece porque a taxa de câmbio mais alta
incentiva as exportações e desestimula as importações; assim, um nível mais
alto de renda que estimule a demanda por importações é necessário para o
equilíbrio do balanço de pagamentos. Similarmente, um aumento exógeno da
demanda por exportações (devido a um aumento de Yx) ou uma queda na
demanda por importações deslocará a curva BP para a direita. Se as
exportações aumentarem – por exemplo, a uma dada taxa de juros que,
novamente, determina o fluxo de capitais –, um nível mais alto de renda e,
portanto, de importações é necessário para restaurar o equilíbrio do balanço
de pagamentos. A curva BP desloca-se para a direita. Uma queda na taxa de
juros externa também deslocaria a curva BP para a direita; para uma dada
taxa de juros interna (r), a queda da taxa de juros externa aumenta a entrada de
capitais. Para o equilíbrio no balanço de pagamentos, as importações e,
portanto, a renda precisam ser mais altas.
Antes de analisarmos os efeitos de várias mudanças de política econômica,
há uma observação a fazer quanto à curva BP. A curva BP terá inclinação
positiva no caso de mobilidade imperfeita de capitais. Nesse caso, ativos
domésticos e estrangeiros (por exemplo, títulos) são substitutos, mas não
perfeitos. Se os ativos domésticos e estrangeiros fossem substitutos perfeitos,
uma situação chamada mobilidade perfeita de capitais, os investidores se
moveriam de forma a igualar as taxas de juros entre os países. Se um tipo de
ativo tivesse uma taxa de juros ligeiramente maior por algum tempo, os
investidores mudariam para esse ativo até que sua taxa fosse levada para
baixo a fim de restaurar a igualdade.
No contexto de nosso modelo, a mobilidade perfeita de capitais implica
que r = rx. Veremos adiante que essa igualdade resulta em uma curva BP
horizontal. Se os ativos não forem substitutos perfeitos, suas taxas de juros
não precisam ser iguais. Entre os fatores que poderiam fazer dos ativos de
países estrangeiros substitutos não-perfeitos para ativos domésticos estão o
diferencial de risco dos ativos de diferentes países, riscos devidos a
mudanças nas taxas de câmbio, custos de transações e falta de informações
sobre características específicas dos ativos estrangeiros. Na Seção 15.2,
vamos considerar que esses fatores sejam suficientes para fazer com que
ativos estrangeiros e domésticos sejam substitutos não-perfeitos. O caso da
mobilidade perfeita de capitais é examinado na Seção 15.3.
15.2 Mobilidade imperfeita de capitais
Para examinar as políticas monetária e fiscal em uma situação de
mobilidade imperfeita de capitais, vamos começar pelo caso de taxas de
câmbio fixas.
15.2.1 Políticas econômicas com taxas de câmbio fixas
15.2.1.1 Política monetária
Consideremos os efeitos de um aumento na oferta de moeda de M0 para
M1, como é mostrado na Figura 15.2. O aumento na oferta de moeda desloca a
curva LM para a direita, de LM(M0) para LM(M1). O ponto de equilíbrio
desloca-se de E0 para E1 com uma queda na taxa de juros de r0 para r1 e um
aumento na renda de Y0 para Y1. O que aconteceu com o balanço de
pagamentos? Primeiro, note que todos os pontos abaixo da curva BP são
pontos de déficit no balanço de pagamentos, enquanto todos os pontos acima
da curva são pontos de superávit. Quando nos movemos de um ponto de
equilíbrio na curva BP para pontos abaixo da curva – por exemplo,
aumentando a renda ou reduzindo a taxa de juros ou ambos –, estamos
causando um déficit no balanço de pagamentos. Consequentemente, quando
nos movemos do ponto E0 para o ponto E1 após o aumento da oferta de
moeda, o balanço de pagamentos entra em déficit. Como foi discutido na
Seção 14.4, a política monetária expansionista aumenta a renda, o que
estimula as importações e reduz a taxa de juros, causando uma saída de
capitais (F diminui).
FIG 15.2 Política monetária com taxa de câmbio fixa
Um aumento na quantidade de moeda desloca a curva LM de LM(M0) para LM(M1).
O ponto de equilíbrio desloca-se de E0 para E1. A taxa de juros cai e o nível de renda
sobe. O novo ponto de equilíbrio está abaixo da curva BP, indicando um déficit no
balanço de pagamentos.
O fato de que, partindo de um ponto de equilíbrio, uma política monetária
expansionista leva a um déficit no balanço de pagamentos cria conflitos
potenciais entre metas internas e equilíbrio externo. Se no ponto E0 na Figura
15.2 o nível de renda, Y0, for baixo em relação ao pleno emprego, então o
movimento para o ponto E1 e para o nível de renda Y1 pode ser preferível por
razões internas. Mas, no ponto E1, haverá um déficit no balanço de
pagamentos e, com reservas limitadas de moeda estrangeira, tal situação não
pode ser mantida indefinidamente.
15.2.1.2 Política fiscal
Os efeitos de um aumento nos gastos do governo de G0 para G1 para o caso
de taxas de câmbio fixas são ilustrados na Figura 15.3. O aumento nos gastos
do governo desloca a curva IS para a direita de IS(G0) para IS(G1), movendo
o ponto de equilíbrio de E0 para E1. A renda aumenta de Y0 para Y1 e a taxa de
juros sobe de r0 para r1. Como é mostrado na Figura 15.3, no novo ponto de
equilíbrio estamos acima da curva BP; há um superávit no balanço de
pagamentos. Obtemos esse resultado porque, na Figura 15.3, a curva BP é
menos inclinada do que a curva LM. Se, alternativamente, a curva BP fosse
mais inclinada do que a curva LM, uma ação de política fiscal expansionista
levaria a um déficit no balanço de pagamentos, como é mostrado na Figura
15.4.
FIG 15.3 Política fiscal com taxa de câmbio fixa
Um aumento nos gastos do governo desloca a curva IS de IS(G0) para IS(G1). O
ponto de equilíbrio passa de E0 para E1. A renda e a taxa de juros aumentam. O novo
ponto de equilíbrio está acima da curva BP, o que indica que, com uma taxa de
câmbio fixa para o caso em que a curva BP é mais plana do que a curva LM, a política
fiscal expansionista resulta em superávit no balanço de pagamentos.
A curva BP será mais inclinada quanto menos os fluxos de capitais forem
sensíveis à taxa de juros. Quanto menor o aumento da entrada de capitais para
um dado aumento da taxa de juros (dado o valor fixo de rx), maior será o
aumento da taxa de juros necessário para manter o equilíbrio do balanço de
pagamentos quando passamos para um nível de renda (e, portanto, de
importações) mais alto; ou seja, a curva BP será mais inclinada. A curva BP
também será mais inclinada quanto maior for a propensão marginal a
importar. Com uma propensão marginal a importar mais alta, um dado
aumento na renda produzirá um aumento maior nas importações. Para alcançar
o equilíbrio no balanço de pagamentos, será necessário um aumento
compensatório maior da entrada de capitais e, consequentemente, um aumento
maior da taxa de juros.
A ação de política fiscal expansionista representada nas Figuras 15.3 e
15.4 faz a renda aumentar, o que leva a uma deterioração da balança
comercial e faz a taxa de juros subir, resultando em uma melhora da balança
de capitais. A discussão até aqui indica que quanto mais inclinada for a curva
BP, maior é o efeito desfavorável sobre as importações e a balança comercial
e menor é o efeito favorável sobre os fluxos de capitais. Portanto, quanto mais
inclinada for a curva BP, mais se torna provável que uma ação de política
fiscal expansionista leve a um déficit no balanço de pagamentos.
Por fim, observe que a inclinação da curva BP em relação à inclinação da
curva LM determina se uma ação de política fiscal expansionista resultará em
superávit ou déficit no balanço de pagamentos. Dada a inclinação da curva
BP, quanto mais inclinada for a curva LM, mais provável será que ela seja
mais inclinada do que a curva BP, a condição para um superávit como
resultado de uma ação de política fiscal expansionista. Isso acontece porque,
outros fatores sendo iguais, quanto mais inclinada for a curva LM, maior será
o aumento da taxa de juros (que produz a entrada de capitais favorável) e
menor será o aumento da renda (que produz o efeito desfavorável sobre a
balança comercial).
FIG 15.4 Política fiscal com taxa de câmbio fixa: um resultado alternativo
Como na Figura 15.3, um aumento nos gastos do governo desloca a curva IS para a
direita, aumentando tanto a renda como a taxa de juros. Neste caso, em que a curva
BP é mais inclinada do que a curva LM, o novo ponto de equilíbrio (E1) está abaixo da
curva BP. A política fiscal expansionista resulta em um déficit no balanço de
pagamentos.
15.2.2 Políticas econômicas com taxas de câmbio flexíveis
15.2.2.1 Política monetária
Vamos examinar agora o caso em que a taxa de câmbio é completamente
flexível; não há intervenção do Banco Central. A taxa de câmbio ajusta-se de
forma a igualar a oferta e a demanda no mercado cambial. Vejamos primeiro a
mesma ação de política monetária analisada anteriormente, um aumento na
quantidade de moeda de M0 para M1. Os efeitos dessa ação de política
monetária expansionista no caso de taxas de câmbio flexíveis são mostrados
na Figura 15.5.
O efeito inicial do aumento da oferta de moeda – o efeito antes de um
ajuste na taxa de câmbio – é o deslocamento da economia do ponto E0 para o
ponto E1. A taxa de juros cai de r0 para r1. A renda sobe de Y0 para Y1 e nós
passamos para um ponto abaixo da curva BP em que há um déficit incipiente
no balanço de pagamentos. Em um sistema de taxas de câmbio flexíveis, a
taxa de câmbio subirá (de π0 para π1) de forma a equilibrar o mercado
cambial. (Este é o ajuste mostrado anteriormente na Figura 14.8.) A elevação
da taxa de câmbio deslocará a curva BP para a direita; na Figura 15.5, a curva
passa de BP(π0) para BP(π1). A elevação da taxa de câmbio também faz a
curva IS deslocar-se para a direita, de IS (π0) para IS (π1) na Figura 15.5,
porque as exportações sobem e as importações caem com um aumento da taxa
de câmbio. O novo equilíbrio é mostrado no ponto E2, com a taxa de juros em
r2 e a renda em Y2. O ajuste da taxa de câmbio reequilibra o balanço de
pagamentos depois da política monetária expansionista e elimina o conflito
potencial entre equilíbrio interno e externo.
FIG 15.5 Política monetária com taxas de câmbio flexíveis
Um aumento na oferta de moeda desloca a curva LM para a direita, movendo o ponto
de equilíbrio de E0 para E1. O ponto E1 está abaixo da curva BP, onde há um déficit
incipiente no balanço de pagamentos. No caso de taxas de câmbio flexíveis, a taxa de
câmbio subirá, fazendo a curva BP deslocar-se para a direita, de BP(π0) para BP(π1),
e a curva IS deslocar-se para a direita, de IS (π0) para IS (π1). O ponto de equilíbrio
final é em E2, com um nível de renda Y2, acima de Y1, que é o novo equilíbrio para
uma taxa de câmbio fixa.
Observe que a elevação da renda como resultado da ação de política
monetária expansionista é maior no caso de taxas flexíveis do que com taxas
fixas. No caso de taxas de câmbio fixas, a renda subiria apenas para Y1 na
Figura 15.5 ou na Figura 15.2. Com taxas de câmbio flexíveis, a elevação da
taxa de câmbio estimulará ainda mais a renda por aumentar as exportações e
reduzir a demanda por importações (para um dado nível de renda). A política
monetária é, portanto, um instrumento de estabilização mais potente em um
regime de taxas de câmbio flexíveis do que em um regime de taxas fixas.
15.2.2.2 Política fiscal
FIG 15.6 Política fiscal com taxas de câmbio flexíveis
Um aumento nos gastos do governo desloca a curva IS para a direita, de IS(G0, π0)
para IS(G1, π0), movendo o ponto de equilíbrio de E0 para E1. Com a curva BP
menos inclinada do que a curva LM, E1 está acima da curva BP inicial, BP(T0). Há
um superávit incipiente no balanço de pagamentos e a taxa de câmbio cairá,
deslocando a curva BP para a esquerda, para BP(T1), e deslocando a curva IS para a
esquerda, de IS(G1, π0) para IS(G1, π1). O equilíbrio final estará em E2, com o nível
de renda Y2, abaixo de Y1, o novo equilíbrio para o caso de uma taxa de câmbio fixa.
A Figura 15.6 ilustra os efeitos de um aumento nos gastos do governo de
G0 para G1 com taxas de câmbio flexíveis. O efeito inicial – ou seja, o efeito
anterior ao ajuste da taxa de câmbio – é o deslocamento da curva IS de IS(G0,
π0) para IS(G1, π0) e a movimentação da economia de E0 para E1. A taxa de
juros sobe (de r0 para r1) e a renda aumenta (de Y0 para Y1). Com a inclinação
das curvas BP e LM conforme desenhadas na Figura 15.6 (com a curva BP
menos inclinada do que a curva LM), um superávit incipiente no balanço de
pagamentos resulta dessa ação de política expansionista. Nesse caso, a taxa
de câmbio deve cair (de π0 para π1) para equilibrar o mercado cambial. Uma
queda na taxa de câmbio deslocará a curva BP para a esquerda na Figura
15.6, de BP(π0) para BP(π0). A curva IS também será deslocada para a
esquerda, de IS (G1, π0) para IS(G1, π1), uma vez que a redução da taxa de
câmbio diminuirá as exportações e estimulará as importações. O ajuste da
taxa de câmbio compensará parcialmente o efeito expansionista da ação de
política fiscal. O novo ponto de equilíbrio será em Y2, que está acima de Y0
mas abaixo de Y1, o nível que teria resultado no caso de taxas de câmbio
fixas.
Não há, porém, uma relação definida entre a força da política fiscal e o
tipo de regime de taxas de câmbio, como há no caso da política monetária. Se
a curva BP for mais inclinada do que a curva LM, como na Figura 15.4, uma
política fiscal expansionista, para uma dada taxa de câmbio, causará um
déficit no balanço de pagamentos. Com um déficit incipiente no balanço de
pagamentos no regime de taxas flexíveis, a taxa de câmbio precisa subir para
restaurar o equilíbrio no mercado cambial. A curva BP e a curva IS
deslocam-se para a direita e reforçam o efeito de expansão inicial do aumento
nos gastos do governo. Nesse caso, a ação de política fiscal expansionista tem
um efeito maior sobre a renda do que teria no caso de taxas de câmbio fixas.
Embora esse resultado alternativo seja possível em teoria, a maioria dos
economistas acredita que o resultado da Figura 15.6 é mais provável. Eles
acham que uma política fiscal expansionista baixará a taxa de câmbio (elevará
o valor da moeda doméstica em relação às outras moedas). Essa opinião
decorre da ideia de que há um grau relativamente alto de mobilidade de
capitais internacionais, o que significa que a curva BP é relativamente plana
e, portanto, provavelmente será menos inclinada do que a curva LM, como na
Figura 15.6.
15.3 Mobilidade perfeita de capitais
Até aqui, estivemos supondo que, embora ativos externos e internos sejam
substitutos, eles não são substitutos perfeitos. Nesta seção, vamos examinar as
políticas fiscal e monetária para o caso em que os ativos são substitutos
perfeitos, o caso da mobilidade perfeita de capitais. Nesse caso, o capital
move-se livremente entre os países, o diferencial de risco entre ativos de
diferentes países não é importante e os custos de transações são
negligenciáveis.
Nesse tipo de cenário, os fluxos de capitais levam as taxas de juros
internas e externas à igualdade.4 Se, por exemplo, a taxa de juros sobre títulos
nacionais for 4,1% e a taxa de juros sobre títulos estrangeiros for 4,0%, num
mundo de mobilidade perfeita de capitais o país local teria uma entrada
maciça de capitais até que a taxa interna fosse levada para baixo de forma a
se igualar à taxa externa.
No modelo Mundell-Fleming, o pressuposto de mobilidade perfeita de
capitais significa que a equação BP (15.8) é substituída pela condição
Graficamente, o pressuposto da mobilidade perfeita de capitais torna a
curva BP horizontal. Como qualquer diferencial de taxa de juros resulta em
grandes fluxos de capital, o equilíbrio do balanço de pagamentos só pode
ocorrer quando a taxa de juros interna for igual à taxa de juros externa
(mundial) exogenamente determinada.
Antes de examinarmos os efeitos de políticas econômicas no caso de
mobilidade perfeita de capitais, consideremos o pressuposto de que, no
equilíbrio, a taxa de juros interna precisa ser igual à taxa externa
exogenamente determinada. Na Seção 15.2, também supusemos que a taxa de
juros externa fosse exógena, mas, no caso da mobilidade imperfeita de
capitais, a taxa de juros interna podia se desviar da taxa de juros externa.
Nesse caso, há duas possibilidades. Uma é estarmos considerando um país tão
pequeno que suas ações não têm efeito sobre a economia mundial. Uma
política monetária expansionista que reduza a taxa de juros interna não tem
efeito sobre as taxas de juros mundiais ou sobre a renda em países
estrangeiros, que também foi considerada exógena. Uma segunda
possibilidade é que o país seja grande, como os Estados Unidos, mas que
estivéssemos simplesmente ignorando os efeitos de suas ações sobre as
economias estrangeiras e, portanto, ignorando possíveis efeitos de
repercussão. Estávamos pressupondo que estes fossem de importância
secundária.
No caso da mobilidade perfeita de capitais, apenas a primeira suposição é
plausível: o país local é tão pequeno que suas ações não podem afetar as
condições do mercado financeiro mundial e o capital é tão móvel que a taxa
de juros desse país precisa mover-se em alinhamento com as taxas de juros
mundiais. Para considerar um país grande, como os Estados Unidos, no caso
de mobilidade perfeita de capitais, teríamos de incluir no modelo o efeito de
suas políticas econômicas sobre a taxa de juros mundial. Não é uma visão
realista imaginar que a taxa de juros desse país seja determinada por uma taxa
de juros mundial completamente fora de sua influência.
15.3.1 Efeitos de políticas econômicas com taxas de câmbio
fixas
15.3.1.1 Política monetária
Vamos ver que, com mobilidade perfeita de capitais, a política monetária é
completamente ineficaz quando as taxas de câmbio são fixas. Para
compreender esse resultado, precisamos examinar melhor a relação entre
intervenção no mercado de câmbio e a oferta de moeda.
Na Seção 15.2, vimos que, com taxas de câmbio fixas, uma política
monetária expansionista levava a um déficit no balanço de pagamentos.
Suponhamos, por exemplo, que no ponto E1 na Figura 15.2 o déficit no
balanço de pagamentos seja de 5 bilhões de dólares; há um excesso de
demanda por moeda estrangeira igual a 5 bilhões de dólares. Como foi
explicado no Capítulo 14, o Banco Central local ou um Banco Central
estrangeiro precisa intervir para fornecer esse montante de moeda estrangeira
a fim de que a taxa de câmbio fixa seja mantida. Aqui, veremos apenas o caso
em que a intervenção é feita pelo Banco Central doméstico.
O Banco Central doméstico vende, então, 5 bilhões de dólares em ativos
de reservas estrangeiras (moeda estrangeira, DES ou ouro). Ele compra 5
bilhões de dólares. O efeito disso é reduzir a oferta de dólares em 5 bilhões.
A oferta de moeda em circulação diminui, porque o Banco Central aqui
aumentou seu estoque de dólares em 5 bilhões e o público reduziu o seu
estoque nesse mesmo montante. O que supusemos implicitamente na Seção
15.2 foi que o Banco Central doméstico compensou esse efeito sobre a oferta
de moeda pondo os dólares que ele comprou de volta em circulação. Isso é
feito comprando títulos do governo que estavam na posse do público. Essa
ação, conhecida como esterilização, evita que a intervenção no mercado de
câmbio afete a oferta de moeda doméstica.
Visto isso, vamos examinar o efeito de uma ação de política monetária
expansionista no caso de mobilidade perfeita de capitais. De acordo com a
discussão anterior, consideremos o caso em que um país pequeno, como a
Nova Zelândia, aumenta sua oferta de moeda. Como é ilustrado na Figura
15.7, o aumento na oferta de moeda desloca a curva LM para a direita, de
LM(M0) para LM(M1). A taxa de juros neozelandesa cai temporariamente de
r0 para r1. A taxa de juros neozelandesa está temporariamente abaixo da taxa
de juros externa (mundial).
Com a taxa de juros interna abaixo da taxa de juros externa no caso de
mobilidade perfeita de capitais, haverá uma enorme saída de capitais. Os
investidores venderão ativos neozelandeses e, portanto, dólares
neozelandeses. Nesse caso, o Banco Central neozelandês não pode restaurar o
equilíbrio por meio de uma intervenção esterilizada no mercado de câmbio. A
saída maciça de capitais continuaria enquanto a taxa de juros neozelandesa
permanecesse abaixo da taxa de juros externa. Uma intervenção esterilizada
apenas faria com que o Banco Central neozelandês logo esgotasse suas
reservas internacionais.
Para restaurar o equilíbrio, o Banco Central precisa deixar sua intervenção
reduzir a oferta de moeda por meio do processo explicado no início desta
seção. A oferta de moeda cairá até que a curva LM volte para a posição
inicial, LM(M0). Nesse ponto (E0), a taxa de juros neozelandesa volta à
igualdade com a taxa de juros externa. A saída de capitais e, portanto, a
contração da oferta de moeda param. Mas, também nesse ponto, a oferta de
moeda e a renda estarão de volta a seus níveis iniciais. A ação de política
monetária terá sido totalmente ineficaz.
FIG 15.7 Política monetária com taxas de câmbio fixas
Um aumento na oferta de moeda desloca a curva LM de LM(M0) para LM(M1). A
taxa de juros interna cai abaixo da taxa de juros externa, desencadeando uma saída
maciça de capitais. A intervenção do Banco Central para manter a taxa de câmbio fixa
faz com que a oferta de moeda caia de volta para o nível inicial, M0. A taxa de juros
interna retorna à igualdade com a taxa de juros externa e a renda volta a seu nível
inicial.
15.3.1.2 Política fiscal
A situação é bastante diferente para a política fiscal. A Figura 15.8 ilustra
os efeitos de um aumento nos gastos do governo no caso de mobilidade
perfeita de capitais. O efeito direto do aumento dos gastos é o deslocamento
da curva IS para a direita, de IS(C0) para IS(G1). O aumento nos gastos
pressiona a taxa de juros interna para um nível mais alto que a taxa de juros
externa e dá início a uma forte entrada de capitais. O Banco Central
doméstico, que consideramos mais uma vez ser o da Nova Zelândia, precisa
intervir e, neste caso, comprar moeda estrangeira com dólares neozelandeses.
Isso fará com que a oferta de moeda neozelandesa se expanda. O Banco
Central da Nova Zelândia terá de continuar comprando moeda estrangeira até
que a oferta de moeda tenha aumentado o suficiente para deslocar a curva LM
para LM(M1) e restaurar a igualdade entre as taxas de juros interna e externa
no ponto E1. Esse aumento endógeno da oferta de moeda fortalece o efeito de
expansão do aumento dos gastos governamentais. A produção sobe para Y1 em
vez de Y’1.
Em um sistema de taxas de câmbio fixas, com mobilidade perfeita de
capitais, essa política fiscal expansionista é altamente eficaz, porque não há
aumento da taxa de juros interna e, portanto, não ocorre o efeito deslocamento
(crowding out) dos gastos do setor privado.
FIG 15.8 Política fiscal com taxas de câmbio fixas
Um aumento nos gastos do governo desloca a curva IS de IS(G0) para IS(G1). A taxa
de juros interna é pressionada para cima até um nível mais alto que a taxa de juros
externa, resultando em uma forte entrada de capitais. A intervenção do Banco Central
para manter a taxa de câmbio fixa faz a oferta de moeda subir. A curva LM desloca-se
de LM(M0) para LM(M1). A taxa de juros interna é levada de volta à igualdade com a
taxa externa e o aumento na oferta de moeda reforça o efeito expansionista do
aumento dos gastos governamentais.
15.3.2 Efeitos de políticas econômicas com taxas de câmbio
flexíveis
Em um sistema de taxas de câmbio flexíveis, a situação é inversa. Aqui,
encontramos que a política monetária é altamente eficaz, enquanto a política
fiscal é totalmente ineficaz.
15.3.2.1 Política monetária
Uma vez mais examinaremos o efeito de um aumento na oferta de moeda de
M0 para M1. Como é mostrado na Figura 15.9, esse aumento na oferta de
moeda desloca a curva LM de LM(M0) para LM(M1). Como no caso de taxas
de câmbio fixas, o aumento na oferta de moeda faz a taxa de juros da Nova
Zelândia cair temporariamente abaixo da taxa de juros externa,
desencadeando uma grande saída de capitais. No entanto, em um sistema de
taxas de câmbio flexíveis, isso não resulta em uma intervenção do Banco
Central neozelandês no mercado cambial.
Em lugar disso, quando os investidores vendem ativos neozelandeses e,
portanto, vendem dólares neozelandeses, a taxa de câmbio da Nova Zelândia
sobe e o valor do dólar neozelandês cai. Essa elevação da taxa de câmbio
aumenta as exportações da Nova Zelândia, diminui as importações e desloca a
curva IS para a direita. A venda de dólares neozelandeses continua até que a
taxa de câmbio suba o suficiente, de π0 para π1, e desloque a curva IS de
IS(π0) para IS(π1). Nesse ponto (E1), a taxa de juros neozelandesa foi
restaurada à igualdade com a taxa de juros externa. A renda subiu para Y1.
FIG 15.9 Política monetária com taxas de câmbio flexíveis
Um aumento na oferta de moeda faz a curva LM deslocar-se de LM(M0) para
LM(M1). A taxa de juros interna cai abaixo da taxa de juros externa, desencadeando
uma grande saída de capitais. A saída de capitais faz a taxa de câmbio subir,
deslocando a curva IS de IS(π0) para IS(π1). A taxa de juros interna é levada de volta à
igualdade com a taxa de juros externa e a renda sobe para Y1.
A política monetária é altamente eficaz com mobilidade perfeita de
capitais e taxas de câmbio flexíveis. A renda sobe em um montante
equivalente a todo o deslocamento horizontal da curva LM. Repare que o
mecanismo pelo qual a política monetária funciona não é mais pela taxa de
juros, que fica fixa no nível da taxa internacional. Em vez disso, ele atua por
intermédio da taxa de câmbio e, portanto, das exportações líquidas.
15.3.2.2 Política fiscal
Os efeitos de um aumento nos gastos do governo com taxas de câmbio
flexíveis e mobilidade perfeita de capitais são ilustrados na Figura 15.10. O
efeito direto do aumento dos gastos governamentais é o deslocamento da
curva IS de IS(G0, π0) para IS(G1, π0). Como resultado, a taxa de juros interna
sobe (em direção a r1 na figura) acima da taxa de juros externa. Esse
movimento desencadeia uma forte entrada de capitais, o que, com taxas de
câmbio flexíveis, fará a taxa de câmbio cair (elevando o valor da moeda
nacional). Em consequência, as exportações diminuem e as importações
aumentam. A curva IS desloca-se para a esquerda.
O equilíbrio só será restaurado quando a curva IS tiver se deslocado de
volta para IS(G0, π0) = IS(G1, π1) e a taxa de juros interna for novamente igual
à taxa de juros externa. Nesse ponto, a entrada de capitais e a pressão pela
queda da taxa de câmbio terminam. Também nesse ponto, a renda volta a seu
nível inicial. A ação de política fiscal é completamente ineficaz.
FIG 15.10 Política fiscal com taxas de câmbio flexíveis
Um aumento nos gastos governamentais faz a curva IS deslocar-se de IS(G0, π0) para
IS(G1, π0). A taxa de juros interna sobe acima da taxa de juros externa, o que tem
como resultado uma forte entrada de capitais. A entrada de capitais faz a taxa de
câmbio cair. A queda da taxa de câmbio desloca a curva IS de volta para IS(G0,π0) =
IS(G1, π1). A taxa de juros interna iguala-se novamente à taxa de juros externa e a
renda retorna a seu nível inicial.
PERSPECTIVAS 15.1 - O ENIGMA DA CORRELAÇÃO
POUPANÇA-INVESTIMENTO
Em uma economia fechada, esperaríamos que a poupança tivesse uma forte
relação positiva com o investimento. Pela equação da curva IS para a economia
fechada dada por (15.4), vemos que
S+T=I+G
ou
S + (T - G) = I
A poupança doméstica privada (S) mais a poupança governamental (T – G) (ou
despoupança se houver um déficit) deve ser igual ao investimento doméstico
(I).
Em uma economia aberta, a equação (15.10) é modificada para incluir
importações e exportações e torna-se
S + (T - G) + (Z - X) = I
A poupança doméstica (uma vez mais ajustada para poupança ou despoupança
governamental) mais o déficit comercial (Z - X) deve ser igual ao investimento
doméstico. Os países poderiam, portanto, ter grandes desvios da poupança em
relação ao investimento se houvesse grandes superávits ou déficits de conta
corrente. Um país poderia, por exemplo, ter um grande déficit de conta corrente
(Z - X), que, no balanço de pagamentos, fosse financiado por um superávit na
balança de capitais que, por sua vez, financiasse o investimento em um nível
mais alto que a poupança doméstica. Esse foi o caso dos Estados Unidos por
boa parte das décadas de 1980 e 1990. Em um mundo de alta mobilidade de
capitais, não esperaríamos que poupança e investimento em um determinado
país estivessem estreitamente relacionados.
FIG 15.11 Poupança (S) e Investimento (I): relação com o PNB (Y),
1974-2008
A poupança fluiria para o país em que o retorno sobre os investimentos fosse
maior. Se os residentes de um país poupassem muito, mas o retorno do
investimento fosse baixo, esse país investiria no exterior e teria um déficit na
balança de capitais e um superávit comercial.
Na verdade, porém, como pode ser visto na Figura 15.11, a poupança e o
investimento em uma amostra de países desenvolvidos estão estreitamente
associados (têm uma alta correlação positiva). Países com uma alta proporção
de poupança em relação à renda, como o Japão e a Finlândia, também têm altas
proporções de investimento em relação à renda. Inversamente, países com
razões poupança/renda relativamente baixas, como o Reino Unido e os Estados
Unidos, têm razões investimento/renda relativamente baixas. Essa relação foi
observada em um estudo de Martin Feldstein e Charles Horioka e é, por isso,
conhecida como o enigma poupança-investimento de Feldstein-Horioka.a.
O que explica o enigma? Talvez a mobilidade total de capitais não seja de fato
tão alta. Mas há outras possibilidades. Se voltarmos à equação (15.11), vemos
que uma grande divergência de poupança doméstica (ajustada para poupança ou
despoupança do governo) em relação ao investimento requer um grande déficit
ou superávit de conta corrente. Se os governos derem início a políticas para
limitar a extensão desses desequilíbrios de conta corrente, eles forçam uma
convergência de poupança e investimento domésticos. Certamente alguns países
às vezes têm de fato desequilíbrios substanciais de conta corrente. Os Estados
Unidos em anos recentes é um exemplo, mas os limites a tais desequilíbrios
ainda poderiam ser suficientemente grandes para explicar a relação mostrada na
Figura 15.11, que cobre 16 países ao longo de mais de três décadas.
Uma segunda explicação para a correlação positiva poupança-investimento
relaciona-se às limitações de acesso de muitas firmas aos mercados de capitais
em geral. Se as firmas tiverem acesso limitado aos mercados de capitais, elas
terão de financiar o investimento por meio de lucros retidos, que são parte da
poupança doméstica.
Embora essas explicações da correlação positiva poupança-investimento sejam
consistentes com um alto grau de mobilidade internacional de capitais, há pouca
evidência empírica de sua importância. O enigma permanece.
Antes de sairmos da questão do enigma da alta correlação poupançainvestimento, é preciso observar que, embora ainda alta, essa correlação
diminuiu um pouco na última década. Isso deve-se em parte ao déficit
historicamente alto nas contas correntes dos Estados Unidos, que foi
acompanhado por investimentos domésticos relativamente altos e poupança
doméstica baixa. Mas, mesmo deixando os Estados Unidos de fora, a correlação
declinou. A causa mais provável para o declínio é a crescente globalização dos
mercados de capitais, que aumentou a mobilidade de capitais. Outro sinal disso
é o fato de os investidores estarem incluindo mais ativos estrangeiros em suas
carteiras de investimento. Isso representou um declínio no que os economistas
chamam de viés doméstico, a preferência dos investidores por manter ativos
financeiros domésticos. Essa crescente mobilidade de capitais é um fator que
tornou mais fácil o financiamento do déficit de conta corrente americano.
a FELDSTEIN, Martin; HORIOKA, Charles. Domestic saving and international
capital flows. Economic Journal, 90, p. 314-329, June 1980.
Conclusão
Neste capítulo, analisamos as políticas fiscal e monetária em uma versão
para economia aberta do modelo IS-LM, nos casos de mobilidade perfeita e
imperfeita de capitais. Vimos que há diferenças significativas entre os dois
casos. Em particular, o pressuposto de mobilidade perfeita de capitais produz
alguns resultados dignos de nota: a política monetária é completamente
ineficaz se a taxa de câmbio for fixa e a política fiscal é completamente
ineficaz se a taxa de câmbio for flexível. Com mobilidade imperfeita de
capitais, nossos resultados ficam mais de acordo com aqueles observados no
modelo IS-LM para a economia fechada, como é resumido na Tabela 7.1,
embora haja algumas diferenças quantitativas.
Dadas essas diferenças, qual caso é relevante para o mundo real? Poucas
coisas são perfeitas no mundo e a mobilidade de capitais não é uma delas.
Mas será que o grau de mobilidade de capitais é suficientemente alto para que
a mobilidade perfeita de capitais não seja uma aproximação ruim? Com base
na situação de meados da década de 1980, um estudo concluiu que os
mercados de capitais mundiais provavelmente estavam “a dois terços ou três
quartos do caminho, mas não mais que isso”, na direção da mobilidade
perfeita de capitais.5 Os mercados de capitais moveram-se mais nessa direção
nos últimos 20 anos. Essa tendência poderia levar a uma preferência pelo
modelo com mobilidade imperfeita de capitais, mas uma curva BP
relativamente plana.
É difícil, porém, fazer uma afirmação generalizante que seja válida para
todos os países. Alguns países, embora em número cada vez menor, mantêm
controles governamentais sobre os movimentos de capitais que restringem
seriamente a mobilidade de capitais. Para outros países cujos mercados de
capitais são estreitamente integrados aos de um grande vizinho, como o
Canadá e a Áustria, o pressuposto de mobilidade perfeita de capitais é
preferível.
Questões de revisão
1. Explique por que a curva BP na Figura 15.1 tem inclinação positiva. Que
fatores causam um deslocamento da curva BP? Explique.
2. No modelo Mundell-Fleming, pressupondo mobilidade imperfeita de
capitais, analise os efeitos das seguintes ações de política econômica para
os casos de taxas de câmbio fixas e flexíveis:
a. Um declínio na oferta de moeda de M0 para M1.
b. Um aumento nos gastos do governo de G0 para G1.
Inclua em sua resposta os efeitos da ação de política econômica sobre a
renda e a taxa de juros, assim como os efeitos sobre o balanço de
pagamentos e a taxa de câmbio.
3. Explique o que significa dizer que temos mobilidade perfeita de capitais.
Por que a curva BP é horizontal no caso de mobilidade perfeita de
capitais?
4. Examine os efeitos de um corte uniforme (lump-sum) de impostos, de T0
para T1, em um sistema de taxas de câmbio fixas. Examine ambos os casos
de mobilidade perfeita e imperfeita de capitais. Em qual caso o corte nos
impostos terá o maior efeito sobre a renda?
5. O que significa esterilização dos efeitos da intervenção no mercado
cambial? Explique como a esterilização funciona no caso de mobilidade
imperfeita de capitais.
6. No modelo Mundell-Fleming, pressupondo mobilidade perfeita de
capitais, analise os efeitos de um choque positivo na demanda por moeda
(isto é, um aumento na demanda por moeda nos níveis dados de renda e
taxa de juros). Considere o efeito do choque sobre a renda quando a taxa
de câmbio for fixa e quando ela for flexível.
7. No modelo Mundell-Fleming, pressupondo mobilidade perfeita de
capitais, analise o efeito de um aumento uniforme (lump-sum) de impostos
para o caso de taxas de câmbio flexíveis. O corte nos impostos será
eficaz? Explique.
8. No modelo Mundell-Fleming, pressupondo mobilidade imperfeita de
capitais, analise o efeito de uma queda no investimento autônomo.
Concentre-se no efeito sobre a renda. Esse efeito é maior com taxas de
câmbio fixas ou flexíveis? (Considere que a curva BP seja mais plana do
que a curva LM.)
PARTE V
Políticas econômicas
Os capítulos desta parte ampliam a discussão das políticas macroeconômicas.
Embora as políticas monetária e fiscal tenham sido analisadas em capítulos
anteriores, as ações de política que examinamos eram simples mudanças de
políticas como uma alteração uniforme na arrecadação tributária ou uma
mudança exógena na oferta de moeda. A consideração dessas mudanças
simples de políticas foi útil para entender as propriedades dos modelos
examinados. Nos três próximos capítulos, fazemos uma análise mais detalhada
e realista da formulação de políticas macroeconômicas.
Os Capítulos 16 e 17 tratam da política monetária. A estrutura do Banco
Central americano, o Federal Reserve System, é explicada. Abordam-se as
ferramentas de política monetária reais. Além disso, é examinada a estrutura
de mercados e instituições financeiras. Nesse contexto, analisamos a crise
financeira de 2007-2009, que entrou em nossa discussão anterior sobre os
problemas econômicos recentes.
O Capítulo 18 examina políticas fiscais voltadas a estabilizar a economia.
Como no caso da política monetária, utilizamos uma abordagem mais realista
dos instrumentos e processos reais de política econômica. Questões
adicionais referentes a déficits e dívida do governo federal também entram na
discussão.
CAPÍTULO 16
Moeda, o sistema bancário e taxas de juros
A política monetária refere-se às ações dos bancos centrais para afetar a
oferta de moeda e o crédito e influenciar a taxa de juros. Até aqui,
representamos ações de política monetária por meio de mudanças exógenas na
oferta de moeda. Neste capítulo e no Capítulo 17, vamos fazer um exame mais
realista da política monetária. Discutiremos a estrutura do Banco Central dos
Estados Unidos, o Federal Reserve System, que conduz a política monetária
do país. Parte de nossa análise neste capítulo será um exame de como o Banco
Central pode controlar a oferta de moeda. De forma mais ampla,
examinaremos as ligações entre ações do Banco Central e o crédito e taxas de
juros.
Em anos recentes, o Federal Reserve e outros bancos centrais focaram
mais diretamente as taxas de juros do que a oferta de moeda. Isso não conflita
com nossa análise anterior. Nessa análise, o Banco Central alterava a oferta
de moeda para influenciar a taxa de juros. Aumentos na oferta de moeda, por
exemplo, faziam a taxa de juros cair. Neste capítulo e no próximo, no entanto,
daremos mais atenção às ligações entre as ações dos bancos centrais e as
taxas de juros e o crédito. Também examinaremos mais detalhadamente taxas
de juros específicas e outros ativos financeiros que não a moeda.
O sistema bancário desempenha um papel importante na transmissão dos
efeitos da ação do Banco Central para o resto da economia. Portanto, vamos
examinar o modo como a política monetária afeta os balanços patrimoniais e
o comportamento dos bancos. O comportamento do público não bancário
também entrará em nossa análise.
Neste capítulo, vamos focar o que o Banco Central realmente faz. No
Capítulo 17, o foco muda para o que os bancos centrais deveriam fazer – a
questão da política monetária ótima.
Começamos na Seção 16.1 com uma definição de moeda. A Seção 16.2
explica alguns conceitos de taxas de juros e os ativos financeiros e mercados
associados. A Seção 16.3 discute a estrutura do Federal Reserve System e as
ferramentas que ele usa para conduzir a política monetária. Em resposta à
recente crise financeira, o Federal Reserve desenvolveu novos instrumentos
de política econômica que também vamos examinar. Na Seção 16.4,
explicamos a relação entre reservas, depósitos e crédito bancários, que é uma
ligação fundamental no processo do controle do Banco Central sobre a oferta
de moeda e o nível das taxas de juros. Aqui examinaremos como o sistema
financeiro ficou congelado e como os instrumentos de política monetária
recém-desenvolvidos foram usados para tentar reaquecê-lo. A Seção 16.5
conclui nossa análise do processo da política monetária.
Federal Reserve System (Fed)
É composto de 12 bancos Federal Reserve
regionais e do Board of Governors
(Conselho) localizado em Washington.
16.1 A definição de moeda
16.1.1 As funções da moeda
A definição padrão de moeda é tudo aquilo que desempenha funções
monetárias. As três funções amplamente aceitas da moeda são (1) um meio de
troca, (2) um estoque de valor e (3) uma unidade de medida.
16.1.1.1 Meio de troca
A moeda serve como um meio de transação. Compram-se bens e serviços
com moeda. Recebe-se moeda pela venda de bens ou serviços. Não pensamos
nisso com frequência, mas essa função da moeda contribui muito para a
eficiência econômica. Para fazer trocas sem moeda seria necessário trocar
bens por bens – o que se chama escambo ou simples troca. Algumas
transações de escambo existem mesmo em uma economia monetária.
Mas o escambo como meio de troca predominante é ineficiente, porque
transações de escambo requerem uma dupla coincidência de vontades. Vamos
supor que Joana queira comprar sapatos e vender joias, enquanto Suzana quer
vender sapatos, mas deseja comprar um computador. Nenhuma troca acontece
nesse caso e ambas precisam perder tempo procurando parceiros de negócios
cujos desejos de compra e de venda coincidam com os seus. Em uma
economia monetária, Joana compra os sapatos de Suzana com moeda. Suzana
pode, então, usar a moeda para comprar um computador de qualquer pessoa
que o esteja vendendo. Joana precisa apenas encontrar alguém que queira
comprar joias (sem necessariamente querer vender sapatos).
16.1.1.2 Estoque de valor
A moeda funciona como um estoque de riqueza, um modo de poupar para
gastos futuros. A moeda é um tipo de ativo financeiro. Outros estoques de
valor (por exemplo, um título empresarial ou governamental) não são moeda
porque não realizam as outras funções monetárias. Eles não podem ser usados
como meio de troca ou como unidade de medida, que é a terceira função
central da moeda.
16.1.1.3 Unidade de medida
Os preços são medidos em moeda. No Brasil, os preços (e dívidas) são
medidos em reais, na Albânia em leks, na Polônia em zlotis, na Grã-Bretanha
em libras, nos Estados Unidos em dólares. A moeda é muito conveniente
como unidade de medida. Os comerciantes simplesmente fixam um preço em
reais, ou em dólares, e não em termos de cada mercadoria que pudesse ser
trocada por seus bens.
16.1.2 Componentes da oferta de moeda
A oferta de moeda é composta dos ativos financeiros que servem às
funções descritas acima. Que ativos são esses nos Estados Unidos, por
exemplo? Há duas medidas oficiais para a oferta de moeda americana. Cada
uma delas é composta de moeda corrente e depósitos em bancos comerciais e
outras instituições depositárias (por exemplo, associações de poupança e
empréstimos).
Uma medida, chamada M1, é a mais restrita das duas medidas de moeda.
Ela é composta de moeda corrente mais depósitos a vista. Depósitos a vista
são aqueles sobre os quais é possível emitir cheques, ou seja, aqueles em
relação aos quais se pode instruir o banco por escrito a fazer pagamentos a
terceiros.1 A moeda corrente preenche as três funções monetárias discutidas
acima. O mesmo acontece com depósitos bancários, desde que seja possível
movimentá-los por meio de cheques. Cheques sobre depósitos podem ser
usados para comprar coisas (função de meio de troca), depósitos são um
estoque de valor, e a moeda corrente ou os depósitos são unidades de medida.
M1
É a mais restrita das duas medidas de
oferta de moeda dos Estados Unidos.
Consiste em moeda corrente mais
depósitos a vista.
A outra medida, M2, é mais ampla. Ela inclui os componentes de M1 mais
depósitos bancários adicionais que não podem ser sacados por cheques ou
têm limitações nesse sentido. M2 inclui contas de fundos mútuos do mercado
monetário, que com frequência permitem cheques apenas para montantes
acima de um mínimo, e contas comuns de poupança e de depósitos a prazo,
que não preveem saques com cheques.2 Detalhes sobre a composição de cada
uma dessas medidas de moeda, bem como as cifras correspondentes ao nível
dessas medidas nos Estados Unidos em outubro de 2011, são dados na Tabela
16.1.
M2
Inclui todos os componentes de M1 mais
alguns depósitos bancários adicionais que
não podem ser sacados por cheques ou
têm limitações nesse sentido.
Tabela 16.1 - Medidas da oferta de moeda, Estados Unidos, outubro de 2011
(bilhões de dólares)
Médias das cifras diárias referentes a (1) moeda corrente fora
do Tesouro, dos bancos do Federal Reserve e dos cofres dos
bancos comerciais, (2) cheques de viagem de emissores não
bancários, (3) depósitos à vista em todos os bancos comerciais
exceto os devidos a bancos domésticos, ao governo e a bancos
M1 $2.150,1 e instituições oficiais estrangeiras, menos itens disponíveis
líquidos em processo de cobrança e float do Federal Reserve,
e (4) ordens de saque negociáveis (NOW) e contas de
transferência automática (ATS) em bancos e instituições de
poupança, cotas de cooperativa de crédito (CUSD) e depósitos
à vista em bancos de poupança mútua
M1 mais poupanças e pequenos depósitos a prazo em todas as
instituições depositárias, acordos de recompra de overnight em
bancos comerciais, eurodólares de overnight mantidos por
M2 $9.607,5 residentes dos Estados Unidos com a exceção de bancos em
filiais do Caribe de bancos associados, cotas de fundos mútuos
do mercado monetário e contas de depósito do mercado
monetário (MMDA)
Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve.
A lógica que fundamenta a medida mais ampla da moeda é que as
categorias de depósitos adicionais incluídas em M2 em relação a M1 são
muito semelhantes a depósitos a vista ou podem ser facilmente convertidas em
depósitos a vista. Saldos em contas de poupança, por exemplo, podem ser
convertidos em depósitos a vista (ou em moeda corrente) pela simples ida ao
banco (ou usando um caixa eletrônico ou a internet). Se esses tipos adicionais
de depósitos forem substitutos suficientemente próximos de depósitos a vista
e moeda corrente, pode ser adequado considerá-los como moeda.
16.2 Taxas de juros e ativos financeiros
Em capítulos anteriores, restringimos nossa análise a dois ativos
financeiros: moeda e títulos. Acabamos de apresentar uma definição mais
detalhada de moeda. Vamos, agora, nos aprofundar mais na questão dos
títulos.
Em nossa análise anterior, a moeda era o ativo de curto prazo e os títulos
eram o ativo de longo prazo. Com isso, referíamo-nos ao fato de que a moeda
é imediatamente disponível; ela não tem prazo de vencimento. Um exemplo de
título é o título de 10 anos do Tesouro americano. Seu prazo até o vencimento
é de 10 anos, o que significa que o retorno do principal (valor de face) do
título é pago depois de 10 anos.
Nos mercados financeiros há muitos tipos de ativos financeiros que são
estoques de riqueza. Não precisamos entrar em muitos detalhes, mas será útil
nos aprofundarmos um pouco mais na distinção título-moeda para entender
como a política monetária funciona. Uma distinção em mercados financeiros é
entre os mercados de capitais e os mercados monetários.3 Os mercados de
capitais são aqueles de ativos financeiros com um prazo de vencimento de
mais de um ano. Os mercados monetários são para ativos com prazo de
vencimento de menos de um ano. O título de 10 anos do Tesouro americano e
outros títulos são negociados em mercados de capitais. Outros tipos de títulos
são os títulos empresariais e títulos de governos subnacionais. As taxas de
juros sobre esses tipos de títulos são exemplos de taxas de juros de longo
prazo.
Os ativos em mercados monetários, que são distintos da moeda em si, não
entraram anteriormente em nossa discussão. Um exemplo de um ativo
negociado em um mercado monetário é uma letra do Tesouro americano.
Como o título do Tesouro, esse é um instrumento de crédito emitido pelo
Tesouro dos Estados Unidos, mas tem curto prazo, com vencimento em três ou
seis meses. Outro exemplo de um ativo de mercado monetário são os papéis
negociáveis de curto prazo, um instrumento de crédito de curto prazo emitido
por grandes empresas e grandes bancos. Um mercado monetário que é
importante para a condução da política monetária é o mercado de fundos
federais, ou mercado interbancário. Fundos federais são empréstimos
overnight entre bancos. Como os títulos, cada ativo do mercado monetário
tem uma taxa de juros. Assim, temos a taxa de letras do Tesouro, a taxa dos
papéis negociáveis e a taxa dos fundos federais. Esses são exemplos de taxas
de juros de curto prazo. A taxa dos fundos federais, ou taxa de empréstimos
interbancários de um dia, é especialmente importante nos Estados Unidos,
porque é a taxa que o Federal Reserve controla mais de perto. Na
terminologia que usamos no Capítulo 17, a taxa dos fundos federais é a meta
operacional do Federal Reserve.
Taxa dos fundos federais
É a taxa usada para empréstimos
interbancários.
Outro conjunto de taxas de juros são as taxas de empréstimos. Em
empréstimos bancários, há taxas de juros para empréstimos ao consumidor,
para empréstimos industriais (para empresas) e para empréstimos
imobiliários. Com o auxílio adicional desta subseção e da subseção anterior,
estamos prontos para passar ao Banco Central e à condução da política
monetária.
16.3 O Federal Reserve System e os Bancos Centrais
16.3.1 A estrutura do Federal Reserve
O sistema americano de Banco Central foi estabelecido pelo Federal
Reserve Act de 1913. Ao contrário do Brasil e de muitos outros países, que
têm um único Banco Central, os Estados Unidos têm um sistema de bancos
Federal Reserve, um para cada um dos 12 distritos do Fed. Cada Federal
Reserve Bank recebe o nome da cidade em que está localizado: Federal
Reserve Bank of New York, Federal Reserve Bank of Chicago, Federal
Reserve Bank of San Francisco e assim por diante. Esse caráter regional do
sistema americano é importante para algumas das funções do Banco Central,
mas a formulação de políticas macroeconômicas centralizou-se em dois
grupos em Washington.
O primeiro grupo é o Board of Governors of the Federal Reserve,
composto de sete membros (diretores) nomeados pelo presidente dos Estados
Unidos, com recomendação e aprovação do Senado, para um mandato de 14
anos. Um membro da diretoria é nomeado presidente do Board pelo
presidente do país, para um mandato de 4 anos. O presidente do Board pode
ocasionalmente se tornar a figura dominante na formulação de políticas
monetárias.
Board of Governors of the
Federal Reserve
É composto de sete membros (diretores)
nomeados pelo presidente dos Estados
Unidos, com recomendação e aprovação
do Senado, para um mandato de 14 anos.
Um membro do Board é nomeado seu
presidente.
O segundo grupo de formuladores de políticas monetárias é o Federal
Open Market Committee. O método mais importante pelo qual o Federal
Reserve controla a oferta de moeda é a compra e venda de títulos do governo
no mercado aberto (open market), isto é, no mercado de transações com
títulos do governo localizado na cidade de Nova York. Vamos ver como o
Federal Reserve usa compras ou vendas de títulos no mercado aberto para
aumentar ou diminuir as reservas legais do sistema bancário. Como é exigido
que os bancos mantenham uma proporção fixa de seus depósitos na forma de
reservas legais, essas operações no mercado aberto podem controlar o
componente de depósitos da oferta de moeda. O Open Market Committee
controla as operações no mercado aberto. É composto de 12 membros com
direito de voto: os 7 membros da Board of Governors e 5 dos presidentes dos
Federal Reserve Banks regionais. Os presidentes dos bancos regionais
participam em um esquema de rodízio, com exceção do presidente do banco
de Nova York, o banco encarregado de executar as operações no mercado
aberto, que é membro votante permanente do Open Market Committee.
Federal Open Market Committe
É composto de 12 membros com direito
de voto: os 7 membros do Board of
Governors e 5 dos presidentes dos
Federal Reserve Banks regionais. Os
presidentes dos bancos regionais
participam em um esquema de rodízio,
com exceção do presidente do Federal
Reserve of New York, que é vicepresidente do Board e um membro votante
permanente do comitê.
Operações no mercado aberto
São compras e vendas de títulos do
governo no mercado aberto pelo Banco
Central.
16.3.2 A influência do Banco Central sobre a moeda e o
crédito
Lembre-se que os agregados monetários discutidos na Seção 16.1 eram
constituídos de moeda corrente mantida pelo público, mais várias classes de
depósitos bancários. Para simplificar nossa discussão, vamos supor que
apenas um tipo de depósito represente todos os diferentes tipos de depósitos
que podem ser movimentados por cheques – nós o chamaremos de depósitos a
vista. Estes incluem contas correntes, contas NOW e cotas de cooperativa de
crédito. Poupanças e depósitos a prazo serão trazidos à nossa discussão
posteriormente. Moeda corrente consiste basicamente cédulas de moeda
nacional – papel-moeda emitido pelo Banco Central.
Para controlar o componente de depósitos da oferta de moeda, o Banco
Central define reservas compulsórias sobre os depósitos. Essa é a exigência
de que os bancos mantenham uma determinada porcentagem de seu passivo de
depósitos na forma de moeda corrente ou como depósitos no Banco Central.
Devido à existência das reservas compulsórias, o Banco Central pode
controlar a oferta de moeda regulando a oferta de reservas legais.
Tecnicamente, o estabelecimento de reservas compulsórias e a fixação do
nível de reservas definem um teto apenas para o nível de depósitos. Se, por
exemplo, a porcentagem de reservas requerida fosse 10% e as reservas
fossem definidas em $60 bilhões, o montante máximo de depósitos seria de
$600 bilhões. Na verdade, antes de 2008, os bancos mantinham poucas
reservas além daquelas exigidas pelas regras do Banco Central. Assim, o
nível efetivo de depósitos permanecia próximo do valor máximo compatível
com um dado nível de reservas bancárias. Essa situação mudou durante a
crise financeira, como vamos ver mais adiante nesta seção.
Um ponto de partida conveniente para analisar o controle do Banco Central
sobre os depósitos bancários e o crédito bancário é o balanço patrimonial que
resume os ativos e passivos do Federal Reserve System. Esse balanço é
mostrado na Tabela 16.2. Começamos aqui com um retrato do balanço
patrimonial pré-crise, que compararemos com o balanço pós-crise na próxima
seção. Os ativos primários mantidos pelo Federal Reserve antes da crise
financeira eram títulos do governo dos Estados Unidos. Um item muito menor
no lado dos ativos no balanço, mas ao qual retornaremos mais tarde em nossa
discussão, é o montante de empréstimos a bancos; estas são as reservas
emprestadas do sistema bancário. No lado do passivo, os dois itens
importantes são cédulas em circulação do Federal Reserve, que constituem o
grosso do papel-moeda americano, e depósitos de reservas bancárias. Este
último item é constituído pelos depósitos mantidos nos Federal Reserve
Banks pelo sistema bancário para atender aos requisitos de reservas legais.4
Esses dois itens no lado do passivo do balanço do Banco Central (moeda
corrente mais depósitos de reservas bancárias) formam o que é chamado de
base monetária, porque, juntos, eles proporcionam a base para a oferta de
moeda. A moeda corrente é diretamente incluída na oferta de moeda se estiver
em poder do público não bancário. A parte da moeda corrente mantida em
forma de reservas dos bancos mais os depósitos de reservas bancárias
proporcionam as reservas que dão suporte ao componente de depósitos da
oferta de moeda. O Banco Central controla a quantidade de seus passivos, o
que significa que pode controlar a base monetária e, assim, as reservas
bancárias e a oferta de moeda.
Base monetária
É igual à moeda circulante mais os
depósitos de reservas bancárias.
Tabela 16.2 - Balanço dos Federal Reserve Banks dos Estados Unidos, em
bilhões de dólares (fev./ 2007)
Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve.
16.3.3 Os instrumentos de controle do Banco Central
O Banco Central usa vários instrumentos para controlar as reservas
bancárias. Na Seção 16.4, será explicado o processo pelo qual mudanças nas
reservas bancárias afetam o nível de depósitos bancários. Dois pontos devem
ser observados antes de prosseguirmos. Primeiro, quando o Banco Central
toma alguma ação de alteração da base monetária – uma ação que aumente a
base monetária, por exemplo – o efeito líquido sobre as reservas bancárias
depende de quanto do aumento da base monetária resulta em aumento da
quantidade de moeda corrente em poder do público (não bancário). O
comportamento de manutenção de moeda corrente pelo público, então,
influencia o efeito final das ações do Banco Central sobre o nível de reservas
bancárias e, assim, sobre os depósitos. Essa influência é explicada na
próxima seção, mas, por enquanto, vamos supor que a manutenção de moeda
corrente pelo público seja fixa. Com esse pressuposto, alterações na base
monetária produzem mudanças de um para um na quantidade de reservas
bancárias. Segundo, como foi mencionado, o Federal Reserve, em resposta à
crise financeira, desenvolveu alguns novos instrumentos de política
monetária. Adiaremos a discussão destes para uma seção posterior. Antes da
crise financeira, o Federal Reserve usava três instrumentos para controlar a
posição da reserva dos bancos: operações no mercado aberto, a taxa de
redesconto e a taxa de reservas compulsórias. Na prática, operações no
mercado aberto eram o meio dominante de controle da reservas bancárias.
Discutiremos os outros dois instrumentos porque eles também são usados por
bancos centrais.
16.3.3.1 Operações no mercado aberto
O primeiro instrumento, operações no mercado aberto, foi mencionado
anteriormente. Para um exemplo de como uma ação no mercado aberto por
parte do Banco Central afeta as reservas bancárias, consideremos uma
compra no mercado aberto de um título do governo no valor de $1.000.
Tabela 16.3 - Efeito sobre o balanço do Banco Central de uma compra de
$1.000 no mercado aberto
Títulos do governo constituem uma parte importante dos ativos do Banco
Central, como pode ser visto na Tabela 16.2. A compra do título adicional
aumenta o item de títulos do governo no lado dos ativos do balanço do Banco
Central em $1.000. Para pagar esse título, o Banco Central emite um cheque
cobrável dele mesmo. Um ponto fundamental a observar aqui é que o Banco
Central, ao emitir esse cheque, não reduz o saldo de nenhuma conta. Ele
simplesmente cria um novo passivo para si mesmo. O que acontece ao
cheque? Vamos supor que um investidor individual tenha vendido o título para
o Banco Central. Ele pegará o cheque recebido e o depositará em um banco, o
Banco A, por exemplo.
O Banco A apresentará então o cheque ao Banco Central para pagamento.
O Banco Central fará o crédito de $1.000 no saldo de conta do Banco A junto
ao Banco Central. A compra no mercado aberto resulta em um aumento do
mesmo valor nos depósitos de reservas dos bancos no Banco Central. Os
efeitos da compra no mercado aberto sobre o balanço do Banco Central estão
resumidos na Tabela 16.3.
De maneira similar, uma venda de títulos do governo no mercado aberto
reduzirá no mesmo montante os depósitos de reservas dos bancos. Nesse
caso, o Banco Central recebe um cheque do indivíduo que comprou o título
para ser descontado em um banco. O Banco Central desconta do saldo de
depósitos desse banco no Banco Central a mesma quantia do cheque. Essas
compras e vendas de títulos no mercado aberto oferecem um meio flexível de
controlar as reservas bancárias.
16.3.3.2 A taxa de redesconto
No caso do Federal Reserve, o Open Market Committee supervisiona as
operações no mercado aberto. Os outros instrumentos de controle monetário
são administrados pelo Board of Governors do Fed. Um desses instrumentos é
a taxa de redesconto, a taxa de juros cobrada pelo Banco Central sobre seus
empréstimos a bancos. O Banco Central pode elevar ou reduzir essa taxa para
regular o volume desses empréstimos. Para ver o efeito de mudanças no
volume de empréstimos do Banco Central sobre os depósitos de reservas
bancárias, consideremos um empréstimo de $1.000 do Banco Central a um
banco. Os efeitos sobre o balanço do Banco Central são mostrados na Tabela
16.4.
Taxa de redesconto
A taxa de juros cobrada pelo Banco
Central sobre seus empréstimos a bancos.
O item “empréstimos a bancos” do ativo aumenta em $1.000. Os recursos
do empréstimo são creditados na conta do banco que tomou o empréstimo no
Banco Central. Nesse ponto, os depósitos de reservas bancárias aumentam em
$1.000. Reduzindo a taxa de redesconto, o Banco Central incentiva os bancos
a tomarem empréstimos e aumenta o componente de recursos emprestados nos
depósitos de reservas bancárias. A elevação da taxa de redesconto tem o
efeito oposto.
Tabela 16.4 - Efeito sobre o balanço do Banco Central de um empréstimo de
$1.000 a um banco
Pela Tabela 16.2, pode-se ver que empréstimos do Federal Reserve para
bancos foram um item muito pequeno no balanço de 2007. Essas taxas de
redesconto declinaram drasticamente na década de 1990 por diversas razões.
Uma delas foi que, caso se descobrisse que um banco havia tomado
empréstimo do Fed, isso seria interpretado como um sinal de possíveis
problemas financeiros do banco, com consequências adversas para o preço de
suas ações.
Em alguns países, a manipulação da taxa de redesconto e o nível de
empréstimos com essa taxa é um instrumento importante de controle
monetário. Em 2007, este certamente não era o caso nos Estados Unidos.
Ainda assim, esses empréstimos tinham um papel na política monetária. O Fed
desempenha uma função de “emprestador de última instância” para bancos, o
que é um papel importante para bancos centrais. O Fed emprestará a um banco
e proporcionará liquidez em tempos de crise, quando outros canais de
empréstimo estiverem fechados. Quando a recente crise financeira começou,
esse papel dos bancos centrais como emprestadores de última instância foi
posto em teste nos Estados Unidos e em muitos outros países. Empréstimos
com taxa de redesconto e outros empréstimos do Federal Reserve para
instituições financeiras vieram para o primeiro plano.
16.3.4 Taxa de reservas compulsórias
Um terceiro instrumento que o Banco Central pode usar para controlar a
posição das reservas dos bancos é a taxa de reservas compulsórias – a
porcentagem dos depósitos que os bancos devem manter como reservas.
Mudanças nesse instrumento de política econômica não alteram o nível de
reservas totais dos bancos, mas, por alterar a proporção de reservas
compulsórias sobre os depósitos, o Banco Central muda a quantidade de
depósitos que podem ser mantidos por um dado nível de reservas. Aumentos
na proporção das reservas compulsórias reduzem a quantidade de depósitos
que podem ser apoiados por uma dada quantidade de reservas. Consideremos
nosso exemplo anterior, em que as reservas foram definidas em $60 bilhões,
de forma que, com uma reserva compulsória de 10%, o nível máximo de
depósitos a vista era de $600 bilhões. Se a taxa de reservas compulsórias
fosse aumentada para 12%, o nível máximo de depósitos, com as reservas
inalteradas em $60 bilhões, seria de $500 bilhões.
Taxa de reservas compulsórias
É a porcentagem dos depósitos que os
bancos devem manter como reservas.
Embora as tenhamos incluído em nossa discussão para não deixá-la
incompleta, mudanças nas reservas compulsórias não são usadas com
frequência para afetar a posição das reservas dos bancos. Uma razão é que
aumentos das reservas compulsórias são muito impopulares com os bancos,
pois a necessidade de manter um montante maior de reservas que não rendem
juros diminui os seus lucros. Reservas compulsórias são, no entanto, um
instrumento importante na política monetária da China e outros países.
16.3.5 Novos instrumentos de política monetária
A crise financeira de 2007-2009 quase levou ao colapso do sistema
bancário e outras partes do sistema financeiro dos Estados Unidos. A Europa
e outras regiões do mundo enfrentaram situação similar. O Federal Reserve,
sob a liderança de Ben Bernanke, reagiu rapidamente com uma série de ações.
Algumas envolveram o uso de instrumentos existentes. Como estes se
mostraram inadequados para o desafio, o Federal Reserve entrou em áreas
que havia evitado anteriormente, como o auxílio direto a instituições
individuais por meio de compras de ativos. A história da resposta do Federal
Reserve será deixada para o Capítulo 17. O assunto aqui é o que a resposta
significou em termos dos instrumentos de política monetária.
Uma vez mais, será útil começar pelo balanço patrimonial do Federal
Reserve. A Tabela 16.5 mostra esse balanço em fevereiro de 2011.
O efeito da crise financeira sobre as atividades do Federal Reserve pode
ser visto comparando a Tabela 16.5 com a Tabela 16.2. Antes de examinar os
itens individuais da tabela, vamos olhar o saldo final, os ativos (ou passivos)
totais. O tamanho do balanço patrimonial do Federal Reserve havia quase
triplicado em 4 anos. Comparem-se a isso os mais de 10 anos que haviam
sido necessários para esse saldo dobrar de valor até o total de 2007.
Conforme o Federal Reserve expande o lado dos ativos de seu balanço, vimos
que o lado dos passivos aumenta; isso é o controle da base monetária. A
expansão do lado dos ativos também aumenta a quantidade de crédito que o
Federal Reserve oferta a alguns setores da economia. A compra de títulos do
governo, por exemplo, aumenta o crédito oferecido ao governo federal.
Os novos instrumentos adotados durante a crise aumentaram
expressivamente a quantidade de crédito disponibilizada pelo Banco Central
e ampliaram os setores que receberam esses créditos. Assim, o Federal
Reserve aumentou seu estoque de títulos do governo e empréstimos a
instituições financeiras em aproximadamente US$ 440 bilhões entre 2007 e
2011. Além disso, agora eram feitos empréstimos a instituições financeiras
que não são bancos comerciais, entre elas corretoras de títulos públicos e
bancos de investimento. Um item maior na Tabela 16.5 mostra o estoque de
quase US$ 1 trilhão de títulos lastreados em hipotecas comprados durante a
crise. Por meio desse item e da compra de títulos de agência, emitidos
principalmente por Fannie Mae e Freddy Mac (emprestadores do setor
imobiliário patrocinados pelo governo), o Federal Reserve procurava apoiar
o financiamento imobiliário.
As ações que foram tomadas por bancos centrais para aumentar o crédito
conforme eles expandiam seu balanço patrimonial receberam o título geral de
“afrouxamento quantitativo”. O modo como essas novas atividades entram nas
políticas atual e futura do Federal Reserve é um assunto do Capítulo 17. Aqui,
estenderemos nossa discussão para como o Federal Reserve usa seus
instrumentos, inclusive os novos, para tentar controlar depósitos bancários,
oferta de moeda e crédito bancário.
Antes de nos voltarmos para essa questão, destacamos um item
extraordinário no lado dos passivos na Tabela 16.5. Em fevereiro de 2011, os
depósitos de reservas bancárias haviam crescido para mais de US$ 1,2
trilhão. Conforme o afrouxamento quantitativo prosseguia, eles cresceram
para mais de US$ 1,4 trilhão até o final de 2011. Em 2007, quase todos os
depósitos de reservas bancárias eram mantidos como depósitos compulsórios.
As reservas voluntárias eram da ordem de US$ 1-2 bilhões. No final de 2011,
as reservas voluntárias constituíam a maior parte dos depósitos de reservas
bancárias. Parte da razão dessa explosão das reservas voluntárias foi o fato
de que, durante a crise, o Federal Reserve começou a pagar juros sobre as
reservas voluntárias, mas houve outras razões também.
Tabela 16.5 - Balanço dos Federal Reserve Banks dos Estados Unidos, em
bilhões de dólares (fev/2011)
FONTE: Board of Governors of the Federal Reserve
16.4 Reservas bancárias e depósitos bancários
Até aqui, vimos como um Banco Central pode usar operações no mercado
aberto, mudanças na taxa de redesconto e mudanças nas reservas
compulsórias sobre depósitos para afetar a posição das reservas de bancos.
Nesta seção, vamos examinar o processo pelo qual mudanças nas reservas
afetam o nível de depósitos no sistema bancário. Uma vez mais, um ponto de
partida conveniente é um balanço patrimonial, neste caso do sistema bancário
comercial.
Tabela 16.6 - Balanço consolidado do sistema bancário comercial nos
Estados Unidos, novembro de 2011 (bilhões de dólares)
Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve.
Um balanço consolidado simplificado de todos os bancos comerciais
americanos é mostrado na Tabela 16.6. Bancos são uma classe de
intermediários financeiros. Eles captam fundos dos setores poupadores e
canalizam esses fundos para os setores tomadores de empréstimos. O lado dos
ativos registra sua provisão de fundos para os setores tomadores de
empréstimos. O lado dos passivos do balanço patrimonial mostra onde os
bancos captam seus fundos. No lado dos ativos, o primeiro item são ativos a
vista de bancos comerciais. As reservas (moeda a vista mais depósitos no
Fed) entram nessa categoria, mas outros itens também estão incluídos (por
exemplo, depósitos bancários em outros bancos). As reservas no período de
tempo para o qual a tabela foi compilada (novembro de 2011) incluíam o total
ampliado de reservas voluntárias (mais de US$ 1,3 trilhão) mencionado
anteriormente. Antes da crise financeira, quase todas as reservas eram
reservas compulsórias. Os ativos à vista no final de 2011 eram, assim, muito
mais altos do que o normal. Os outros itens principais do lado dos ativos no
balanço são empréstimos dos bancos comerciais, que incluem empréstimos a
consumidores e firmas e a posse de títulos governamentais e privados pelos
bancos. Também estão discriminados como um item separado os
“Empréstimos interbancários”. Estes são empréstimos no mercado de fundos
federais descrito na Seção 16.2.
Os principais passivos dos bancos comerciais são depósitos, tanto à vista
como em poupança e depósitos a prazo. Há também uma categoria substancial
denominada “empréstimos tomados” que inclui a emissão de obrigações da
dívida pelo banco como papéis comerciais. O último item do lado dos
passivos, “Outros passivos e capital”, inclui alguns empréstimos adicionais
tomados por instituições bancárias e capital bancário, que é o patrimônio
líquido dos bancos mais alguns outros itens que contam como capital para os
bancos (por exemplo, ações preferenciais).
16.4.1 Um modelo de criação de depósitos
Consideremos agora os efeitos para o banco de um aumento nas reservas.
Vamos voltar a nosso exemplo do Banco A. Lembremos de nossa suposição
de que o Banco Central tenha comprado um título de $1.000 de um indivíduo,
fazendo o pagamento com um cheque do próprio Banco Central. O indivíduo
depositou o cheque em sua conta no Banco A. Quando o cheque for
apresentado para pagamento no Banco Central, os depósitos de reserva do
Banco A no Banco Central têm um aumento de $1.000. Até este ponto, os
efeitos sobre o balanço do Banco A como resultado dessa compra do Banco
Central no mercado aberto são mostrados na Tabela 16.7. Tanto os depósitos à
vista como as reservas tiveram um aumento de $1.000. Para simplificar,
vamos continuar supondo que haja uma taxa de reservas compulsórias
uniforme de 10%. Nesse caso, o aumento nas reservas consistirá de um
aumento de $100 nas reservas compulsórias e de $900 nas reservas
voluntárias, como é mostrado na Tabela 16.7.
Tabela 16.7 - Efeito inicial sobre o balanço do Banco A de uma compra de
$1.000 no mercado aberto
A Tabela 16.7, porém, mostra apenas os efeitos iniciais da compra no
mercado aberto no balanço do Banco A. A posição descrita na Tabela 16.7
não será, em condições normais, um equilíbrio para o Banco A, porque o
banco, em geral, não vai querer aumentar suas reservas voluntárias. Como as
reservas no passado não pagavam juros e, mesmo agora, pagam juros
mínimos, o banco, em circunstâncias normais, converterá as reservas
voluntárias que se encontram na forma de depósitos no Banco Central, em
ativos que rendam juros. Essa conversão põe em movimento um processo de
criação de depósitos pelo qual o aumento inicial de $1.000 nas reservas faz
com que os depósitos bancários aumentem segundo um múltiplo desse
aumento inicial. (Voltaremos ao que acontece nas circunstâncias anormais
criadas pela crise financeira de 2007-2009.)
Ao descrever esse processo, é conveniente começar fazendo algumas
suposições simplificadoras. Primeiro, continuamos a considerar que a
manutenção de moeda corrente pelo público permanece inalterada. Nenhuma
parcela do aumento inicial da base monetária, que se deu na forma de
reservas bancárias, é transferida para um aumento na manutenção de moeda
corrente pelo público. Segundo, supomos que a quantidade de depósitos a
prazo e em poupança é fixa. Continuamos a nos concentrar apenas em
depósitos a vista. E, como acabamos de dizer, pressupomos que o banco não
queira mais reservas voluntárias. O efeito da alteração desses pressupostos
será examinado posteriormente.
O Banco A tem $900 em reservas voluntárias, que ele deseja converter em
ativos que paguem juros. O banco pode fazer essa conversão aumentando os
empréstimos ou comprando mais títulos. Nenhuma dessas duas ações
produzirá um efeito duradouro sobre o lado do passivo no balanço; não há
nenhum efeito sobre o nível de equilíbrio dos depósitos do Banco A. A
compra de um título pelo banco não altera os depósitos. Se o banco conceder
um empréstimo, ele pode creditar temporariamente a quantia do empréstimo
na conta de movimento do cliente e essa ação aumentaria os depósitos. Mas
clientes não tomam empréstimos apenas para aumentar o saldo de sua conta.
Suponhamos que o empréstimo tenha sido feito a um consumidor que utilizou
os recursos para comprar um barco novo. O consumidor paga pelo barco com
um cheque do Banco A e, quando a transação for completada, os depósitos no
Banco A terão retornado a seu nível inicial (antes do empréstimo).
O cheque do consumidor será depositado na conta da firma que lhe vendeu
o barco. O saldo em conta corrente dessa firma, suponhamos que no Banco B,
terá um aumento de $900. O Banco B apresenta o cheque ao Banco A para
pagamento – o cheque é compensado através do Banco Central –, o que
resulta em uma transferência de fundos da conta do Banco A no Banco Central
para a conta do Banco B no Banco Central. Nesse ponto, os $900 em reservas
voluntárias são eliminados do balanço do Banco A; os depósitos de reservas
do banco tiveram uma redução de $900. O balanço do Banco A está agora em
sua posição final, em que os efeitos da operação no mercado aberto são
mostrados na Tabela 16.8. No lado dos passivos, os depósitos têm um
acréscimo do depósito de $1.000 do indivíduo original que vendeu um título
do governo para o Banco Central. As reservas compulsórias estão $100 (=
0,10 x 1.000) mais altas. Os ativos rentáveis do banco, empréstimos no nosso
exemplo, subiram $900.
Tabela 16.8 - Efeitos finais sobre o balanço do Banco A de uma compra de
$1.000 no mercado aberto
Tabela 16.9 - Efeitos iniciais sobre o balanço do Banco B
Embora já tenhamos concluído o balanço do Banco A, o processo de
criação de depósitos não está completo. A Tabela 16.9 mostra os efeitos sobre
o balanço do Banco B até este ponto. Devido ao depósito do fabricante do
barco, os depósitos a vista têm um acréscimo de $900. Depois que o cheque é
compensado por meio do Banco Central, $900 são transferidos para a conta
de reservas do Banco B. Assim, as reservas têm um aumento de $900, dos
quais apenas $90 (0,10 x 900) são necessários para dar suporte ao aumento
nos depósitos. O Banco B, que se vê com $810 de reservas voluntárias, vai
convertê-las em ativos que rendam juros, procedendo da mesma maneira que
o Banco A. O banco aumentará seus empréstimos ou comprará mais títulos.
Suponhamos que o banco use os $810 de reservas voluntárias para
comprar um título, uma debênture, por exemplo. A posição final do Banco B
será a que é mostrada na Tabela 16.10. Os depósitos permanecem $900 mais
altos, aumentando as reservas compulsórias em $90. Assim que o Banco B
paga pelo título com um cheque do próprio banco e esse cheque é
compensado no Banco Central, as reservas voluntárias do banco serão igual a
zero. Os ativos rentáveis terão um aumento de $810 e o banco estará em
equilíbrio.
O processo de criação de depósitos, porém, continua além desse ponto,
porque o indivíduo que vendeu a debênture para o Banco B deposita os
fundos provenientes do cheque de $810 que ele recebeu em sua conta em
algum outro banco comercial. Esse banco agora tem reservas excedentes de
$729, os $810 menos os $81 de reservas compulsórias para dar suporte ao
depósito. Outra rodada de criação de depósitos terá início.
O aumento inicial de $1.000 nas reservas desencadeou um processo de
criação de depósitos em que depósitos de $1.000, depois $900, depois $810,
depois $729 resultaram das tentativas do sistema bancário de converter o que
eram inicialmente reservas voluntárias em ativos rentáveis. A tentativa do
banco individual de se livrar das reservas excedentes, sob as suposições
estabelecidas até aqui, simplesmente transfere as reservas para outro banco,
além de criar um depósito nesse banco. Os depósitos recém-criados
aumentam as reservas compulsórias em 10% do aumento nos depósitos;
assim, em cada rodada do processo, o depósito recém-criado é 10% menor do
que na rodada anterior. O processo vai parar quando todas as novas reservas
tiverem sido absorvidas em reservas compulsórias. Com um aumento de
$1.000 nas reservas e uma taxa de reservas compulsórias de 10%, o novo
equilíbrio será alcançado quando o montante de depósitos tiver aumentado em
$10.000 ($1.000 = 0,10 x $10.000). Nesse ponto, as reservas compulsórias
terão aumentado em $1.000. Não haverá mais nenhuma reserva excedente no
sistema. A expansão do crédito bancário e a resultante criação de novos
depósitos bancários chegarão ao fim.
Tabela 16.10 - Efeitos finais sobre o balanço do Banco B
De uma maneira mais geral, um aumento nas reservas (R) de ΔR faz os
depósitos aumentarem até que as reservas compulsórias tenham aumentado no
mesmo montante. O aumento das reservas compulsórias é igual ao aumento
dos depósitos a vista vezes a taxa de reservas compulsórias sobre os
depósitos a vista, ou seja,
onde rcd é a taxa de reservas compulsórias e ΔD é o aumento nos
depósitos. Para o equilíbrio, portanto,
Assim,
O aumento nos depósitos será um múltiplo (1/rcd) do aumento das
reservas. Em nosso exemplo anterior, com ΔR igual a 1.000 e rcd igual a 0,1
(uma taxa de reservas compulsórias de 10%), temos, a partir da equação
(16.4),
o resultado obtido anteriormente.
Pela equação (16.4), podemos definir também um multiplicador de
depósitos, que dá o aumento nos depósitos por unidade de aumento nas
reservas bancárias:
O multiplicador de depósitos para o caso simples considerado até aqui é
igual ao inverso da taxa de reservas compulsórias sobre os depósitos a vista.
Para rcd igual a 0,1 em nosso exemplo, o multiplicador de depósito seria 10.
Essa forma do multiplicador de depósitos resulta das suposições
simplificadoras que fizemos anteriormente e terá de ser modificada quando
amenizarmos essas suposições. O fato, em geral, é que, dado o sistema de
taxas fracionárias de reservas legais compulsórias, um aumento nas reservas
faz os depósitos aumentarem segundo um múltiplo do aumento das reservas.
Toda a nossa análise pode ser invertida para considerar os efeitos de uma
venda de títulos no mercado aberto, o que reduz as reservas bancárias e dá
início a um processo de contração de depósitos. Observe também que um
processo similar de criação de depósitos resulta de uma redução da taxa de
redesconto do Banco Central, o que aumentaria as reservas decorrentes de
empréstimos, ou de uma redução na taxa de reservas compulsórias, o que,
embora não altere as reservas totais, criaria reservas voluntárias no sistema
bancário para o nível inicial de depósitos. As mudanças no balanço no caso
dessas ações de política econômica seriam um pouco diferentes daquelas
mostradas nas Tabelas 16.7 a 16.10, mas o efeito geral seria o mesmo. Essas
duas alternativas de políticas expansionistas levariam a um aumento tanto do
crédito como dos depósitos bancários.
A relação que acabamos de derivar entre reservas e depósitos pode ser
reformulada como uma relação entre a base monetária (BM) e a oferta de
moeda (Ms). A base monetária é igual à moeda corrente mantida pelo público
mais as reservas bancárias. Até aqui, estamos considerando que a manutenção
de moeda corrente pelo público seja constante, portanto a mudança na base
monetária é igual à mudança nas reservas (ΔBM = ΔR). Nesse caso, a
mudança na oferta de moeda será igual à mudança nos depósitos bancários, já
que a moeda corrente mantida pelo público permanece constante (ΔD = ΔM).
Como consequência, podemos expressar um multiplicador monetário que dá
o aumento na oferta de moeda por unidade de aumento na base monetária:
Multiplicador monetário
Dá o aumento na oferta de moeda por
aumento unitário na base monetária.
que, neste caso simples, é igual ao multiplicador de depósitos. Essa expressão
também precisará ser modificada quando deixarmos de lado algumas de
nossas suposições simplificadoras e, normalmente, o multiplicador monetário
não será igual em valor ao multiplicador de depósitos. De maneira geral,
porém, um dado aumento na base monetária fará a oferta de moeda subir por
um múltiplo do aumento da base monetária.
Da forma como foi descrito até aqui, o processo de criação de depósitos
ou de moeda parece bastante mecânico. Novas doses de reservas são
convertidas por multiplicadores simples em novos depósitos e a oferta de
moeda aumenta. Modelos simples como esse são úteis para explicar a relação
entre depósitos bancários e reservas bancárias, mas dizem pouco sobre os
processos econômicos que estão por trás da criação de depósitos e moeda.
Antes de passarmos para modelos mais complexos de criação de depósitos, é
conveniente parar um pouco e examinar a natureza desses processos.
Quando os bancos se veem com reservas excedentes depois de uma
compra de títulos no mercado aberto pelo Banco Central, eles tentam
converter essas reservas em ativos rentáveis. Eles expandem o crédito
bancário concedendo mais empréstimos e comprando títulos. Para aumentar
seus empréstimos, um banco oferece taxas de juros mais baixas sobre os
empréstimos e, às vezes, adota padrões mais baixos para aprovação de
crédito. Ao comprar títulos, os bancos elevam os preços desses títulos e
provocam uma redução em sua taxa de juros. Um dos ativos rentáveis que os
bancos compram são hipotecas; assim, em épocas de expansão de crédito, as
taxas de juros sobre as hipotecas também cairão. Compras do Banco Central
no mercado aberto, assim como outras ações de política econômica
expansionistas, levarão, portanto, a expansão do crédito e a uma queda geral
nas taxas de juros. Este é o outro lado do processo de criação de depósitos e
de moeda.
16.4.2 Criação de depósitos: casos mais gerais
Além de obscurecer o processo econômico envolvido, modelos simples
como o da seção anterior exageram o grau de precisão na relação entre as
ações do Banco Central e as mudanças resultantes no oferta de depósitos ou
de moeda. Nesta subseção, vamos comentar algumas das complexidades
envolvidas nessa relação.
Primeiro, examinaremos o efeito de modificar nossa suposição de que a
manutenção de moeda corrente pelo público é constante ao longo de todo o
processo de criação de depósitos. Em vez disso, vamos supor, como parece
provável, que, quando a quantidade de depósitos aumenta, o público também
escolhe manter um montante maior de moeda corrente. Nesse caso, parte do
aumento que ocorre na base monetária como resultado de uma compra no
mercado aberto acaba não como reservas bancárias aumentadas, mas como
um aumento na manutenção de moeda corrente pelo público.
Suponhamos, para simplificar, que o público mantenha uma proporção fixa
de moeda corrente em relação aos depósitos a vista – por exemplo, $1 em
moeda para cada $4 em depósitos a vista (MC/D = 0,25, onde MC indica
moeda corrente). Agora, o indivíduo que, em nosso exemplo anterior, vendeu
o título de $1.000 para o Banco Central não depositará todos os $1.000 em
uma conta corrente, mas apenas $800, mantendo os $200 restantes como
moeda corrente (200/800 = 0,25 = MC/D). As reservas bancárias aumentarão
apenas em $800 como resultado da operação de $1.000 no mercado aberto.
Além disso, em cada estágio da criação de depósitos, à medida que os
depósitos a vista crescem, a demanda do público por moeda corrente também
aumentará a fim de manter constante a proporção moeda corrente/depósitos a
vista. Em cada estágio, haverá mais uma passagem de reservas bancárias para
moeda corrente.
Como consequência do fato de que as reservas aumentarão menos, o
aumento nos depósitos para um dado aumento na base monetária será menor
quando a manutenção de moeda corrente pelo público aumenta do que quando
ela é fixa. O aumento na oferta de moeda também será menor. Isso acontece
porque cada unidade monetária da base monetária que faz parte das reservas
bancárias dá suporte a um número múltiplo de unidades monetárias em
depósitos – 10 em nosso exemplo de uma taxa de reservas compulsórias de
10% –, enquanto cada unidade da base monetária que termina como moeda
corrente mantida pelo público é simplesmente $1 da oferta de moeda. Quanto
maior a parte do aumento da base monetária que vai para reservas bancárias,
maior será o multiplicador monetário.
Ao deixarmos de lado nossa suposição de que os bancos não mudam sua
manutenção de reservas voluntárias, encontramos mais uma razão para
esperar que a expressão derivada na subseção anterior (1/rcd) seja uma
estimativa exagerada do verdadeiro multiplicador monetário. Parece provável
que, à medida que os depósitos aumentem, os bancos ampliem suas reservas
voluntárias. As reservas voluntárias são mantidas como uma garantia contra
fluxos de depósitos inesperados e, quando os depósitos aumentam, o mesmo
acontece com o volume potencial dos fluxos de depósitos. Além disso, como
vimos, o processo de expansão de depósitos leva a uma queda no nível das
taxas de juros. O custo de manter reservas voluntárias é o lucro perdido por
não usar esses fundos para comprar ativos rentáveis. Quando a taxa de juros
cai, esse custo torna-se menor. Os bancos provavelmente responderão
mantendo mais reservas voluntárias.
Se parte do aumento nas reservas bancárias acabar como novas reservas
voluntárias, a quantidade de depósitos criados por um dado aumento nas
reservas será menor do que quando as reservas voluntárias eram constantes.
Em geral, quanto mais alta for a proporção entre reservas
voluntárias/depósitos a vista (RV/D) do banco, mais baixo será o
multiplicador monetário. Em tempos de crise, esta é uma relação crucial.
Em seguida, vamos considerar o efeito de modificar a suposição de que a
manutenção de depósitos a prazo e em poupança pelo público é fixa. Uma
suposição mais realista seria que o público aumenta seus depósitos a prazo e
de poupança juntamente com sua manutenção de depósitos à vista. Atualmente
nos Estados Unidos, não há exigências de reservas compulsórias para
depósitos a prazo ou de poupança. Assim, não são necessárias reservas
adicionais para lastrear aumentos nesses depósitos. Portanto, o multiplicador
para M1 não é afetado por seu crescimento. A quantidade do aumento, no
entanto, afeta o tamanho do multiplicador monetário para M2, que inclui esses
depósitos. Aqui, porém, limitaremos nossa atenção a M1.
Esta discussão leva à conclusão de que a expressão para o multiplicador
monetário será mais complexa do que a que derivamos na subseção anterior.
Esperaríamos, em vez disso, que o multiplicador monetário (m) para a oferta
de moeda restritamente definida (M1) seja uma função da seguinte forma:
O multiplicador monetário (m) depende:
1. Da taxa de reservas compulsórias sobre depósitos a vista (rcd); quanto
mais alta a taxa de reservas compulsória, menor o multiplicador
monetário.
2. Da proporção desejada pelo público entre moeda corrente/depósitos a
vista (MC/D); quanto maior a proporção moeda corrente/depósitos a
vista, menor o multiplicador monetário.
3. Da proporção entre reservas voluntárias/depósitos a vista (RV/D);
quanto mais alta a proporção desejada pelo banco entre reservas
voluntárias/depósitos a vista, menor o multiplicador monetário.
Se o valor do multiplicador monetário (m) em (16.8) fosse conhecido, o
Banco Central poderia prever a mudança na oferta de moeda que resultaria de
uma determinada mudança na base monetária:
A mesma informação pode ser expressa de modo ligeiramente diferente
definindo-se uma função oferta de moeda que dê a oferta de moeda
correspondente a um dado nível da base monetária:
A equação (16.10) substitui nossa suposição anterior de que a oferta de
moeda era determinada exogenamente. Antes de introduzir as complicações
discutidas nesta subseção, uma função oferta de moeda na forma da equação
(16.10) ainda implicaria que a oferta de moeda fosse exogenamente definida
pelo Banco Central, desde que a base monetária fosse controlada pelo Banco
Central; o multiplicador monetário (m) dependia apenas da taxa de reservas
compulsórias sobre depósitos a vista, que era definida exogenamente pelo
Banco Central. Com a base monetária e o multiplicador monetário definidos
pelo Banco Central, não haveria participação do público ou do sistema
bancário na determinação da oferta de moeda. A expressão mais complicada
para o multiplicador monetário dada pela equação (16.8) contém variáveis
determinadas pelo público não bancário (MC/D) e pelo sistema bancário
(RV/D), implicando que, mesmo que o Banco Central defina a base monetária
exogenamente, o nível da oferta de moeda não seria exógeno; ele depende em
algum grau do comportamento do público e do sistema bancário.
16.4.3 Operações no mercado aberto e a taxa dos fundos
federais
Como foi observado anteriormente, o outro lado do processo de criação de
depósitos e de moeda é um processo pelo qual o crédito se expande e as taxas
de juros declinam. Vamos examinar melhor esse efeito de operações no
mercado aberto. Quando os bancos se veem com reservas em excesso, eles as
convertem em ativos que rendem juros. Se comprarem títulos, eles levam para
baixo a taxa de juros sobre esses títulos. Para aumentar seu volume de
empréstimos a consumidores e firmas, eles baixam suas taxas de juros sobre
os empréstimos.
Outro canal de empréstimos são os empréstimos para outros bancos, ou
seja, o item “Empréstimos interbancários” na Tabela 16.6. Esses empréstimos
ocorrem no mercado de fundos federais. Quando os bancos veem-se com mais
reservas, alguns deles aumentam seus empréstimos no mercado de fundos
federais. Alguns bancos que eram tomadores de empréstimos no mercado
passam a tomar menos empréstimos, ou param de fazê-lo, ou tornam-se
emprestadores.5 Com mais empréstimos concedidos e menos empréstimos
tomados no mercado, a taxa dos fundos federais (a taxa de juros sobre
empréstimos interbancários) diminui.
Ao conduzir a política monetária, os bancos centrais podem decidir se
centrar na oferta de moeda, no crédito ou nas taxas de juros. Todos esses
aspectos são afetados por suas ações. Quanto às taxas de juros, há a decisão
de qual (ou quais) delas enfatizar. No Capítulo 17, vamos ver que o Federal
Reserve nos Estados Unidos foca a taxa de juros dos fundos federais, por
razões que serão explicadas.
16.4.4 Criação (ou falta de criação) de depósitos e crédito na
crise financeira
Para entender os problemas que levaram o Federal Reserve a procurar
novos instrumentos, vamos voltar ao início do processo de criação de
depósitos e crédito conforme mostrado na Tabela 16.7. A compra de um título
do governo pelo Banco Central aumentou as reservas do Banco A em $1000,
apenas $100 dos quais precisam ser mantidos como reservas compulsórias.
As reservas voluntárias tiveram um aumento de $900. O Banco A converteria
as reservas voluntárias em novos empréstimos e o processo de criação de
depósito e crédito seguiria em frente. Mas e se o Banco A decidir manter as
novas reservas voluntárias? Nesse caso, o processo é congelado.
Foi isso que aconteceu, em grande medida, durante 2008-2011. Quando o
Federal Reserve injetou reservas no sistema bancário, os bancos
simplesmente as retiveram como depósitos no Banco Central. Foi assim que
as reservas voluntárias cresceram para mais de US$ 1,3 trilhão com a
expansão do balanço patrimonial do Federal Reserve naquele período. Os
bancos comportaram-se dessa maneira porque relutavam em emprestar:
tinham muitos empréstimos inadimplentes em sua contabilidade, muitos títulos
lastreados em hipotecas que eram difíceis de valorizar e não tinham certeza
de sua capacidade de obter recursos em mercados de capitais. Eles estiveram
“acumulando” dinheiro, assim como outros setores da economia. Nessas
circunstâncias, tudo que é obtido com uma compra de títulos do governo no
mercado aberto é uma oferta de crédito para o governo e um aumento umpara-um da oferta de moeda (depósitos).
Os novos instrumentos desenvolvidos pelo Federal Reserve, o chamado
afrouxamento quantitativo, são voltados a contornar o sistema bancário
congelado e oferecer crédito diretamente para vários setores da economia. A
compra maciça de títulos lastreados em hipotecas que é registrada no balanço
patrimonial do Federal Reserve na Tabela 16.5 é um exemplo. Um programa
do Federal Reserve para comprar diretamente papéis comerciais emitidos por
empresas industriais como a General Electric e a Caterpillar é outro.
PERSPECTIVAS 16.1 – A OFERTA DE MOEDA
DURANTE A GRANDE DEPRESSÃO E A RECESSÃO
RECENTE
O colapso monetário durante a Grande Depressão, que demonstra a importância
potencial dos bancos e do público não bancário no processo de oferta de moeda, é
ilustrado na Figura 16.1. A parte a da figura apresenta o comportamento de dois
fatores que afetam o valor do multiplicador monetário (m): a proporção moeda
corrente/depósitos (MC/D) e a proporção reservas voluntárias/depósitos (RV/D).
O primeiro deles é determinado pelo público e o segundo pelos bancos. Essas
duas proporções tiveram uma elevação acentuada no início da década de 1930. A
causa do aumento de ambas as proporções foi o grande número de falências
bancárias; mais de 9.000 bancos faliram entre 1929 e 1933. As falências bancárias
provocaram uma perda de confiança nos depósitos bancários. Como
consequência, o público manteve uma parte maior de seus saldos monetários na
forma de moeda corrente. Os bancos que não faliram mantiveram mais reservas
voluntárias para evitar “corridas” de depositantes que pudessem resultar na
insolvência do banco.
FIG 16.1 Estatísticas monetárias, Estados Unidos, 1927-1934
Como é discutido neste capítulo, um aumento na proporção moeda
corrente/depósitos ou na proporção reservas voluntárias/depósitos faz o
multiplicador monetário diminuir. Esse efeito pode ser visto na representação do
multiplicador monetário (m) na parte b da Figura 16.1. Ao lado do multiplicador, o
outro fato que determina a oferta de moeda é a base monetária (BM). A parte b
da figura mostra que a base monetária aumentou nesse período. Como pode ser
observado na parte c, porém, o aumento na base monetária foi pequeno demais
para impedir que a medida M1 da oferta de moeda tivesse uma queda acentuada.
Entre 1929 e 1933, M1 caiu 26,5%. O declínio de M2 foi ainda maior (33,3%).
O comportamento do Federal Reserve durante esse período foi criticado, em
especial por Milton Friedman e outros monetaristas, que veem a queda na oferta
de moeda como a causa da Depressão. No entanto, existem dúvidas se o Fed, no
início da década de 1930, tinha os instrumentos adequados para impedir o
colapso.a Agora, avancemos quase 80 anos até a crise financeira recente. Para
fins de comparação, a Figura 16.2 traz os dois últimos painéis da Figura 16.1
acima dos gráficos das mesmas variáveis para os anos de 2003-2010. Esses são
os anos que precederam e que incluem a crise financeira e recessão profunda
recentes. Como aconteceu durante a Depressão, o multiplicador monetário caiu a
partir de 2007. Neste caso, a razão foi o grande aumento nos estoques de reservas
voluntárias (RV/D) mantidas pelos bancos. Em contraste com a experiência da
Depressão, no entanto, o Federal Reserve aumentou a base monetária (BM) o
suficiente para que a oferta de moeda (M1) subisse em vez de cair entre 2007 e
2010, como pode ser visto nos painéis da direita na figura. Em uma conferência
em honra de Milton Friedman em 2002, Ben Bernanke. então um dos
governadores do Fed, reconheceu os erros do Federal Reserve durante a
Depressão, dizendo: “Você tem razão, nós fizemos isso. Mas, graças a você, não
tornaremos a fazer”. Quando a crise surgiu em 2007-2008, Bernanke era
presidente do Fed. Ele manteve a promessa.
FIG 16.2 Continuação
a Sobre essas questões, veja FRIEDMAN, Milton; SCHWARTZ, Anna. A
monetary history of the United States. Princeton: Princeton University Press,
1963; TEMIN, Peter. Did monetary forces cause the Great Depression? New
York: Norton, 1976; e TEMIN, Peter. Lessons from the Great Depression.
Cambridge: MIT Press, 1990.
Conclusão
A política monetária é o uso pelo Banco Central de vários instrumentos
para influenciar a moeda, as taxas de juros e a oferta de crédito na economia.
As quatro primeiras seções deste capítulo explicaram os instrumentos que o
Banco Central utiliza para controlar a base monetária (moeda corrente mais
depósitos de reservas bancárias) e as ligações entre a base monetária, oferta
de moeda, crédito e taxas de juros. O processo de criação de depósitos posto
em movimento por uma compra no mercado aberto de títulos do governo foi
examinado. Problemas recentes nos mercados financeiros que levaram o
Federal Reserve dos Estados Unidos a utilizar novos instrumentos que vieram
a ser chamados de afrouxamento quantitativo também foram abordados.
O Capítulo 17 continua a discussão da política monetária. A ênfase muda
para estratégias monetárias alternativas: a escolha de alvos e instrumentos
para bancos centrais.
Questões de revisão
1. Quais são os principais grupos de formulação de políticas econômicas
dentro do Federal Reserve System dos Estados Unidos? Explique sua
composição e funções.
2. Suponha que o Banco Central queira aumentar as reservas bancárias.
Explique as várias medidas que poderiam ser tomadas para alcançar essa
meta. Em cada caso, ilustre a ligação entre a ação de política econômica
do Banco Central e o nível das reservas bancárias.
3. Qual é o montante máximo de aumento nos depósitos a vista que pode
resultar de um aumento de $1.000 nas reservas compulsórias se a taxa de
reservas compulsórias para depósitos a vista for de 10%? Explique como
esse aumento acontece no sistema bancário. Dê duas razões pelas quais o
aumento efetivo pode ficar abaixo do máximo teórico.
4. Suponha que o nível da taxa de reservas compulsórias sobre depósitos a
vista seja de 0,10. Suponha também que a manutenção de moeda corrente
pelo público seja constante, assim como as reservas voluntárias desejadas
dos bancos. Analise os efeitos sobre a oferta de moeda de uma venda de
títulos pelo Banco Central no mercado aberto no valor de $1.000. Em sua
resposta, explique o papel do sistema bancário no ajuste a essa ação de
política monetária.
5. Explique o conceito do multiplicador monetário. Que fatores determinam a
magnitude do multiplicador monetário?
6. Dentro do modelo de curvas IS-LM usado nos Capítulos 6 e 7, mostre
como a renda e a taxa de juros serão afetadas por cada uma das seguintes
mudanças:
a. Um aumento na taxa de reservas compulsórias para depósitos a vista.
b. Uma venda de títulos no mercado aberto pelo Banco Central.
c. Uma redução na taxa de redesconto do Banco Central.
7. O Federal Reserve dos Estados Unidos achou necessário utilizar novos
instrumentos para expandir o crédito durante a crise financeira que teve
início em 2007. Dê um exemplo dos instrumentos que foram
desenvolvidos e explique os problemas que tornaram os novos
instrumentos necessários.
8. No modelo de curvas IS-LM, ilustre o conflito que o Banco Central
enfrenta entre tentar controlar a oferta de moeda e tentar obter níveis
“desejáveis” da taxa de juros.
9. Como a taxa dos fundos federais seria afetada por uma venda de títulos
pelo Banco Central no mercado aberto? A taxa aumentaria ou diminuiria?
Explique.
CAPÍTULO 17
Política monetária ótima
A incerteza não é apenas um aspecto importante do cenário da política
monetária; é a característica definidora desse cenário.
Alan Greenspan
O fim de semana de 13-14 de setembro de 2008 foi o ápice da recente
crise financeira. Formuladores de políticas reuniram-se em Nova York para
tentar evitar o colapso do Lehman Brothers, um dos quatro maiores bancos de
investimento americanos. Apenas alguns dias antes, o governo havia assumido
o controle dos gigantes do financiamento imobiliário Fannie Mae e Freddie
Mac. Em março de 2008, o Federal Reserve tinha incorporado US$ 30
bilhões em ativos do Bear Stearns em sua própria contabilidade para facilitar
uma aquisição desse banco de investimento pelo J.P. Morgan. Durante dois
dias, foram feitas tentativas de negociar uma venda do Lehman Brothers para
o Bank of America, depois para o Barclays, um banco britânico. O Bank of
America preferiu comprar o Merrill Lynch e a negociação com o Barclay
fracassou. Na segunda-feira de manhã, o Lehman declarou falência. Dois dias
depois, o Federal Reserve resgatou o American International Group (AIG) a
um custo de US$ 85 bilhões. O Federal Reserve via-se diante de seu maior
desafio desde a crise financeira durante a Grande Depressão da década de
1930. As ações do Fed durante a crise financeira de 2007-2009 são uma parte
do tema deste capítulo. O foco é a condução ótima da política monetária. O
que os bancos centrais devem fazer?
A primeira seção discute a estrutura do Banco Central americano, o
Federal Reserve System. Examinamos em seguida as estratégias concorrentes
de política monetária entre as quais o Banco Central pode escolher e as bases
em que a escolha é feita. Abordamos, então, a evolução efetiva das estratégias
de política monetária nos Estados Unidos nas últimas décadas e as mudanças
que se fizeram necessárias devido à recente crise. A última seção examina a
política monetária em outros países. A insatisfação com a condução da
política monetária dentro das estruturas legais existentes levou a mudanças
institucionais nos bancos centrais de vários países.
Antes de prosseguir, damos uma olhada no quadro geral. Ao longo dos
anos desde 1970, o estudo da política monetária avançou até o ponto em que
um artigo influente teve o título de “The Science of Monetary Policy”. Nessa
literatura, considerava-se que a política monetária tivesse duas metas. Uma é
equilibrar a economia quando esta é atingida por choques. A segunda é
proporcionar um ambiente estável de inflação e, portanto, de expectativas
inflacionárias, para ter credibilidade quanto à sua meta de estabilidade de
preços. Na década de 1970, quando os Estados Unidos e outras economias
industrializadas foram atingidos por grandes choques de oferta, entre outros, a
meta de compensar os efeitos de choques predominou. Mais tarde, na década
de 1980, a administração das expectativas inflacionárias por meio da
credibilidade aumentou em importância. Expectativas inflacionárias estáveis
eram vistas como fundamentais para a desinflação nessa década. O período da
chamada grande moderação de meados da década de 1980 a 2006 pareceu
diminuir a necessidade de políticas de estabilização ativas. Então, depois de
2007, os choques sérios retornaram e a política monetária entrou em modo de
prevenção de crises. Essa sequência de mudanças de ênfase da política
monetária como “gestão de risco” para política como “gestão de expectativas
de inflação” é o tema central deste capítulo.
17.1 O processo de formulação de políticas monetárias
Como foi explicado no Capítulo 16, os principais órgãos do Federal
Reserve System são o Board of Governors of the Federal Reserve e o Federal
Open Market Committee (FOMC). O Board of Governors tem sete membros
nomeados pelo presidente dos Estados Unidos, com confirmação do Senado,
para mandatos de 14 anos, com um dos membros designado pelo presidente
do país como presidente do órgão por um período de quatro anos. O FOMC
tem 12 membros com direito de voto – os sete do Board of Governors e cinco
dos presidentes dos 12 bancos regionais do Federal Reserve. Os presidentes
dos bancos regionais do Federal Reserve servem em um esquema rotativo,
com a exceção do presidente do Federal Reserve Bank of New York, que é
um membro com direito de voto permanente. As operações no mercado
aberto, que são o principal instrumento usado pelo Federal Reserve na
condução da política monetária, são administradas pelo FOMC.
Uma característica importante da estrutura do Federal Reserve, e em
particular do FOMC, é o considerável grau de independência dado à
autoridade formuladora de políticas monetárias. Os mandatos de 14 anos dos
membros e o fato de eles não poderem ser renomeados após o fim do mandato
mantêm-nos isolados do processo político. O presidente do Board of
Governors é nomeado para um mandato de 4 anos, mas esse mandato não é
coincidente com o do presidente dos Estados Unidos. Portanto, um novo
presidente da República não pode indicar imediatamente seu próprio
preferido para presidente do Board of Governors nem pode destituí-lo se
discordar de suas ações de política econômica. Os outros membros do
FOMC, os presidentes dos bancos regionais, são indicados pelos diretores
dos bancos regionais com a aprovação do Board of Governors.
Na década de 1970, o Congresso aprovou uma legislação exigindo
relatórios periódicos do Federal Reserve sobre a condução da política
econômica, mas decisões de política monetária, como a meta para a taxa de
crescimento da oferta de moeda ou a meta para as taxas de juros, não estão no
âmbito na atividade do Congresso. Essas decisões são tomadas pelo FOMC.
Além disso, o Federal Reserve tem um grau de independência em relação ao
processo de dotação orçamentária, porque suas despesas são pagas por seus
ganhos com juros sobre seu estoque de títulos do governo.
Isso não quer dizer que o Federal Reserve seja completamente autônomo
ou que a política monetária seja conduzida em um cenário apolítico. O
presidente do Board of Governors pode ser renomeado (como presidente)
durante o mandato de um presidente da República. O presidente Jimmy Carter,
por exemplo, não quis renomear Arthur Burns como presidente do Fed em
1978, substituindo-o por G. William Miller. Em 1983, o presidente Ronald
Reagan renomeou Paul Volcker (que havia sido indicado por Carter em 1979,
quando Miller tornou-se Secretário do Tesouro), mas só depois de muita
especulação de que Reagan iria preferir o seu próprio indicado. Em 1987,
quando Volcker pediu para não ser considerado para um terceiro mandato e
foi, então, substituído por Alan Greenspan, houve especulações de que ele
teria feito isso porque o presidente Reagan não havia dado sinais claros de
que queria que Volcker permanecesse. Greenspan, um republicano,
candidatou-se à renomeação e foi reconfirmado no cargo pelo presidente Bill
Clinton em 1996 e 2000 e foi renomeado para essa posição pelo presidente
George W. Bush em 2004. Além disso, como os membros do órgão com
frequência renunciam à posição antes do final de seu mandato, um presidente
da República às vezes pode fazer várias indicações para o órgão e, assim,
mudar o curso da política monetária. Em 2007, por exemplo, o presidente
George W. Bush havia indicado todos os membros do órgão, inclusive Ben
Bernanke como seu presidente. (Bernanke foi reconfirmado nessa posição
pelo presidente Obama em 2010.)
Talvez mais importante seja o fato de que a independência do Federal
Reserve é ela mesma resultado de legislação do Congresso, e o Fed
reconhece que novas legislações poderiam enfraquecer essa independência.
De fato, em momentos de sério conflito entre o Federal Reserve e o governo
ou o Congresso a respeito do curso adequado da política monetária, projetos
de lei para limitar a independência do Federal Reserve são com frequência
propostos no Congresso. As ações extraordinárias do Federal Reserve após a
crise recente levaram a fortes críticas de líderes Republicanos no Congresso.
Além de cartas atacando as políticas do Federal Reserve, eles propuseram
uma legislação que permitisse ao GAO (Government Accounting Office), um
órgão do Congresso, auditar as ações de política econômica do FOMC. Esses
conflitos quanto à política do Federal Reserve dificultaram o preenchimento
das vagas no Board of Governors. Depois que a indicação de um economista
ganhador do prêmio Nobel foi bloqueada pela oposição Republicana no
Senado em 2011, duas cadeiras no Board permaneceram vazias em 2012.
O FOMC reúne-se cerca de oito vezes por ano. Nessas reuniões, os
membros examinam a situação econômica doméstica e internacional no
momento e analisam previsões do Federal Reserve quando a eventos
econômicos futuros. Com base nessas informações, eles formulam uma
“diretiva” para o Open Market Desk do New York Federal Reserve Bank,
explicando como as operações no mercado aberto devem ser conduzidas no
período até a próxima reunião do FOMC. A questão de uma estratégia de
política monetária ótima pode ser vista como a escolha de uma diretiva pelo
FOMC.
17.2 Estratégias concorrentes: metas de agregados monetários
ou de taxas de juros
Em certo sentido, o que o Banco Central precisa fazer é claro. A política
monetária deve ser conduzida de uma maneira que promova um crescimento
estável da demanda agregada. O Banco Central deve impedir que a demanda
cresça depressa demais, levando a inflação, ou devagar demais, levando a
alto desemprego e crescimento econômico lento.
Mas, como a citação de Alan Greenspan no início deste capítulo indica, a
política monetária precisa ser conduzida em um mundo incerto. Dado esse
fato, que estratégia guiará melhor a política monetária? A política monetária
americana nas duas últimas décadas alternou-se entre estratégias que punham
a ênfase primária nos agregados monetários e, com mais frequência, outras
que enfatizavam as taxas de juros. Então, por razões que serão explicadas, o
Federal Reserve foi forçado, em 2008, a operar em um modo de crise em que
a estratégia evoluía em resposta aos eventos.
Nesta seção, descrevemos as estratégias de metas de agregados monetários
e de taxas de juros. Seções posteriores comparam seus méritos relativos e
examinam como a política monetária reagiu à crise financeira.
PERSPECTIVAS 17.1 - INDEPENDÊNCIA DO BANCO
CENTRAL E DESEMPENHO ECONÔMICO
O grau de independência do Banco Central às vezes varia muito de um país
para outro. Alguns bancos centrais têm independência quase completa,
enquanto outros são subordinados ao ministério da Fazenda de seu país. O eixo
horizontal da Figura 17.1 mede a independência do Banco Central no final da
década de 1980, usando um índice construído por Alberto Alesina e Lawrence
Summers para um grupo de países industrializadosa Quanto mais alto o valor do
índice, maior a independência. Os bancos centrais mais independentes do grupo
estudado foram os da Suíça e da Alemanha, seguidos pelo Federal Reserve dos
Estados Unidos. O menos independente nessa época era o Banco da Nova
Zelândia.
O eixo vertical da figura mostra a taxa de inflação média desses países no
período de 1955-88. Note a inclinação negativa da distribuição dos pontos; os
países com bancos centrais mais independentes tiveram taxas de inflação mais
baixas. Esse melhor desempenho da inflação levou uma série de países, entre
eles a Nova Zelândia, o Reino Unido e o Canadá, a garantir mais independência
para seu Banco Central. O Banco Central Europeu instituído pelos 11 (hoje 17)
países que adotaram o euro como a moeda comum recebeu um alto grau de
independência. Esses aumentos da independência do Banco Central estão entre
as reformas institucionais discutidas na Seção 17.5.
FIG 17.1 Independência do Banco Central e a taxa de inflação média;
a classificação é do menos (1) para o mais (5) independente
a ALESINA, Alberto; SUMMERS, Lawrence. Central Bank independence and
macroeconomic performance. Journal of Money, Credit and Banking, 25, p.
151-162, May 1993.
17.2.1 Metas para agregados monetários
As metas finais que a autoridade monetária tenta controlar são variáveis de
metas macroeconômicas, como taxa de desemprego, taxa de inflação e
crescimento do PIB real. Em vez de simplesmente ajustar instrumentos de
política monetária, principalmente o nível de operações no mercado aberto,
com base em observações passadas dessas variáveis e em previsões de seu
comportamento futuro, no curto prazo o Federal Reserve tem tentado às vezes
influenciar essas metas finais influenciando variáveis de metas intermediárias.
Uma meta intermediária é uma variável que o Banco Central controla não
por ela ser importante em si, mas porque, pelo controle dessa variável, os
formuladores de políticas acreditam estar influenciando as metas finais da
política econômica de uma maneira previsível. Com um agregado monetário
como meta intermediária, a suposição implícita na estratégia do Banco
Central é que, outros aspectos mantendo-se constantes, taxas mais altas de
crescimento da oferta de moeda aumentam a inflação e reduzem o desemprego
(elevando o nível de atividade econômica) no curto prazo. Taxas de
crescimento monetário mais lentas, novamente sendo tudo o mais constante,
estão associadas a taxas de inflação mais baixas e taxas de desemprego mais
altas no curto prazo.
Na experiência implantada pelo Federal Reserve americano, o processo de
metas intermediárias para um agregado monetário acontece da seguinte
maneira. No início de cada trimestre, o FOMC escolhe a meta de taxa de
crescimento monetário que considera consistente com suas metas de política
econômica finais para o ano seguinte. O comitê faz essa escolha com base em
dados passados e previsões do comportamento da economia para
determinadas taxas de crescimento monetário. Depois que essa escolha é
feita, a política monetária durante o trimestre prossegue como se a meta de
crescimento monetário escolhida fosse a meta final da política monetária.
Ações de política dentro do trimestre são voltadas a alcançar essa meta de
crescimento monetário.
17.2.2 Metas para taxa de juros
A alternativa a metas de agregado monetário é uma meta de taxa de juros.
Metas de taxas de juros são a estratégia atual do Federal Reserve americano e
dos bancos centrais das outras principais economias industrializadas do
mundo. Vamos usar a estratégia atual do Federal Reserve como exemplo para
explicar as metas de taxas de juros.
O Federal Reserve define uma taxa alvo para a taxa dos fundos federais.
Como foi explicado no Capítulo 16, a taxa dos fundos federais é a taxa que os
bancos cobram em empréstimos interbancários. Como as metas de oferta de
moeda, a meta para a taxa dos fundos federais é escolhida em cada reunião do
FOMC de modo a ser consistente com a obtenção das metas de política
econômica finais. Depois que a meta para a taxa dos fundos de federais é
definida, o Open Market Desk do Federal Reserve Bank of New York conduz
operações no mercado aberto para manter a taxa efetiva na meta ou próximo
dela. Assim, por exemplo, se a taxa efetiva começar a subir acima da meta, o
órgão compraria títulos do governo para aumentar as reservas bancárias. Isso
aumentaria a concessão de empréstimos e reduziria a tomada de empréstimos
no mercado de fundos federais (como foi explicado na Seção 16.4), levando a
uma queda da taxa de juros.
Note que, ao realizar compras ou vendas no mercado aberto, o Open
Market Desk aumenta ou reduz as reservas bancárias, os depósitos bancários
e, portanto, a oferta de moeda. Por exemplo, para manter a taxa dos fundos
federais dentro da meta, podem ser necessárias grandes compras ou vendas no
mercado aberto e, assim, grandes mudanças na oferta de moeda. O ponto é que
um foco na taxa de juros é, na verdade, uma alternativa ao estabelecimento
de metas de agregados monetários. O Banco Central não pode, em geral, fazer
as duas coisas.
Antes de prosseguir, é útil mencionar algumas características adicionais
dos processos de controle da taxa de juros e da oferta de moeda. Taxas de
juros de curto prazo podem ser observadas no tempo em que ocorrem e
controladas de perto. O Open Market Desk apenas olha para a tela do
computador e confere a taxa dos fundos federais atual. Portanto, a taxa dos
fundos federais é uma meta operacional de curto prazo. A oferta de moeda só
é observada com um atraso de uma ou duas semanas e, mesmo assim, com
erros. Se a oferta de moeda for uma meta, alguma outra variável que for mais
frequentemente observada, como o nível das reservas bancárias, deve servir
como uma meta operacional. Outro ponto a notar é que a meta de taxas de
juros foca uma taxa de juros de curto prazo, como a taxa dos fundos federais.
Taxas de juros de longo prazo também podem ser observadas enquanto
ocorrem, mas não podem ser controladas de perto pelos bancos centrais.
Vamos ignorar essa distinção entre taxas de longo e curto prazo nas duas
próximas seções, mas retornaremos a isso mais tarde.
17.3 Metas monetárias versus metas de taxa de juros na
presença de choques
Quando lhe foi perguntado qual sua receita para a política monetária,
Mervyn King, presidente do Bank of England, respondeu que “O segredo de
uma boa política é refletir sobre a natureza econômica dos choques que
atingem a economia no momento”. Isso é o que vamos fazer nesta seção com
referência à escolha entre oferta de moeda ou taxa de juros como meta de
política econômica.
FIG 17.2 Caso ideal para metas de agregado monetário
Se a demanda por moeda for totalmente inelástica em relação aos juros e
perfeitamente estável, então, ao atingir a meta de oferta de moeda M*, o Banco
Central fixa a curva LM vertical em LM(M*). A renda estará no nível desejado Y*
qualquer que seja a posição da curva IS.
17.3.1 Implicações de metas para agregados monetários
Começamos pela estratégia de estabelecer metas para um agregado
monetário. Aqui e também quando examinarmos o caso das metas de taxas de
juros, usaremos o modelo IS-LM.
17.3.1.1 O caso ideal para o estabelecimento de metas para um
agregado monetário
Vamos examinar primeiro o caso ideal para o estabelecimento de metas
para um agregado monetário. Esse caso é representado no modelo IS-LM na
Figura 17.2. Vamos supor que o Banco Central tenha uma única meta final: o
nível de renda real (Y), cujo nível desejado é Y*.1 Suporemos também que, em
um dado trimestre, com base em previsões, a autoridade de política monetária
conclua que o nível de renda desejado será atingido se a oferta de moeda for
definida em M*.2
A curva LM na Figura 17.2 é vertical, refletindo a suposição de que a
demanda por moeda é totalmente inelástica em relação aos juros. A demanda
por moeda depende apenas da renda. Além disso, consideramos que a função
demanda por moeda é perfeitamente estável. Não há deslocamentos na função
– não há mudanças na quantidade de moeda demandada para um dado nível de
renda. No lado da oferta, considera-se que o Banco Central compense
mudanças na oferta de moeda que resultem do comportamento do público e do
sistema bancário. Assim, se o Banco Central alcançar seu nível desejado de
oferta de moeda (M*), a curva LM será perfeitamente estável em LM (M*) na
Figura 17.2. Isso significa que atingir com sucesso a meta da oferta de moeda
significará, na verdade, atingir com sucesso a meta final da renda (Y*).
Para ver esse resultado, consideremos a situação representada na figura.
Supomos que o Banco Central não pode prever com certeza a posição da
curva IS. Vamos supor que a posição prevista para a curva seja IS0. Os
fatores de demanda do setor real, como exportações, investimento autônomo e
gastos do governo, podem acabar sendo mais fracos do que o previsto,
fazendo a curva IS ficar à esquerda de IS0, em IS1. Alternativamente, esses
fatores de demanda do setor real podem ser mais fortes do que o previsto,
fazendo a curva IS ficar em IS2, à direita de IS0. Pela definição de uma meta
para a oferta de moeda, o Banco Central assegura que a curva LM vertical
ficará fixa em LM (M*) e, em consequência, a renda estará em Y*, qualquer
que seja a posição da curva IS. Quando o Banco Central usa um agregado
monetário como meta intermediária, dentro do trimestre a política econômica
transcorre como se a meta escolhida para a oferta de moeda fosse a meta final
da política monetária. No caso mostrado na Figura 17.2, alcançar a meta da
oferta monetária garante que a meta de renda será alcançada. Este é o caso
ótimo para uma meta monetária.
Repare que, embora alcançar a meta da oferta de moeda garanta que
atingiremos a meta da renda, choques imprevistos que desloquem a curva IS
causarão instabilidade na taxa de juros. Se a posição da curva IS for IS1 ou
IS2 em lugar da posição prevista pelo Banco Central, IS0, a taxa de juros será
r1 ou r2 em vez do nível previsto, r0. Se o Banco Central também tivesse um
nível desejado para a taxa de juros, por exemplo r0, essa meta não seria
alcançada.
17.3.1.2 Casos não ideais para o estabelecimento de metas para
um agregado monetário
FIG 17.3 Casos não ideais para o estabelecimento de metas monetárias
A parte a mostra que, se a demanda por moeda não for totalmente inelástica em
relação aos juros e a curva LM tiver inclinação positiva, alcançar a meta da oferta de
moeda só fará a renda ficar no nível desejado Y* se a curva IS estiver na posição
prevista IS0. Se, devido a choques imprevistos, a curva IS estiver em IS1 ou em IS2, a
renda se afastará de Y*, ficando em Y1 ou em Y2, mesmo que M esteja em M*. Na
parte b, supomos que o Banco Central atinja a meta da oferta de moeda M*, o que,
com base em sua previsão da demanda por moeda, deve fixar a curva LM em
LM0(M*) e alcançar meta da renda, Y*. Se, devido a um choque imprevisto na função
demanda por moeda, a curva LM deslocar-se para LM1(M*) ou LM2(M*), a renda
ficará em Y1 ou em Y2 e a meta da renda não será atingida mesmo que a oferta de
moeda esteja na meta M*.
A Figura 17.3 ilustra casos em que alcançar a meta da oferta de moeda não
significa, de modo geral, que a meta de renda será atingida. Na Figura 17.3a,
ainda supomos que, se o Banco Central atingir sua meta da oferta de moeda,
ele fixará a posição da curva LM. Para que isso aconteça, precisamos
continuar supondo que a função demanda por moeda seja perfeitamente
estável. Não há deslocamentos imprevisíveis na demanda por moeda que
possam deslocar a curva LM referente a um dado valor da oferta de moeda.
Na Figura 17.3a, não consideramos que a demanda por moeda seja totalmente
inelástica em relação aos juros; a curva LM, portanto, não é vertical.
Nesse caso, note que, embora o Banco Central atinja seu nível desejado da
oferta de moeda, ele só atingirá a meta final da renda se a curva IS estiver em
sua posição prevista, IS0 – só se a previsão do Banco Central para o setor
real, com base na qual foi feita a escolha da meta da oferta de moeda,
estivesse correta. Se a demanda do setor real fosse mais fraca do que o
previsto e a curva IS estivesse em IS1 na Figura 17.3a em vez de em IS0, a
renda estaria em Y1, abaixo de Y*. Se a demanda do setor real fosse mais forte
do que o previsto e a curva IS estivesse em IS2, a renda excederia o nível
desejado. Em ambos os casos, a meta da renda não é alcançada mesmo que o
Banco Central alcance a meta da oferta de moeda, M*. Com uma curva LM
não vertical, a fixação da oferta de moeda não fixa o nível de renda.
Na Figura 17.3b, examinamos um caso em que a função demanda por
moeda não é perfeitamente estável. Há deslocamentos imprevistos na
demanda por moeda para níveis dados da renda e da taxa de juros. Esses
choques na demanda por moeda deslocam a curva LM. Nesse caso, mesmo
que o Banco Central atinja sua meta para a oferta de moeda, a curva LM não
será fixa. Na Figura 17.3b, supomos que, com base em uma previsão da
demanda por moeda, o Banco Central prevê que a curva LM estará em
LM0(M*). Para isolar mais claramente os efeitos da incerteza quanto à
demanda por moeda, vamos supor que a previsão do Banco Central sobre o
setor real seja correta: que a posição prevista e efetiva da curva IS seja IS0.
Se o Banco Central estiver usando a oferta de moeda como uma meta
intermediária e atingir a meta da oferta de moeda (M*), só atingirá a meta da
renda (Y*) se a previsão da demanda por moeda estiver correta – apenas se a
curva LM estiver em LM0 (M*), como previsto. Isso pode ser visto na Figura
17.3b. Se houver um choque imprevisto que aumente a demanda por moeda
acima do nível previsto e a curva LM ficar em LM1 (M*) em vez de em
LM0(M*), a renda (Y1) ficará abaixo do nível desejado.3 No caso inverso,
quando um choque imprevisto reduz a demanda por moeda abaixo do nível
previsto e a curva LM está em uma posição como LM2 (M*), a renda estará
em Y2, acima do nível desejado. Uma vez mais, alcançar a meta para a oferta
de moeda não garante que a meta da renda será atingida.
17.3.2 Implicações de metas para a taxa de juros
Em seguida, consideraremos uma estratégia de estabelecimento de metas
para a taxa de juros. Como no caso da meta para a oferta de moeda,
consideramos que o formulador de políticas tenha uma única meta final, a de
manter a renda real (Y) em um nível desejado (Y*).
Se o Banco Central estabelecer uma meta para a taxa de juros, no modelo
IS-LM a curva LM torna-se horizontal. A curva LM representa o equilíbrio no
mercado monetário. Para fixar a taxa de juros, o Banco Central supre toda a
moeda que for necessária para que o equilíbrio do mercado monetário ocorra
no nível desejado da taxa de juros.
Para ver como uma estratégia de metas de taxa de juros funciona, vamos
examinar os mesmos casos estudados para as metas de oferta de moeda.
17.3.2.1 Incerteza sobre a curva IS
FIG 17.4 Meta de taxa de juros com incerteza em relação a IS: elasticidadejuros da demanda por moeda igual a zero
Com uma meta de taxa de juros, a curva LM é horizontal. Se a curva IS estiver em
IS1 em vez de estar na posição prevista IS0, a renda estará em Yr,1, abaixo do nível
desejado. Se a oferta de moeda for a meta, a curva LM é vertical e a meta da renda é
alcançada.
Nos dois primeiros casos, pressupomos que a única incerteza é quanto à
curva IS. A Figura 17.4 mostra a situação em que, como na Figura 17.2, a
posição prevista da curva IS é IS0. Mas as posições IS1 e IS2 poderiam
ocorrer se, respectivamente, a demanda for mais fraca ou mais forte do que o
esperado. Além da curva LM horizontal, que é relevante quando a taxa de
juros é fixada (linha contínua), mostramos também (como uma linha tracejada)
a posição da curva LM que teria resultado se fosse estabelecida uma meta
para a oferta de moeda (em M*). Na Figura 17.4, supomos que a demanda por
moeda seja totalmente inelástica em relação aos juros (elasticidade-juros
igual a zero). Portanto, se a oferta de moeda fosse a meta intermediária, a
curva LM seria vertical.
Vemos na Figura 17.4 que, com a meta da taxa de juros em r*, só
atingiremos a meta da renda, Y*, se a curva IS estiver na posição prevista IS0.
Se, por exemplo, a demanda por investimentos das firmas ficasse abaixo do
previsto e a curva IS estivesse em IS1, a renda cairia abaixo do nível
desejado (para Yr,1). No caso mostrado na Figura 17.4, estamos em melhor
situação com uma meta de oferta de moeda, em que ficamos em Y* qualquer
que fosse a posição da curva IS.
A Figura 17.5 representa o caso em que consideramos apenas que haja
incerteza quanto à curva IS, mas não supomos mais que a demanda por moeda
seja completamente inelástica em relação aos juros. (Esse é o caso
representado na Figura 17.3a.) A suposição sobre a elasticidade-juros da
demanda por moeda não tem efeito sobre a curva LM quando a taxa de juros é
a meta. Essa curva LM (a reta LM contínua na figura) é horizontal porque o
Banco Central supre quanta moeda for necessária para manter a taxa de juros
em r*. A curva LM com uma meta de oferta de moeda, mostrada como uma
linha tracejada na Figura 17.5, LM(M*), terá agora inclinação positiva em vez
de ser vertical.
Uma vez mais, a posição prevista da curva IS é IS0, mas a curva pode
acabar ficando em IS1 ou em IS2 se, respectivamente, a demanda do setor
privado for mais fraca ou mais forte do que o previsto. Como na Figura 17.4,
a meta da oferta de moeda é melhor que a taxa de juros na tarefa de manter a
renda próxima de Y* quando a curva IS não está no nível previsto. Se a curva
IS estiver em IS1 ou em IS2, a renda ficará em Y1 ou em Y2, respectivamente,
quando a meta é a oferta de moeda. Com uma meta de taxa de juros, a renda
ficaria em Yr,1 ou em Yr,2, respectivamente, para as mesmas posições da curva
IS; ambos os níveis são mais distantes de Y*.
Assim, vemos que, quer a curva LM seja vertical ou tenha inclinação
positiva, uma meta de oferta de moeda é melhor que uma meta de taxa de
juros quando a incerteza com que se defronta o formulador de políticas
refere-se à curva IS. A razão para isso é que, quando a curva IS afasta-se de
sua posição prevista, o movimento da taxa de juros amortece o efeito do
deslocamento sobre a renda. Quando a taxa de juros tem uma meta
estabelecida, esse amortecedor monetário é desativado.
Consideremos os efeitos de um aumento autônomo na demanda por
investimentos (por exemplo, um deslocamento de IS0 para IS2 na Figura 17.5).
Se a oferta de moeda for a meta, quando o aumento nos investimentos faz a
renda aumentar, a demanda por moeda sobe e, com uma oferta de moeda fixa,
a taxa de juros precisa subir (para r2 na Figura 17.5). A elevação da taxa de
juros atuará contra o aumento autônomo da demanda e fará os investimentos
subirem menos do que subiriam de outra forma. Se o Banco Central estiver
trabalhando com uma meta de taxa de juros, isso não acontecerá. À medida
que a renda aumenta, para manter a taxa de juros em r* o Banco Central
precisa fazer compras no mercado aberto a fim de expandir a oferta de moeda
o suficiente para satisfazer a maior demanda por moeda.
FIG 17.5 Meta de taxa de juros com incerteza quanto a IS: elasticidade-juros
da demanda por moeda diferente de zero
Se houver uma meta para a taxa de juros e a curva IS estiver em IS1, a renda estará
em Yr,1. Se a oferta de moeda for a meta, com a curva LM não vertical, a renda
também ficará abaixo do nível desejado, mas menos, em Y1.
17.3.2.2 Incerteza com relação à demanda por moeda
A Figura 17.6 mostra o caso em que a demanda por moeda não é
perfeitamente estável (o caso mostrado na Figura 17.3b). Com a taxa de juros
como meta, a curva LM é horizontal e não se desloca quando há um
deslocamento na função demanda por moeda. Se, por exemplo, um choque
positivo (um novo tipo desejável de depósito bancário) aumentar a demanda
por moeda a um dado nível de renda e da taxa de juros, o Banco Central
aumenta a oferta de moeda. Choques na demanda por moeda, portanto, não
afetam a renda com uma meta de taxa de juros. A renda real permanecerá no
nível desejado Y*.
FIG 17.6 Meta de taxa de juros com incerteza em relação a LM
Se for estabelecida uma meta de taxa de juros, a curva LM é horizontal e não se
desloca quando há um choque na demanda por moeda. O choque na demanda por
moeda não desloca a renda do nível desejado. Se a oferta de moeda for a meta, um
choque positivo na demanda por moeda deslocará a curva LM de LM0(M*) para
LM1(M*); a renda cairá abaixo do nível desejado, para Y1.
Com uma meta de oferta de moeda, porém, um choque positivo na demanda
por moeda desloca a posição da curva LM para fora do nível previsto, mesmo
que a meta de oferta de moeda seja atingida. Se, com a meta monetária, M*, a
posição esperada da curva LM fosse a linha tracejada LM0(M*), um choque
positivo na demanda por moeda deslocaria a curva para LM1(M*). A taxa de
juros aumentaria para r1 e a renda cairia para Y1, abaixo de Y*.
Vemos, então, que, se a incerteza centrar-se na instabilidade da demanda
por moeda, uma meta de taxa de juros é preferível a uma meta de oferta de
moeda. Se a taxa de juros for a meta, o setor real (mercado de produtos) é
isolado de choques na demanda por moeda; a oferta de moeda ajusta-se para
manter o nível desejado da taxa de juros. No caso de uma meta da oferta de
moeda, o choque na demanda por moeda afeta a taxa de juros e, portanto, a
renda é alterada.
17.4 Méritos relativos das duas estratégias
O que é possível concluir sobre as vantagens e desvantagens relativas de
escolher um agregado monetário ou uma taxa de juros como meta para a
política monetária?
17.4.1 As fontes de incerteza e a escolha de uma estratégia de
política monetária
A análise na seção anterior indica que uma consideração importante na
escolha entre metas intermediárias alternativas é a origem da incerteza
enfrentada pelo formulador de políticas monetárias. Se as fontes
predominantes de incerteza forem deslocamentos imprevisíveis da curva IS,
uma meta de oferta de moeda é melhor que uma meta de taxa de juros. A
implicação disso para a economia é que, quando a incerteza vem de fontes
como mudanças imprevisíveis nos gastos com investimentos do setor
empresarial, investimentos em construção de moradias e compras de bens de
consumo duráveis – ou seja, demandas do setor privado por produtos –, a
meta de oferta de moeda é preferível.
Vimos que a meta de taxa de juros é melhor quando a incerteza deriva de
deslocamentos da curva LM devidos a instabilidade da demanda por moeda.
No modelo IS-LM, os ativos são divididos em dois grupos: um identificado
como moeda e o outro composto de ativos não monetários chamados
genericamente de títulos. Qualquer fator que modifique a desejabilidade
relativa dos dois ativos desloca a curva LM no modelo. A implicação disso
para a economia é que, quando a fonte predominante de incerteza centra-se em
deslocamentos das demandas por ativos (títulos e moeda), a taxa de juros é a
meta intermediária preferível.
17.4.2 Outras considerações: Credibilidade e administração
das expectativas
Uma vantagem adicional de uma meta de oferta de moeda é que um forte
compromisso de manter a oferta de moeda crescendo dentro de uma faixa
definida assegura o controle da inflação para períodos de médio prazo (por
exemplo, 3 a 5 anos). Praticamente todos os economistas acreditam que uma
inflação alta persistente requer uma acomodação do crescimento da oferta de
moeda. Metas rígidas de oferta de moeda limitam seriamente a acomodação
monetária.
Defensores do estabelecimento de metas de agregados monetários afirmam
que, ao definir metas baixas e não inflacionárias a oferta de moeda e atingilas, o Banco Central pode construir uma credibilidade anti-inflacionária; o
público começa a acreditar que o Banco Central realizará as políticas
anunciadas. Essa estratégia tem a vantagem de manter as expectativas
inflacionárias em um nível baixo. Uma maneira de expressar esta propriedade
do estabelecimento de metas de agregados monetários é que a estratégia
proporciona uma âncora nominal para a economia manter estáveis os níveis
de preços.
Uma meta de taxa de juros não proporciona essa garantia antiinflacionária. Se o Banco Central estabelecer uma meta de taxa de juros, terá
de aumentar a oferta de moeda para acomodar qualquer aumento na demanda
por moeda. Se surgir qualquer crescimento potencialmente inflacionário, a
demanda por moeda aumentará (maior demanda por transações). O Banco
Central pode, então, ser levado contra a sua vontade a estimular a inflação por
meio de um aumento na oferta de moeda para acomodar o aumento da
demanda. Isso não é inevitável; o Banco Central pode, em vez disso, observar
o potencial de inflação e elevar a meta da taxa de juros. A questão aqui é
simplesmente que atingir uma determinada meta de taxa de juros não oferece
proteção contra inflação.
Um último ponto sobre a estratégia da taxa de juros relaciona-se à
distinção entre taxas de juros de curto e de longo prazo. A taxa de juros que o
Banco Central pode controlar é a de curto prazo, como as taxas dos fundos
federais, ou de empréstimos interbancários. Mas, os gastos do setor privado
podem depender mais fortemente de taxas de juros de longo prazo, como as de
títulos empresariais. As taxas de juros de longo prazo estão sujeitas a muitas
outras influências além do controle do Banco Central. Em particular, títulos de
longo prazo permanecerão no mercado por muitos anos e competirão com
ativos financeiros de curto prazo que serão emitidos no futuro. Assim, ao
avaliar a desejabilidade de títulos de longo prazo, os investidores levarão em
conta expectativas de taxas de juros de curto prazo futuras e, portanto,
expectativas de ações de política monetária futuras. O mercado de títulos de
longo prazo, como a bolsa de valores, é um mercado voltado para o futuro e
fora de qualquer controle rígido do Banco Central. Isso foi exemplificado nos
Estados Unidos entre 2004 e 2006, quando o Federal Reserve elevou a taxa
dos fundos federais de 1% para 5,25%, enquanto a taxa dos títulos
governamentais de 10 anos não se moveu.
17.5 A evolução da estratégia do Federal Reserve
Nos anos desde 1970, o Federal Reserve tem alternado entre uma ênfase
no controle da taxa de juros e no estabelecimento de metas para agregados
monetários. Duas vezes durante esse período, o Federal Reserve passou
drasticamente de uma estratégia para outra. Em 2008, mais uma mudança foi
necessária devido à gravidade da crise financeira. A estratégia do Federal
Reserve, assim como as razões para essas mudanças, podem ser mais bem
explicadas examinando alguns subperíodos.
17.5.1 1970-1979: estabelecimento de metas para as taxas dos
fundos federais
A estratégia do Federal Reserve na década de 1970 foi de metas de taxas
de juros. Como acontece hoje, a taxa escolhida foi a taxa dos fundos federais
A estratégia não foi fixar a taxa em um determinado valor para um longo
período. A meta era revista em cada reunião do FOMC e ajustada conforme
considerado necessário diante do cenário da economia.
Os agregados monetários não foram ignorados na década de 1970. Embora
numa base mensal o controle das taxas de juros tenha recebido precedência, o
Federal Reserve procurou atingir metas anuais de crescimento em várias
medidas da oferta de moeda. Ainda assim, em diversos momentos nessa
década, o Federal Reserve deixou que as metas de oferta de moeda não
fossem alcançadas a fim de manter a taxa de juros desejada.
17.5.2 1979-1982: estabelecimento de metas para agregados
monetários
A primeira mudança drástica na política econômica do Federal Reserve
aconteceu em 6 de outubro de 1979, quando o banco abandonou as metas de
taxa dos fundos federais. Em vez disso, foi adotada uma estratégia de controle
direto das reservas bancárias para aumentar a capacidade do banco de manter
o crescimento dos agregados monetários (M1 e M2) dentro de faixas
estabelecidas. Nossa análise anterior neste capítulo é útil para compreender
as razões dessa mudança.
Em 1979, a taxa de inflação estava se acelerando rapidamente. A recessão
que muitos haviam esperado durante o ano não se materializara. Havia muita
incerteza quanto à força da demanda do setor privado. Nessa situação de
incerteza quanto à curva IS, um agregado monetário é melhor que uma taxa de
juros como meta intermediária.
Também vimos que um compromisso com a obtenção de metas de baixo
crescimento da moeda praticamente garante que altas taxas de inflação não
serão mantidas, enquanto uma meta de taxa de juros nominal não oferece essa
garantia. Com a taxa de inflação acima de 13% em 1979, essa era uma
vantagem considerável.
17.5.3 1982-2008: um retorno gradual às metas de taxas dos
fundos federais
Embora o Federal Reserve não tenha sido totalmente bem-sucedido em
alcançar as metas de oferta de moeda no período de 1979-1982, a maioria dos
observadores considera que a mudança para uma política monetária mais
restritiva em 1979 foi responsável pela queda da inflação para um nível em
torno de 4% em 1982, ainda que ao custo de uma recessão séria em 1981-
1982.
O Federal Reserve, porém, abandonou a estratégia de metas intermediárias
de agregados monetários no verão de 1982, a segunda das mudanças de
política econômica mencionadas anteriormente. Embora o Fed tenha voltado,
mais tarde, a especificar taxas de crescimento desejadas para o agregado M2
e, em alguns anos, também para o agregado M1, essas metas não assumiram
tanta importância no período pós-1982 como durante 1979-1982.
A razão para a menor atenção aos agregados monetários foi a ruptura da
relação moeda-renda que ocorreu na década de 1980. Houve uma substancial
instabilidade na demanda por moeda durante esse período. As flutuações na
demanda por moeda não refletiam as condições econômicas subjacentes; elas
eram mais fortemente influenciadas por inovações no mercado de depósitos
quando houve uma desregulamentação e os bancos passaram a oferecer muitos
novos tipos de depósitos.
A instabilidade da demanda por moeda e a consequente incerteza quanto à
curva LM são a condição que favorece a taxa de juros como meta
intermediária. O Federal Reserve relutou em voltar à estratégia de estabelecer
metas para a taxa dos fundos federais, em parte pelo receio de que, como na
década de 1970, essa estratégia desse proteção insuficiente contra uma
aceleração da inflação. Portanto, ao longo da década de 1980, o Federal
Reserve continuou a monitorar de perto o comportamento dos agregados mais
amplos, em especial M2, para garantir que o crescimento da oferta de moeda
não fosse rápido o bastante para gerar pressão inflacionária. Durante a
recuperação da recessão de 1990-1991, porém, M2 também começou a “se
comportar mal”. Apesar do cenário de baixas taxas de juros e expansão
econômica, a demanda pelo agregado M2 crescia muito lentamente, o que
significa dizer que a velocidade de M2 crescia muito rápido. O Federal
Reserve respondeu com uma nova redução da atenção às metas de agregados
monetários. Em 1995, a política monetária havia retornado a uma estratégia
de quase completa concentração na taxa dos fundos federais. Essa reversão
para a estratégia de política econômica da década de 1970 ficou explícita em
1997, quando a diretiva de política econômica do FOMC foi reformulada
para definir uma meta específica para a taxa dos fundos federais.
17.5.4 1994-2012: um movimento em direção a maior
transparência
Esta é uma frase famosa de Alan Greenspan: “Eu sei que você acredita que
entende o que acha que eu disse, mas não estou certo se percebe que o que
você ouviu não é o que eu quis dizer”. Greenspan era conhecido por suas
falas obscuras. No entanto, sob sua liderança, o Federal Reserve começou a
se mover para uma maior transparência em 1994. Acabamos de comentar que,
em 1997, a diretiva do FOMC começou a definir uma meta explícita para a
taxa dos fundos federais. Antes, em 1994, o comitê havia começado a emitir
um comunicado de imprensa depois de cada uma de suas reuniões, anunciando
as ações decididas. Outros passos se seguiram. Em 1999, passou-se a
anunciar “balanço de riscos” percebido, indicando suas preocupações
relativas quanto à inflação e crescimento do produto. Em 2003, o FOMC
começou a fazer uma declaração com previsões sobre a direção provável da
taxa dos fundos federais nas próximas uma ou duas reuniões. A partir de 2012,
o Federal Reserve publicará previsões de cada membro do FOMC (sem
identificação) sobre os valores futuros da taxa dos fundos federais, ou seja,
previsões de suas ações futuras. Cada uma dessas inovações tinha o objetivo
de proporcionar mais orientação aos mercados financeiros sobre a política
monetária atual e futura.4
PERSPECTIVAS 17.2 - A REGRA DE TAYLOR
Com uma estratégia de meta da taxa dos fundos federais, a política monetária
pode ser representada por uma função reação da taxa de juros que mostra a
resposta da taxa de juros à situação da economia. John Taylor, na época
membro do U.S. Council of Economic Advisors (depois Subsecretaria do
Tesouro para Assuntos Internacionais), propôs uma regra para definir a taxa dos
fundos federais, que recebeu muita atenção.
A regra que Taylor propôs foi a seguinte:
em que: RF = a taxa dos fundos federais
pdot = a taxa de inflação
Y= o produto real
e o sobrescrito (*) é o nível desejado para cada uma dessas variáveis.
A regra sugerida por Taylor faria com que o Federal Reserve aumentasse a taxa
de juros automaticamente em 1 ponto percentual para cada ponto percentual de
aumento na taxa de inflação (o primeiro termo da regra). A taxa dos fundos
federais também subiria mais 0,5 ponto percentual para cada 1 ponto percentual
de aumento na taxa de inflação em relação à sua meta (pdot*) ou no produto
em relação à meta para o produto (Y* = produto potencial). A política monetária
se tornaria mais restritiva quando a inflação subisse e mais expansionista quanto
o produto caísse, sempre em relação às metas. O último termo da equação
(17.1) é a taxa real de equilíbrio dos fundos federais, a taxa que, ajustada para a
inflação, seria escolhida se tanto o produto como a inflação estivessem em seus
níveis desejados.
Muito da atenção dada à regra de Taylor veio do fato de que a equação (17.1)
fez um bom trabalho na identificação do comportamento efetivo da política
monetária no final da década de 1980 e início de 1990. Teria o Federal Reserve
seguido algo como uma regra de Taylor durante aqueles anos? Além disso,
Taylor argumentava que, se a política tivesse seguido uma regra de Taylor,
erros teriam sido evitados em anos anteriores. A política econômica, dizia ele,
teria sido mais restritiva no período inflacionário da década de 1970. Como
consequência, a política teria sido menos restritiva no início da década de 1980,
reduzindo o desemprego nesse período.
A discussão da regra de Taylor é um exemplo do interesse crescente pela
política monetária baseada em regras em vez de discricionária. A regra de
Taylor não é uma “regra ótima”; ela segue mais no espírito da crença de Milton
Friedman de que, ao escolher um curso para a política monetária, “O melhor
não deve ser inimigo do bom”.
a Veja TAYLOR, John. Discretion versus monetary policy rules in practice.
Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policy, 39, p. 195-214, 1993.
17.5.5 2008-2012: Confrontando o problema do limite zero
No início da crise financeira de 2007-2008, o Federal Reserve estava
conduzindo a política com uma estratégia de taxa de fundos federais. No
verão de 2008, em um esforço para reverter a contração da economia, o
Banco Central havia reduzido a taxa dos fundos federais essencialmente para
zero (faixa de 0-0,25%). Zero é o limite inferior efetivo para a taxa dos
fundos federais ou para qualquer outra taxa de juros nominal. Os bancos, por
exemplo, não pagarão para outros bancos tomarem seus fundos em
empréstimo5. Em meados de 2008, como foi discutido no Capítulo 16, grandes
partes do mercado de crédito ficaram congeladas. O processo de criação de
depósitos e crédito normalmente desencadeado por compras no mercado
aberto tinha parado. Essa situação levou o Federal Reserve a adotar uma série
de instrumentos de política monetária não convencionais. Como também foi
discutido no Capítulo 16, essas iniciativas de política econômica incluíram
grandes compras de títulos lastreados em hipotecas e de papéis comerciais.
Outras ações foram empréstimos para proteger fundos e outras firmas de
investimento, que foram usados para financiar a compra de títulos lastreados
em empréstimos educativos, empréstimos para compra de carros e contas a
receber de cartões de crédito. Em conjunto, essas iniciativas foram chamadas
de afrouxamento quantitativo. O Federal Reserve procurava fornecer crédito
para uma série de setores da economia que, de outra forma, teriam
desacelerado devido à escassez de recursos bancários.
Problema do limite zero
Confronta os bancos centrais quando a
taxa de juros nominal que eles usam como
um instrumento atinge o limite inferior
zero; eles não podem mais estimular a
economia com declínios significativos
dessa taxa.
17.6 Mudanças nas instituições dos bancos centrais: a
experiência internacional recente
Nos Estados Unidos, a estratégia de política monetária mudou conforme o
ambiente econômico variava. A estrutura institucional do Federal Reserve,
contudo, não mudou de nenhuma maneira significativa. Outros países
industrializados, a partir do final da década de 1980, fizeram mudanças
importantes na estrutura dos bancos centrais. Em resposta ao que os governos
acreditavam ser um desempenho macroeconômico insatisfatório, muitos
países alteraram os mandatos e o sistema de prestação de contas de seus
bancos centrais.
A mudança mais comum foi instruir os bancos centrais a usarem metas de
inflação como a única meta da política monetária. Entre os países que
adotaram metas de inflação como um mandato para seus bancos centrais estão
Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e Suécia. Além disso, o novo Banco
Central Europeu adotou metas de inflação.
Nos Estados Unidos, como em todos esses países, a inflação baixa sempre
foi uma meta de política monetária. Na década de 1990, esses países
decidiram fazer da inflação baixa a única meta da política monetária. Por
quê?
Examinamos aqui duas linhas na argumentação em favor do movimento
para metas de inflação em muitos países industrializados. A primeira, que
deriva da perspectiva macroeconômica novo-clássica, é o reconhecimento de
problemas de inconsistência temporal que surgem quando a política
monetária é conduzida segundo o critério das autoridades dos bancos centrais.
A segunda envolve considerações mais pragmáticas. Ambos nos levam de
volta aos argumentos referentes à formação de políticas macroeconômicas
baseadas em regras versus discricionárias.
Inconsistência temporal
Problemas surgem quando um plano de
política econômica para o futuro não é
mais ótimo em uma data posterior mesmo
sem que nenhuma informação nova tenha
chegado nesse intervalo.
17.6.1 O problema da inconsistência temporal
Nossa análise até aqui sugere que a estratégia de política monetária deve
mudar com o tempo, conforme as fontes de incerteza enfrentadas pelos
formuladores de políticas variam. Essa visão preconiza flexibilidade, ou
políticas discricionárias. O reconhecimento de problemas de inconsistência
temporal na formação de políticas, porém, oferece apoio para o argumento em
favor de políticas baseadas em regras.
Um problema de inconsistência temporal (ou dinâmica) para as políticas
monetárias surge quando, como explica Stanley Fischer, uma “política para o
futuro que faz parte de um plano ótimo formulado em uma data inicial deixa de
ser ótimo na perspectiva de uma data posterior, mesmo sem que nenhuma
informação nova tenha aparecido nesse intervalo”.6 Em outras palavras, um
anúncio de política econômica será inconsistente no tempo se os agentes
econômicos souberem que o formulador de políticas vai querer passar por
cima dessa decisão quando chegar o momento de agir.
Aplicado à política monetária discricionária, o problema da inconsistência
temporal surge da seguinte maneira.7 Suponhamos que, devido a alguma
distorção na economia, o bem-estar social aumentaria se o produto subisse
acima da taxa natural, o nível discutido no Capítulo 10 que é consistente com
uma previsão precisa do nível de preços pelos definidores de preços e
salários. Uma razão possível poderia ser que características não competitivas
dos mercados de trabalho e produto levam a uma taxa natural que é baixa
demais (por exemplo, o resultado no modelo incluído-excluído na Seção
12.2). Além disso, suponhamos que, em linha com a hipótese das expectativas
racionais examinada no Capítulo 11, o formulador de política monetária possa
forçar o produto a subir acima da taxa natural por meio da geração de uma
taxa de crescimento monetário inesperadamente alta. Por fim, vamos supor
que, como é razoável, salários e preços sejam estabelecidos a intervalos
menos frequentes (por exemplo, anualmente) do que a implementação de
ações de política monetária (por exemplo, mensalmente).
PERSPECTIVAS 17.3 - METAS DE INFLAÇÃO NA
PRÁTICA: A EXPERIÊNCIA DA NOVA ZELÂNDIA,
1989-2012
Depois de duas décadas com taxas de inflação mais altas que a média da OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e taxas de
crescimento abaixo dessa média, o governo da Nova Zelândia adotou uma
forma muito rígida de meta de inflação em 1990. As principais disposições para
a política monetária estão contidas no Reserve Bank Act de 1989.a A lei
especifica que a principal função do Reserve Bank of New Zealand é “manter a
estabilidade do nível geral de preços”. A lei determina que o Ministro das
Finanças e o presidente do Reserve Bank cheguem a um acordo sobre metas de
política monetária para alcançar estabilidade de preços. Durante boa parte da
década de 1990, a estabilidade de preços foi definida como uma taxa de inflação
dentro de uma faixa de 0-2%. Em 1997, essa definição foi um pouco afrouxada
para uma faixa de 0-3%.
O Reserve Bank está, então, livre para escolher a estratégia que achar mais
adequada para alcançar a meta. Se a inflação não for mantida dentro da faixa
especificada, o presidente do Reserve Bank fica sujeito a demissão. Assim, o
arranjo ficou conhecido como um contrato de desempenho para o Banco
Central.
Esse tipo de meta de inflação deixa o Banco Central com pouco espaço para
buscar diretamente outras metas além da estabilidade de preços; essa restrição
foi justamente o objetivo da lei. O fato de a meta de inflação ser uma faixa
acaba deixando alguma margem para levar em conta o crescimento econômico
ou o desemprego na formulação da política monetária. Além disso, o acordo de
política entre o Ministro das Finanças e o Reserve Bank admite ajuste da meta
de inflação se houver circunstâncias especiais, como mudanças nos impostos
indiretos (impostos sobre vendas e consumo) ou nas relações de troca
internacionais que produzam uma mudança no nível de preços. Ainda assim, o
plano da Nova Zelândia é uma forma muito rígida de meta de inflação. Depois
de um período de ajuste inicial, o desempenho da economia neozelandesa sob o
sistema de meta de inflação tem sido razoavelmente bom. O crescimento do
PIB real e a inflação têm se mantido em uma média de 2% a 3% ao ano entre
1992-2010. Isso se compara favoravelmente ao desempenho de nações mais
industrializadas.
O sistema de metas de inflação, no entanto, enfrentou algumas dificuldades. O
foco da política monetária na inflação forçou algumas vezes o Reserve Bank a
elevar as taxas de juros de curto prazo da Nova Zelândia a níveis muito altos.
Isso, por sua vez, leva a grandes entradas de capitais e a uma resultante
valorização do dólar neozelandês. O valor alto da moeda é ruim para os
exportadores. Em meados de 2007, com a taxa de juros de curto prazo em 8%,
por exemplo, o Reserve Bank interveio no mercado cambial para tentar baixar o
valor do dólar neozelandês em resposta a queixas dos exportadores. O regime
de metas de inflação foi desafiado novamente no outono de 2008, durante a
crise financeira mundial. Quando as exportações da Nova Zelândia caíram e a
economia entrou em recessão, o Reserve Bank alterou seu objetivo. A meta
agora era “promover uma economia crescente, aberta e competitiva” em que a
estabilidade de preços deveria desempenhar “um papel importante no apoio a
esse objetivo”. Metas de inflação ainda foram anunciadas, mas o Banco havia
sinalizado que o crescimento também era importante.
a A experiência da Nova Zelândia com metas de inflação é descrita em FISCHER,
Andreas. New Zealand’s experience with inflation targets. In: LEIDERMAN,
Leonardo; SWENSSON, Lars E. O. (Orgs.). Inflation targets. Paris: Center for
Economic Policy Research, 1995 e em GUENDER, Alfred; RIMER, Oyvinn.
The implementation of monetary policy in New Zealand, North American
Journal of Economics and Finance, 19 (2008), pp. 215-34.
Em um momento, digamos que o início do ano, o formulador de políticas
poderia anunciar uma taxa de crescimento monetário não inflacionária igual a
zero. Mais tarde no ano, porém, depois que salários e preços tivessem sido
estabelecidos, o formulador de políticas poderia achar que o procedimento
ótimo seria deixar de lado aquele compromisso inicial e gerar uma
inflação-“surpresa”. Firmas e trabalhadores, sabendo das preferências do
formulador de políticas (lembre-se que estamos supondo expectativas
racionais), preverão que ele vai trapacear. Não haverá aumento no produto.
Haverá uma inflação mais alta do que no crescimento monetário zero. O
problema da inconsistência temporal produz um viés inflacionário na política
monetária.
Se, em vez disso, uma regra de política monetária obrigasse o formulador
de políticas a manter uma política de inflação zero, a sociedade ficaria em
situação melhor do que com a política discricionária. A regra daria
credibilidade ao anúncio do formulador de políticas.
Vale a pena observar que problemas de inconsistência temporal existem em
outros contextos além da política monetária. Por exemplo, consideremos o
sistema de patentes. Antes de as invenções serem feitas, é ótimo oferecer
patentes como incentivo. Depois que os novos aparelhos passam a existir,
porém, o procedimento ótimo é invalidar as patentes para evitar ineficiência
monopolística.
17.6.2 Outros argumentos em favor das metas de inflação
Os problemas de inconsistência temporal são importantes para a política
monetária? Alan Blinder, professor de Princeton e ex-vice-presidente do
Board of Governors do Federal Reserve, argumenta que os economistas
acadêmicos que se preocuparam com problemas de inconsistência temporal
“tem consumido sua energia com o alvo errado”.8 Ou talvez, com um alvo que
não é mais certo.
Problemas de inconsistência temporal talvez expliquem em parte as
políticas monetárias inflacionárias durante a década de 1970. No final da
década de 1980 e início de 1990, porém, a desinflação havia sido alcançada
na maior parte dos países industrializados. Uma analogia com o sistema de
patentes poderia ser útil aqui. Os países industrializados não voltam atrás em
patentes mesmo que, no curto prazo, esse pareça ser o procedimento ótimo.
Não o fazem por questões de reputação, o modo como suas ações presentes
poderiam afetar o comportamento de gerações futuras de inventores. Os
bancos centrais talvez tenham aprendido uma lição da década de 1970 e,
embora tentados a obter ganhos de produto por meio de inflação-surpresa,
agora dizem a si mesmos, “não faça isso”.
Se não é para resolver o problema de inconsistência temporal, qual é a
motivação por trás da mudança para regras de inflação em muitos países?
Parece haver considerações mais pragmáticas. Uma é reduzir o efeito de
pressões políticas sobre os bancos centrais. Em geral, o movimento para
metas de inflação coincide com uma maior independência concedida aos
bancos centrais. Dar ao Banco Central controle independente de seus
instrumentos de política econômica e um mandato claro para ter a inflação
como meta limita muito a capacidade de um governo de manipular a política
monetária para fins políticos. Mesmo antes que regras explícitas de metas de
inflação fossem comuns, a independência do Banco Central era positivamente
associada a inflação mais baixa (veja Perspectivas 17.1). Metas de inflação
são uma maneira de dar aos bancos centrais independência quanto a seus
instrumentos, mantendo-os ao mesmo tempo obrigados a prestar contas
quanto a metas.
Outra motivação pragmática para o movimento para metas de inflação em
vários países foi que eles viviam problemas similares aos que os Estados
Unidos experimentaram com agregados monetários como metas
intermediárias. Quando a relação moeda-renda tornou-se mais instável, eles
passaram a se apoiar mais em taxas de juros de curto prazo para implementar
a política monetária. Como já foi explicado, essa abordagem deixa a política
monetária sem uma âncora que sirva de garantia anti-inflação. Metas diretas
de inflação proporcionam essa âncora.
PERSPECTIVA 17.4 - METAS DE INFLAÇÃO NOS
ESTADOS UNIDOS: TRÊS OPINIÕES INFLUENTES E
UM OLHAR PARA O FUTURO
Embora, como vimos, muitos bancos centrais tenham adotado metas de
inflação no período pós-1990, sob a liderança de Alan Greenspan o Federal
Reserve dos Estados Unidos não seguiu essa linha. Como a frase que inicia este
capítulo indica, Greenspan vê a incerteza como a principal característica do
processo de política monetária. Quais são, então, ele pergunta, as “implicações
dessa incerteza em grande medida irreduzível para a condução da política
monetária?”a Em resposta a essa pergunta, ele sugere que a política monetária
deve seguir uma abordagem de administração de riscos: “[A] condução da
política monetária nos Estados Unidos envolve, em seu núcleo, elementos
cruciais de administração de riscos, um processo que requer um entendimento
das muitas fontes de risco e incerteza que os formuladores de políticas
enfrentam”. Além disso, Greenspan acredita que “a administração de riscos
com frequência envolve uma quantidade significativa de julgamento por parte
dos formuladores de políticas, quando avaliamos os riscos de diferentes
acontecimentos e a probabilidade de que nossas ações alterem esses riscos”.
Aos críticos que afirmam que essa abordagem é muito indisciplinada – muito
sujeita a julgamentos pessoais, aparentemente discricionária e difícil de explicar
– ele responde que amarrar a “política econômica às prescrições de uma regra
formal não deve levar a uma melhora no desempenho econômico”. A opinião
de Greenspan sobre essa questão reflete uma declaração anterior sua de que,
depois de uma longa procura por uma regra para a política monetária, ele
concluiu que uma regra ideal está no domínio de Dom Quixote.
Ben Bernanke, que sucedeu Greenspan como presidente do Board of
Governors, é um defensor de metas de inflação. Ele não defende uma regra
rígida para a política monetária. Em vez disso, vê as metas de inflação como
um arcabouço dentro do qual a política monetária pode ser conduzida.
Especificamente, ele sugeriu que o Federal Reserve anunciasse uma meta de
inflação que ele chama de “taxa de inflação ótima de longo prazo (OLIR)”. Esta
seria uma meta para o longo prazo, não para qualquer trimestre ou ano
específico. “A variação da inflação efetiva em torno da OLIR durante o ciclo de
negócios seria esperada e aceitável”.b
O principal benefício que Bernanke vê nesse tipo de meta de inflação é “uma
redução da incerteza nos mercados financeiros e na economia de modo mais
amplo”. A transparência e, assim, a credibilidade da política monetária
aumentariam. Além disso, definir uma meta de inflação “serviria como um
lembrete para os formuladores de políticas ficarem de olho no longo prazo ao
mesmo tempo em que reagem aos desenvolvimentos atuais na economia”. Um
regime de metas de inflação que se concentrasse no longo prazo, em sua
opinião, melhoraria a comunicação e a condução da política “sem os custos
temidos pelos que se preocupam com uma potencial perda de flexibilidade”.
Benjamin Friedman, da Harvard University, escreveu muitos artigos e trabalhos
para conferências influentes sobre política monetária nos últimos 35 anos. Ele é
fortemente crítico das metas de inflação como “melhor prática de política
monetária”. Não concorda que as metas de inflação aumentem a transparência
da política monetária. Acredita que metas de inflação “são um regime não para
comunicar as metas e políticas do Banco Central, mas para obscurecê-las. Em
aspectos cruciais, essa não é uma janela, mas uma cortina. Não promove a
transparência… mas a opacidade”.c O problema é que o Federal Reserve tem
um duplo mandato: buscar alto emprego e estabilidade de preços. Quantificar
uma meta só faz persistir a questão de como o formulador de política deve agir
em um cenário de várias metas.
Talvez pior, na opinião de Friedman, é que “o regime de metas de inflação afeta
não só o que o Banco Central diz, mas o que ele faz”. Ele teme que o regime
desvie a política excessivamente para o combate à inflação, com muito pouca
atenção a problemas de emprego e produto – “a questão é que a linguagem
importa”.
A crise financeira e a recessão que começaram em 2007 fizeram com que a
discussão de metas de inflação ficasse um pouco de lado. Conforme a
recuperação avançar e, talvez, as preocupações com a inflação voltarem, a
questão retornará ao primeiro plano. No início de 2012, o Federal Reserve deu
um passo no sentido de uma meta de inflação ao anunciar uma taxa-alvo de 2%
para a inflação. Ao mesmo tempo, porém, reafirmou seu compromisso com o
“mandato duplo” de alto emprego e estabilidade de preços.
a As citações de Alan Greenspan nesta Perspectiva são tiradas de seus
Comentários de Abertura da Federal Reserve Bank of Kansas City Conference
on Monetary Policy and Uncertainty, Aug. 2003, conforme publicado nas atas
da conferência.
b As citações de Ben Bernanke aqui são tiradas de seus comentários em uma
Federal Reserve Bank of St. Louis Conference on Inflation Targeting: Prospects
and Problems, conforme publicado na Federal Reserve Bank of St. Louis
Review, July-Aug. 2004.
c As citações de Benjamin Friedman são de seu comentário na mesma conferência
que os de Bernanke, conforme publicado no mesmo volume.
Conclusão
Este capítulo examinou questões de política monetária ótima: como os
bancos centrais devem conduzir a política monetária? No caso do Federal
Reserve dos Estados Unidos, na prática a estratégia variou de acordo com o
grau de ênfase colocado na oferta de moeda ou na taxa de juros. Nas duas
últimas décadas, em resposta a mudanças nas condições econômicas,
principalmente a crescente instabilidade da relação moeda-renda, o Fed
passou para uma estratégia de metas de taxas de juros. O mesmo aconteceu em
outras nações industrializadas. O movimento para metas de taxa de juros
deixou a política monetária sem uma âncora anti-inflação como a que era
proporcionada por uma meta da oferta de moeda. Em resposta, muitos bancos
centrais, embora não o Federal Reserve, passaram a usar uma estratégia de
metas de inflação.
A crise financeira e a recessão profunda que começaram no final de 2007
colocaram o Federal Reserve em modo de combate à crise, e considerações
estratégicas de prazo mais longo ficaram de lado por algum tempo. Com a
recuperação ainda morna e o desemprego ainda elevado, o Banco Central está
comprometido com uma política de taxa de juros dos fundos federais
essencialmente zero até 2014. Em algum ponto, será apropriado enrijecer a
política monetária. O balanço patrimonial inchado terá que encolher. O
Federal Reserve fará isso vendendo ativos ou, em alguns casos, apenas
deixando-os vencer. Formular esse processo com um mínimo de perturbação
dos ainda frágeis mercados financeiros é o próximo desafio para o Federal
Reserve: “a mecânica de uma saída elegante”.
Questões de revisão
1. O que é o Federal Open Market Committee (FOMC)? Qual é o papel
desse comitê na formulação da política monetária?
2. Suponha que a política fiscal de um país seja caracterizada por gastos
governamentais excessivos. Suponha também que o Banco Central desse
país tenha metas de taxa de juros. Que efeito terá a política fiscal
excessivamente expansionista sobre a oferta de moeda? Sobre o produto e
a inflação?
3. Usando o modelo IS-LM, analise se um aumento na instabilidade da
função demanda por moeda aumentaria ou reduziria a desejabilidade de
metas intermediárias para um agregado monetário.
4. Descreva a mudança que aconteceu na política econômica do Federal
Reserve em 1979. Explique as razões dessa mudança.
5. Suponha que o Banco Central esteja usando uma taxa de juros como meta,
enquanto a renda real é a meta final da política econômica, e que ocorra
uma queda autônoma nos investimentos das empresas imprevista pelo
Banco Central. Use o modelo IS-LM para mostrar os efeitos do choque. A
renda teria sido mais ou menos afetada se o Banco Central estivesse
usando uma meta da oferta de moeda?
6. Explique o problema da inconsistência temporal no que se refere à
política monetária.
7. Que relação você vê entre os problemas que muitos países enfrentaram
com metas da oferta de moeda e a mudança para as metas de inflação?
8. Suponha que a curva IS seja vertical porque a elasticidade-juros da
demanda por investimentos é zero; o investimento é totalmente insensível à
taxa de juros. Ainda é verdade que, para o caso de choque IS, uma meta da
oferta de moeda é preferível a uma meta de taxa de juros? Justifique sua
resposta usando os gráficos IS-LM.
9. Atualmente, nenhum dos bancos centrais mais importantes tem metas
rígidas para a oferta de moeda. Por que você acha que isso acontece?
Ainda assim, nenhum dos grandes bancos centrais ignora completamente
os números de crescimento da moeda. Por quê?
CAPÍTULO 18
Política fiscal
Em 2007, o ano em que teve início a recente recessão profunda, as receitas
tributárias federais nos Estados Unidos foram de 18,9% do PIB. Os gastos do
governo federal eram de 20,6% do PIB e o déficit federal era de menos de
2% do PIB. Em 2010, as receitas tributárias tinham caído para 16,7% e os
gastos tinham subido para 25,5% do PIB. O déficit havia mais que
quadruplicado. Os déficits e os altos gastos governamentais tornaram-se
grandes preocupações e os principais temas de campanha política em 2012.
A questão do déficit vinha dominando os debates sobre política fiscal bem
antes da crise econômica recente. Nas décadas de 1980 e 1990, os déficits
então considerados grandes eram percebidos como um problema, mas seriam
eles “o diabo à porta” ou, como outros sugeriram, mais como “cupins no
porão”? Antes que a pergunta fosse respondida, acordos orçamentários entre a
administração Clinton e o Congresso dominado por republicanos, encorajados
pelo rápido crescimento econômico, substituíram, no final da década de 1990,
os déficits orçamentários por superávits, e superávits ainda maiores eram
projetados para o futuro de médio prazo. Em 2001, porém, o orçamento caiu
novamente em déficit. Em 2004, o déficit subira a níveis não vistos desde a
década de 1980. Ao longo de um período de 10 anos, as projeções haviam
mudado de um superávit cumulativo de mais de US$ 3 trilhões para um déficit
de mais de US$ 2 trilhões, uma oscilação de US$ 5 trilhões.
Essas preocupações com o déficit levaram economistas e formuladores de
políticas a subestimar as possibilidades de políticas fiscais estabilizadoras. A
política monetária tornou-se o instrumento de estabilização preferido e
pareceu adequada para a tarefa durante o período de relativa estabilidade de
meados da década de 1980 até 2006, que foi chamado de a “grande
moderação”. A crise financeira fez renascer o interesse por políticas de
estabilização fiscais keynesianas quando os Estados Unidos e outras grandes
economias mundiais tentaram adotar programas de estímulo para afastar a
depressão. Além disso, como discutimos no capítulo anterior, a política
monetária enfrentava o problema do “limite zero” e foi forçada a
experimentar novos instrumentos não convencionais e não testados. Como
esses programas de estímulo resultaram em previsíveis grandes déficits,
surgiu um debate quanto à sua utilidade. Controvérsias sobre o papel e
condução adequados da política fiscal são o foco deste capítulo. Precisamos,
no entanto, oferecer alguma base antes de examinar os principais pontos em
questão.
Começaremos examinando as metas de política fiscal e a possibilidade de
que as metas dos formuladores de políticas, que, no caso da política fiscal,
são o Congresso e o governo federal, sejam diferentes das metas do público.
Alguns economistas usam essa divergência como argumento em favor da
restrição do comportamento dos formuladores de políticas fiscais – de
política fiscal por regras, não discricionária. Em seguida, veremos o
comportamento do orçamento federal americano no período posterior à
Segunda Guerra Mundial e a relação entre o orçamento federal e o estado da
economia. Aqui, examinamos o papel que o orçamento federal desempenha
como um estabilizador automático para a atividade econômica. Tendo
analisado essas informações, examinaremos as objeções de economistas
keynesianos a regras de orçamento equilibrado para a política fiscal. Depois,
abordaremos as controvérsias de política fiscal desde a administração Reagan
até o governo Obama.
18.1 As metas da política macroeconômica
Quais são as metas da política macroeconômica? Baixo desemprego e
estabilidade de preços parecem ser metas consensuais de política econômica,
embora, como vimos nas Partes II e III, haja consideráveis divergências
quanto à possibilidade de formuladores de políticas alcançarem essas metas
pela administração da demanda agregada. Também há diferenças de opinião a
respeito do peso relativo que deve ser atribuído a cada meta. O crescimento
econômico é uma terceira meta das políticas, que está estreitamente
relacionada à meta de baixo desemprego, uma vez que a criação de novos
empregos requer uma economia em crescimento.
Vamos supor que estejamos de acordo que as metas da política
macroeconômica sejam alcançar os níveis desejados de inflação, desemprego
e crescimento econômico. A questão da condução ótima da política
macroeconômica seria, então, como definir os instrumentos de política,
variáveis como os níveis de gastos do governo e diversas alíquotas tributárias
no caso da política fiscal, a fim de chegar o mais perto possível das metas.
Uma maneira de formular esse problema é supor que o formulador da política
minimize uma função “perda de bem-estar social” da seguinte forma:
Nessa equação, L mede a perda social que decorre de desvios das
variáveis de metas macroeconômicas em relação às metas estabelecidas – por
exemplo, os custos de um desemprego excessivamente alto. As variáveis que
representam metas são o nível de desemprego (U), a taxa de inflação (P) e a
taxa de crescimento da renda real (Y). Os níveis desejados para essas
variáveis são U*, P* e Y*, respectivamente. Na forma dada pela equação
(18.1), a perda de bem-estar social depende do quadrado dos desvios das
variáveis das metas em relação aos níveis desejados. A perda social derivada
de um dado aumento no desvio de uma variável de meta em relação ao nível
desejado aumenta quanto mais nos afastamos desse nível; desvios grandes em
relação aos níveis desejados recebem pesos especialmente grandes. Os
coeficientes a1, a2, e a3 na equação (18.1) representam os pesos relativos
atribuídos às diferentes metas.
A equação (18.1) é apenas uma representação da função perda social que é
relevante para políticas macroeconômicas. O principal pressuposto para
formular esse tipo de política ótima é simplesmente que o formulador de
políticas minimiza alguma função perda de bem-estar social. O problema,
então, é encontrar o ajuste dos instrumentos que resulta na perda mínima.
Pode-se investigar também se alguma regra, com uma regra de orçamento
equilibrado, consegue desempenho melhor do que prescrições de políticas
mais ativas.
18.2 As metas dos formuladores de políticas
macroeconômicas
Há uma literatura que questiona o realismo da formulação acima para a
questão da política ótima. Examinaremos duas vertentes dessa literatura
crítica: a visão da escolha pública e a teoria do partidarismo. Um elemento
comum a ambas é que a política desempenha um papel mais importante na
formulação de políticas econômicas do que foi sugerido nas seções
anteriores.
18.2.1 A visão da escolha pública
Os defensores da visão da escolha pública afirmam que os formuladores
de políticas macroeconômicas agem de forma a maximizar seu próprio bemestar e não para maximizar o bem social.1 Nas palavras de Gordon Tullock,
um proponente da visão da escolha pública: “Os burocratas são como os
outros homens… Se os burocratas são homens comuns, eles tomarão a maioria
de suas decisões (não todas) em termos do que beneficia a eles próprios, e
não à sociedade como um todo”.2 Em lugar de uma função perda de bem-estar
social como a dada por (18.1), a função perda relevante é uma que meça
variáveis de importância direta para os formuladores de políticas. No caso de
pessoas em cargos eletivos tomando decisões de política fiscal, essa
abordagem alternativa enfatiza os votos como a meta motivadora central para
os formuladores de políticas.
Escolha pública
Aplicação à formulação de políticas macroeconômicas da
teoria microeconômica de como decisões são tomadas.
Teoria do partidarismo
Vê o produto da política macroeconômica como resultado
de decisões ideologicamente motivadas tomadas por
líderes de diferentes partidos políticos. Os partidos
representam parcelas do eleitorado com diferentes
preferências quanto a variáveis macroeconômicas.
Dentro do arcabouço da escolha pública, uma representação da função
perda apropriada que o formulador de políticas tenta minimizar é
onde PV é a perda de votos e b1 é o peso dado aos votos perdidos. As
variáveis de metas macroeconômicas entram no quadro porque o
comportamento da economia afeta os votos.
Por exemplo, a perda de votos poderia ser representada como
As variáveis de metas macroeconômicas e seus níveis desejados são os
mesmos que na equação (18.1). Os parâmetros c1, c2 e c3 representam a perda
de votos resultante de desvios das variáveis das metas macroeconômicas em
relação a seus níveis desejados. Essa representação específica pressupõe que
a perda de votos dependa do quadrado dos desvios em relação ao nível
desejado, considerando, como antes, que um peso especialmente grande seja
atribuído a grandes desvios dos níveis desejados. O parâmetro c0 representa
outras influências sobre o comportamento dos eleitores (por exemplo,
questões de política econômica externa ou outras questões domésticas).
Vamos supor que a perda de votos seja dada pela equação (18.3) e que o
formulador de políticas atue no sentido de minimizar a perda de votos; a
função perda relevante é a equação (18.2). As ações de política econômica
vão diferir daquelas que seriam tomadas caso o formulador de políticas
agisse de forma altruísta e minimizasse a função perda social dada pela
equação (18.1)? Defensores da visão da escolha pública para o
comportamento do formulador de políticas afirmam que sim. Para entender
por que, vamos primeiro examinar a condição necessária para que o
comportamento seja o mesmo em ambos os casos e, depois, explicar por que
os defensores da visão da escolha pública não acreditam que essa condição
possa ser satisfeita na prática.
Primeiro, suponhamos que o comportamento do eleitor seja governado
pelo que podemos chamar de racionalidade coletiva, ou seja, a perda de
votos devida a preocupações macroeconômicas é proporcional à perda de
bem-estar social. Isso significa que, quando variáveis macroeconômicas
afetam o comportamento de voto, os eleitores recompensam ou castigam os
políticos responsáveis dependendo de seu desempenho na minimização da
perda de bem-estar social. Nesse caso, a estratégia ótima para minimizar a
perda de votos [equação (18.2)] é minimizar a perda de bem-estar social
[equação (18.1)]. Como foi reconhecido na literatura sobre a escolha pública,
quando não existe esse tipo de racionalidade coletiva, o comportamento do
formulador de políticas maximizador de votos desvia-se do comportamento
de maximização do bem-estar social.
As hipóteses a seguir sobre o comportamento do eleitor foram propostas na
literatura sobre a escolha pública.3
1. Os eleitores são míopes. Os defensores da visão da escolha pública
afirmam que o comportamento do eleitor é fortemente influenciado pelo
estado da economia nos últimos trimestres antes das eleições e que o nível de
atividade econômica, não a taxa de inflação, é a variável cujo desempenho
recente determina os votos. “Os políticos no cargo desejam a reeleição e
acreditam que uma economia em crescimento no período pré-eleição os
ajudará a consegui-la”.4 Como consequência, temos um ciclo político de
negócios em que a demanda agregada é fortemente estimulada no período
anterior à eleição, com o resultado de aumento da inflação depois da eleição.
2. O desemprego tem mais probabilidade de resultar em perda de votos
que a inflação. Presume-se que o processo de inflação seja complexo e
pouco compreendido o bastante para que os políticos possam evitar a culpa
pela inflação com mais facilidade do que pelo desemprego: “A qualquer
momento no tempo, a culpa pela inflação é jogada sobre acontecimentos que
não estão sob o controle do partido político governante e, idealmente, sobre o
partido político que esteve no governo antes”.5 Em consequência, os
defensores da visão da escolha pública argumentam que os políticos eleitos
raramente respondem à inflação com políticas restritivas, mas respondem ao
desemprego com políticas expansionistas. Assim, o processo de política
fiscal tem uma tendência inflacionária.6
3. Existe uma tendência inflacionária no processo do orçamento. Essa
tendência inflacionária é reforçada pela tendência inerente a uma geração de
déficits orçamentários que os autores da visão da escolha pública acreditam
ser característica das políticas fiscais de governos democráticos. Por
exemplo, nas palavras de James Buchanan e Richard Wagner:
Os políticos eleitos gostam de gastar altas somas de dinheiro público em
projetos que produzam benefícios facilmente demonstráveis para seus
eleitores. Eles não gostam de determinar impostos para esses mesmos
eleitores. A norma pré-keynesiana de equilíbrio orçamentário servia
para restringir as tendências dos gastos de modo a manter os dispêndios
governamentais mais ou menos dentro dos limites da receita gerada
pelos impostos. A destruição keynesiana dessa norma, sem introduzir um
substituto adequado, removeu efetivamente a restrição. De forma
previsível, os políticos responderam aumentando os gastos acima das
receitas tributárias e criando déficits orçamentários como um curso
natural das coisas.7
Se aceitarmos a caracterização da escolha pública, como pode essa
tendência deficitária do processo de política fiscal ser corrigida? Buchanan e
Wagner acreditam que precisamos restaurar a “norma pré-keynesiana de
equilíbrio orçamentário”; devemos evitar todo gasto deficitário. Eles
defendem uma emenda à Constituição dos Estados Unidos no sentido de exigir
que o Congresso e o presidente equilibrem o orçamento.
Além disso, como programas de gastos governamentais novos ou
expandidos teriam de ser financiados por novos impostos em um sistema de
orçamento equilibrado, o crescimento do setor governamental seria
restringido por essa emenda. Na visão da escolha pública, a política fiscal
ótima não é uma questão de projetar políticas para estabilizar a
macroeconomia, mas impor regras aos formuladores de políticas que
eliminem os efeitos desestabilizadores dos gastos deficitários.
18.2.2 A teoria do partidarismo
Na teoria do partidarismo, fatores políticos também afetam a política
macroeconômica. Essa teoria, porém, vê os políticos como líderes
ideologicamente motivados de partidos concorrentes.8 Os partidos, por sua
vez, representam diferentes eleitorados com diferentes preferências quanto a
resultados macroeconômicos. No modelo mais comum do partidarismo, há um
partido liberal (ou trabalhista) e um partido conservador. O partido liberal
tem sua ênfase primária no pleno emprego e na redistribuição da renda,
enquanto o partido conservador atribui mais valor à estabilidade de preços.
Em lugar de um ciclo político de negócios, a teoria do partidarismo prevê
ciclos partidários conforme a política macroeconômica varia, dependendo do
partido que estiver no poder. No caso da política fiscal, por exemplo, o
modelo do partidarismo prevê que, se o partido liberal for eleito, os gastos do
governo subirão com os políticos tentando estimular a demanda e, assim, o
emprego. Os dispêndios governamentais também podem aumentar com a
ampliação dos pagamentos de transferência para redistribuir renda. Na
maioria das circunstâncias, a política fiscal mais expansionista também
elevará a taxa de inflação. Se o partido liberal perder o posto em um momento
posterior, a política fiscal ficará mais restritiva, com os conservadores
tentando combater a inflação. O desemprego aumentará e pode ocorrer
recessão.
Como no caso dos ciclos políticos de negócios, os ciclos partidários
seriam evitados, ou pelo menos atenuados, por uma regra de política fiscal,
como uma regra de orçamento equilibrado. Uma regra para a política fiscal
limitaria a capacidade de cada partido buscar suas metas pela manipulação da
demanda agregada. Além disso, as iniciativas de redistribuição de renda pelo
partido liberal seriam dificultadas se qualquer aumento nos pagamentos de
transferência exigisse novos impostos.
18.2.3 A teoria da escolha pública: desenvolvimentos mais
recentes
Em 1999, como já foi comentado, o orçamento federal americano entrou
em superávit. Muitos países europeus também haviam reduzido ou eliminado
com sucesso seus déficits orçamentários. Seria possível imaginar que o
público nesses países havia passado a compreender melhor as consequências
inflacionárias de déficits e outros custos de longo prazo decorrentes do
acúmulo de uma grande dívida pública. Talvez os políticos tenham começado
a acreditar que grandes déficits os fariam perder votos. Essa ideia é coerente
com as pesquisas nos Estados Unidos antes das eleições de 1996 e 2000, que
mostraram que os eleitores classificavam a redução do déficit como mais
prioritária que uma redução dos impostos.
Os fatores políticos teriam deixado de influenciar os déficits do orçamento
federal devido a eleitores mais bem informados?
Pela perspectiva de 2012, a situação parece mais complexa. O orçamento
americano passou de superávit para déficit depois de 2001, em parte devido a
uma recessão. A recuperação subsequente reduziu um pouco o tamanho do
déficit, mas cortes tributários durante a administração de George W. Bush
provocaram uma grande oscilação para déficits no orçamento federal
americano. Em 2007 nenhuma parte do déficit era devida a fatores cíclicos. A
economia estava funcionando com nível de produto potencial, de acordo com
cálculos do Congressional Budget Office. No período de 2001 a 2007, novos
projetos de gastos domésticos, como o desconto na compra de medicamentos
controlados acrescentado ao Medicare, eram populares. Cortes de impostos
também eram populares. O vice-presidente Richard Cheney foi citado como
tendo dito que “Reagan provou que déficits não importam” (politicamente).
Então vieram a crise financeira e a recessão profunda de 2007-2009.
Como seria de supor, poucos defensores da escolha pública foram favoráveis
ao grande programa de estímulo federal, o American Recovery and
Reinvestment Act (ARRA), posto em vigor em 2009. Uma das visões da
escolha pública para a crise e os programas governamentais resultantes estava
dentro da teoria do entrelaçamento. O modelo do entrelaçamento vê a
economia privada e o governo não como entes separados, mas como corpos
interconectados com inúmeras redes de relações. Dentro do modelo do
entrelaçamento, a resposta do governo à crise é vista como um esforço de
reforçar os níveis de entrelaçamento9. Exemplos, além de partes da ARRA,
são o Troubled Assets Relief Program (TARP) e a lei financeira Dodd-Frank.
Como parte do TARP, o governo adquiriu participação acionária em todos os
principais bancos e na General Motors e na Chrysler Corporation. A lei
Dodd-Frank ampliou a regulação dos bancos em várias áreas e estabeleceu
um novo órgão super-regulador para supervisionar todas as corporações
financeiras que são sistemicamente importantes – ou “grandes demais para
cair”. Os teóricos da escolha pública veem isso como uma repetição do
processo de reação à Grande Depressão, quando o New Deal expandiu
fortemente o entrelaçamento de governo e indústria.
Teoria do entrelaçamento
Vê os setores empresarial e
governamental como corpos
interconectados que desenvolvem
inúmeras relações para atender a seus
interesses conjuntos.
PERSPECTIVAS 18.1 - EXPECTATIVAS RACIONAIS E A
TEORIA DO PARTIDARISMO
As formas originais do modelo do ciclo político de negócios e do modelo do
partidarismo não pressupunham que as expectativas fossem racionais e,
portanto, voltadas para o futuro. Na verdade, o comportamento míope dos
eleitores no modelo do ciclo político de negócios é claramente inconsistente com
expectativas racionais. O modelo do partidarismo para a política fiscal foi
modificado de forma a incluir expectativas racionais em um artigo de Alberto
Alesina e Jeffrey Sachs.a Como antes, consideramos que existam dois partidos:
um liberal, cujo eleitorado preocupa-se essencialmente com desemprego, e um
conservador, com um eleitorado preocupado principalmente com a inflação.
O ambiente econômico imaginado por Alesina e Sachs é coerente com o modelo
novo-clássico, no sentido de que as expectativas são racionais, mas tem o
elemento keynesiano de que os salários monetários são estabelecidos por
contratos de vários anos de duração. Nesse cenário, as eleições criam incerteza
quanto ao comportamento futuro da taxa de inflação e, portanto, quanto às
reivindicações de salário monetário que os trabalhadores (ou seus sindicatos)
devem fazer. Consideremos a situação no ano anterior a eleições gerais. Os
trabalhadores poderiam imaginar que, se os liberais vencerem, a taxa de inflação
será alta, digamos 5%, ao passo que, se os conservadores ganharem, ela será
baixa, digamos 1%. Mesmo com expectativas racionais, o melhor que os
trabalhadores podem fazer é formar uma expectativa da inflação que seja uma
média ponderada dos dois resultados possíveis. Se eles acharem que a eleição
de um ou de outro partido é igualmente provável, então, no exemplo anterior, a
expectativa racional de inflação seria 3%. Firmas e trabalhadores definiram os
salários monetários com base nisso.
Agora, consideremos o que acontece depois da eleição.
Se os liberais ganharem, a taxa de inflação efetiva (5%) excederá a taxa de
inflação esperada (3%) com base na qual os salários monetários foram
estabelecidos. Essa inflação mais alta causará uma rápida expansão do produto
devido à contratação de trabalhadores adicionais pelas firmas por causa do
salário real inesperadamente baixo. Por outro lado, se os conservadores
vencerem, a inflação efetiva (1%) estará abaixo da inflação esperada (3%) e os
salários monetários terão sido fixados num nível alto demais. Isso causará um
aumento no desemprego, com a possibilidade de uma recessão.
Ciclos partidários, portanto, são possíveis no modelo do partidarismo mesmo se
as expectativas forem racionais. A teoria prevê que recessões são mais
prováveis nos dois primeiros anos após a eleição de um presidente conservador
– uma previsão, que foi confirmada nos Estados Unidos em 1981-1982, em
1990-1991 e em 2011. O ritmo acelerado da recuperação da recessão de 19901991 depois que o presidente George W. Bush foi derrotado nas urnas por Bill
Clinton em 1992 é consistente com a versão da teoria do partidarismo com
expectativas racionais.
A eleição de 2012 fornecerá outro teste para a hipótese apenas se um
Republicano for eleito. Todos os candidatos Republicanos estão defendendo
grandes cortes nos gastos do governo e déficits orçamentários mais baixos. Se
um deles for eleito, a demanda agregada provavelmente será mais baixa que
uma previsão baseada em um resultado eleitoral incerto. Um modelo de ciclos
partidários leva a uma desaceleração prevista da economia.
a ALESINA, Alberto; SACHS, Jeffrey. Political parties and the business cycle in
the United States, 1948-1984. Journal of Money, Credit and Banking, 20, p. 6282, Feb. 1988.
18.3 O orçamento federal
Duas variáveis de política fiscal, gastos do governo e arrecadação
tributária, foram incluídas nos modelos teóricos examinados nas Partes II e
III. A variável de gastos governamentais (G) era o componente dos gastos do
governo na renda nacional, que incluía tanto gastos federais como estaduais e
municipais em bens e serviços produzidos no período corrente. A variável de
impostos (T) incluía arrecadações tributárias federais, estaduais e municipais.
A política de estabilização fiscal é conduzida pelo governo federal. Estados e
municípios têm capacidade limitada de incorrer em déficits orçamentários. Os
níveis tanto de gastos como de receitas estaduais e municipais são
determinados por necessidades locais e pelo estado da economia, em vez de
serem definido de modo a influenciar metas macroeconômicas. Por isso,
nossa discussão aqui centra-se na política orçamentária federal.
A Figura 18.1 mostra dados referentes a recebimentos e gastos totais do
governo federal americano no período de 1958-2010. Os gastos federais
totais incluem pagamentos de transferências e de juros, além de gastos
federais em bens e serviços. Os números revelam um rápido crescimento tanto
nos dispêndios como nas receitas. Mas a economia também vinha crescendo.
A Figura 18.2 mostra itens do orçamento expressos como porcentagens do
PIB. Aqui podemos ver mais claramente como o governo cresceu em relação
à economia como um todo.
Em 1929, o governo federal americano representava uma parcela muito
pequena da economia do país. Os gastos federais totais eram de menos de 3%
do PIB. As mudanças de política fiscal representavam tipicamente pequenos
ajustes do orçamento e eram de pouca importância para a economia de modo
geral. Tanto gastos como receitas aumentaram modestamente durante a década
de 1930. Os gastos subiram mais que as receitas, com um resultante déficit
orçamentário. A Segunda Guerra Mundial trouxe uma enorme expansão dos
gastos militares do governo, apenas parcialmente pagos por meio de um
aumento da receitas tributárias. Os déficits orçamentários no início da década
de 1940 subiram para até 25% do PIB, o equivalente a um déficit de mais de
US$ 3.500 bilhões em termos do PIB atual dos Estados Unidos. Esses
enormes déficits de tempos de guerra foram financiados por grandes vendas
de títulos ao público.
FIG 18.1 Receitas e gastos federais, anual, 1958-2010 (Estados Unidos)
Depois da guerra, tanto os gastos como as receitas tributárias diminuíram
como proporções do PIB. No entanto, os gastos do governo federal caíram de
volta para o nível da década de 1920. Em meados da década de 1950, tanto os
gastos como as receitas estavam em torno de 17% a 18% do PIB. O governo
federal havia assumido novas funções internas na década de 1930: órgãos
reguladores, o sistema de previdência social, apoio aos preços de produtos
agrícolas e eletrificação rural, entre outras. Além disso, com o início da
Guerra Fria no final dos anos 1940, os gastos com defesa continuaram altos
mesmo em tempos de paz.
FIG 18.2 Gastos e receitas do governo federal como porcentagem do PIB,
1940-2010 (Estados Unidos)
A Figura 18.2 mostra que, em décadas recentes, os gastos cresceram como
porcentagem do PIB, de 17% em 1955 para 21% em 2007, mesmo antes que
fossem sentidos os efeitos da recessão recente. As receitas tributárias
cresceram também mas, a partir do final da década de 1960, o crescimento
dos gastos superou o crescimento das receitas, resultando em déficits
persistentes. O déficit orçamentário cresceu rapidamente durante a primeira
metade da década de 1980 com os gastos ainda em tendência de alta, enquanto
as receitas declinaram ligeiramente como porcentagem do PIB. Em 1986, o
déficit orçamentário era de cerca de 5% do PIB. O déficit declinou em termos
absolutos de 1987 a 1989, depois subiu acentuadamente com a recessão de
1990-1991. Começou a cair novamente em 1993 quando o plano de redução
do déficit do governo Clinton foi aprovado. Novos cortes de gastos
praticamente eliminaram o déficit no início de 1998 e o orçamento passou a
ter superávit. O forte crescimento econômico, associado a ações legislativas,
levaram a essa reversão no orçamento.
Depois de 2001, o orçamento voltou a apresentar déficit. Como havia
acontecido no final da década de 1990, tanto ações legislativas,
principalmente os cortes de impostos na administração Bush, como o estado
da economia, neste caso, a recessão de 2001, foram responsáveis pela
mudança na tendência do orçamento. Em 2007, porém, o déficit foi totalmente
resultado de cortes nos impostos e mudança em políticas que aumentaram os
gastos federais, com a economia tendo retornado ao nível de produto
potencial. Então, como foi comentado na introdução a este capítulo, os gastos
subiram rapidamente e as receitas tributárias caíram quando a economia
entrou em recessão. O déficit elevou-se a níveis não observados no período
após a Segunda Guerra Mundial.
PERSPECTIVAS 18.2 - FINANÇAS DOS GOVERNOS
ESTADUAIS E MUNICIPAIS NOS ESTADOS UNIDOS
Embora nossa discussão de políticas de estabilização fiscais centre-se no
governo federal, não devemos ignorar as finanças dos governos estaduais e
municipais. Os gastos dos governos estaduais e municipais nos Estados Unidos
correspondem atualmente a 8% do PIB, em comparação com 6% em 1959.
Esses governos gastam para oferecer educação, bem-estar público, saúde e
hospitais, proteção policial e serviços carcerários, além de outros serviços. Eles
captam recursos por meio de impostos sobre a renda (tanto empresarial como
individuais), vendas e propriedades. Também cobram tarifas diversas e
impostos específicos, como sobre álcool e cigarros.
Entre 2002 e 2004, os governos estaduais e municipais, especialmente os
estaduais, enfrentaram sua crise orçamentária mais grave desde a Segunda
Guerra Mundial. A Figura 18.3 mostra as receitas e gastos dos governos
estaduais e municipais nos anos desde 1960. Tipicamente, durante períodos de
recessão (1974-1975, 1981-1982, 1990-1991) as receitas ficam abaixo dos
gastos. O déficit foi especialmente acentuado depois da recessão de 2001 e,
mesmo quando a recuperação econômica começou, as finanças estaduais
continuaram a piorar. No ano fiscal de 2003, os Estados enfrentavam déficits
projetados de aproximadamente US$ 80 bilhões, que forçaram cortes dos gastos
e aumentos de impostos e tarifas, inclusive para o ensino em universidades
estaduais. Os Estados têm capacidade limitada de manter déficits. A maioria tem
regras que os obrigam a equilibrar o orçamento, ainda que alguns possam
manter déficits por um ano ou recorrer a outras soluções emergenciais de curto
prazoa.
Uma crise ainda mais séria confrontou muitos Estados e municípios depois da
recessão de 2007-2009. Programas de estímulo federais amorteceram o início
da desaceleração da receita. Esses programas incluíram concessões a Estados e
um aumento da contribuição federal para financiamento do Medicaid. Muitos
Estados também aumentaram os impostos. Ainda assim, em 2011, quando os
programas de estímulo perderam a força, Estados e municípios estavam
demitindo trabalhadores. Houve cortes na força policial e demissões de
professores e bombeiros, entre outros funcionários públicos. Isso foi,
novamente, uma dificuldade para a recuperação, uma vez que as perdas de
emprego no setor público cancelaram parcialmente os ganhos de empregos no
setor privado.
Mesmo depois que a economia se recuperar plenamente da recessão de 20072009, há razões para pessimismo quanto às finanças estaduais e municipais no
longo prazo. O crescimento do Medicaid e dos custos dos seguros de saúde dos
funcionários estaduais pressionarão o lado dos gastos. Muitos Estados e
municípios, além disso, têm planos de aposentadoria subfinanciados. Muitos
têm enormes obrigações futuras não financiadas com benefícios de saúde de
aposentados. No lado das receitas, o movimento para uma economia de
serviços corroeu a receita proveniente dos impostos estaduais e municipais
sobre as vendas, que recaem essencialmente sobre produtos. Essa perspectiva
desfavorável para o orçamento futuro de Estados e municípios está criando
tensão entre grupos de funcionários e contribuintes tributários estaduais e
municipais na arena política.
FIG 18.3 Receitas e gastos dos governos estaduais e municipais nos
Estados Unidos, 1960-2010
a É o orçamento operacional corrente que precisa estar equilibrado. Estados e
municípios emitem títulos para financiar projetos de investimento como
construção de escolas e hospitais. Além disso, há exceções ao equilíbrio do
orçamento; a Califórnia aprovou uma emissão de títulos de US$ 15 bilhões para
financiar um déficit orçamentário em 2004.
18.4 A economia e o orçamento federal: o conceito de
estabilizadores fiscais automáticos
O orçamento federal contém três variáveis que afetam as metas
macroeconômicas: compras de bens e serviços pelo governo, pagamentos de
transferência do governo (incluindo concessões de verbas a Estados e
municípios) e arrecadação tributária. Na Parte II, analisamos os efeitos de
mudanças nos gastos do governo, especificamente gastos em bens e serviços,
e de mudanças na arrecadação tributária. Nos modelos da Parte II, a
arrecadação tributária excluía transferências (impostos menos pagamentos de
transferência); portanto, um aumento nas transferências teria os mesmos
efeitos nesses modelos que uma redução nos impostos. Nesta seção, vamos
inverter a questão e perguntaremos como o nível de renda afeta itens do
orçamento federal. Ao fazer isso, veremos como mudanças no orçamento do
governo atuam como um estabilizador automático para o nível de atividade
econômica. O papel do orçamento como estabilizador automático é um fator
crucial na avaliação dos méritos relativos da política fiscal por regras ou da
política fiscal discricionária.
Estabilizadores automáticos
São mudanças nos impostos e nos
pagamentos de transferências que ocorrem
quando o nível de renda muda.
Para examinar como o nível de atividade econômica afeta o orçamento do
governo, vamos modificar nossa suposição de que o nível de receita tributária
líquida (receita tributária bruta menos pagamentos de transferência do
governo) é exógeno. Um pressuposto mais adequado à realidade é que a
tabela de alíquotas tributárias é definida exogenamente, mas o nível de
arrecadação tributária líquida depende do nível de renda. Com esse
pressuposto, podemos especificar a arrecadação tributária líquida (T) como
sendo determinada pela seguinte função imposto líquido:
onde t0 e t1 são parâmetros que representam a estrutura tributária. O
parâmetro t1 é a alíquota marginal líquida do imposto, que dá o aumento no
imposto (descontadas as transferências) por unidade de aumento da renda (t1
= ΔT/ΔY). Se o sistema tributário fosse proporcional, o outro parâmetro da
função imposto, t0, seria zero; a arrecadação tributária seria igual a t1Y.
Repare que, nesse caso, a alíquota marginal do imposto ΔT/ΔY seria igual à
alíquota média T/Y, ambas dadas por t1. O termo negativo t0 permite que a
alíquota tributária média, que, a partir da equação (18.4), seria (t0/Y + t1),
seja menor que a alíquota marginal (t1). O termo negativo t0 também leva em
conta transferências, impostos líquidos negativos, que são independentes da
renda.
Da função imposto líquido dada pela equação (18.4) segue-se que, quando
a renda aumenta, a arrecadação tributária líquida também cresce e o superávit
orçamentário do governo aumenta (ou o déficit diminui); com níveis mais
altos de atividade econômica, mais receita tributária é arrecadada para
qualquer conjunto dado de alíquotas tributárias. A relação positiva entre
receitas tributárias líquidas e o nível de atividade econômica também resulta
do fato de que pagamentos de transferência, principalmente pagamentos de
salário-desemprego, diminuem quando a atividade econômica aumenta. Do
lado dos dispêndios orçamentários, na ausência de mudanças políticas
discricionárias, não há razão para esperar que os gastos do governo (G)
respondam a mudanças no nível de atividade econômica.10 Nossa suposição
anterior de que os gastos do governo eram exógenos pode ser mantida.
Consequentemente, o efeito líquido de um aumento da renda é o aumento
do superávit do orçamento federal ou a redução de um déficit já existente.
Uma expansão da atividade econômica, portanto, faz a política fiscal,
conforme medida pelo superávit orçamentário, tornar-se mais restritiva. Essa
política mais restritiva refreia a expansão. De maneira similar, um choque que
faça a atividade econômica cair resultará automaticamente em uma redução do
superávit orçamentário federal ou em um aumento do déficit, o que ameniza a
queda da renda. Essa é a essência do conceito de estabilizadores fiscais
automáticos.
Para examinar o funcionamento dos estabilizadores fiscais automáticos de
forma mais detalhada, vamos voltar à análise do multiplicador do modelo
keynesiano do Capítulo 5. Vimos como a demanda agregada respondia a
choques exógenos, como mudanças na demanda por investimentos autônomos
ou nos gastos do governo. Na verdade, os estabilizadores fiscais automáticos
reduzem a resposta da demanda agregada e, assim, da renda a tais choques
exógenos. Para mostrar esse resultado, vamos analisar os efeitos sobre as
expressões do multiplicador, ou seja, as expressões que dão a resposta da
demanda agregada a esses choques, que resultam de levar em conta mudanças
endógenas nas receitas tributárias líquidas.
A condição de equilíbrio para a renda obtida no Capítulo 5 é
Considera-se que o consumo (C) seja dado por
onde YD é a renda disponível, definida como a renda nacional menos a
arrecadação tributária líquida (Y – T). Investimentos, gastos do governo e o
nível de arrecadação tributária são considerados exógenos nessa versão
simples do sistema keynesiano. Seguindo uma linha similar ao procedimento
usado no Capítulo 5, podemos usar a equação (18.6) para substituir C na
condição de equilíbrio para a renda dada pela equação (18.5) e, usando a
definição de YD, calculamos uma expressão para a renda de equilíbrio (Y):
A partir da equação (18.7), calculamos os efeitos sobre a renda de
equilíbrio de mudanças exógenas no investimento (I), nos gastos do governo
(G) e na arrecadação tributária exógena (T), como se segue:
A tarefa aqui é ver como essas expressões são modificadas quando a
função imposto líquido dada pela equação (18.4) é usada em substituição ao
pressuposto de que a arrecadação tributária é exógena.
Para começar, consideremos a forma da função consumo dada pela
equação (18.6) com nossa nova suposição sobre os impostos. Usando a
definição de renda disponível (YD= Y – T) e com T definido pela equação
(18.4), podemos escrever a função consumo como
Usando a equação (18.9) para substituir C na condição para a renda de
equilíbrio dada na equação (18.5), podemos derivar a expressão revisada
para o nível de equilíbrio da renda, como se segue
Como no caso da expressão anterior (18.7), a equação (18.10) especifica a
renda de equilíbrio como sendo determinada por um multiplicador de gastos
autônomos, neste caso 1/[1-b(1 – t1)], e pelas influências autônomas sobre a
renda dadas por a – bt0 + I + G. Como antes, podemos calcular os efeitos
sobre a renda de equilíbrio de uma mudança nos investimentos ou nos gastos
do governo.
Repare que o multiplicador de gastos autônomos e, assim, o efeito sobre a
renda de uma mudança nos gastos autônomos (mudanças em I ou G, por
exemplo) é menor quando a arrecadação tributária depende da renda do que
quando o nível de arrecadação tributária é exógeno; ou seja,
Por exemplo, se b, a propensão marginal a consumir, fosse igual a 0,8, e t1,
a alíquota marginal do imposto, fosse 0,25, teríamos
Neste exemplo, a alíquota marginal do imposto de 0,25 reduz o valor do
multiplicador pela metade.
Uma alíquota marginal líquida do imposto de renda reduz o efeito sobre a
renda de equilíbrio de choques nos gastos autônomos, como uma mudança
autônoma na demanda por investimentos. Nesse sentido, o imposto sobre a
renda funciona como um estabilizador automático. Esse efeito estabilizador de
um imposto sobre a renda pode ser explicado com referência à nossa
discussão anterior do processo multiplicador (veja a Seção 5.5). Um choque
inicial na demanda por investimentos, por exemplo, muda a renda e tem um
efeito induzido sobre os gastos com consumo. Esse efeito induzido sobre a
demanda por consumo faz a renda de equilíbrio sofrer uma alteração de um
múltiplo da mudança original na demanda por investimentos. Com uma
alíquota marginal do imposto de renda de t1, cada redução de uma unidade
monetária no PIB reduz a renda disponível de um indivíduo, o determinante
do consumo, em apenas (1 – t1) unidades monetárias, uma vez que o imposto a
pagar do indivíduo tem uma queda de t1 unidades monetárias. Como a renda
disponível é menos afetada por uma mudança unitária no PIB, os efeitos
induzidos sobre a demanda por consumo são menores a cada rodada do
processo multiplicador. O efeito total sobre a renda de uma mudança no
investimento autônomo, que consiste no choque original no investimento mais
os efeitos induzidos sobre o consumo, é, portanto, menor quando há uma
alíquota marginal do imposto de renda do que quando as arrecadações
tributárias são consideradas exógenas.
A resposta automática dos impostos e transferências ao nível de atividade
econômica foi uma força estabilizadora importante na economia americana no
período após a Segunda Guerra Mundial, em geral movendo acentuadamente o
orçamento para situações de déficit durante recessões, com redução do déficit
ou, às vezes (na década de 1950 e final da década de 1990) superávits durante
períodos de expansão. O tamanho ampliado do orçamento federal no período
de pós-guerra em relação ao período anterior à guerra aumentou a eficácia
dos estabilizadores fiscais automáticos; em termos de nossa função imposto, a
alíquota marginal líquida do imposto é maior agora do que foi em um período
como a década de 1920 e, assim, o multiplicador é menor.
O uso da função imposto líquido dada pela equação (18.4) em substituição
ao pressuposto de que o nível de arrecadação tributária é exógeno também
exige uma modificação da análise dos efeitos de mudanças tributárias
discricionárias no modelo. Na expressão revisada da renda de equilíbrio
dada pela equação (18.10), a política tributária é representada por duas
variáveis: t0, o intercepto da função imposto, e t1, a alíquota marginal do
imposto de renda.
O análogo a uma mudança lump-sum na arrecadação tributária na equação
de renda revisada é uma mudança em t0. Essa mudança poderia representar
uma restituição lump-sum de imposto para cada contribuinte, por exemplo, ou
uma mudança lump-sum nos pagamentos de transferência. Segundo a equação
(18.10), os efeitos de uma mudança em t0 podem ser calculados como
Levando em conta a mudança no multiplicador dos gastos autônomos, essa
expressão é a mesma que o multiplicador dos impostos quando a arrecadação
tributária era exógena [veja a equação (18.8)]. Uma vez mais, o efeito de uma
mudança nos impostos, aqui uma mudança no intercepto da função imposto, é
oposto em sinal ao efeito de uma mudança nos gastos do governo ou no
investimento autônomo dada pela equação (18.11). Um aumento em t0, por
exemplo, faz a renda de equilíbrio cair. Além disso, o efeito de uma mudança
de uma unidade monetária em t0 é menor em valor absoluto do que o efeito de
uma mudança de uma unidade monetária em I ou G. Como no caso anterior, a
um dado nível do PIB (Y), uma mudança de uma unidade monetária nos
impostos muda os gastos autônomos [o termo entre parênteses na equação
(18.10)] em apenas b (<1) unidades monetárias, com as (1 – b) unidades
monetárias restantes absorvidas por uma mudança na poupança. Uma mudança
de uma unidade monetária nos gastos do governo ou no investimento autônomo
provoca uma mudança de uma unidade monetária inteira nos gastos
autônomos.
Pela equação (18.10), também é possível perceber que a renda de
equilíbrio depende da alíquota marginal do imposto, t1. Um aumento em t1
diminui o multiplicador dos gastos autônomos e, portanto, reduz a renda de
equilíbrio, dados os valores dos componentes dos gastos autônomos. O modo
como a renda de equilíbrio é afetada por uma mudança na alíquota marginal
do imposto de renda pode ser percebido melhor graficamente. A Figura 18.4
ilustra os efeitos de um aumento na alíquota marginal do imposto de t1 para
t1’. A Figura 18.4a mostra o efeito do aumento da alíquota do imposto sobre a
função consumo.
FIG 18.4 Efeito de um aumento na alíquota marginal do imposto de renda
(t1)
Um aumento na alíquota do imposto de renda de t1 para t1’ desloca a função consumo
para baixo na parte a. Consequentemente, a curva C + I + G na parte b também se
desloca para baixo de (C + I + G) para (C + I + G)’. A renda de equilíbrio cai de Y
para Y’.
Com um imposto de renda, o consumo é dado pela equação (18.9). Antes
do aumento da alíquota marginal do imposto, a reta de consumo é C = (a –
bt0) + b(1 – t1)Y no gráfico. O aumento da alíquota do imposto de renda
desloca a função para baixo até a reta C = (a – bt0) + b(1 – t1’)Y. A nova reta
de consumo é menos inclinada, indicando que um dado aumento em Y faz o
consumo subir menos com a alíquota do imposto mais alta. Isso acontece
porque, com uma alíquota mais alta, um dado aumento em Y, a renda nacional,
causa um aumento menor na renda disponível e, portanto, no consumo. A
Figura 18.4b mostra o efeito sobre a renda de equilíbrio de um aumento na
alíquota do imposto. A função consumo desloca-se para baixo, como na
Figura 18.4a, portanto a reta C + I + G também se desloca para baixo, de (C +
I + G) para (C + I + G)’. A renda de equilíbrio cai de Y para Y’. A alíquota do
imposto mais alta reduz a demanda agregada e faz a renda de equilíbrio cair.
18.5 Controvérsias de política fiscal: dos anos Reagan até o
presente
Nesta seção, vamos examinar as controvérsias em relação ao orçamento
federal ocorridas nos Estados Unidos nas últimas décadas. Começamos
considerando as diferentes visões sobre regras de orçamento equilibrado para
as políticas fiscais. Se obedecidas rigidamente, essas regras limitariam ou
eliminariam completamente os déficits do orçamento federal. As razões pelas
quais os economistas keynesianos opuseram-se a regras de orçamento
equilibrado serão explicadas.
18.5.1 Os prós e contras de regras para a política fiscal
Em seu último relatório econômico para o Congresso em 1989, o
presidente Ronald Reagan renovou seu pedido de uma emenda constitucional
que exigisse um orçamento federal equilibrado. Em 1995, com déficits
orçamentários ainda altos e com ambas as Casas sob controle republicano,
faltou apenas um voto para que o Congresso conseguisse aprovar uma emenda
de orçamento equilibrado. Em 2011, a Câmara dos Deputados controlada
pelos republicanos insistiu na votação de uma emenda constitucional de
orçamento equilibrado como uma condição para aprovar um aumento no teto
da dívida nacional. (A emenda não passou.) As diretrizes de Maastricht na
Europa são regras de política fiscal que, embora não exijam orçamentos
equilibrados, determinam que a política fiscal cumpra metas de déficit.
Vimos que os economistas que aceitam a visão da escolha pública para o
processo orçamentário tendem a defender regras para a política fiscal. Os
principais oponentes de regras que obriguem a política fiscal a equilibrar o
orçamento (ou a cumprir outras metas de déficit arbitrárias) são os
keynesianos, que afirmam que tais regras dificultam o papel estabilizador que
a política fiscal deve desempenhar – um papel que, às vezes, requer déficits
orçamentários.
O papel do sistema de impostos–transferências como um estabilizador
fiscal automático, que foi explicado na Seção 18.4, requer que o orçamento
possa entrar em déficit (ou superávit) em pontos apropriados do ciclo de
negócios. Durante uma recessão, quando o nível de atividade econômica
diminui, o orçamento, na visão keynesiana, deve às vezes entrar em déficit.
Elevar as alíquotas tributárias ou cortar os gastos nesse momento só
exacerbaria a recessão. Os keynesianos citam o aumento de impostos de 1932
nos Estados Unidos como um exemplo de políticas fiscais mal orientadas que
resultaram da tentativa de buscar a meta de um orçamento equilibrado. A
administração Hoover elevou substancialmente as alíquotas tributárias em
1932 para tentar equilibrar o orçamento em um momento em que as receitas
tributárias estavam caindo por causa da Depressão. O aumento das alíquotas
tributárias aconteceu em um momento em que a taxa de desemprego era de
24%. A política não teve sucesso em equilibrar o orçamento por causa da
forte queda da renda, que resultou, em parte, do aumento dos impostos.
Durante a recessão de 1974-1975, o déficit do orçamento federal disparou
para quase 70 bilhões de dólares. Durante a recessão de 1981-1982, o déficit
alcançou um pico de US$ 208 bilhões. Os keynesianos acreditam que o
governo correria o risco de repetir a Grande Depressão se tivesse tentado
equilibrar o orçamento ou limitar seriamente o tamanho do déficit nessas
condições.
Além de impedir o funcionamento dos estabilizadores automáticos, uma
regra de orçamento equilibrado limitaria a capacidade dos formuladores de
políticas de tomar ações fiscais anticíclicas discricionárias. Estas são
mudanças nos gastos do governo e nas alíquotas tributárias destinadas a
estabilizar a demanda agregada do setor privado – os equivalentes na
economia real às mudanças de política fiscal discutidas em capítulos
anteriores. Os keynesianos não negam que há exemplos no passado de ações
de política fiscal discricionária inoportunas e, às vezes, desestabilizadoras, e
não só estabilizadoras. Além disso, eles concordam que alguns dos fracassos
de políticas fiscais discricionárias derivam de interações entre o processo
político e a formulação de políticas macroeconômicas. Os keynesianos que se
opõem a emendas constitucionais de orçamento equilibrado ou a outras regras
para a política fiscal afirmam, porém, que o histórico das políticas
discricionárias não é uniformemente ruim e que o custo de interferir no
funcionamento de estabilizadores fiscais automáticos por meio desse tipo de
emendas é grande.
Vemos que essas questões voltaram ao centro do palco como resultado da
profunda recessão de 2007-2009 e da lenta recuperação subsequente.
18.5.2 E quanto ao déficit?
Em 1963, quando o senador Harry Byrd Sr. perguntou ao Diretor do
Orçamento, Kermit Gordon, um economista keynesiano, o que o equilíbrio do
orçamento faria pelo país, Gordon respondeu, “Provavelmente acrescentaria
cerca de 2,5 milhões de pessoas à lista dos desempregados, retardaria a
recuperação em uns quatro anos e cortaria 10% da produção do país”.11 No
entanto, em meados da década de 1980, os economistas keynesianos estavam
entre os críticos mais duros dos grandes déficits orçamentários que surgiram
nos anos Reagan. O que havia mudado?
18.5.2.1 Déficits cíclicos e déficits estruturais
Para compreender as diferenças nas posições keynesianas quanto aos
déficits do início da década de 1960 e aqueles das décadas de 1980 e 1990
nos Estados Unidos, é útil fazer a distinção entre déficits cíclicos e déficits
estruturais. Vimos que o déficit orçamentário federal depende em parte do
nível de atividade econômica. O déficit cíclico é a parte do déficit que resulta
de um nível baixo de atividade econômica. Na visão keynesiana, déficits
cíclicos que refletem o funcionamento de estabilizadores econômicos
automáticos são desejáveis.
Déficits cíclicos
São a parte do déficit federal que resulta
de um baixo nível de atividade
econômica.
Déficits estruturais
São a parte do déficit federal que existiria
mesmo que a economia estivesse em seu
nível de produto potencial.
A parte do déficit que existiria mesmo que a economia estivesse em seu
nível de produto potencial é chamada de déficit estrutural. Um déficit
estrutural não é diretamente atribuível ao comportamento da economia e é a
parte do déficit pela qual os formuladores de políticas são diretamente
responsáveis. Em outras palavras, o déficit estrutural é resultado de decisões
tomadas por formuladores de políticas sobre alíquotas tributárias, nível de
gastos do governo e níveis de benefícios para programas de transferência.
Para dividir o déficit em componentes cíclico e estrutural, precisamos de
uma medida do produto potencial – o nível de produto obtido quando capital e
trabalho são usados em suas mais altas taxas sustentáveis. Podemos, então,
calcular as mudanças nas receitas tributárias e pagamentos de transferências
que teriam ocorrido se a economia tivesse passado do produto efetivo para o
produto potencial. Usando esses dados, podemos encontrar o déficit
estrutural. Para dar um exemplo, suponhamos que o déficit efetivo seja de
$300 bilhões, mas que a economia esteja abaixo de seu produto potencial. Se
o nível de atividade econômica aumentasse até o nível potencial, as receitas
tributárias teriam um aumento, vamos supor, de $100 bilhões. Os pagamentos
de transferências cairiam, digamos que em $30 bilhões, porque os pagamentos
de seguro-desemprego diminuiriam com o aumento do emprego. O déficit
estrutural – o déficit com o produto potencial – é, então, de $170 bilhões (300
– 100 – 30).
Como um exemplo real da distinção entre déficits cíclicos e estruturais, a
Tabela 18.1 mostra a divisão do déficit orçamentário federal efetivo dos
Estados Unidos em seus componentes cíclico e estrutural para os anos fiscais
de 2008-2011. O ano fiscal vai de 1o de outubro a 30 de setembro. Portanto, o
ano inicial, 2008, terminou em setembro desse ano, logo antes da queda
acentuada do PIB. Pela tabela, pode-se ver que o componente cíclico do
déficit, o efeito de estabilizadores automáticos, ficou entre US$ 300 e US$
400 bilhões em cada um dos 3 anos seguintes. O componente cíclico foi
responsável por aproximadamente um quarto dos déficits acumulados desses
três anos. O restante deveu-se a medidas discricionárias para combater a
recessão e a outros fatores.
Tabela 18.1 - Déficits efetivos, cíclicos e estruturais, Estados Unidos (bilhões
de dólares), 2008-2011
Fonte: Congressional Budget Office (CBO).
Para dar um exemplo, em 1963, quando Kermit Gordon deu a resposta
anteriormente citada ao senador Byrd, em vez de um déficit medido ao nível
de produto potencial (conforme estimativa da época), o orçamento
apresentava um superávit de 13 bilhões de dólares; havia um superávit
estrutural.12 Gordon e outros keynesianos opuseram-se ao equilíbrio do
orçamento em 1963 porque o déficit refletia o funcionamento de
estabilizadores fiscais automáticos em um momento em que a economia,
aparentemente, estava operando substancialmente abaixo do produto
potencial.
18.5.2.2 A visão keynesiana dos déficits da década de 1980
Na década de 1980, os keynesianos criticavam a política da administração
Reagan porque acreditavam que os grandes déficits estruturais refletiam um
mix errado de políticas fiscais e monetárias. Especificamente, eles achavam
que os déficits resultavam de uma política fiscal excessivamente
expansionista. Essa política fiscal compunha-se dos grandes cortes de
impostos e gastos aumentados com defesa que mais do que contrabalançavam
os cortes nos gastos com itens de outras áreas. As políticas fiscais
excessivamente expansionistas, na opinião dos keynesianos, significaram que,
ao longo de boa parte da década de 1980, a política monetária teve de ser
especialmente restritiva a fim de impedir que o nível da demanda agregada
crescesse rápido demais. Os keynesianos acreditam que esse mix de uma
política fiscal branda e uma política monetária restritiva teve efeitos
desfavoráveis sobre a composição do produto, das seguintes maneiras.
Os keynesianos acreditavam que a política monetária rígida e a política
fiscal branda resultaram em altas taxas de juros nos Estados Unidos durante
boa parte da década de 1980. Eles achavam que esse mix de políticas
desestimulou o investimento à custa do consumo. Acreditavam também que as
altas taxas de juros elevaram o valor do dólar americano com a atração de
investimentos externos; isso, por sua vez, incentivou as importações e
desestimulou as exportações, levando ao que foram, na época, recordes de
déficits comerciais.
Os keynesianos defendiam um mix de política fiscal mais rígida e política
monetária mais branda que teria levado a maior formação de capital (mais
investimento) e mais exportações (um déficit comercial menor).
18.5.3 O orçamento federal americano no final da década de
1990 e início do século XXI
A partir de meados da década de 1990, uma combinação de aumentos de
impostos e cortes de gastos, auxiliada pelo rápido crescimento econômico,
moveu o orçamento de grandes déficits para um superávit. Enormes superávits
futuros eram previstos para o médio termo. Havia preocupação quanto aos
efeitos da eliminação da dívida pública, que se previa que chegaria a zero até
2011. Essa preocupação foi prematura porque, conforme observado na
introdução, em 2004 as projeções orçamentárias de dez anos mostravam um
déficit cumulativo de mais de 2 trilhões de dólares, em comparação a um
superávit de mais de 3 trilhões projetado no início de 2001.
Parte dessa mudança foi resultado da recessão de 2001. Em 2007, quase
todo o déficit era estrutural. Essa mudança na política fiscal reacendeu os
debates das décadas de 1980 e 1990 sobre os efeitos econômicos de grandes
déficits estruturais.
18.5.3.1 A recessão de 2008-2009 e as implicações para o
orçamento
A recessão e a crise financeira recentes testaram os limites da política
monetária para evitar declínios acentuados na atividade econômica. Os
formuladores de políticas tanto de administrações democratas como
republicanas voltaram-se para a política fiscal para ajudar a estabilizar a
economia. Houve um modesto corte de impostos em 2008 durante a
administração Bush e, como vimos, um estímulo fiscal muito maior com a
American Recovery and Reinvestment Act (ARRA) em 2009, depois que
Barack Obama assumiu o governo. O efeito da ARRA sobre o orçamento foi
de aproximadamente U$ 800 bilhões ao longo de 3 anos. Pela Tabela 18.1,
pode ser visto que o efeito de estabilizadores automáticos nesses 3 anos teve
um total similar. Os déficits ultrapassaram US$ 1 trilhão por 3 anos seguidos.
Esse é o pano de fundo do debate atual sobre gastos governamentais,
impostos e déficits orçamentários. A posição keynesiana continua inalterada.
Os economistas keynesianos veem o programa de estímulo e o funcionamento
de estabilizadores automáticos como algo que foi necessário para evitar outra
depressão. Os déficits resultantes são um efeito colateral necessário do
processo. Os críticos, entre eles os do que ficou conhecido como “tea party”,
todos os candidatos republicanos à presidência em 2012 e os líderes
republicanos de ambas as Casas do Congresso, renovaram a defesa de uma
emenda constitucional para equilibrar o orçamento. Os Republicanos querem
cortes de gastos para equilibrar o orçamento sem elevar impostos – uma
tarefa de peso, dado o tamanho dos déficits futuros projetados. Os argumentos
dos republicanos contra a elevação dos impostos apoiam-se em elementos da
economia do lado da oferta que são examinados no Capítulo 19.
PERSPECTIVAS 18.3 - DÍVIDA SOBERANA
A dívida soberana é a dívida emitida e garantida por governos federais. Com
frequência, consiste em dívida emitida em moeda estrangeira, mas, no caso dos
Estados Unidos, a dívida nacional é emitida em dólares americanos. A dívida
nacional americana é resultado de déficits passados que foram financiados
vendendo títulos do Tesouro (de curto, médio e longo prazo) para o público. A
preocupação com o tamanho crescente da dívida nacional é central para as
preocupações com o tamanho dos déficits orçamentários federais. Examinamos
aqui algumas das principais questões referentes à dívida nacional. Medição:
Mesmo a medição da dívida soberana de um país não é direta. A medida que
usaremos aqui é a dívida federal americana mantida pelo público. Essa medida
ignora, por exemplo, a dívida do Tesouro com o fundo de Seguridade Social,
bem como outras dívidas intragovernamentais. Medida dessa maneira, em 2010
a proporção dívida/PIB era de 62,1%; para 2015, o Congressional Budget
Office (CBO) projeta que essa proporção suba para 71,2%. Depois, as
estimativas do CBO mostram a proporção se estabilizando em meados da
década de 2070. Mas essas estimativas baseiam-se em disposições da legislação
atual, que provavelmente não serão mantidas, como a expiração de todos os
cortes de impostos aprovados em 2001 e 2004 e estendidos temporariamente
até 2011. Com pressupostos mais plausíveis sobre as políticas futuras, a
proporção dívida/PIB sobe até a faixa de 80% a 85% até 2020. Ainda assim,
esses são níveis não muito diferentes aos dos países europeus fiscalmente mais
sólidos.
Mais preocupante é o fato de que, se os custos da saúde subissem a taxas
consistentes com algumas das projeções atuais mais elevadas, a proporção
dívida/PIB dispararia para até 175% do PIB até 2035. Isso não é provável.
Para evitar esse resultado, no entanto, a inflação sobre o custo do atendimento
de saúde precisa declinar, os impostos precisam subir, outros gastos têm que
cair ou, mais provavelmente, alguma combinação desses três fatores terá que
acontecer. Fardo da dívida nacional: Diz-se com frequência que a dívida
nacional é um fardo para as futuras gerações. Em que sentido isso é verdade?
Na teoria das finanças públicas padrão, o fardo da dívida reflete o grau em que
ela reflete o deslocamento (crowding out) passado de investimentos em estoque
de capital devido a gastos governamentais deficitários. Gastos deficitários na
presença do produto potencial medidos pelo déficit estrutural reduzem a
quantidade de poupança nacional que poderia ser usada para financiar
investimentos privados. Se a atividade econômica estiver abaixo do produto
potencial, isso não é verdade, porque os gastos deficitários podem aumentar o
produto e, portanto, a poupança. Também importa qual a forma que os gastos
governamentais assumem. Se o governo fizer investimentos produtivos, por
exemplo em infraestrutura ou educação, isso é um benefício para uma geração
futura que compensa o efeito do declínio nos investimentos privados.
Mas qualquer dívida não é um fardo pelo fato de que a geração futura tem
que pagar os juros? A resposta para essa pergunta depende de a dívida ser
devida a estrangeiros ou a investidores domésticos. Se ela for devida a
investidores domésticos, então, pela perspectiva da nação, devemos a nós
mesmos. A geração futura paga impostos para fazer pagamentos de juros para
outros membros dessa geração. Ainda assim, impostos envolvem distorções e
estas são um custo. Se a dívida for vendida a investidores estrangeiros, como
foi cada vez mais o caso nos Estados Unidos nas duas últimas décadas, há um
fardo mais direto. Nesse caso, algum investimento passado, em vez de ser
deslocado por déficits governamentais, foi financiado por recursos do
exterior e não por poupança doméstica. A dívida resultante deve ser paga pela
geração futura.
É provável que ocorra uma crise da dívida soberana nos Estados
Unidos? Uma crise da dívida soberana acontece quando os investidores
questionam a capacidade ou disposição de um país a servir e pagar sua
dívida. A única chance de que isso venha ocorrer com os Estados Unidos, a
maior economia do mundo e um dos países mais ricos, seria como resultado
de escolhas de política econômica incrivelmente estúpidas. Um fato para ter
em mente é que a dívida americana é em dólares americanos. O país pode
criar uma quantidade ilimitada de sua própria moeda. Nesse sentido, os
Estados Unidos diferem fundamentalmente da Itália, com dívida em euros,
uma moeda comum da zona do euro, ou da Argentina, que tinha uma grande
dívida em dólares americanos. Escolhas de política econômica ruins
poderiam criar temores de inflação nos Estados Unidos e elevar a taxa de
juros que o país precisa pagar para financiar a dívida.
O déficit ótimo é igual a zero? Há tantos fatores que estariam envolvidos
no cálculo do déficit efetivo ou estrutural ótimo que encontrar uma
aproximação sequer razoável é uma tarefa quase impossível. O nível ótimo
certamente não é zero em todos os pontos do tempo. Mesmo aqueles que
defendem uma emenda constitucional de orçamento equilibrado incluiriam
algumas cláusulas de escape para recessões e guerras. Se em algum ponto o
déficit é “grande demais” e como o nível do déficit deve ser determinado são,
assim, sem surpresa, questões controversas.
Conclusão
O déficit dominou o debate sobre política fiscal nas três últimas décadas.
Qualquer papel estabilizador potencial para a política fiscal foi complicado
pela preocupação com déficits e por considerações alternativas de políticas
orçamentárias. A crise econômica de 2007-2009 mudou o ambiente e os
formuladores de políticas voltaram à política fiscal como um instrumento de
estabilização. Esse renascimento keynesiano teve vida curta, uma vez que as
preocupações com déficits e gastos governamentais “excessivos” retornaram.
As preocupações com o déficit e a dívida provavelmente continuarão
centrais no futuro. A aposentadoria gradual da geração “baby boom” nos
Estados Unidos e a expectativa de vida maior da população pressionarão com
mais força os sistemas de Seguridade Social e de saúde. Mais assustadores
são os efeitos projetados da elevação dos preços da saúde sobre os sistemas
Medicare e Medicaid. Dadas essas pressões orçamentárias, as políticas de
estabilização fiscais provavelmente serão postas dentro de uma caixa
trancada a cadeado e com a instrução: “Abrir apenas em caso de crise”.
Questões de revisão
1. Alguns economistas que aceitam a visão da escolha pública para o
processo de formulação de políticas fiscais concluíram que uma emenda
constitucional que exigisse um orçamento federal equilibrado seria
desejável. Resuma os argumentos deles a favor dessa emenda.
2. Explique o elemento central da teoria do partidarismo na formulação de
políticas fiscais. Compare as implicações da teoria do partidarismo para a
relação entre política fiscal e o ciclo de negócios com as da visão da
escolha pública.
3. Explique o conceito de estabilizador fiscal automático. Dê exemplos.
4. Suponha que, no modelo keynesiano simples usado na Seção 18.4, o nível
de gastos do governo (G) fosse 100, o nível de gastos com investimentos
(I) fosse 75 e o consumo (C) fosse dado por
C = 25 + 0,8YD
Os impostos líquidos (T) são inicialmente dados pela função imposto
T = -50 + 0,30Y
Calcule a renda de equilíbrio (Y). Agora, suponha que a alíquota tributária
seja reduzida de 0,30 para 0,25. Encontre o novo nível da renda de
equilíbrio. Calcule os valores do multiplicador de gastos autônomos antes
e depois da redução do imposto.
5. Explique as objeções que os economistas keynesianos fazem a regras fixas
para políticas fiscais, como uma emenda constitucional que exija um
orçamento federal equilibrado.
6. Retome a primeira renda de equilíbrio que você calculou no problema 4.
Agora suponha que o intercepto da função imposto líquido (t0) mude de –
50 para –40. Encontre o novo nível de equilíbrio da renda.
7. Retorne ao modelo keynesiano simples da Seção 18.4. Suponha que: G é
700; I é 310; e C é dado por
C = 250 + 0,8YD
Os impostos líquidos (T) são dados pela função imposto
T = -50 + 0,25Y
Calcule a renda de equilíbrio. Agora, suponha que I caia 80 unidades,
para 230. Calcule o novo nível da renda de equilíbrio e o valor do déficit
(G -T) nesse nível de renda. Suponha que o governo aumente os impostos
de modo geral (aumente t0) pelo mesmo montante do déficit para
equilibrar o orçamento. Qual será o novo nível da renda de equilíbrio? O
orçamento será equilibrado? Explique.
8. Suponha que a propensão marginal a consumir usando a renda disponível
seja 0,8 e que a alíquota marginal do imposto de renda seja 0,1. Qual é o
valor do multiplicador dos gastos autônomos? Agora, suponha que a
alíquota marginal do imposto de renda suba para 0,2. Qual é o novo valor
do multiplicador? Explique a diferença.
PARTE VI
Crescimento econômico
Os capítulos desta parte expandem o intervalo de tempo de nossa análise para
períodos mais longos do que ciclos de negócios. No Capítulo 19,
consideramos períodos longos demais para nossas premissas de curto prazo,
mas não consideraremos que a economia esteja em um caminho de
crescimento de equilíbrio de longo prazo. Pelo tempo de calendário, esses
poderiam ser períodos de uma ou duas décadas. Fazer modelos para esse
intervalo de tempo é complicado. Embora as premissas feitas para o curto
prazo não sejam mais válidas, os fatores de ciclos de negócios que dominam
o comportamento de curto prazo da economia ainda exercem influência em um
período de uma década ou mais. Complicados ou não, esses períodos de
duração intermediária são o intervalo relevante para muitas das principais
disputas de política econômica de anos recentes, em especial com referência
a efeitos de políticas fiscais. Um exemplo proeminente é a controvérsia sobre
a economia do lado da oferta.
O Capítulo 20 examina modelos de crescimento econômico de longo prazo.
Nele analisaremos os fatores que determinam o que Adam Smith chamou de
“a riqueza das nações”. Uma questão-chave é por que a riqueza é tão
desigualmente distribuída entre as nações.
CAPÍTULO 19
Políticas para o crescimento 
Download