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CAPÍTULO XII - STOCK - PÁGS. 265 a 286

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participação), revelam-se fundamentais para que o movimento obtenha
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Deficiente controlo social. A reacção e actuação das autoridades
institucionais podem fortalecer o movimento social mas também podem
debilitá-lo e extingui-lo. Muitas das vezes, um uso desproporcionado
da força policial pode intimidar e refrear o ímpeto de um movimento,
mas também pode atear os ânimos, exaltar a animosidade face a um
governo e reunir a simpatia de sectores da população que podiam até
não concordar com os propósitos iniciais do grupo de protesto. Também
uma excessiva tolerância e permissão por parte dos órgãos institucionais
do poder face a um movimento podem abrir espaço ao seu rápido
crescimento e reforço e favorecer mesmo o surgimento de outros.
teoria de Smelser teve o grande mérito de identificar
um conjunto de condições que ajudam a compreender a génese e constituição
dos movimentos sociais, bem como o de relacionar a sua formação com a
existência de tensões no seio da sociedade. Contudo, algumas das críticas
Deve ser sublinhado que
a
dirigidas a esta teoria realçam o seu excessivo <<funcionalismo>> e <<mecanicismo>> , ou seja, uma visão da sociedade como um todo equilibrado e ordenado
em relação à qual os movimentos sociais se apresentam como agentes de
perturbação e desordem, demonstrando a incapacidade das instituições e do
controlo social. Por outro lado, os movimentos sociais e os seus participantes
são vistos mais como <<produtos>> da tensão e menos como <<produtores>> de
tensões sociais, mais como formas de reacção disfuncionais aos conflitos existentes na sociedade e menos como uma deliberação colectiva de transformação
das instituições, das mentalidades e do sistema social, sem a necessidade
imperiosa de tal surgir como resposta a tensões manifestas.
As críticas à teoria das tensões estruturais
Outros autores apontam ainda as dificuldades de operacionaltzaçáo empírica
da teoria, a sua dificuldade em acompanhar a espontaneidade e dinâmica de
muitos movimentos nascidos em sociedades com graus de estruturação e
estabilidade diferenciados e o facto de Smelser ter negligenciado ou esquecido
a importância decisiva dos média e da cooperação internacional nas formas de
actuação eotganização dos movimentos sociais. Ora, se atendermos ao facto
de Neil Smelser ter concebido a sua teoria no início da década de 60, percebese a sua desatenção face a fenómenos que estavam apenas a despontar e que
hoje são fundamentais na vida e percurso dos movimentos sociopolíticos, como
é o caso da utilização dos média e dos novos suportes tecnológicos da
informação e, também, de uma forte aposta na colaboração e solidariedade
intemacionais entre movimentos similares oriundos de vários pontos do planeta.
Finalmente, e como salienta Claus Offe, é de referir o fundo <ideológico> da
teoúzação de Neil Smelser e dos seus pressupostos, pois os movimentos são
vistos como produções colectivas socialmente inconsistentes e condenadas ao
265
fracasso: <O compoftamento colectivo, de acordo com Smelser, é uma resposta
irracional, histérica, que confunde o desejo com a realidade, e em qualquer
caso inadequada cognitivamente às coacções estruturais que gera o processo
de moderntzaçáo>> (Offe 1992: 200). Para este autor, Smelser associa os
processos colectivos não institucionais, tais como os movimentos sociais, à
conduta de marginais e alienados comandados por impulsos irracionais, numa
resistência que duraria apenas até ao momento em que a sociedade os pudesse
reabsorver e proporcionar-lhes as benesses da modernizaçáo. Como refere o
próprio Smelser: <<as crenças que servem de base ao comportamento colectivo
assemelham-se às crenças mágicas> (Smelser 1989:20-21).
11.1.3 A teoria do conflito
A teoria do conflito encontra as suas raízes sociológicas nos escritos de Karl
O contributo de Marx para
a teoria do conflito social
Marx e na sua análise do capitalismo industrial oitocentista. De facto,
a
revolução industrial produziu uma nova classe social, o proletariado, e novas
relações de trabalho ofensivas da dignidade dos operários e trabalhadores em
geral, dado que eram baseadas nas leis económicas da mais-valia, nos direitos
de propriedade privada, no controlo dos meios de produção e na dominação
ideológica de classe. Para lutar contra a miséria, as desigualdades sociais e a
alienação infligidas pelas sociedades capitalistas mais avançadas efazer frente
aos conflitos sociais daí decorrentes, começou a ganhar forma o movimento
operário nas suas modalidades de intervenção popular e organizada, sob a
inspiração de várias ideologias libertárias e igualitárias. Os trabalhadores
fortaleceram a sua consciência de classe e com recurso a estruturas
representativas
sindicatos e partidos operários socialistas, comunistas,
sociais-democratas
engrossaram a contestação nacional e internacional ao
sistema económico vigente e à sua ideologia dominante e legitimadora.
Esta inevitabilidade do conflito económico e social foi depois teorizada por
A perspectiva de Coser
so-
diversas gerações de sociólogos, desde Max Weber e George Simmel a
Raymond Aron, Lewis Coser ou Ralf Dahrendorf, que redescobriram a
importância do conflito a partir dos anos 50 do século XX. Lewis Coser tomaria
como ponto de partida as reflexões de Simmel, mas reelaboradas agora segundo
uma perspectiva funcional-estruturalista, capaz de integrar a problemática do
conflito numa teoria que valoriza sobretudo a ordem e a coesão, enquanto
Ralf Dahrendorf retomaria o filão marxista, repensado em novos moldes
teóricos, nomeadamente com uma renovada leitura das relações de autoridade
e da estrutura de dominação no contexto das sociedades capitalistas.
bre o conflito social
Na obra intituladaÁ s Funções do Conflito Social (1961), Coser adiantou um
conjunto de proposições sobre a funcionalidade <<positiva> do conflito social,
266
que distinguiu dos sentimentos e actividades de hostilidade e antagonismo,
reconhecendo que o conflito não só não é inevitavelmente disfuncional como
pode ser também necessário para manter as instituições, libertando tensões,
evitando comportamentos desintegradores e de ruptura, além de servir para
eliminar o divisionismo e construir a unidade no interior dos grupos. Já Ralf
Dahrendorf, em Elementos para uma Teoria de Conflito Social (I97I),
avançou quatro teses fundamentais sobre a essência das sociedades humanas
de acordo com a teoria do consenso e da integração social, de teor funcionalista.
E que são a tese da estabilidade, que considera toda e qualquer sociedade
como um sistema relativamente estável de componentes ou elementos; a tese
do equilíbrio, que vê a sociedade como um sistema homeostático; a tese do
funcionalismo, que atribui a cada elemento que integra a sociedade uma função
<<positivo>, contribuindo para o seu funcionamento; e a tese do consenso, que
explica a manutenção e continuidade da sociedade através do consenso
conseguido entre os seus membros sobre um conjunto de valores comuns.
A
estas teses <<funcionalistas> sobre a essência das sociedades humanas,
Dahrendorf contrapôs outras quatro teses que estão na base de uma <<teoria
coactiva da integração social>>, a saber: a tese da historicidade, que afirma a
exposição à mudança dos elementos da sociedade; a tese da explosividade,
que toma a sociedade como um sistema de elementos contraditórios e explosivos; a tese da disfuncionalidade e produtividade, que coloca cada elemento
da sociedade a contribuir para a mudança; e a tese da coacção, que explica a
permanência de qualquer sociedade atravós das relações de coacção que uns
membros exercem sobre outros.
A perspectiva de Dahrendorf sobre o conflito social
Ponderadas estas duas perspectivas
a primeira devedora de Parsons (de
inspiração rousseauniana) e a segunda de Mills (de inspiração hobbesiana)
o que interessou a Dahrendorf foi saber qual destas imagens da sociedade
seria mais apropriada para uma teoria geral do conflito social, tendo o autor
-
-
entendido ser a segunda a mais adequada. E isto porque se, de acordo com as
teses funcionalistas, o conflito era visto como um fenómeno extraordinário,
passageiro e superável, ou seja, como uma patologia e não como uma força
produtiva e criadora; jâ ateoria coactiva da integração social reconheceu a
efectividade criadora dos conflitos sociais, passando estes a ser considerados
como um factor necessário dos processos de mudança social.
Dahrendorf, que exclui o marxismo como <solução políticu, aproxima-se do
marxismo clássico ao defender que o conflito de classes é o elemento do conflito
que permanece em toda a sociedade histórica. O autor referiu viárias situações
de desigualdades económicas, sociais, salariais, de propriedade, entre ricos e
pobres, capitalistas e proletiários, ou seja, conflitos baseados em categorias
sociais distintas e opostas. De qualquer modo, todos estes conflitos se reduzem
a uma desigualdade essencial: a da repartição dos recursos de poder nos grupos
261
sociais. Assim sendo, a origem estrutural dos conflitos sociais encontra-se nas
relações de domínio existentes no seio da organização social estratificada
(cf. quadro 11.1).
Quadro 11.1- Comparação entre a teoria funcionalista e a teoria do
conflito
Fonte: Stock, Pequito e Revez (2005)
Questionando-se também sobre as condições que determinavam o grau de
violência e a intensidade dos conflitos, o autor encontrou um primeiro conjunto
de factores no modo de organização dos grupos em conflito e na forma velada
ou aberta e transparente com que actuam. A plena manifestação do conflito
parecia configurar-se como um passo para atenuar ou evitar tipos mais
explosivos e abruptos de concretizaçáo do conflito, o que por vezes acontecia
quando este era apenas latente ou pouco visível. Em relação à intensidade dos
conflitos, ela aparece associada aos factores da mobilidade social, ou seja,
quanto maior a mobilidade menor a intensidade dos conflitos. Se os trabalhadores estiverem presos à sua condição social e económica sem horizonte de
melhoramento e alteraçáo de status, mais permeáveis ficam a movimentações
de protesto e de contestação e mais abnegadamente se entregam à luta social e
política.
Um terceiro grupo de factores que influencia a intensidade dos conflitos tem a
ver com a sobreposição ou divisão de sectores sociais estruturais. Quantos
268
mais sectores autónomos, plurais, de defesa de interesses específicos houver,
menor será a intensidade dos conflitos. Sempre que se verifique sobreposição
de sectores
um grande partido que aglutine um partido confessional, um
regional e um étnico, por exemplo, ou um movimento que reúna a luta das
mulheres, das minorias étnicas e dos pacifistus
a intensidade do conflito
tende a crescer, porquanto estão misturadas várias exigências e reivindicações
e o alcance do conflito pode implicar a sociedade no seu todo, comportando
dificuldades acrescidas para a sua resolução.
Para além dos trabalhos já referidos de Coser e Dahrendorf, a sociologia do
conflito viria a ganhar um novo fôlego a partir da década de 60, decorrente da
multiplicação de investigações sobre formas particulares de conflito, muitos
dos quais (crise nas Universidades, conflitos étnicos e cívicos, conflitos de
valores entre diferentes gerações, etc.) estiveram na origem de novos
movimentos sociais. Para além disso, os desenvolvimentos teóricos mais
recentes deram ensejo
renovadas orientações e temas de estudo, com destaque
para as teorias da mudança social e dos processos revolucionários (Tilly 1978,
a
1993; Tarrow 1989, 1994), a teoria da mobilização dos recursos (Zald,
McCarthy 1977, 1996), as teorias dos novos movimentos sociais (Touraine
t982;Offe 1990).
II.l.4 A teoria da privação relativa
A teoria da privação relativa tem como principais representantes Hyman (1942)
e, sobretudo, Merton ( 1950). Para esta teoria a formação de movimentos sociais
deve-se ao facto de certos sectores da sociedade se sentirem privados de
determinados privilégios, direitos e vantagens, comparativamente com outros
grupos ou sectores sociais que os usufruem. O sentimento de privaçáo náo é
sentido em abstracto, mas sim relativamente ao que ouÍos têm, daí que a
privação se afira subjectivamente segundo a avaliação que os membros de um
grupo fazemem função da situação vivida pelo grupo de referência. Por outras
palavras, é na comparação com o que os outros detêm que é definido um
estado de privação, de necessidade e de sofrimento.
A noção de privação relatiVA
Veja-se, a título de exemplo: um juízo comparativo levado a efeito por um
trabalhador português face às condições de trabalho, de remuneração, de
regalias sociais e de qualidade de vida de um colega da mesma profissão e
categoria profissional na maior parte dos países da União Europeia, fá-lo-â
sentir-se bem pior do que porventura já se sinta, sendo que esta tomada de
consciência da desigualdade e da sua desvantagem relativa pode aumentar a
frustração, estimular o desejo de mobilidade social e favorecer o protesto social
e a mobilização política no sentido de reivindicar a melhoria das condições
269
gerais (materiais e imateriais) de vida. O mesmo acontece, ou pode acontecer,
com os professores, a cujo estatuto académico, cultural e profissional não
equivale um nível remuneratório e um reconhecimento social iguais ou
semelhantes aos de outros profissionais (médicos, advogados, etc.). Esta
frustração das expectativas que se alimenta na comparação com os grupos de
referência pode ser vista individual ou colectivamente. Neste último caso, e
exemplificando, as minorias ótnicas podem sentir-se discriminadas ou
prejudicadas em comparação com a etnia dominante, a ponto de se considerarem, enquanto grupo, como cidadãos <<de segunda>.
O contributo de Coser para
a teoria da privação relativa
O contributo de
Davies,
Faìnstein e Gurr para a teoria da privação relativa
Críticas à teoria da privação
relativa
270
Curiosamente, um dos autores que testou empiricamente a teoria da privação
relativa foi Lewis Coser, um dos representantes da sociologia do conflito. No
seu estudo sobre a violência na sociedade norte-americana, Coser serviu-se
da teoria da privação relativa e das decepções e constrangimentos vividos
pelos sectores sociais excluídos e mais penalizados pelos processos rápidos
de modernizaçáo (os afro-americanos), paraexplicar as acções violentas e as
perturbações associadas aos períodos de transformação social. Como afirma
Coser, <<a noção de privação relativa, que se desenvolveu para dar conta de
certos aspectos do comportamento de grupos e indivíduos implicados de
maneira diferencial nas estruturas sociais relativamente estáveis, serve
igualmente para tratar problemas de mudança social abrupta e continuado>
(Coser I97O: 54). Durante a década de 60 e no início da década de 70, esta
teoria ganhou novos desenvolvimentos com Davies ( 1962), Fainstein (1969)
e Gurr (1970), autores que enfatizaram a dimensão subjectiva da privação,
entendida como um estado que depende da percepção que os sujeitos têm da
sua situação em função do que merecem ter, das expectativas que criam e do
que os outros desfrutam, quer em relação a bens materiais, quer em relação a
direitos, oportunidades, reconhecimento de statusepossibilidades de afirmação
pessoal, cultural e política.
Apesar do valor heurístico da teoria da privação relativa não deixam de lhe ser
endereçadas algumas críticas. Uma delas tem a ver com o facto de não explicar
estrutura e o modo de vida interno de um movimento social, mas apenas as
causas ou as razões do seu aparecimento. Para além disso, como a privação
relativa poderá ser, em várias situações, umarazáo necessária mas não uma
razão sufïciente para o surgimento dos movimentos sociais, só por si não permite
saber quando um movimento passa a estar iminente e a constituir-se. Mas
mais: muitas vezes, a tomada de consciência da privação acontece não quando
um grupo de indivíduos decide formar um movimento, mas já como resultado
da actividade e propaganda de um movimento que se formou ao serviço de
ideias e causas mais globais e até abstractas (nova concepção de justiça). E,
neste caso, será como consequência da afirmação do valor da justiça levado a
cabo por esse movimento que os indivíduos se apercebem de facto da injustiça
da sua situação e condição.
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11.1.5 A teoria da sociedade de massas
A teoria da sociedade de massas não se afasta muito da linha de investigação
da psicologia de massas e tem em William Kornhauser (1959) um dos seus
principais representantes, apesar dos estudos precursores de Ortega y Gasset
por volta da década de 20 do século passado sobre as massas nas sociedades
contemporâneas. Esta teoria visou sobretudo explicar a formação dos
movimentos totalitários na Europa (o fascismo, o nacional-socialismo, o
comunismo soviético) e compreender por que é que os indivíduos aderiram a
propostas tão radicais. De acordo com esta abordagem, o aparecimento dos
movimentos sociais ficaria a dever-se ao facto destes fenómenos colectivos
outorgarem aos indivíduos sem laços sociais fortes ou até isolados socialmente
um sentimento de pertença a uma comunidade ou grupo. O móbil da
participação nos movimentos encontrar-se-ia, por conseguinte, na <<solidão
social>> dos indivíduos que, devido a essa condição, se mostravam fragilizados e susceptíveis de obedecer a líderes autoritários. Os movimentos
mais radicais e revolucionários recrutariam as pessoas mais facilmente manipuláveis e mais disponíveis, exactamente por não estarem protegidos por
vínculos sociais, enquanto os indivíduos socialmente mais integrados
ofereceriam uma maior resistência à adesão e participação em movimentos
A teoria da sociedade
ntASSAS
dessa natureza.
Portanto, e segundo esta teoria, o surgimento dos movimentos sociais deve-se
mais a certas condições subjectivas dos indivíduos, as quais favorecem a sua
ligação a estruturas mais organizadas que os orientam (liderança do movimento)
e permitem construir novas solidariedades do que à iniquidade do sistema
económico, ao autoritarismo do regime político ou ao anacronismo das
instituições. Dito de outro modo: as razões para a formação do movimento
são deslocadas da sociedade (conflitos, crise ou mau funcionamento das
instituições, órgãos, organização social) pata a susceptibilidade das massas
desintegradas. E apesar desta perspectiva teórica reconhecer que a sociedade
de massas conduz ao isolamento social e à alienação dos indivíduos, porque
as transformações operadas na sociedade (moderni zaçáo tecnológica, urbanizaçáo, <<fordismo>> e novos modelos de organização do trabalho) enfraquecem
as conexões sociais tradicionais (família, pequena empresa, redes de
vizinhança), ela continua a atribuir às massas (e sobretudo aos excluídos,
pobres e marginais) a propensão à irracionalidade e à credulidade, como se
estas estivessem destinadas a ser manietadas por líderes ardilosos e organizações
insidiosas.
A teoria da sociedade de massas também não explica com rigor como é que
indivíduos desamparados e isolados socialmente se mobilizamparaforïnaÍ ou
integrar movimentos sociais. Desconsidera, pois, como bem assinala Melucci
(1999), o papel fulcral que desempenham as redes de contacto e de recruta-
Críticas à teoria da sociedade de massas
271
mento e, podemos acrescentar, os pequenos grupos de inserção local, profissional e cultural, na estruturação da vontade individual e na escolha pela acção
colectiva.
Após acaracterização de algumas das teorias clássicas dos movimentos sociais,
e para terminar este ponto, façamos uma breve síntese dos conteúdos
fundamentais de cada uma delas no quadro que se segue:
Quadro lI.2-Teorias clássicas dos movimentos sociais: um resumo
Fonte: Stock, Pequito e Revez (2005)
272
lI.2
As teorias contemporâneas dos movimentos sociais
Para além das teorias clássicas dos movimentos sociais que temos vindo a
analisar, importa apresentar outro conjunto de teorias ou abordagens mais
contemporâneas, que incidem especialmente sobre o fenómeno dos novos
movimentos sociais. De entre esse conjunto destacaremos: a teoria da acção
colectiva, a teoria da mobilização de recursos, a teoria da estrutura de
oportunidades políticas, as teorias da identidade e a teoria dos novos movimentos
sociais.
lI.2.I A teoria da acção colectiva
Esta teoria, cujo principal expoente é sem dúvida Mancur Olson ( 1965), rompe
teorias do comportamento colectivo de fundo psicologista e recai sobre
o comportamento racional do actor, avaliado em termos de custos-benefícios,
e sobre as dificuldades de transposição da racionalidade individual para a
participação na acção colectiva, identificando o jogo estratégico que está
com
as
A teoria da
acção colectiva
de Olson
implicado nos processos de mobilização e interacção social comvistaàobtenção
de bens colectivos. Conquanto alguns autores o situem no âmbito da teoria da
mobilização de recursos, visto que é a partir do seu modelo explicativo que
são estruturados muitos dos elementos desta teoria, e atendendo a que foram
feitas outras apropriações teóricas, em diferentes direcções, da análise de Olson,
pensamos que o seu modelo teórico assume uma inegável especifïcidade, pelo
que optámos por autonomtzár-Io.
Com efeito, Mancur Olson estabeleceu as bases teóricas do que se viria a
denominar <teoria das escolhas racionais>>, a qual foi sendo aplicada em diversos
domínios científicos. Um dos méritos de Olson foi ter distinguido a lógica da
acção colectiva da lógica de acção individual, supondo aquela, condições de
cálculo e racionalidade diferentes das que subjazem às decisões individuais.
A lógica da acção colectiva
e a lógica da acção individual
Quer isto significar, fundamentalmente, que a comunidade de interesses, mesmo
quando é um dado evidente para todos, não é suficiente para desencadear a
acção comum que permite promover o interesse de todos. Donde, a homogeneidade de interesses não constitui condição suficiente para a mobilização das
acções individuais, isto ó, para que aacçáo colectiva se verifique. E isto porque,
própria lógicado sistema de interacção origina situações em que os actores
racionais pesam os prós e contras da participação nos esforços de acção colectiva
e decidemnão participar> (Fereira et aI.1995:274).
<a
Esta ideia reconfigura a noção de <<bens colectivos>>, isto é, de bens ou serviços
A noção de bens colectivos
que favorecem um grupo determinado, independentemente da colaboração
273
ïiliÌl;:::::=
A noção de free riders
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directa que este possa dar para a sua obtenção. São disso exemplos, o reforço
dos direitos das minorias étnicas, o aumento salarial dos trabalhadores ou a
melhoria das condições laborais numa empresa. Neste último caso, bem como
nos outros, o bem colectivo <<não poderá ser dado exclusivamente aos que se
baterem por ele: todos os trabalhadores da empresa o desfrutarão, sem terem
em conta quem participou activamente,talvezmesmo fazendo greve e arcando
pessoalmente com as consequências>> (Pasquino 2000: 72).Osque usufruem
da situação conseguida sem intervir ou colaborar na obtenção do bem colectivo
são denominadosfree riders. O facto de estes
que vão <à boleiu daqueles
que intervieram activamente na conquista das vantagens colectivas
não
participarem pode ficar a dever-se à acção consciente e calculada ou acontecer
de forma inconsciente, neste último caso não podendo ponderar-se os custos
da participação, visto que não agiram ou por ignorância ou por outra impossibilidade.
Assim sendo, a existência de free riders demonstra bem a racionalidade
A noção de incentivos
lectivos
calculista e estratégica dos actores sociais, que escolhem a participação ou a
não parlicipação de acordo com os custos e vantagens associados a tal decisão.
É aqui que entra uma outra noção fundamental introduzida por Olson: a de
<<incentivos selectivos>, que respeita aos recursos e vantagens, tais como o
reconhecimento social, o poder, o prestígio, a autoridade, o status e os bens
materiais, que influenciam aparticipação de um actor na acção colectiva, isto
é,,naacção organrzadatendo em vista a conquista de bens colectivos. ora, de
acordo com o modelo de olson, a possibilidade de incentivos selectivos
individuais é importante para percebeffnos a formação e desenvolvimento dos
movimentos sociais. Neste caso, como noutras organizaçóes sociopolíticas, a
tendência do actor seria a de não participar na acção colectiva, visto que os
custos parecem superiores aos benefícios, os qttús a priori se aÍiguram incertos
e imprevisíveis e, para além disso, ele poderia beneficiar de eventuais vantagens
nacondição defree rider, abstendo-se de integrar o movimento.
Logo, a existência de incentivos selectivos compensa o actor e estimula-o à
participação, não pelo bem colectivo visado, nem pela mera consciência e
interesse nele (como decorre da análise marxista), mas por outras gratificações
marginais ao movimento, como o prestígio, o poder, a influência, a visibilidade
mediática, entre outros. Contudo, numa situação em que não sejam perceptíveis
os incentivos individuais e que, portanto, não se justifique racionalmente a
participação do actor, o que explic a a cnação e a sobrevivência dos movimentos
sociais? Parece aqui assomar-se, mais uma vez, o fundo irracional das massas,
mesmo que tal ganhe o nome de altruísmo. Uma resposta alternativa a esta
questão poderá será dada pela teoria da mobilização de recursos.
Gordon Tullock (ï974,1980) transportou algumas das ideias de olson paraa
sua teoria das revoluções, reequacionando os interesses e as motivações dos
274
1:*:\ï:"
-\5
participantes em mobilizações revolucionárias, que, em seu entender, obedecem
uma lógica talvez excessivamente instrumental e individualmente centrada.
Com efeito, <<este autor cenffa a sua análise na hipótese de a participação em
movimentos revolucionários não se processar em nome de ganhos colectivos,
mas sim em função das vantagens pessoais resultantes de uma inclusão no
movimento revolucionário, depois de efectivamente pesadas as vantagens e
os custos e riscos do envolvimento>> (Ferueira et al. 1995:275).
a
Uma das objecções críticas à teoria de Olson foi a formulada por Fireman e
Gamson (1979), para quem a participação dos actores na acção colectiva com
o objectivo de obter um bem colectivo se deve à consciência que os participantes
têm de que o bem não se consegue se cada um ficar à espera que os outros
actuem, logo, os mais conscienciosos tomariam a iniciativa. Outros autores
(Oberschall, 1980; Oliver, 1984) chamaram, por sua vez, a atenção para o
facto de que a percepção que cada indivíduo tem do sucesso da sua participação,
aspecto decisivo na decisão de intervir, estar muitas vezes dependente da
quantidade de elementos do grupo e da importância que é concedida à sua
colaboração.
Críticas à teoria da acção
colectiva
1L2.2 A teoria da mobilização de recursos
O propósito fundamental de Olson consistiu em construir um modelo da
participação racional no âmbito da acção colectiva, não estudando, contudo, a
sua apiicação particular ao nível dos movimentos sociais. Esse objectivo seria
prosseguido, entre outros, por Oberschall (1973), McCarthy eZald (1977) e
Tilly ( 1978), dando origem à teoria da mobilizagão de recursos. Segundo esta
perspectiva, aparticipação dos actores nummovimento deve ser analisadaem
função da relação custos-benefícios , da existência e natureza dos incentivos
selectivos, das formas de reduzir os custos permitidas aos participantes e dos
recursos disponíveis para serem mobilizados. De entre estes recrusos, os autores
destacam a importância da organrzaçáo na formação dos movimentos sociais
e na sua capacidade mobilizadora, dado que permite desenvolver redes de
contacto e de recrutamento que reduzem os custos de participação dos aderentes,
ao mesmo tempo que possibilitam uma eficaz captação de adeptos porque
também estes atingem mais facilmente as metas propostas.
A teoria da mobilização
dos
recursos
A teoria da mobilização de recursos surgiu na década de 70 do século XX,
ampliando os estudos empíricos sobre os movimentos sociais que se tinham
revelado um dos fenómenos sociais mais estimulantes e problemáticos para a
investigação sociológica durante os anos 60. Ao contrário das perspectivas da
psicologia das massas e do funcionalismo, esta teoria encara os movimentos
275
sociais como uma realidade <<normal>>, organrzada e racional das sociedades
contemporâneas, marcadas pelo dinamismo social, pelas mudanças rápidas e
pela conflitualidade. Assim, e enquanto na Europa germinavam as teorias dos
novos movimentos sociais, a teoria da mobilização de recursos seria
desenvolvida sobretudo nos EUA, sustentando que um movimento social para
surgir e se consolidar tem de conseguir reunir um conjunto diverso de recursos
essenciais, tais como: meios financeiros , organizaçáo consistente e articulada,
apoios e alianças interiores e exteriores ao movimento.
Esta abordagem salienta também não só a importância dos contactos e
negociações que se estabelecem entre os movimentos e outros grupos e
organizações no sentido de definirem estratégias de actuação adequadas e de
captarem mais e melhores recursos, como reconhece igualmente a vantagem
da pertença dos indivíduos a organizações formais, no que concerne à fase de
se
recrutamento para o movimento: <Quanto maior é o número das pertenças
organizatlas, sobretudo de tipo mais explicitamente político, maiores serão
as probabilidades de um indivíduo participar, tendo quer maiores contactos
com pessoas empenhadas numa causa específica quer um conjunto de
experiências úteis para uma nova mobilização>> (Della Porta 2003: 135). Isto
parece ser ainda mais relevante quando se trata de aderir a movimentos
clandestinos, perseguidos política e policialmente ou tornados ilegais, nos quais
a participação se torna perigosa e arriscada. McCarthy e Zald (1987)
acrescentariam outros recursos de natureza social, cultural e educativa,
coadjuvantes da integração dos indivíduos nos movimentos sociais. São eles a
ampliação e difusão da instrução (democratrzaçáo e massificação do ensino),
a expansão da classe média e a melhoria da qualidade de vida. Segundo estes
autores, tais factores propiciam a participação dos indivíduos em associações
e movimentos, pois traduzem-se em mais conhecimento, maior disponibilidade,
mais dinheiro, ou seja, num incremento considerável dos recursos que podem
ser mobilizados e empregues.
O contributo de Oberschall
para a teoria da mobilização
de recursos
276
No âmbito da teoria da mobilização de recursos, um dos autores mais significativos éAnthony Oberschall (1973), que analisou os movimentos sociais a
partir do modelo teórico de Olson, introduzindo-lhe, porém, algumas alterações. Este autor destacou sobretudo o papel das redes comunitárias de
interacção social na mobilização e integração dos membros dos movimentos:
os apoiantes são recrutados no seio dos grupos, associações e organizações a
que pertencem, pois é aqui que são promovidos e experimentados sentimentos
de identidade e lealdade ao grupo, o qual, por sua vez, desenvolve com o actor
individual umjogo de recompensas, deveres e compromissos que influenciam
a decisão que este venha a tomaÍ quanto à participação na acção colectiva. Em
geral, os membros dos movimentos sociais são, para Oberschall, indivíduos
socialmente conectados e <<organizados>>, e não já indivíduos desestruturados
e isolados, como apontava a psicologia de massas e Kornhauser. De qualquer
modo, e na esteira de Olson, Oberschall realçou também a racionalidade
instrumental dos actores envolvidos em acções colectivas de protesto, baseada
por sua vez no cálculo de recompensas e sanções, de ganhos e perdas. Todavia,
Oberschall não ignorou a necessidade de uma boa <gestão dos recursos>> na
canalizaçáo e organização do descontentamento social, posto que só através
de umacompetente mobilização de recursos é que um grupo de protesto poderia
atingir os resultados pretendidos.
John McCarthy e Mayer Zald (1977) deram continuidade aos estudos de
Oberschall, sustentando a importância das condições e dos recursos que estão
na origem dos movimentos sociais. Se os conflitos e a contestação social são
vistos, por estes autores, como fazendo parte da vida normal das sociedades
avançadas, será necessário estarem criadas um conjunto de condições para se
passar da observação e reconhecimento da conflitualidade à mobrlizaçáo para
a acção colectiva organizada. Mais vmavez, os pressupostos da mobilização
residem na racionalidade do actor, que decide em função da relação custosbenefícios. Ora, tal como já havia sido teorizado por Olson, a existência de
free riders obriga a considerar quer a relevância dos recursos selectivos, quer
a sua gestão, como salientou Oberschall. Neste contexto, McCharthy eZald
vão conceder especial atenção àorganização, elemento fundamental da acção
colectiva e a partir do qual os autores estabeleceriam algumas distinções
conceptuais. A organtzaçáo é, para ambos, decisiva na prossecução dos
objectivos do movimento, atendendo aque é aestruturaorganizativaque gere
os recursos e coordena a actividade de um movimento social. Este é concebido
pelos autores como <<um conjunto de opiniões e crenças de uma população
que representa preferências para mudar alguns elementos da estrutura social
e/ou a distribuição de recompensas numa sociedade>> (McCarthy eZald 1977:
O contributo de McCarthy
e Zald para a teoria da
mobilização de recursos
r2r7).
Assim definido, o movimento social requer uma série de entidades organizativas
de diferente amplitude e complexidade. Num primeiro nível, encontramos a
<<organização de um movimento social>>, ou seja, uma estrutura formal capaz
de levar a cabo os objectivos de um movimento a partir das prioridades definidas
por este. Num segundo nível, é possível encontrar o que os autores chamam
de <indústria do movimento social>>, ou seja, a totalidade das organizações de
um movimento social que se identificam com as suas metas gerais. Num terceiro
nível, temos o <<sector dos movimentos sociais>> que diz respeito ao conjunto
das indústrias dos movimentos sociais que existem numa sociedade. Esta
diferenciação entre as várias modalidades organizativas permite distinguir um
movimento social enquanto corrente de opiniões e crenças e os seus suportes
organizativos, que visam mobilizar recursos, integrar membros e efectivar
actividades de modo a melhor concretizar os ideais em causa.
A existênciade organizações vocacionadas para dar expressão e consequência
aos valores e causas orientadores de um movimento confere aos recursos uma
271
v.iffi,li:i:.:;::::::':-4.{.!,ll lr\,ì\ÈlÌl
importância ainda mais decisiva: os recursos são necessários não só para que
o movimento consiga subsistir e desenvolver-se de forma estruturada, mas
tambémparaque as próprias organizaçóes que o secundampossam sobreviver
e ter continuidade, assegurando as despesas de funcionamento e os custos das
suas actividades. Para isso, tais organizaçóes disputam os recursos disponíveis
com outros grupos e entidades não-governamentais e também entre si,
viabilizando alianças e entendimentos conjuntos. Estas exigências emtermos
de recursos conduzem a uma progressiva profïssionalização das organizações
dos movimentos sociais, que desinvestem de um recrutamento massivo de
membros e apostam numa liderança profissional, num acesso mais frutuoso
aos meios de comunicação social, em campanhas ambiciosas de markeíing e
propaganda e em métodos de gestão sofisticados. Deste modo, os líderes
tornam-se autênticos <empresários>> ou <<gestores>>, formalizando as relações
com a base de apoiantes do movimento.
Tal desenvolvimento vivido no seio das organizações de suporte aos movimentos sociais, não parece muito diferente das mutações verificadas nas
organizaçóes partidárias aquando da transformação dos partidos de massas
para os partidos profissionais de eleitores ou catch-all parties. Mas, se a
<<burocratização> e <<profissionalização>> das organizações dos movimentos
tira espontaneidade e informalidade à participação nos movimentos, por outro
lado acrescenta uma maior racionalidade e eficácia na gestão dos recursos e
nas várias actividades associadas ao movimento, o que significa maiores
benefícios em termos de tempo e êxito para os participantes, e menores custos
em termos de dedicação, esforço e disponibilidade.
O contributo de Tilly para
a
teoria da mobilização de recursos
Charles Tilly (1978) é um dos autores que aparece associado às teorias do
conflito, da acção colectiva e da estrutura das oportunidades políticas.
Conquanto a conjugação de ideias e conceitos que empreende o enquadre em
diversas abordagens, parece-nos mais adequado, atendendo ao fundamental
da sua proposta teórica, situá-lo no âmbito da teoria da mobilização de recursos.
CharlesTilly, historiador e sociólogo, investigou a novidade e as consequências
produzidas pela expansão dos média e pelas inovações tecnológicas na estrutura
interna dos movimentos, que foram perdendo a informalidade e a precariedade
organizativa, e reforçando, por volta dos anos 70, a liderança centralizada e os
processos de coordenação em rede.
Pondo em relevo o papel da organização na distribuição, captação e manutenção
de recursos de poder, o autor considera que tais recursos estão distribuídos de
forma desigual e desequilibrada nas sociedades. Todavia, nem sempre a
confrontação e o descontentamento geram necessariamente uma acção
colectiva. Logo, devem estar reunidas uma série de condições que a partir de
um conflito ou de uma injustiça possam levar à acção colectiva, das quais se
destacam: os interesses comuns (união solidária dos interesses comuns na forma
218
de grupo como solução mais vantajosae eficaz de defesadesses interesses); a
organizaçáo (o grupo precisa de ordem e coordenação na liderança e na
definição de tarefas, pelo que, ou cria uma organizaçáo ou tem o apoio de
uma já existente); a mobilização de recursos (a organizaçáo precisa de vários
para atingir
meios
logísticos, financeiros, militares, comunicacionais, etc.
(é
a
política
escolha do
determinante
os seus objectivos); e a oportunidade
momento oportuno e favorável para intervir em função das condições do
ambiente político).
Em suma, e como sublinhaPasquino: <<no momento em que entram emcontacto
uns com os outros, os grupos e actores desenvolvem interesses que revelam
quem perde e quem ganha com as várias interacções. Nesse momento, entra
em campo a organização, ou seja, a consciência da pertença a uma identidade
comum e da existência de um tecido conectivo ligando os diversos indivíduos
que compõem um grupo>> (Pasquino 2000: 104). Saliente-se, portanto, que a
organizaçáo pode fortalecer ou enfraquecer as conexões intragrupais e facilitar
ou dificultar a mobilização dos recursos e, como tal, apresentar mais vantagens
ou mais custos para a participação na acção colectiva. Este processo depende
ainda da posição e capacidade de intervenção dos órgãos do poder institucional,
os quais podem privar os grupos contestatários de liberdade de acção, ou
reprimir e sancionar os seus participantes, ou mostrar-se mais permissivos ou
ocupados com diferentes prioridades, dando espaço à intervenção de grupos
de protesto. Tudo se joga então na dinâmica de oportunidades, de reacçõesoposições, de eficácia organizacional e de capacidade de mobilização de
recuÍsos, a qual, em cada momento histórico, acaba por decidir os resultados
da acção colectiva.
teoria da mobilização dos recursos foi objecto de inúmeras críticas,
nomeadamente a que Turner e Killian (1987) dirigiram ao caúrcter pouco
preciso da noção de <<recursos>>, que, na opinião destes autores, deveriam ser
valorizados também como possibilidades aferidas subjectivamente pelos actores
de acordo com os seus critérios de preferência e parâmetros de significação, e
não tanto como algo de objectivo em si mesmo. Para além disso, deveriam
abranger igualmente coisas como os bens materiais, o apoio explícito e
institucional, o acesso aos média, etc. De outro ponto de vista, alguns autores
(Fireman e Gamson |9l9;Zurcher e Snow 1981; Turner I99l), apontaram o
reducionismo da teoria da mobilização de recursos que, ao circunscrever a
e, no que nos intetessa, nos
decisão de participação na acçáo colectiva
a uma mera lógica calculista-instrumental de custosmovimentos sociais
-benefícios individuais, exclui ou desconsidera a dedicação altruísta, a filiação
ideológica como factor motivacional suficiente, a solidariedade com causas e
ideais, as lealdades morais e afectivas.
Também
a
Críticas à teoria
da
mobilização de recursos
Por outras palavras, a adesão de um indivíduo a um movimento social não
obedece apenas a uma ponderação <<economicisto> e objectiva de custos e
279
benefícios, mas pode também, ou apenas, pressupor e depender de uma adesão
a valores e a princípios, de uma escolha por cumplicidade ideológica, ou do
espírito de missão e de dever. Aspectos, estes, que não têm necessariamente
de ser apelidados de irracionais, pois há uma racionalidade edificante que não
se compadece apenas com as vantagens lógicas e egoístas e que, admitamolo, requer até sacrifícios e perdas pessoais a diversos níveis.
Para além destas críticas, e independentemente da abrangência da noção de
recursos, deve ainda referir-se que os movimentos sociais podem conhecer
provações e derrotas mesmo mobilizando os recursos considerados necessiírios,
dado que a capacidade de resistência, a estratégia de combate ou os ataques
dirigidos a um movimento pelos que a ele se opõem (órgãos do poder político,
partidos políticos, grupos de interesses ou de pressão etc.), também influem e
decidem o êxito ou a derrocada de um movimento social. De igual modo,
mesmo sem muitos recursos <<objectivos>>, üfl movimento pode afirmar-se e
impor-se pela abnegação e entrega dos seus membros, pela força das suas
convicções e pela sua tenacidade na luta, factores a que a teoria da mobilizaçáo
de recursos não parece dar a importância devida.
tI.2.3 A teoria da estrutura de oportunidades políticas
Esta teoria, também designada por teoria do processo político, vem na senda
da teoria da mobilização de recursos e, em especial, das ideias de Eisinger
A teoria da estrutura de oportunidades políticas
(1913) e de Tilly (L915),nomeadamente a importância concedida ao ambiente
político e institucional e às oportunidades políticas existentes no âmbito do
desafio lançado ao poder instituído por parte de grupos <<provocadores>>. Com
efeito, o contexto político influencia não apenas a criação dos movimentos
sociais mas também a sua sobrevivência e o sentido das suas actividades,
dado que é tido como um dos recursos da acção colectiva, quer pelas
oportunidades que proporciona (abertura, tolerância, disponibilidade para
alianças, etc.), quer pelos obstáculos que impõe (repressão, controlo social,
constrangimentos legais, etc. ).
Por exemplo, em momentos de crise institucional e de instabilidade social,
política e económica, os grupos de protesto espreitam a oportunidade para
influenciar o poder ou firmar posições e concretizar objectivos. Contam para
essa oportunidade de intervenção e mobilização colectivas, segundo McAdam
(1998), um conjunto de factores, entre eles: o grau de estabilidade das elites
governantes, a maior ou menor ri gtdez e permissividade do sistema em termos
de controlo social e exercício da repressão e a correlação de forças entre os
grupos apoiantes e aliados do poder e os grupos e associações contestatários.
280
É evidente que a dinâmica e o sucesso dos movimentos sociais não se podem
desligar do contexto das interacções desenvolvidas com oS outros actores
institucionais e não institucionais, sobretudo com os que exercem o poder e
que, por isso, são afrontados ou ameaçados: <<como portadores de desafios no
confronto comuma dada ordempública, os movimentos sociais interactuam
com oS actores que gozam nessa ordem de uma posição consolidada. As
características dessas acções recíprocas condicionam quer as formas assumidas
pela acção colectiva quer as suas possibilidades de êxito> (Della Porta 2OO3:
138).
Nos anos 80, autores como Sidney Tarrow (1985, 1988, 1989) e Doug
McAdam (1988) e, já nos anos 90, Hanspeter Kriesi (1992), dariam continuidade a esta teoria, introduzindo novas variáveis decorrentes de diversas
investigações empíricas. Assim, para estes autores, no plocesso de acesso aos
mecanismos dedecisãopolítica, os movimentos sociais devemconsiderarcertos
elementos ou características (umas mais estáveis outras mais imediatas, umas
formais outras informais) da estrutura de oportunidades políticas em cada
Os contributos de Tarrow,
McAdam e Kriesi para
a
teoria da estrutura de oPortunidades políticas
sociedade, a saber:
O sistema institucional. Quanto maior for a descenffahzaçáo administrativa e territorial e quanto maior for a separação e independência dos
poderes legislativo e judicial face ao executivo, mais hipóteses têm os
movimentos sociais de aceder ao poder e maior capacidade de
mobilização atingem. Para além disso, um maior grau de <<coerência
da administração pública> (mais comum nos Estados centralizados)
tende a dificultar o acesso àesfera institucional dos movimentos sociais,
enquanto um elevado grau de institucionalizaçáo dos procedimentos
democráticos directos, como é o caso das iniciativas legislativas
populares, referendos, etc., favorece a <<enttada>> dos movimentos
sociais no sistema formal de poder (Kriesi 1992: l2O-I22).
O sistema estratégico. Este é constituído pelas modalidades a que o
poder instituído recorre para lidar com os grupos de protesto: reprimindo e excluindo, ou aceitando e viabilizando as exigências postas.
Anatureza da estratégia dominante, excludente ou integradora, não
equivale a nenhum tipo particular de Estado (mais centralizador ou
mais descentralizadoLmais forte ou mais fraco) mas, de qualquermodo,
constituindo um elemento mais informal do processo político, ela não
é absolutamente contingente, pois caracteriza a atitude geral que as
autoridades políticas mantêm em relação aos grupos e movimentos
sociais.
O sistema de alianças e o sistema de conflito, que é composto pelos
actores políticos que apoiam o movimento social e os que se lhe opõem
eo
combatem. Ou seja, <<enquanto o sistema de aliança fomece recursos
281
lzlrlzl72-)DD**rr:;:::::: llltllÈ,;ffii;::::=)tltt, /,vkii
?:: l.iii.tiiri:::.:::::::,1:l ílJit:k
cria oportunidades políticas para os desafiadores, o sistema de conflito
tende a piorar aquelas condições> (Della Porta 2003: I4l). Quanto a
este último aspecto, Tanow (1998) identificou um conjunto de factores
e
conjunturais que mudam as condições do sistema político e que
interferem sobre as oportunidades de actuação dos movimentos sociais.
São eles: o incremento do acesso à participação na vida política pública,
nomeadamente através dos processos eleitorais, as mudanças na
estrutura e lógica de alianças da elite política, a posição que aliados
influentes podem tomar em favor dos movimentos sociais, as divisões
e dissenções na elite política que podem facilitar a afirmação da acção
colectiva, a existência de atitudes e mecanismos de repressão, mais
visíveis ou mais sofisticados, que inibam a mobilização colectiva e
aumentem os custos da participação ou a inexistência e ineficáciade
tais atitudes e mecanismos, de maneira aestimular o envolvimento em
actividades colectivas de protesto.
Estando presentes estes factores estruturais e conjunturais, cabe às estruturas
de suporte da acção colectiva avaliar a melhor oportunidade para actuar, isto
é, a que implique maiores vantagens e menores custos. Saliente-se, ainda, que
a percepção dos actores e a sua intervenção podem desencadear uma dinâmica
mobilização por contágio, originando <<ciclos de protesto>>, visto que os
grupos provocadores ou desafiadores contribuem para tornar mais visíveis as
debilidades do sistema político e evidenciam novas possibitidades de acção,
que são seguidas ou intensificadas por outros grupos. A noção de <ciclos de
e uma
protesto>>
A
noção de ciclos de protesto de Tarrow
foi, aliás, definida por Tarrow (1998) como
<<uma
fase de inten-
sificação dos conflitos no sistema social>> caracteúzada por uma rápida difusão
da acção colectiva dos sectores mais mobilizados aos menos mobilizados;
uma constante e célere inovação nas formas de confrontação; uma afirmação
de marcos novos ou transformados para a acção colectiva; uma combinação de participação organizada e não organrzada; uma sequência de informação e interacção intensificadas entre dissidentes e autoridades (Târrow 1998:
t42).
A generalização e rupidez do protesto, promovidas por uma elite contestatárra
com capacidade de multiplicar as reivindicações e mobilizar aacção de outros
grupos, fazem com que se crie um efeito <bola de neve>> de consequências
imprevisíveis, obrigando o sistema de poder vigente a tomar medidas
adequadas, de contenção e repressão do protesto ou de aceitação condicional
e negociada das demandas. De qualquer modo, os grupos menos decididos ao
combate colectivo podem ver no desenvolvimento dos ciclos de protesto uma
oportunidade de intervenção, visto que, ao aproveitarem a <boleiu das acções
de protesto em curso, se reduzem os custos de participação e aumentam as
expectativas de benefícios.
282
w '*rã
De entre
as
críticas formuladas
à
teoria da estrutura de oportunidades políticas
,
sobressai a acusação de reducionismo político, por esgotar no tipo de
funcionamento do sistema político e nas condições do ambiente político
envolvente as oportunidades de intervenção ou de desmobilização dos
movimentos sociais, desvalorizando outras variáveis igualmente relevantes
para as decisões de envolvimento colectivo. Para além disso
sendo que
idêntica crítica pode ser dirigida à teoria da mobilização de recursos
a
-,
teoria da estrutura de oportunidades políticas refere <oportunidades>> e
<<recursos>>, mas não define objectivamente o que sejam essas realidades,
remetendo-as apenas paraaavaliação, expectativas e ponderação racional dos
actores sociais. Ora, tal capacidade subjectiva ou intersubjectiva dos
participantes pressupõe, como bem assinala Melucci (1999), uma outra
capacidade: a de construírem a sua identidade e a do ambiente que os rodeia,
de modo a situarem-se no contexto de um sistema de acção e poderem avaliar
os limites e as possibilidades da sua intervenção. Seja como for, a formulação
dos modelos da identidade social que sustentem uma lógica de acção colectiva
baseada no cálculo de oportunidades e de relação custos-benefícios inscrevese jáno domínio das teorias da identidade.
" ," Ìffi
Críticas à teoria da estrutura
de oportunidades políticas
11.2.4 As teorias da identidade colectiva
Segundo Tajfel
(I97I,1981),
o modo de actuação dos membros de um grupo
muda quando eles se sentem parte integrante desse colectivo, visto que o
indivíduo, sob o efeito de uma nova condição de pertença, persegue os
objectivos do grupo e, para tal,canaliza nesse sentido o seu comportamento.
Tajfel analisou a identidade social ou grupal nas minorias que constituem os
movimentos sociais, sublinhando que também aí os actores agem de acordo
com a consciôncia que têm do colectivo a que pertencem e dos sentimentos e
princípios que incorporam por força dessa condição. Constituindo uma minoria,
os elementos do grupo confrontam-se com a necessidade de obter ou de dar
continuidade a uma identidade favorável, que permita a subsistência do grupo
e inverta a imagem negativa que a minoria, e os valores minoritários que
prossegue, tem junto de grande parte da opinião pública. Assim sendo, ou o
grupo se fecha numa subcultura que garanta a identidade e a motivação interna,
ou desenvolve-se um novo movimento em que a minoria se rebela e exige o
reconhecimento e a aceitação exteriores das suas reivindicações e da respectiva
especifi cidade identitária.
A identidade colectiva e os
participantes nos movimentos sociais
A defesa e afirmação da identidade dos participantes nos movimentos sociais
já tinham sido pensadas por autores como Turner (1969) e Klapp (1969), que
viram nos novos movimentos uma resposta à perda da identidade pessoal e
283
!:.%ia*ì, :.':::::::1 tilÌtei
.
social
a
que conduziram as sociedades massificadas. Com efeito, os movimentos
sociais permitiam ao indivíduo revalorizar-se e reencontrar uma dignidade
entretanto ofendida por processos de exclusão social, de despersonalização e
de isolamento. Processos, estes, que se foram agravando ao longo das dócadas
de 80 e 90 do século XX e que passaÍam a marcar indelevelmente as sociedades
contemporâneas avançadas, caÍacteflzadas pela aceleração tecnológica, pelas
mudanças rápidas, pelo desenraizamento, pelo esvaziamento axiológico, mas
também por exigências de cidadania, de realização pessoal, de auto-expressão
aspectos que os novos movimentos acolheram nos seus princípios
-fundadores e na sua agenda.
O mesmo é dtzer:-
novos movimentos sociais parecem servir de pontos de
ancoragempara as pessoas que, no oceano instável do nosso mundo, buscam
<<os
a terra hrme da identidade. A participação em acções empreendidas por
movimentos pode contribuir para consolidar uma identidade mais vigorosa>>
(Javaloy, Rodríguez & Espelt 2001: 296). O que é verdade, tanto para os
movimentos sociais que visam recuperar a identidade pessoal perdida ou
alcançar uma nova identidade pessoal (como no caso dos movimentos
redentores), como para os movimentos de tipo revolucionário que apostam
sobretudo na construção de uma nova identidade social ou societal.
o movimento
As funções da identidade
colectiva
A perspectiva de Melucci
sobre a identidade colectiva
284
social é,entáo,considerado um actor sociopolítico que forma,
ou ajuda a formar, a identidade (pessoal, grupal, colectiva) como referencial
de identificação para os seus membros. Este aspecto tem interessantes implicações ideológicas, atendendo a que o grupo funciona para o participante como
regulador normativo e pretexto de compromisso. Pois, ao identificar-se com o
grupo de protesto e ao perseguir os mesmos objectivos que o grupo, o adepto
torna suas as ideologias e convicções adoptadas pelo colectivo. É importante
assinalar que a identidade colectiva faz parte do processo de criação dos
movimentos sociais e desempenha diversas funções fundamentais para a sua
sobrevivência e continuidade, nomeadamente: ajuda a definir as metas globais
do movimento e a sua ideologia base; informa anaturezaetipo de movimento,
distinguindo-o dos outros e dos restantes grupos; cria nexos de solidariedade
intragrupal, dando sentido à pertença e participação, reforçando a capacidade
mobilizadora do movimento junto de potenciais adeptos e sinalizando (pela
autodefinição, partilha e acção conjunta dos membros do grupo) as
oportunidades, limites e possibilidades da acção colectiva (Melucci 1989).
perspectiva <<construtivistu de Melucci
que retomaremos mais
propósito da teoria dos novos movimentos - a identidade colectiva
-, define-se ao longo
representa um processo dinâmico de construção interactivae
do tempo, exprimindo as alterações fundamentais ocorridas no seio do grupo
(liderança, metas, organizaçáo) e a relação do grupo com a sociedade. por
outras palavras, Melucci considera a identidade colectiva como um processo
que serve de base para o cálculo dos custos e benefícios da acção colectiva,
Segundo
a
à frente, a
mas que não se reduz a uma racionalidade meramente instrumental, podendo
assumir uma forma mais organizada e institucionaltzada,com um sistema formal
de regras, códigos e liderança, ou consistir numa estrutura cognitiva que possi-
bilita ao actor vislumbrar os ganhos e as perdas associadas a uma decisão.
Deste modo, são referidas três dimensões da identidade colectiva: uma,
cognitiva, que diz respeito ao conhecimento das condições e objectivos da
acçáo; outra, interactiva ou relacional, que organiza os fluxos comunicacionais
e <<negociais>> entre os actores no processo de tomada de decisão; e outra,
emocional, que possibilita aos intervenientes reconhecerem-se e identificarem-se entre si e face aos outros colectivos. Em suma, e para este autor, a identidade
colectiva constitui, pois, <<um processo através do qual os actores produzem
estruturas cognitivas comuns que lhes permitem valorar o ambiente e calcular
os custos e os benefícios da acção; as definições que formulam são, por um
lado, o resultado das interacções negociadas e das relações de influência e,
por outro lado, o fruto do reconhe-cimento emocional>> (Melucci 1989:173).
Ora, como algumas dimensões definidoras da identidade colectiva incluem
elementos valorativos e emocionais, que são ponderados na decisão, a
participação nos movimentos não se alicerça apenas na aferição racional de
vantagens e perdas, mas também não acontece por impulsos irracionais.
Compatibilizam-se, isso sim, escolhas instrumentais com interacções significativas e opções emocionais.
Podemos concluir que uma das vantagens das teorias da identidade, aplicadas
ao estudo dos movimentos sociais, consiste em conceber a identidade social
de acordo com a norrnatividade grupal, ou seja, no âmbito das interacções
os actores sociais desenvolvem no seio dos grupos a que pertencem e
constrangem e impõem padrões de conduta e valores a seguir. Para além disso,
que
que
cíticas
às teorias
da identi-
dade colectiva
identidade
que, sublinhe-se, conhecem orientações diversas,
desde o interaccionismo simbólico ao neomarxismo
tentam conjugar a
perspectiva de teor psicologista com a perspectiva sociológica, reunindo quer
os factores individuais, quer os sociais, culturais, políticos e históricos,
compreendendo cada um deles em função da interacção com os restantes,
evitando reducionismos que limitem a complexidade da acção colectiva.
as teorias da
11.2.5 As teorias dos novos movimentos sociaís
Podemos identificar duas linhas principais de investigação sobre os novos
movimentos sociais.
A investigação
norte-americana e europeia dos novos
movimentos sociais
A primeira enfatiza a dimensão interna dos grupos de protesto e a sua estratégia
racional de actuação, relacionando os aspectos organizativos e os meios que
285
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os movimentos podem
mobilizar com as oportunidades políticas e o processo
político. Esta orientação teórica foi sobretudo desenvolvida nos Estados Unidos
daAmérica e procede a uma análise micro-sociológica dos movimentos sociais.
A
segunda linha de investigação ganhou adeptos no continente europeu,
surgindo na sequência dos vários movimentos sociais que marcaram os anos
60 e70 do século XX. Valorizando os factores estruturais que estiveram na
base da transformação das democracias ocidentais e da construção de Estados
providencialistas e economicamente bem sucedidos no segundo pós-guerra,
os estudiosos europeus procuaram explicar os novos movimentos sociais à
luz da confluência e disputa de diferentes modelos culturais e axiológicos que
alteraram significativamente as motivações para a acçáo colectiva, distintas
das que resultavam da conflitualidade de classes e das exigências materialistas,
dominantes nas reivindicações dos movimentos clássicos, como o caso do
movimento operário internacional
apesar do seu legado ideológico ter tido
acolhimento em vários movimentos contemporâneos. Mas, contrariamente à
organtzaçáo e estilo de actuação do movimento operário e de muitos dos valores
que subjaziam às suas demandas, próprias da contestação aos problemas das
sociedades industriais (<velho> paradigma), os novos movimentos sociais
viabilizaram modalidades de intervenção não convencionais e adoptaram os
valores que se tornaram prementes nas sociedades ditas pós-industriais, ou
seja, os valores pós-materialistas (cf. quadro 11.3).
Quadro 11.3 - Da sociedade industrial à sociedade pós-industrial
Aõtividade
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Produção de bens
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e
Controlo das novas tec-
nologlas
e
conhecimento
Fonte: elaborado a partir de Daniel Bell (1973)
286
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acesso
ao
Download