A Gramática Política do Brasil – Edson Nunes TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUIÇÕES E AÇÃO SOCIAL → Quatro principais gramáticas o Definem as relações Estado versus sociedade no Brasil o Quais são? ▪ Clientelismo ▪ Corporativismo ▪ Insulamento burocrático ▪ Universalismo de procedimentos Variantes do capitalismo e instituições → Capitalismo o É um modo de produção que requer a existência de um mercado de trabalho livre. o No capitalismo moderno, a extração da mais-valia é indireta. ▪ Capitalismo moderno não faz uso de meios extraeconômicos para extração da mais-valia. o Possui uma dinâmica de estratificação que abre espaço para uma multiplicidade de grupos de interesses. o A situação de classe não constitui base suficiente para a ação coletiva e para o conflito político. o Do ponto de vista político e para alguns autores, o liberalismo é companheiro do capitalismo moderno. ▪ Isso porque classe e cidadania são, naturalmente, antagônicas. Assim, o liberalismo pretende reconciliá-las pelo “domínio público”. ▪ O “domínio público” tem sido visto como uma consequência do funcionamento do mercado econômico livre. ▪ Domínio público é o espaço abstrato onde as contradições entre a lógica da produção capitalisma e as demandas da sociedade são reconciliadas. → Estado moderno o Primeiro detentor da força como atributo de autoridade. o Fator-chave no desenvolvimento dos Estados capitalistas contemporâneos: construção de uma autoridade racional e territorialmente universal. o Parcela da autoridade fica na mão do Estado, parcela fica na mão das elites sociais. → Domínio público: regulado por normas e instituições baseadas no universalismo de procedimentos. → Universalismo de procedimentos: normas que podem ser formalmente utilizadas por todos os indivíduos da polity, ou a eles aplicadas, ao elegeram seus representantes. o Essas normas servem para protegerem-se contra abusos de poder pelo Estado; o testarem o poder das instituições formais; o fazerem demandas ao Estado. Aspectos básicos da representação ‘procedural’: ▪ Liberdade de expressão ▪ Liberdade de reunião ▪ Liberdade de imprensa o O universalismo de procedimentos é um componente crucial da democracia. Temos “capitalismo moderno”, “sociedades democráticas” e “civilização ocidental” se restringem às nações do noroeste da Europa e Estados Unidos. Modernas sociedades capitalistas industriais são constituídas por: o Autoridade racional baseada no universalismo de procedimentos; o Ação social baseada no individualismo e no impersonalismo de procedimentos (este que repousa em uma multiplicidade de frações de classe, grupos de status, partidos políticos e cidadania) o Uma economia de mercado baseada na transferência impessoal de recursos econômicos (trocas ocorrem independentemente das características pessoais dos indivíduos envolvidos). Países que se industrializaram mais cedo determinaram a agenda para os que chegaram mais tarde. o Por isso, pensamentos em “variantes do capitalismo” quando pensamentos em países periféricos. o O que separa as sociedades capitalistas periféricas das centrais não é apenas o timing. Capitalismo industrial moderno e capitalismo periférico – diferenças: o Desdobramentos históricos que produziram o capitalismo na periferia o → → → → Amanda Lua A Gramática Política do Brasil – Edson Nunes o Desdobramentos históricos dos conflitos e contradições existentes na periferia como função da importância relativa de cada ator político principal. o Arranjos políticos que foram estabelecidos para administrar a ordem capitalista e os padrões de separação/integração entre Estado e sociedade. o Padrões de ação social e de orientação normativa dos indivíduos como membros de diferentes classes, grupos ou facções. o Distintas “passagens” que tiveram lugar em cada sociedade periférica e que ajudaram a “congelar” ou recriar importantes aspectos daquela sociedade determinada o Características do processo de acumulação de capital. → No caso do Brasil... o O Estado moderno começou a ser construído da década de 30 em diante. ▪ Foi denominado “Estado de compromisso”. ▪ Não havia nenhum ator ou facção principal que detinha supremacia clara sobre outros. • Isso porque os grupos oligárquicos já estavam enfraquecidos por confrontos políticos, também pela depressão mundial no final da década de 20, pela presença de uma elite estatal crescentemente forte e pela existência de grupos competitivos. o No Brasil, a moderna política do Estado precedeu a formação de classe na indústria. ▪ A revolução burguesa teve lugar quando muitos elementos do Estado moderno já estavam instalados. Foi feita com em associação com as multinacionais e com a participação e supervisão do Estado. o O clientelismo constituía um importante aspecto das relações políticas e sociais no país. ▪ Dessa forma, os arranjos clientelistas não foram minados pela moderna ordem capitalista, permanecendo integrados de maneira notável. → → → → Troca específica e troca generalizada no capitalismo Clientelismo o Originalmente associado aos estudos de sociedades rurais. ▪ Nesse sentido, significa o tipo de relação social marcada por contato pessoal entre patrons e camponeses. ▪ Camponeses são subordinados (por não possuírem terra) ▪ Desigualdade desempenha papel-chave ▪ Geração de laços pessoais como “compadrio”, proteção e lealdades políticas. Sociedades rurais são descritas como possuindo modos domésticos de produção e consumo. ▪ Uma família extensa é uma garantia adicional de sobrevivência futura. ▪ As sociedades camponesas são grupos primários em que todas as relações estão baseadas em contatos pessoais e diretos. ▪ O caráter pessoal e diádico das relações patron-cliente inibe a formação de identidades de interesses e de ação coletiva. ▪ Patron é quem tem contato com o mundo exterior e tem comando sobre recursos políticos externos. ▪ Em contextos clientelistas, as trocas são generalizadas e pessoais. A troca de bens é restrita; ocorre em atmosfera ausente de uma economia de mercado impessoal. A troca generalizada inclui promessas e expectativa de retornos futuros. O sistema de “troca generalizada” do clientelismo é diferente do sistema de “troca específica” que caracteriza o capitalismo moderno. o Dentro do capitalismo moderno, o processo de troca e aquisição de qualquer bem não inclui a expectativa de relações pessoais futuras, nem depende da existência de relações anteriores entre as partes envolvidas. ▪ O trabalho é, por exemplo, comprado e vendido no mercado de trabalho livre. Dessa mesma forma, os bens desejados são adquiridos em lojas especificamente designadas para expor e vender tais bens. ▪ Laços de segurança são âmbito do domínio público. ▪ Trocas ocorrem sem preocupação com as características pessoas dos indivíduos envolvidos, caracterizadas pelo impersonalismo. • O impersonalismo constitui um dos fatores básicos do mercado livre e, também, a base da noção de cidadania. Trocas generalizadas também tem espaço no capitalismo moderno. Amanda Lua A Gramática Política do Brasil – Edson Nunes o É observado em sociedades rurais ligadas ao mercado, centros urbanos capitalistas, partidos políticos, organizações econômicas e várias outras instituições das sociedades capitalistas e socialistas. → A gramática da troca generalizada e a da troca específica são empiricamente compatíveis. o Coexistem em permanente tensão na mesma formação capitalista. Apesar disso, combinam-se de maneira positiva para a acumulação capitalista. o Capitalismo e relações de mercado são duas diferentes formas de controle de fluxo e da transferência de recursos materiais numa determinada sociedade. → O clientelismo é um sistema caracterizado por situações paradoxais. o Envolve uma combinação de desigualdade e assimetria de poder com uma aparente solidariedade mútua. o Envolve uma combinação de exploração e coerção potencial com relações voluntárias e obrigações mútuas imperiosas o Envolve uma combinação de ênfase nestas obrigações e solidariedade com o aspecto ligeiramente ilegal ou semilegal destas relações. → Nas sociedades capitalistas modernas, as díades de patron-cliente tendem a transformar-se em redes extensivas onde elas existem. → Em sociedades sincréticas como a brasileira/italiana, a lógica da troca generalizada é transferida para associações, instituições políticas, agências públicas, partidos políticos, cliques, facções. → Papel do clientelismo também foi importante nos países socialistas. o Clientelismo, nesses países, funciona como uma força que se contrapõe ao Estado centralizado. Acumulação de capital, instituições e clientelismo no Brasil → O sistema clientelista, no Brasil desempenha funções similares e diferentes às desempenhadas em sociedades leninistas: o Semelhantes: fornece voz e mecanismos para demandas específicas para os estratos mais baixos da população. o Diferentes: no Brasil, o clientelismo pertence a um quadro capitalista onde as classes sociais operam. → A acumulação de capital capitalista tem princípios que diferem dos princípios clientelistas. o A acumulação de capital expande o capitalismo e, portanto, os laços pessoais entre força de trabalho e capitalistas são eliminados. o A lógica da expansão capitalista está associada à lógica do impersonalismo. → O que caracteriza uma sociedade como a do Brasil são exatamente as descontinuidades apresentadas em várias áreas da vida social, econômica e política. o O processo de subordinação de muitas outras esferas da vida social ao comando da ordem econômica não aconteceu no Brasil. → A vida familiar tem grande importância no país. o A industrialização e urbanização deu ênfase, em âmbito familiar, na individualização. Todavia, esta “individualização” foi acompanhada por um reforço da estrutura familiar extensa, exatamente nos centros urbanos e industriais. o O empreendedor se volta para a parentela em busca de apoio emocional em momentos de tensão, de ajuda na procura de trabalho e na promoção da carreira, da aprovação que confirma seu sucesso. o Empreendimento e realização individuais são necessários ao reforço da parentela. Através dessa “individuação” com reforço dos laços da parentela, o grupo primário se torna mais coeso e democrático, ao mesmo tempo que a industrialização avança. O fortalecimento da separação entre unidade familiar, unidade produtiva e instituições formais depende da realização individual fora do âmbito da família, no mundo da economia. o Individuação com reforço da parentela separa a sociedade brasileira dos modos de produção domésticos, além do modelo norte-americano. Separa do modelo norte-americano porque neste modelo há uma ênfase forte na família nuclear e no individualismo, redefinindo a família como sendo composta por apenas pais e filhos. ▪ Quando os brasileiros dizem “minha família”, referem-se à família extensa, à parentela. → O Brasil tem uma estrutura social com tendências ao entrelaçamento, onde é muito alta a intolerância a divisões nítidas de grupos baseadas em critérios étnicos ou culturais. Ou seja, a sociedade brasileira procura “universalizar” as relações no seu interior e manifesta pouca tolerância a grupos separados. o Esta universalização é somada com uma forte hierarquização, que é atenuada por redes de relações pessoais. → No Brasil, o universalismo de procedimentos está em permanente tensão. Amanda Lua A Gramática Política do Brasil – Edson Nunes o Relações pessoais e hierárquicas são cruciais para tudo, desde obter um emprego até um pedido aprovado por um órgão público. o Os brasileiros enaltecem o jeitinho (isto é, uma acomodação privada e pessoal de suas demandas) e a autoridade pessoal como mecanismos cotidianos para regular relações sociais e relações com instituições formais. o O clientelismo e personalismo seriam enfrentados desde a década de 30, por decisões políticas que buscavam o universalismo de procedimentos, por leis que regulavam os empregos no serviço público, e pela criação de burocracias insuladas que não seriam receptivas a demandas fisiológicas e clientelistas oriundas de partidos políticos. Insulamento burocrático e universalismo de procedimentos como alternativos ao clientelismo → O clientelismo opera na sociedade brasileira num conjunto de redes personalistas que se estendem aos partidos políticos, burocracias e cliques. o Os partidos políticos têm acesso a inúmeros privilégios através do aparelho de Estado. ▪ Privilégios que vão desde a criação de empregos até a distribuição de favores, como pavimentação de estradas, etc. o As instituições formais do Estado ficaram altamente impregnadas por este processo de troca de favores, a tal ponto que poucos procedimentos burocráticos acontecem sem uma “mãozinha”. ▪ Portanto, a burocracia apoia a operação do clientelismo e suplementa o sistema partidário. ▪ Este sistema de troca garante uma forma de controle de fluxo de recursos e a sobrevivência política do “corretor” local. o Quase todos os autores que escrevem sobre os partidos políticos brasileiros concordam que o clientelismo é uma de suas características mais marcantes. ▪ O clientelismo é visto como uma característica da República Velha, do Brasil arcaico. → A ditadura militar é responsabilizada pela supressão dos mecanismos que permitiam o confronto de interesses, a tal ponto que a única linguagem política disponível passou a ser a gramática do clientelismo. → O clientelismo se manteve forte no decorrer dos períodos democráticos. → O universalismo de procedimentos e o insulamento burocrático são muitas vezes percebidos como formas apropriadas de contrabalançar o clientelismo. o O universalismo de procedimentos desafia os favores pessoais. o O insulamento burocrático contorna o clientelismo através da criação de ilhas de racionalidade e de especialização técnica. → Insulamento burocrático o É o processo de proteção do núcleo técnico do Estado contra a interferência oriunda do público ou de outras organizações intermediárias. o O ambiente operativo (task environment) das agências insuladas é altamente complexo. o Duas características no processo de insulamento: ▪ Variações no grau de insulamento: nem todas as agências insuladas estão no mesmo grau. Há diferentes graus de penetração pelo mundo político e social, isto é, o “engolfamento” social. ▪ Mudanças temporais: nem todas as agências que foram insuladas permanecerão assim com o passar do tempo. Isto é, uma vez atingidos os objetivos, o ambiente operativo torna-se menos complexo e, assim, as organizações podem deixar de existir ou mesmo ser “desinsuladas”. o Como promover alto grau de insulamento: ▪ Geralmente com o forte apoio de certos atores sendo, no Brasil, as elites industriais nacionais e internacionais. ▪ As agências estatais precisam do apoio desses atores. o Ao contrário da retórica de seus patrocinadores, o insulamento burocrático não é de forma nenhuma um processo técnico e apolítico. ▪ Partidos políticos são bajulados para proteger projetos no Congresso. o Exemplo de burocracia insulada: Serviço Nacional de Informações. → Em geral, o universalismo de procedimentos é associado à noção de cidadania plena e igualdade perante a lei, exemplificada pelos países de avançada economia de mercado, regidos por um governo representativo. Corporativismo e clientelismo: tensões e complementariedades → O corporativismo, formalizado em leis, reflete uma busca de racionalidade e organização que desafia a natureza informal do clientelismo. → Corporativismo não é igual ao universalismo de procedimentos. Amanda Lua A Gramática Política do Brasil – Edson Nunes o As leis do corporativismo preocupam-se com a incorporação e controle, não com justo e igual tratamento entre todos os indivíduos. o Corporativismo e universalismo têm uma etiologia diferente: a legislação corporativa busca inibir a emergência de uma ordem de conflitos de classe, enquanto o universalismo de procedimentos tenderia a emergir como a segunda melhor opção ao conflito ou ao impasse. o Corporativismo também inibe a existência de grupos de interesses autônomos. → Voluntariamente ou não, uma pessoa é automaticamente envolvida pelas leis corporativas a partir do momento em que assina um contrato de trabalho. → Atualmente, o corporativismo no Brasil é um mecanismo que serve ao propósito de absorver de forma antecipada o conflito político através da incorporação e da organização do trabalho. → Corporativismo de Estado, no Brasil, difere da forma de corporativismo societal de alguns países capitalistas avançados. o Todavia, há o surgimento de formas de corporativismo societal nos últimos 40 anos. → O corporativismo é uma arma de engenharia política dirigida para o controle político, a intermediação de interesses e o controle de fluxo de recursos materiais disponíveis → Brasil tem sido frequentemente caracterizado como um dos países mais tipicamente corporativos. Variantes de corporativismo numa perspectiva comparada → Duas abordagens de corporativismo: o Schmitter (Estados Unidos) ▪ Afirma que corporativismo é um sistema de representação de interesses baseado em número limitado de categorias compulsórias, não-competitivas, hierárquicas e funcionalmente separadas, que são reconhecidas, permitidas e subsidiadas pelo Estado. ▪ No caso do corporativismo de Estado, os grupos são dependentes e infiltrados. No caso do corporativismo societal, os grupos são autônomos e penetrantes. ▪ Encara o corporativismo societal como resposta natural à ineficiência do liberalismo econômico. ▪ Portanto, o corporativismo é visto como um sistema de intermediação de interesses e como um sistema de formulação de políticas. Uma estratégia que visa à eficiência econômica com baixos níveis de conflito. ▪ Argumento corporativista argumenta que • O Estado sempre esteve presente na organização de interesses • A organização não é totalmente espontânea o Winkler (Europa) ▪ Define o corporativismo como um sistema econômico no qual o Estado dirige e controla predominantemente a iniciativa privada, de acordo com quatro princípios: unidade, ordem, nacionalismo e sucesso. ▪ Foco se situa na economia política: corporativismo é visto como um tipo de modo de produção. ▪ Emergência do corporativismo é uma das principais respostas às complexidades e ineficiências do capitalismo avançado. Corporativismo e clientelismo como quadros analíticos → O timing da introdução do corporativismo em países industrializados e em países periféricos é responsável pela profunda diferença entre os tipos de corporativismo. → No Brasil, Peru e México, o corporativismo foi utilizado como uma tentativa de controlar e organizar as classes inferiores através de sua incorporação ao sistema. o No Brasil, o corporativismo destinava-se também a disciplinar a burguesia. → Tanto o corporativismo como o clientelismo podem ser entendidos como mecanismos cruciais (um formal, o outro informal) para o esvaziamento de conflitos sociais. o Corporativismo organiza camadas horizontais de categorias profissionais arrumadas em estruturas formais e hierárquicas. o O clientelismo atravessa fronteiras de classes, de grupo e categorias profissionais. Amanda Lua A Gramática Política do Brasil – Edson Nunes Amanda Lua