1 A IMPORTÂNCIA DO TERMO LEGAL NA FALÊNCIA André Diego Martignago Resumo: A legislação que regulamenta todo o procedimento falimentar é a Lei 11.101/2005, a qual foi modificada substancialmente pela Lei 14.112/2020. Assim como fez diversas outras mudanças, a nova lei se dispôs a regulamentar alguns aspectos relacionados ao termo legal no procedimento falimentar, conforme pode-se denotar analisando os artigos 99, inciso II, e 129, incisos I, II e III. Como a insolvência, conforme já explicado, se trata de um processo gradual, ao atingir o momento crítico, o devedor pode estar sujeito à realização de medidas drásticas, o que pode agravar a situação da organização. Exatamente por isso, é preciso que se determine que, a partir de determinada fase, os atos praticados sejam declarados ineficazes e, consequentemente, revogados. Assim, o termo legal seria utilizado como um instituto de proteção dos credores. Palavras-chave: Termo Legal. Falência. Direito Falimentar. INTRODUÇÃO A falência é uma fase crítica da organização, a qual não possui qualquer reversibilidade. No momento de sua declaração, a maior preocupação é a satisfação dos credores e sua proteção. Devido a isso, uma série de mecanismos no contexto do direito falimentar foram criados a fim de que essas preocupações fossem sanadas, dentre os quais se encontra o termo legal. O objetivo do presente artigo é indicar e demonstrar a importância do termo legal, o que será feito por meio de uma revisão bibliográfica analítica, assim como análise da Lei 11.101/2005, modificada no ano de 2020 por meio da lei 14.112/2020. O TERMO LEGAL NO DIREITO FALIMENTAR Em linhas gerais, o Direito Falimentar trata de um dos momentos mais delicados da empresa, que é a tentativa de resolver uma situação de insolvência frente aos credores, mesmo em seu estágio final. Segundo Waldo Fazzio Jr.1, a falência se trata do reconhecimento jurídico da inviabilidade da empresa, um estágio final que, na maior parte das vezes, não possui nenhum tipo de reversibilidade. Justamente devido a essa característica, o processo de decretação de falência e de extinção da empresa deve ser feito com muita cautela e segurança. Segundo o autor, é importante sempre se ter em mente que a insolvência empresarial não se trata de um evento brusco, mas, sim, paulatino, o qual é caracterizado pela diminuição gradativa do ativo e crescimento progressivo do passivo, de modo que, ao 1 JUNIOR, Waldo Fazzio. Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 8ª ed. São Paulo: Grupo GEN, 2019. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788597021486/epubcfi/6/42[%3Bvnd.vst.idref %3Dhtml20]!/4/66/2. Acesso em 22 de maio de 2022 2 se atingir determinado estágio, torna-se praticamente impossíveis a quitação das dívidas pendentes. Atualmente, a legislação que regulamenta todo o procedimento falimentar é a Lei 11.101/2005, a qual foi modificada substancialmente pela Lei 14.112/2020. Apesar de fazer várias mudanças, a nova lei se dispôs a regulamentar alguns aspectos relacionados ao termo legal no procedimento falimentar, conforme pode-se denotar analisando os artigos 99, inciso II, e 129, incisos I, II e III, in fine: Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações: II – fixará o termo legal da falência, sem poder retrotraí-lo por mais de 90 (noventa) dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1º (primeiro) protesto por falta de pagamento, excluindo-se, para esta finalidade, os protestos que tenham sido cancelados; Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores: I – o pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo devedor dentro do termo legal, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do próprio título; II – o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal, por qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato; III – a constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, dentro do termo legal, tratando-se de dívida contraída anteriormente; se os bens dados em hipoteca forem objeto de outras posteriores, a massa falida receberá a parte que devia caber ao credor da hipoteca revogada; A importância do termo legal se encontra justamente em seu efeito principal, qual seja a concessão ou não de eficácia à negócios jurídicos praticados durante o processo falimentar. Sobre esse instituto, a lei previa que a fixação poderia ocorrer utilizando-se como base os prazos de dez, vinte, quarenta ou até 60 dias, em seu art. 14, §3º. Contudo, a nova lei, como indicada alhures, traz uma nova perspectiva, diminuindo a discricionariedade do magistrado e indicando o prazo máximo de 90 dias, a ser contado a partir da data do pedido de falência. Sobre a fixação de tal termo2, estabelece diversos pontos a serem analisados: “O lapso máximo a ser fixado é de 90 dias do primeiro protesto por falta de pagamento do devedor. Se, porém, não houve protesto, esse prazo não pode se retroagir além de 90 dias da distribuição da petição inicial. Se tratar-se de convolação da falência em recuperação judicial, tal prazo inicia-se do requerimento da recuperação. Por fim, não havendo elementos suficientes para determinação do referido lapso temporal, tal prazo poderá ser fixado em outra oportunidade. A sentença declaratória de falência deverá ser publicada no órgão oficial.” Como a insolvência, conforme já explicado, se trata de um processo gradual, ao atingir o momento crítico, o devedor pode estar sujeito à realização de medidas drásticas, o 2 BANDINOTI, Bruno. FERREIRA, Gabriel Bonesi; SOUTO, Fernanda Ribeiro; SOUZA. Janaina Marcos. Direito Falimentar: recuperações judicial e extrajudicial. Porto Alegre: SAGAH, 2021. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786556901312/pageid/145. Acesso em 22 de maio de 2022 3 que pode agravar a situação da organização. Exatamente por isso, é preciso que se determine que, a partir de determinada fase, os atos praticados sejam declarados ineficazes e, consequentemente, revogados3. Nesse sentido, o conceito de termo legal é justamente esse prazo, fixado tanto pelo juiz expressamente em sentença, nos termos do art. 99, II, da Lei de Falências, como pela Lei, no qual os atos praticados pelo devedor ficam sujeitos à declaração de ineficácia4. Isso é o que explica5, o qual indica que o termo legal da falência corresponde ao lapso temporal anterior à decretação desta, tendo sua importância concentrada na determinação de atos do falido perante sua própria massa. Assim, o termo legal seria utilizado como um instituto de proteção dos credores que negociavam com o falido anteriormente à completa insolvência 6, vez que todos aqueles com quem o devedor manteve relações comerciais deverão ser submetidos ao concurso de credores e às consequências da quebra7. Dessa forma, em tese, garantir-se-á o tratamento mais igualitário entre os credores do falido. Apesar de o termo legal ser o instituto característico pela ineficácia dos negócios perpetrados, a lei também prevê outros meios de proteção ao credor, como a possibilidade de revogar os atos praticados com a manifesta intenção de prejudicar os credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida, conforme se extrai do art. 130 da Lei de Falências. Dessa forma, o ato pode ser declarado ineficaz ou revogado, ainda que prejudicado com base em decisão judicial. Isso por consequência, revogaria a sentença que motivou a prática do ato, de acordo com o art. 138 do mesmo diploma. Sobre o tema, ainda é importante ressaltar o seguinte julgado: RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. FALÊNCIA. REGISTRO. TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE. TERMO LEGAL. ARTIGO 129 DA LEI Nº 11.101/2005. NÃO INCIDÊNCIA. INICIAL. CAUSA DE PEDIR. CONLUIO FRAUDULENTO. RETORNO. ORIGEM. NECESSIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973. 2. Cinge-se a controvérsia a verificar se o registro de transferência de propriedade imóvel no termo legal da falência, mas antes da decretação da quebra, se enquadra na hipótese do art. 129, VII, da Lei nº 11.101/2005, dispensando a prova da fraude para declaração de sua ineficácia. 3. O artigo 129 da Lei. Nº 11.101/2005 elenca as hipóteses em que os atos do falido serão considerados ineficazes perante a massa, ainda que praticados de boa-fé. 4. O ato do falido considerado objetivamente ineficaz 3 JUNIOR, Waldo Fazzio. Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 8ª ed. São Paulo: Grupo GEN, 2019. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788597021486/epubcfi/6/42[%3Bvnd.vst.idref %3Dhtml20]!/4/66/2. Acesso em 22 de maio de 2022 4 SARTORI, Hotens Pedro. Dos efeitos retrospectivos da sentença declaratória da falência na Lei nº 11.101/2005. Conjur, 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6946/dos-efeitosretrospectivos-da-sentenca-declaratoria-da-falencia-na-lei-n-11-101-2005. Acesso em 22 de maio de 2022 5 BANDINOTI, Bruno. FERREIRA, Gabriel Bonesi; SOUTO, Fernanda Ribeiro; SOUZA. Janaina Marcos. Direito Falimentar: recuperações judicial e extrajudicial. Porto Alegre: SAGAH, 2021. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786556901312/pageid/145. Acesso em 22 de maio de 2022 6 INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM DIREITO. A (in)eficácia dos negócios jurídicos durante o termo legal da falência. JUSBRASIL, 2019. Disponível em: https://ieadireito.jusbrasil.com.br/artigos/728996882/a-in-eficacia-dos-negocios-juridicos-durante-otermo-legal-da-falencia. Acesso em 22 de maio de 2022 7 Idem. 4 pela Lei de Recuperação Judicial e Falência é o registro de transferência de propriedade após a decretação da quebra e não no termo legal da falência. Ação ajuizada com fundamento da ocorrência de conluio fraudulento, questão a ser apurada nas instancias de origem. 6. Recurso especial parcialmente provido8. Observe que, mesmo na vigência da lei anterior, havia certa discussão cerca da pertinência ou não da revogação de atos praticados de boa-fé anteriormente ao termo legal, mas que prejudicavam os credores. Nesse caso, é sempre importante mencionar que se deve presumir a boa-fé objetiva dos negócios contratuais, de modo que a má-fé deve ser provada. Assim, com m relação à declaração de ineficácia dos atos praticados anteriormente ao termo legal, conforme se extrai da nova lei, deve ocorrer mediante provada fraude ou má-fé dos envolvidos nas transações. CONSIDERAÇÕES FINAIS O procedimento falimentar é um dos mais importantes dentro do direito empresarial, vez que sua imposição implica no cuidado com relação a vários credores, os quais devem ser protegidos do prejuízo causado pela insolvência. Nesse sentido, a adoção do instituto do termo legal na falência se trata de um importante instrumento a ser utilizado pelo Direito, de forma que o concurso de credores seja mais justo. 8 REsp 1597084/SC. Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. DJ 01/12/2020. DJe 04/12/2020. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em 22 de maio de 2022 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANDINOTI, Bruno. FERREIRA, Gabriel Bonesi; SOUTO, Fernanda Ribeiro; SOUZA. Janaina Marcos. Direito Falimentar: recuperações judicial e extrajudicial. Porto Alegre: SAGAH, 2021. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786556901312/pageid/145. Acesso em 22 de maio de 2022 JUNIOR, Waldo Fazzio. Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 8ª ed. São Paulo: Grupo GEN, 2019. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788597021486/epubcfi/6/42[ %3Bvnd.vst.idref%3Dhtml20]!/4/66/2. Acesso em 22 de maio de 2022 INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM DIREITO. A (in)eficácia dos negócios jurídicos durante o termo legal da falência. JUSBRASIL, 2019. Disponível em: https://ieadireito.jusbrasil.com.br/artigos/728996882/a-in-eficacia-dos-negociosjuridicos-durante-o-termo-legal-da-falencia. Acesso em 22 de maio de 2022 1 REsp 1597084/SC. Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. DJ 01/12/2020. DJe 04/12/2020. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em 22 de maio de 2022 SARTORI, Hotens Pedro. Dos efeitos retrospectivos da sentença declaratória da falência na Lei nº 11.101/2005. Conjur, 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6946/dos-efeitos-retrospectivos-da-sentenca-declaratoriada-falencia-na-lei-n-11-101-2005. Acesso em 22 de maio de 2022