UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA Faculdade de Medicina Veterinária PATOLOGIA DENTÁRIA EM MAMÍFEROS EXÓTICOS PAULA JOÃO SANTOS FILIPE FARIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA VETERINÁRIA CONSTITUIÇÃO DO JÚRI ORIENTADOR Dr. Rui Filipe Galinho Patrício Doutor João José Martins Afonso Doutor Mário António Pereira da Slva Soares de Pinho Dra. Sandra de Oliveira Tavares de Sousa Jesus CO-ORIENTADOR Doutor José Henrique Duarte Correia 2009 LISBOA The Fremen were supreme in that quality the ancients called Spannungsbogen – which is the self-imposed delay between desire for a thing and the act of reaching out to grasp that thing. --from ‘The Wisdom of Muad'Dib’ by the Princess Irulan,Dune, Frank Herbert i ii To Uzi Saghi, b.19-10- 1976, d. 26-12-04 . הרבה הכרת תודה, הרבה כמיהה,עם הרבה אהבה Face of an angel, soul of an archangel convention, and the sense of humour of a minor demon flock. I guard the memory trunks, Tig, penguins and all. And to Luiz Vaz, he of the butterflies and silky headbutts. iii iv AGRADECIMENTOS Agradeço ao Dr. Rui Patrício o ter-me aceite como estagiária, ajudando-me a concretizar um sonho antigo com profissionalismo e dedicação, e ao Doutor José Henrique Correia a inestimável ajuda na estruturação da tese. Estendo os meus agradecimentos ao Dr. Rui Ferreira de Almeida e ao Dr. Luís Chambel, sempre dispostos a responder a questões, e que me ajudaram a alargar o meu conhecimento sobre clínica de pequenos animais; e às Dras. Susana Vítor e Beatriz Sinoga pela simpatia. Agradeço a todos os professores, colegas e auxiliares que, ao longo dos anos, se mostraram sempre dispostos a ajudar-me a colmatar as lacunas advindas de um currículo académico não formatado para Medicina Veterinária e que, ao tornarem estes anos de estudo menos penosos, me ajudaram a encontrar o meu lugar na Faculdade. Ao Dr. D. Crossley, Dr. D. Malley, Dra. F. Harcourt-Brown, Dr. B. Holmberg, Dra. A. Lennox, Lisa Brandon, Dra. M. Gracis, Anne Mäkinen e Dr. P. Flecknell agradeço a disponibilidade para o envio de artigos; à Dra. F. Harcourt-Brown agradeço ainda a extrema simpatia de ter autorizado a reprodução de uma figura sua; a Ingrid Rice e ao Dr. L. Legendre agradeço a correspondência, e as respostas às muitas questões colocadas; a Ingrid Rice agradeço, ainda, a generosidade no envio de fotografias do chin sling. Agradeço às minhas amigas da faculdade, Inês Veiga e Joana Silva, as minhas meninas (e agenda electrónica infalível), e Sabrina Teixeira, a cumplicidade, o apoio e os lembretes ao longo dos anos. Sem vocês tudo teria sido infinitamente mais difícil e menos memorável. À Ana Queimado e Joana Coutello agradeço a partilha de ideias felizes, e o muito riso e desespero na execução das mesmas; e ao meu padrinho, Tiago Santos, agradeço o ter-me mostrado, na prática, como duas ou três pessoas conseguem, de facto, mudar o estabelecido. Não sei como o fazem os outros antropólogos-etólogos que, vindos de Letras, decidem tornarse veterinários, mas eu não o teria conseguido sem o apoio dos Mais, os meus pais, com quem aprendi que se pode, tudo, e com rectidão. Se sobrevivi a um mundo que requer a navegação de cosenos, logaritmos e grupos amina, a eles o devo. Agradeço à Teresa e à Cristina, médicas e professoras in excelsis e amigas mais que extraordinárias, cujo conhecimento combinado seguramente altera o eixo da terra e cimentou o meu; à Becas, o apoio, a ternura e os inesquecíveis dias ao sol cheios de riso e bichos numa aldeia remota do Portugal quase profundo; ao Pedro, o zen e uma amizade antiga e solarenga; à Comunidade Beit Israel, as memórias dos Onegei Shabbat e Kabbalot Shabbat (...ve'higyanu v lezman hazeh) e o carinho e compreensão durante as ausências frequentes; e ao Marsi o tentar tornar compreensível o inexplicável, e todos os artigos. Naomi, my closet Anglo, who gave me literal access to the fountain of knowledge and always cheeps when life churps plaphorously at me, where would I be without our transatlantic sessions and your boundless empathy? The Ancestral Chicken is far more fun with you. Manuela, my glamourous Canadian diva and goddess of shoes, who unexpectedly erupted into my life with such generosity and exuberance. I will forever be chuffed that you did. Thank you for all the laughter and explaining, Bertie. Aaron, my mate who’s a boy who’s a girl at times, my gentle soul wrapped in Thunderdome who should have lived in the fifties amongst the broads and the gangsters and the B&W, intensely enunciated thunderous nights, thank you for the shoulder and all the cheering on. All hail 8-hour phone conversations. John [!], thank you for your binary approach to my intuitive life, for all the books and book-mad conversations, for having allowed me to walk underwater. We shall always geek for England. Lila, co-keeper of memories, of her birthday, who thus afforded me some respite to work when none was to be had, who was my safe harbour in the 90’s and is a safe harbour still, and remains the only Israeli I know whose pass photo grin bursts out of a soldier ID card, birds will always come easy with you. The Saghi family, who always made me feel welcome and make me feel welcome still. It will never be the same but your home remains my home after all this time and for that I am grateful. Huh haia kessem, be’emet. And Liliana, neshikot gam lach. And to all of you who gave me Gabriel wings when the unfathomable happened and I lost all breath, who forged aqualungs in brimstone, blue and hope and held them in place for years, unwaveringly, unquestioningly, who generously remembered when memories seemed most perishable, who still remember now that it has been proven they are not; to all of you who kept me from throwing myself in the river every time I looked at a new exam schedule – and shocker, that happened quite a lot, who helped me buck up trough academic insomniac nights, blurry days and the unrelenting boning up, whose faith in me never wavered, to all of you who accompanied me on this almost quest, who repeatedly told me I could, and eventually would, slay the dragons, I lay them at your feet. For I have, and words will never be enough. vi PATOLOGIA DENTÁRIA EM MAMÍFEROS EXÓTICOS Resumo O estágio curricular no qual se baseia esta dissertação decorreu na Clínica Veterinária VetOeiras, sob a orientação científica do Dr. Rui Patrício. Na primeira parte deste trabalho é apresentada a casuística resultante do acompanhamento das actividades médico-cirúrgicas durante os cinco meses do estágio curricular. Na sequência destas actividades e do interesse pessoal na área foi efectuada, na segunda parte deste trabalho, uma revisão bibliográfica sobre patologia dentária em pequenos mamíferos, nomeadamente coelho, porquinho da Índia, chinchila, cão da pradaria e miomorfos. É cada vez mais comum a escolha de pequenos mamíferos como animais de estimação. Os dentes elodontes aumentam a susceptibilidade a problemas dentários tais como má oclusão, sobrecrescimento dentário e abcessos odontogénicos, agravados pela ausência de controlo estrito dos reprodutores, deficiências de maneio alimentar e ocorrência de patologia secundária concomitante. Embora a compreensão da fisiologia oral e os meios de diagnóstico actualmente ao dispôr permitam delinear planos terapêuticos apropriados, que visam restaurar a normalidade da anatomia e função dentárias, e controlar a inflamação e infecção associadas, os tratamentos permanecem maioritariamente paliativos. A apresentação clínica da patologia dentária é extremamente diversificada, ocorrendo variação inter e intraespecífica. Este quadro é complicado pelo facto de espécies-presa tenderem a dissimular sinais de doença, a sintomatologia ser frequentemente discreta, e os proprietários raramente se aperceberem da existência de problemas dentários. Dada a recorrência e progressão típicas da patologia dentária, a educação dos proprietários é fulcral para a prevenção da mesma, bem como para a aceitação das propostas terapêuticas e seu sucesso e a monitorização regular dos animais. De igual importância é a educação do médico veterinário no campo da medicina dentária de pequenos mamíferos, e a partilha de informação entre colegas para o estabelecimento de protocolos terapêuticos e de diagnóstico eficazes. Na terceira parte deste trabalho serão apresentados seis casos clínicos: sobrecrescimento dos incisivos num hamster russo, braquignatismo maxilar e sobrecrescimento dos molariformes num coelho, sobrecrescimento dos molariformes atípico num porquinho da Índia, sobrecrescimento e reabsorção dos molariformes e hipermotilidade intestinal secundária numa chinchila, um abcesso infraorbital numa ratazana, e um abcesso infraorbital e outro retrobulbar num coelho. Estes casos foram escolhidos por serem representativos não apenas da casuística, como também do que se conhece da patologia dentária até à data. Palavras-chave: pequenos mamíferos, patologia dentária, patologia dentária adquirida, má oclusão, sobrecrescimento dentário, abcessos odontogénicos, educação, casos clínicos. vii Dental Pathology in Small Mammals Abstract The internship upon which this dissertation is based took place in the VetOeiras veterinary clinic, under the scientific supervision of Dr. Rui Patrício. In the first part of this work the data gathered regarding all medical and surgical procedures during the five-month internship will be presented. As a consequence of said procedures and personal interest, a bibliographical review of dental disease in small mammals, i.e. rabbit, guinea pig, chinchilla, prairie dog and myomorphs, was undertaken. The choice of small mammals as pets is increasingly common. Elodont teeth have high susceptibility to dental problems such as malocclusion, teeth elongation and odontogenic abscesses, made worse through lack of strict control of breeders, husbandry deficiencies and the occurrence of simultaneous secondary pathology. Although an understanding of oral physiology and currently available diagnostic means allow for the devisal of therapeutic plans to restore normal dental anatomy and function, and to control associated infection and inflammation, for the most part treatment remains palliative. The clinical presentation of dental disease is extremely diverse, displaying inter- and intraspecific variation. This is further complicated by the fact that prey species tend to mask signs of disease, symptoms are often mild and owners are rarely aware of dental problems. In view of the recurrence and progression typical of dental disease, owner education is pivotal both for prevention and for acceptance and effectiveness of therapeutic plans, as well as regular monitoring of the animals. Equally important is the education of veterinarians in the field of small mammal dentistry, and the sharing of information amongst colleagues towards the establishment of effective diagnostic and therapeutic protocols. In the third part of this work six clinical cases will be presented: incisor overgrowth in a Russian hamster, maxillary brachygnathism and cheek teeth malocclusion in a rabbit, atypical cheek teeth overgrowth in a guinea pig, cheek teeth overgrowth and resorption and secondary intestinal hypermotility in a chinchilla, an infraorbital abscess in a rat, and both an infraorbital and a retrobulbar abscess in a rabbit. These cases were chosen due to their being representative of the data gathered, as well as reflecting what is known about dental disease up to the present. Keywords: small mammals, dental disease, acquired dental disease, malocclusion, teeth elongation, odontogenic abscesses, education, clinical cases. viii Pág. ÍNDICE GERAL Dedicatória ........................................................................................................................................ i Agradecimentos ................................................................................................................................ v Resumo ............................................................................................................................................ vii Abstract ............................................................................................................................................ viii Índices .............................................................................................................................................. ix INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 1 PARTE I – BREVE DESCRIÇÃO DA CLÍNICA E ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS NO ESTÁGIO CURRICULAR ................................................................................................................. 3 PARTE II – PATOLOGIA DENTÁRIA EM MAMÍFEROS EXÓTICOS ............................................. 8 1. Anatomia e fisiologia .................................................................................................................. 8 1.1. Estrutura dentária ..................................................................................................................... 10 1.2. Coelho ....................................................................................................................................... 11 1.3. Roedores ................................................................................................................................... 13 2. Fisiopatologia ............................................................................................................................. 15 2.1. Coelho – patologia dentária congénita ................................................................................. 16 2.2. Coelho – patologia dentária adquirida .................................................................................. 17 2.2.1. Incisivos ........................................................................................................................ 17 2.2.2. Molariformes ................................................................................................................. 21 2.3. Roedores – patologia dentária congénita ............................................................................. 24 2.4. Roedores – patologia dentária adquirida ............................................................................. 25 2.4.1. Incisivos ........................................................................................................................ 25 2.4.2. Molariformes ................................................................................................................. 29 3. Apresentação clínica .................................................................................................................. 35 4. Métodos complementares de diagnóstico ............................................................................... 38 5. Prognóstico ................................................................................................................................. 45 6. Terapêutica .................................................................................................................................. 47 6.1. Tratamento médico e maneio .................................................................................................... 47 6.2. Tratamento cirúrgico ............................................................................................................. 50 7. Abcessos odontogénicos .......................................................................................................... 52 7.1. Etiologia e fisiopatologia ....................................................................................................... 52 7.2. Diagnóstico e prognóstico ..................................................................................................... 53 7.3. Tratamento médico e cirúrgico ............................................................................................... 54 PARTE III – CASOS CLÍNICOS ....................................................................................................... 58 1. Hamster russo ‘Deckard’............................................................................................................ 58 2. Coelha ‘Buffy’............................................................................................................................... 59 3. Porquinha da Índia ‘Trinity’........................................................................................................ 61 4. Chinchila ‘Atreides’..................................................................................................................... 63 5. Ratazana ‘Korben Dallas’ ........................................................................................................... 64 6. Coelho ‘Captain Mal’ .................................................................................................................. 67 7. Discussão dos casos clínicos.................................................................................................... 73 CONCLUSÃO.................................................................................................................................... 80 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................. 82 ix ÍNDICE DE ANEXOS Anexo 1: Especificidade da sintomatologia de patologia dentária. 93 Anexo 2: Exames complementares de diagnóstico recomendados por espécie. 94 Anexo 3: Chin sling. 95 Anexo 4: Classificação, tratamento e prognóstico de abcessos odontogénicos. 97 ÍNDICE DE TABELAS Pág. Tabela 3. Total de espécies animais presenciadas (número e frequência relativa). Motivo de consulta em pequenos animais e animais exóticos (número e frequência relativa). Taxonomia. 8 Tabela 4. Fórmulas dentárias. 8 Tabela 5. Dentição de lagomorfos e roedores - semelhanças e diferenças. 9 Tabela 6. Etiologias mais comuns de patologia dentária em lagomorfos e roedores. 15 Tabela 7. Sinais e sintomas característicos de patologia dentária por espécie. 35 Tabela 8. Procedimentos cirúrgicos e modalidades de tratamento de patologia dentária. 51 Tabela 9. Diferentes abordagens cirúrgicas e tratamentos de abcessos odontogénicos. 57 Tabela 10. Especificidade da sintomatologia de patologia dentária. 93 Tabela 11. Exames complementares de diagnóstico recomendados por espécie. 94 Tabela 12. Tipos de abcessos, tratamento e prognóstico. 97 Tabela 1. Tabela 2. ÍNDICE DE GRÁFICOS 5 7 Pág. Gráfico 2. Relação entre o total de pequenos animais e animais exóticos presentes à consulta (frequência relativa). Espécies exóticas mais frequentemente presentes à consulta (frequência relativa). 4 Gráfico 3. Distribuição do total de motivos de consulta (frequência relativa). 6 Gráfico 4. Comparação entre a distribuição do total de motivos de consulta e a distribuição de motivos de consulta de pequenos animais e exóticos (frequência relativa). 7 Gráfico 1. ÍNDICE DE FIGURAS 4 Pág. Figura 1. Secção transversa de um molariforme maxilar (a) e de um molariforme mandibular (b). (Reproduzida por cortesia de Ingrid Rice.) 10 Figura 2. Esporão no PM1 mandibular. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 22 Figura 3. Esporões maxilares. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 22 Figura 4. Figura 5. Figura 6. Figura 7. Figura 8. Figura 9. Wave mouth, projecção LL esquerda. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Porquinho da índia - má oclusão dos incisivos. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Porquinho da índia - fractura dos incisivos. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Elodontoma bilateral, projecção LObl direita. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Porquinho da Índia – esporão no PM1 maxilar esquerdo. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Chinchila – esporão no PM1 maxilar esquerdo. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 23 26 26 28 31 31 Figura 10. Porquinho da Índia – ponte dentária. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 31 Figura 11. Mandíbula de chinchila, vista lateral. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 32 x Figura 12. Cáries em molariformes de chinchila – mandíbula, vista dorsal. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 32 Figura 13. Maxila de chinchila – vista ventral. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 32 Figura 14. Figura 15. Figura 16. Figura 17. Figura 18. Figura 19. Cáries e lesões reabsorptivas em molariformes de chinchila – projecção LObl direita. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Coelho - anatomia normal, projecção LL esquerda. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Porquinho da Índia – má oclusão dos incisivos, projecção LL esquerda. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Chinchila – má oclusão dos incisivos e molariformes, projecção LL esquerda. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Porquinho da Índia – anatomia normal pós-redução coronal, projecção RCd. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Porquinho da Índia – projecção RCd. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Figura 20. Chinchila – projecção RCd. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Figura 21. Coelho - anatomia normal, projecção VD. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui 32 41 41 41 41 42 42 Patrício.) Sobrecrescimento do incisivo maxilar esquerdo. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Relação entre dimensão relativa do paciente e dimensão da porção de dente removida. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 42 Figura 24. Prognatismo mandibular relativo. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 59 Figura 25. Projecção LL esquerda. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 59 Figura 26. Projecção LObl esquerda. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 59 Figura 27. Projecção RCd. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 60 Figura 28. Projecção VD. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 60 Figura 29. Projecção LL pós-cirurgia. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 61 Figura 30. Projecção Rcd pós-cirurgia. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 61 Figura 31. Estrutura anómala caudal. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 62 Figura 32. Ampliação da estrutura. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 62 Figura 33. Cavidade oral após redução coronal do terceiro molar mandibular direito. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 62 Figura 34. Projecção LL esquerda. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 63 Figura 35. Projecção LObl direita. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 63 Figura 36. Projecção RCd. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 64 Figura 37. Projecção VD. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 64 Figura 38. Projecção RCd. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 65 Figura 39. Projecção VD. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 65 Figura 40. Projecção LL direita. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 65 Figura 41. Extensão da ferida cirúrgica após limpeza do abcesso. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Aspecto da ferida cirúrgica após marsupialização. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) Figura 22. Figura 23. Figura 42. 58 58 66 66 Figura 43. Projecção RCd pós-cirurgia. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 66 Figura 44. Projecção LL - 2007. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 67 xi Figura 45. Projecção LObl - 2007. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 67 Figura 46. Projecção VD - 2007. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 68 Figura 47. Projecção RCd - 2007. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 68 Figura 48. Abcesso odontogénico maxilar externo. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 68 Figura 49. Incisão da cápsula do abcesso. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 68 Figura 50. Marsupialização da ferida cirúrgica. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 69 Figura 51. Fístula oral. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 69 Figura 52. Projecção LObl pós-extracção. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 69 Figura 53. Exoftalmia – olho direito. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 70 Figura 54. Panoftalmia. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 70 Figura 55. Preparação do campo cirúrgico. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 70 Figura 56. Cantotomia lateral. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 71 Figura 57. Cantotomia lateral. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 71 Figura 58 Incisão da conjuntiva bulbar. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 71 Figura 59. Incisão da conjuntiva bulbar. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 71 Figura 60. Remoção do globo ocular. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 72 Figura 61. Cavidade orbitária após remoção do globo ocular. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 72 Figura 62. Sutura das pálpebras. (Reproduzida por cortesia do Dr. Rui Patrício.) 72 Figura 63. Figura 64. Figura 65. Figura 66. Porquinho da Índia ‘Willie’ usando o primeiro protótipo em neoprene do Chin Sling, criado por Ingrid Rice e Dr. Loïc Legendre – vista lateral. (Reproduzida por cortesia de Ingrid Rice.) Porquinho da Índia ‘Willie’ usando o primeiro protótipo em neoprene do Chin Sling – vista dorsal. (Reproduzida por cortesia de Ingrid Rice.) Porquinho da Índia ‘Ruby’ com o recém-colocado Chin Sling (modelo actual). (Reproduzida por cortesia de Ingrid Rice.) Chin sling - Instruções para mensuração da cabeça do paciente pré-fabrico. É requerida garantia de acompanhamento veterinário. (Reproduzida por cortesia de Ingrid Rice.) xii 95 95 95 96 ÍNDICE DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS AB Ab AINES BID CE CHI cm CO CP Cx DNL Dta. DOM Dto. DV Dx Esq. EXOT Fx g Kg LL LObl MLF mm mm-aa MM MO PA PDA PI PM PO p.r.n. PTH QID RC RCd SBC SC Sx TAC TSA Tx VD Antibioterapia Antibióticos Anti-inflamatórios não esteróides Bis in die Corpo estranho Chinchila Centímetros Coelho Cão da pradaria Cirúrgico(a) Ducto nasolacrimal Direita Doença óssea metabólica Direito Dorsoventral Diagnóstico Esquerdo(a) Exóticos Fractura(s) Grama Quilograma Laterolateral Lateral oblíqua Molariforme(s) Milímetros Meses-anos Molares Má oclusão Pequenos animais Patologia dentária adquirida Porquinho da Índia Pré-molar(es) Per os Pro re nata Parathormona Quater in die Redução coronal Rostrocaudal Sobrecrescimento Subcutâneo(a) Sintomatologia Tomografia axial computorizada Teste de sensibilidade aos antibióticos Tratamento(s) Ventrodorsal xiii Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL INTRODUÇÃO Os mamíferos exóticos são cada vez mais procurados em todo o mundo como animais de estimação, desafiando os médicos veterinários a melhorar constantemente a qualidade dos serviços médicos e cirúrgicos oferecidos (Capello & Gracis, 2005). Os dentes de crescimento contínuo de lagomorfos e roedores são a característica mais importante destas ordens para a Medicina Veterinária (Harcourt-Brown, 2002b; Capello & Gracis, 2005; Crossley, 2003c). Embora dentes de crescimento contínuo garantam longevidade dentária, têm como desvantagem a susceptibilidade aumentada a problemas dentários de desenvolvimento, constituindo a principal razão para a elevada frequência de patologia dentária nestes animais (Crossley, 2003c). As suas dentições e necessidades dietéticas altamente especializadas estão na origem de doenças secundárias que frequentemente constituem estímulo iatrotrópico (Capello & Gracis, 2005). A apresentação clínica da patologia dentária é extremamente diversa (Capello, 2004a), ocorrendo variação inter e intraespecífica (Crossley, 2003a). Este quadro é, ainda, complicado pelo facto de, por um lado, espécies-presa tenderem a dissimular sinais de doença (Capello & Gracis, 2005) e a sintomatologia ser frequentemente discreta, excepto nos estadios mais avançados da patologia dentária (Capello, 2004a; Capello & Gracis, 2005; Brenner, Hawkins, Tell, Hornof, Plopper & Verstraete, 2005); e, por outro, os proprietários raramente se aperceberem da existência de problemas dentários (Harcourt-Brown, 1995; Capello, 2004a; Capello & Gracis, 2005; Mullan & Main, 2006). A medicina dentária de mamíferos exóticos encontra-se na fase inicial do seu desenvolvimento. A compreensão da fisiologia oral subjacente e os meios de diagnóstico actualmente disponíveis permitem a criação de planos terapêuticos apropriados para a maioria dos problemas dentários. Muito embora a sua natureza signifique, frequentemente, que o tratamento não é curativo, na maioria das vezes é possível controlar a progressão da patologia dentária e permitir a manutenção da qualidade de vida do animal (Crossley, 2003c). As opções terapêuticas visam restaurar a normalidade da anatomia e função dentárias dentro do possível, e controlar a inflamação e infecção associadas (Capello, 2004a). A delineação de planos terapêuticos promissores, individualizados e sofisticados, particularmente no caso de infecções periapicais e abcessos, é possibilitada pelo enorme progresso da medicina dentária de mamíferos exóticos nos últimos anos, especialmente nas áreas de diagnóstico e tratamento, com recurso a técnicas imagiológicas como endoscopia e TAC (Capello & Lennox, 2008). 1 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Dada a recorrência e progressão típicas da patologia dentária, a educação dos proprietários é fulcral para a sua prevenção, bem como para a aceitação das propostas terapêuticas e seu sucesso, e para a monitorização regular dos animais (Capello, 2004a; Crossley, 2003c). Na primeira parte desta dissertação será feita uma breve descrição das actividades desenvolvidas durante o estágio curricular. Posteriormente, proceder-se-á a uma revisão bibliográfica dos diferentes aspectos da patologia dentária em mamíferos exóticos, nomeadamente coelho, porquinho da Índia, chinchila, cão da pradaria, ratazana e hamster, que são algumas das espécies que com maior frequência recorrem aos serviços do médico veterinário. Finalmente, na terceira parte serão apresentados seis casos clínicos que resultam dos dados recolhidos durante o estágio curricular: sobrecrescimento dos incisivos num hamster russo, braquignatismo maxilar e sobrecrescimento dos molariformes num coelho, sobrecrescimento dos molariformes atípico num porquinho da Índia, sobrecrescimento e reabsorção dos molariformes e hipermotilidade intestinal secundária numa chinchila, um abcesso infraorbitário numa ratazana, e um abcesso infraorbitário e outro retrobulbar num coelho. Estes casos são representativos não apenas da casuística, como também do que se conhece da patologia dentária até à data. 2 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL PARTE I. BREVE DESCRIÇÃO DA CLÍNICA E ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS NO ESTÁGIO CURRICULAR O estágio curricular em que se baseia esta dissertação decorreu na Clínica Veterinária Vetoeiras, em Oeiras, sob a orientação científica do Dr. Rui Patrício, entre 29 de setembro de 2008 e 1 de Março de 2009, com a duração de cinco meses. A Clínica Veterinária VetOeiras dedica-se à clínica e cirurgia de pequenos animais e animais exóticos, sendo um centro de referência nas áreas de cirurgia ortopédica, oftalmologia e medicina e cirurgia de exóticos, recebendo pacientes encaminhados por colegas para a realização de consultas de segunda opinião, exames complementares de diagnóstico e intervenções cirúrgicas. A equipa médico-veterinária é constituída pelo Dr. Rui Ferreira de Almeida (Director Clínico), Dr. Luís Chambel, Dr. Rui Patrício, Dra. Susana Vítor e Dra. Beatriz Sinoga. Na clínica trabalham, ainda, três auxiliares. A clínica encontra-se aberta ao público de Segunda-feira a Sexta-feira das 10.00 às 20.00, e ao Sábado das 10.00 às 19.00, com intervalo para almoço entre as 13.00 e as 15.00. A estagiária acompanhou o horário do orientador científico na clínica, tendo-o também frequentemente acompanhado em horário não laboral a consultas e cirurgias nas clínicas Hospital dos Animais, na Ramada, e SOS Vet, na Cova da Piedade. A estagiária acompanhou, ainda, em regime de fins de semana alternados, o clínico escalonado no Sábado em horário normal e no Domingo das 10.00 às 12.00, tendo permanecido, durante a semana ou ao fim de semana, para além do horário normal de funcionamento sempre que o médico veterinário necessitou de assistência. Ao longo de todo o estágio, para além da sua prestação diária, o estagiário é também avaliado oralmente pelo orientador sobre temas previamente estudados em casa. No internamento, são funções do estagiário a limpeza e desinfecção de jaulas e mudança de camas, o passeio dos cães, a alimentação dos pacientes internados, a monitorização da temperatura, a preparação e administração de medicação e, quando solicitado, a realização de procedimentos e tratamentos médicos como limpeza de abcessos, algaliação, fluidoterapia, colheita de sangue e análises clínicas, e ainda a remoção de pensos e sistemas de venoclise aquando da alta médica. Durante as consultas, o estagiário observa a realização da anamnese e exame físico e, quando solicitado, auxilia na contenção e preparação de medicações e na realização de meios complementares de diagnóstico, efectuando análises clínicas ou testes rápidos de diagnóstico e exames radiográficos (como operador ou auxiliando à contenção); presencia ecografias e ecocardiografias; e realiza procedimentos como banhos medicamentosos, fluidoterapia e administração de medicação. É ainda sua responsabilidade a limpeza e desinfecção da sala entre pacientes. Na cirurgia, são funções do estagiário, quando solicitado, a preparação do paciente e da sala de cirurgia, a preparação e administração da prémedicação, a sua colaboração como ajudante de cirurgião, de anestesista ou circulante, e, 3 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL ocasionalmente, a realização de destartarizações e castrações. Procede, ainda, à administração de medicação e à monitorização pós-cirúrgica do paciente, e participa nos exames radiográficos, como operador ou auxiliando na contenção, quando necessário. É também responsabilidade do estagiário a limpeza e desinfecção da sala de cirurgia e material cirúrgico no final de cada intervenção. Foi também possível observar necrópsias de pequenos animais e exóticos, bem como realizar necrópsias de animais exóticos; e treinar venipuncuntura, procedimentos ortopédicos como inserção de cavilhas e outros (por exemplo, extrusão de pénis em répteis e fluidoterapia intraóssea) em cadáveres de animais exóticos. No total foram presentes a consulta 462 animais, dos quais 274 pequenos animais (cão e gato) e 188 animais exóticos. O gráfico 1 ilustra a predominância das consultas de pequenos animais: Pequenos animais Animais exóticos 41% 59% Gráfico 1. Relação entre o total de pequenos animais e animais exóticos presentes à consulta (frequência relativa). Dentro dos animais exóticos, o coelho foi a espécie mais observada (35%), seguido pelo porquinho da Índia (21%), piriquito (10%), chinchila (8%), papagaio cinzento (7%), agapornis (6%), hamster (5%) e caturra e tartaruga da Flórida (4%), como se pode ver no gráfico 2: 4% 4% 5% Coelho 6% 35% Porquinho da Índia Piriquito Chinchila 7% Papagaio cinzento Agapornis Hamster 8% Caturra Tartaruga da Flórida 10% 21% Gráfico 2. Espécies exóticas mais frequentemente presentes à consulta (frequência relativa). 4 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Os 462 animais observados representam um total de 35 espécies. Destas, o cão representa 33,1% dos animais mais commumente observados, seguido pelo gato (26,2%) e pelo coelho (10,2%), como se pode visualizar na tabela 1: Espécie (Nº) (%) Cão Gato Coelho Porquinho da Índia Piriquito Chinchila Papagaio cinzento Agapornis Hamster Caturra Tartaruga da Flórida Furão Iguana Ouriço-cacheiro Papagaio do Senegal Hamster Russo Papagaio da Amazónia Ratazana Canário Conure Jacinta Tartaruga greca Cágado Camaleão Dragão-barbudo Esquilo Guaxinim Petauro Tartaruga carbonaria Papagaio Ecletus Cobra Gueko Javali Rola Sagui 153 121 47 27 13 10 9 8 7 5 5 4 4 4 4 3 3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 33,1 26,2 10,2 5,8 2,8 2,2 1,9 1,7 1,5 1,1 1,1 0,9 0,9 0,9 0,9 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,4 0,4 0,4 0,4 0,4 0,4 0,4 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 Total 462 Tabela 1. Total de espécies animais presenciadas (número e frequência relativa). Foi possível presenciar um total de 647 intervenções médico-veterinárias, correspodendo a 460 em pequenos animais (71%), e 187 em animais exóticos (29%). 5 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Analisando o total de consultas, ilustrado pela gráfico 3, a maioria das intervenções médicoveterinárias diz respeito a profilaxia médica (18,7%), seguida por patologia do aparelho digestivo (14,4%), tratamentos médicos (11,9%), medicina dentária (10,2%) , pele e anexos (8,3%), e, finalmente, doenças infecciosas e parasitárias (6,2%) e patologia dos sistemas renal e urinário (6,2%). 20,0% 18,0% P ro filaxia médica 16,0% Tratamento s médico s 14,0% P ele e anexo s 12,0% D. infeccio sas e parasitárias 10,0% M edicina dentária Repro duto r Digestivo Renal/Urinário Lo co mo to r Respirató rio 8,0% Oftalmo ló gico 6,0% Nervo so 4,0% D. metabó lica 2,0% Sexagem Cardio vascular Co mpo rtamento P o stura 0,0% Motivo de consulta Gráfico 3. Distribuição do total de motivos de consulta (frequência relativa). No entanto, estes resultados sofrem algumas alterações se forem discriminados por grupo, nomeadamente pequenos animais e animais exóticos, como visualizável na tabela 2 e gráfico 3 (p.8). A profilaxia médica permanece, globalmente, o motivo de consulta mais frequente, sendo os pequenos animais o grupo com maior frequência de consultas por este motivo (22%). Neste grupo, outros motivos frequentes foram patologia do aparelho digestivo (16,7%) e tratamentos médicos (10,2%). Nos animais exóticos, o motivo de consulta mais prevalente foi a medicina dentária (23%), seguida dos tratamentos médicos (16%) e patologia da pele e anexos (10,7%). É de referir ainda que, em relação à totalidade das consultas, foram realizadas 11,3% intervenções cirúrgicas. 6 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL PA EXOT Motivo de consulta (Nº) (%) (Nº) (%) Profilaxia médica Digestivo Tratamentos médicos Renal/Urinário Pele e anexos Locomotor D. infecciosas e parasitárias Respiratório Medicina dentária Reprodutor Oftalmológico Cardiovascular Nervoso Comportamento D. metabólica Postura Sexagem 102 77 47 36 34 30 25 25 23 17 13 12 12 3 0 0 0 22,2 16,7 10,2 7,8 7,4 6,5 5,4 5,4 5,0 3,7 2,8 2,6 2,6 0,7 0,0 0,0 0,0 19 16 30 4 20 1 15 7 43 3 5 0 3 7 8 6 7 10,2 8,6 16,0 2,1 10,7 0,5 8,0 3,7 23,0 1,6 2,7 0,0 1,6 3,7 4,3 3,2 3,7 Total 460 187 647 Tabela 2. Motivo de consulta em pequenos animais e animais exóticos (número e frequência relativa). 25,0% 20,0% 15,0% % PA 10,0% % EXOT % TOTAL 5,0% Tra Pro fi la x ia mé dic a Dig tam est en i vo tos mé di c Re os na l /U r i n Pe ár i le o ea D. ne i nf x ecc os Lo ios co as m ep oto ara r si tá r i as Re sp Me ir a tór di c io i na de n tá ri a Re pr o d uto Of r talm o lóg Ca i co rdi ov as cul ar Ne rvo Co so mp o rt am en D. to me ta b óli c a Po s tu ra Se xa ge m 0,0% Gráfico 4. Comparação entre a distribuição do total de motivos de consulta e a distribuição de motivos de consulta de pequenos animais e exóticos (frequência relativa). 7 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL PARTE II. PATOLOGIA DENTÁRIA EM MAMÍFEROS EXÓTICOS 1. ANATOMIA E FISIOLOGIA Durante muito tempo, os dentes incisivos dos lagomorfos, anatómica e funcionalmente em tudo semelhantes aos dos roedores, fizeram com que fossem taxonomicamente considerados uma sub-ordem dos roedores (Crossley, 2003c; Capello, 2005). Embora partilhando na sua filogenia um antepassado herbívoro, diferenças na dentição, relação entre mandíbula e maxila e padrões de mastigação sugerem processos evolutivos separados (Capello, 2005). Actualmente, o coelho pertence à ordem Lagomorpha, e os roedores à ordem Rodentia. Zoologicamente, esta pode, com base nas diferenças anatómicas e funcionais do músculo masséter, ser dividida em três sub-ordens (Capello, 2004a, 2008b): HISTRICOMORPHA/ CAVIOMORPHA Semelhantes ao porco-espinho Porquinho da Índia (Cavia porcellus), chinchila (Chinchilla lanifera), degus (Octodon degus) MIOMORPHA Semelhantes ao ratinho Hamster chinês (Cricetulus griseus), h. dourado (Mesocricetus auratus); h. russo (Phodopus spp.); gerbilo (Meriones unguiculatus), ratazana (Rattus spp.), ratinho (Mus musculus), duprasi (Pachyuromys duprasi) SCIUROMORPHA Semelhantes ao esquilo Cão da pradaria (Cynomy ludovicianus), esquilo siberiano (Tamias striatus), citellus europeu (Citellus citellus) Tabela 3. Taxonomia. A fórmula dentária das diversas ordens e sub-ordens é: MOLARIFORMES INCISIVOS TOTAL PM MM TOTAL LAGOMORFOS 2/1 3/2 3/3 6/5 = 22 28 HISTRICOMORFOS 1/1 1/1 3/3 4/4 =16 20 MIOMORFOS 1/1 0/0 3/3 3/3 = 12 16 SCIUROMORFOS 1/1 1-2/1 3/3 4-5/4 = 16-18 20-22 Tabela 4. Fórmulas dentárias (adaptada de Capello & Gracis, 2005). Para uma comparação entre as características gerais da dentição destas duas ordens, ver tabela 5 (Hirschfield, Weinreb & Michaeli, 1973; Westerhof & Lumeij, 1987; Lobprise & Wiggs, 1991; Crossley, 1995a; 1995b; Verstraete, 2003; Harcourt-Brown, 2002b; Capello & Gracis, 2005; Lobprise, 2007b; Gracis, 2008; Van Caelenberg, Rycke, Hermans, Verhaert, van Bree & 8 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Gielen, 2008). A porção visível do dente, supragengival, denomina-se coroa clínica; a porção subgengival denomina-se coroa de reserva; o seu conjunto forma a coroa anatómica. Esta nomenclatura foi desenvolvida para descrever acuradamente a dentição específica dos verdadeiros herbívoros, cujos dentes de crescimento contínuo não possuem raízes anatómicas (Wiggs & Lobprise, 1997; Crossley, 2003a; Capello & Gracis, 2005; Meredith, 2007). Com efeito, uma raíz é definida como qualquer parte da estrutura dentária que não possui esmalte, interna ou externamente (Sainsbury, Kountouri, DuBoulay & Kertesz, 2004). Durante muito tempo, na ausência de nomenclatura específica, chamou-se raízes às coroas de reserva. No entanto, e apesar de este termo continuar em uso por alguns autores, neste trabalho utilizarse-ão apenas os termos acima descritos. Por razões práticas, denomina-se por ápice a terminação subgengival do dente, muito embora esta seja perfeitamente cilíndrica e não sofra qualquer alteração de diâmetro (Harcourt-Brown, 2006; 2007a). LAGOMORFOS • SEMELHANÇAS • • • • • • • • • DIFERENÇAS • ROEDORES Bocas compridas e estreitas Heterodontes (dentes com forma e função diferentes) e hipsodontes (coroa clínica longa) Incisivos elodontes/arradiculares Incisivos cobertos por espessa camada de esmalte labial Superfície de oclusão dos incisivos em bisel Ausência de caninos Molariformes com cristas de esmalte e sulcos de dentina Grande diastema divide 2 unidades funcionais: incisivos e molariformes Na zona do diastema, a porção interna dos lábios apresenta pelos Articulação temporo-mandibular dorsal à linha de oclusão Movimentos de preensão e corte dorso-ventrais (incisivos); movimentos de moagem laterais (PM/MM) Difiodontes (duas dentições) Monodontes (uma dentição) Duplicidentata: dois pares de incisivos maxilares; par secundário caudal ao 1º Simplicidentata: um par de incisivos maxilares Incisivos maxilares com vertical Incisivos não-pigmentados Incisivos maxilares sem sulco labial sulco labial Incisivos amarelos/alaranjados Incisivos de menor dimensão relativa Incisivos de maior dimensão relativa Em descanso, incisivos em oclusão (mandibulares entre pares maxilares) Em descanso, retrognatismo mandibular PM/MM elodontes PM/MM anelodontes MM hipsodontes MM braquiodontes Superfície de oclusão em ziguezague (perfil) Superfície de oclusão plana (perfil) Anisognatismo: maxila mais larga que mandíbula Anisognatismo: mandíbula mais larga que maxila, em geral Movimentos mastigatórios laterais consideráveis, rostrocaudais reduzidos Movimentos mastigatórios laterais reduzidos, rostrocaudais consideráveis Tabela 5. Dentição de lagomorfos e roedores - semelhanças e diferenças. 9 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Em lagomorfos e roedores, os pré-molares e molares de cada quadrante formam uma unidade funcional utilizada na moagem dos alimentos e são indistinguíveis, sendo por isso, no seu conjunto, denominados molariformes (Capello, 2008b). 1.1. Estrutura dentária Os dentes de lagomorfos e roedores apresentam os componentes estruturais comuns a outras espécies, i.e., dentina, esmalte, cimento e polpa. Cada alvéolo é rodeado por uma lâmina dura. A lâmina dura é uma camada de osso alveolar, com um teor superior ao normal de substância fixadora altamente calcificada, aliada a fibras periodontais. Devido à maior calcificação, surge à radiografia como uma linha mais radiopaca que delimita o alvéolo. O esmalte e a dentina são continuamente formados por ameloblastos e odontoblastos, respectivamente. A rede capilar do espaço periodontal fornece nutrição aos ameloblastos. O padrão estrutural do esmalte sofre variação interespecífica (Harcourt-Brown, 2006). Figura 1. Secção transversal de um molariforme maxilar (a) e mandibular (b) de coelho (Harcourt-Brown, 2006). A maior parte do dente é formada por dentina, composta por cristais de hidroxiapatite similares aos do osso mas com maior densidade. Estes cristais encontram-se embebidos numa matriz de colagénio também semelhante ao osso, mas sem osteócitos, osteoclastos, osteoblastos ou vasos sanguíneos. A dentina é nutrida por uma camada de odontoblastos que reveste a superfície interna da cavidade pulpar, e é tanto mais espessa quanto mais próxima da superfície da oclusão se encontrar (Harcourt-Brown, 2002b). A taxa de crescimento de dentes normais e a morfologia da cavidade pulpar são reguladas pela taxa de erupção. Os mecanismos que lhe estão subjacentes não são, ainda, completamente compreendidos (Crossley, 2003a). A taxa de erupção, por sua vez, é regulada 10 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL pela taxas de desgaste ou atrição 1 (Harcourt-Brown 2006; Crossley, 2003a) e abrasão (Harcourt-Brown, 2006). No coelho, a atrição é afectada pela ingestão de plantas e ervas ricas em fitolitos de silicato, celulose e lenhina, para além dos contaminantes do solo, naturalmente abrasivos (Harcourt-Brown, 2006). No entanto, desgaste natural por contacto com substâncias abrasivas não é o mesmo que abrasão dentária 2 ; esta ocorre tipicamente fora da zona de oclusão e em dentes que não contactam durante a mastigação. A abrasão é caracterizada por marcas e irregularidades na superfície dentária, ao contrário da atrição dentária, que se caracteriza pela formação de facetas polidas (Harcourt-Brown, 2002b, 2006). Os dentes são inervados por ramos sensitivos e motores do nervo trigémeo. Fibras nervosas (mielinizadas e não mielinizadas) penetram no dente pelo forâmen apical, organizando-se algumas em plexo abaixo da camada odontoblástica, e outras em túbulos na dentina (Byers, 1984). Em secção transversal, os incisivos apresentam uma única cavidade pulpar que sofre estreitamento progressivo; os molariformes são compostos por subunidades que se fundem, criando uma única cavidade pulpar no topo (Harcourt-Brown, 2006; 2002b; Crossley, 2003a). Na chinchila, dentes saudáveis apresentam cavidades pulpares longas e estreitas com uma estrutura interna uniforme; pelo contrário, dentes sobredimensionados apresentam cavidades pulpares encurtadas e com grande variação interna (Crossley, 2003a). Dentes elodontes possuem a capacidade de compensar pequenas alterações na taxa de atrição, variando as taxas de crescimento e erupção dentro dos limites fisiológicos, sem alterações significativas na altura das coroas clínicas. Uma redução na taxa de atrição abaixo do limiar da capacidade de compensação fisiológica leva ao aumento em altura das coroas clínicas (Crossley, 2003a). A taxa de deposição parece manter-se constante, não sendo afectada por alterações da taxa de erupção, mas a direcção da deposição torna-se perpendicular às paredes da cavidade pulpar. Consequentemente, quanto mais lentamente o dente sofrer erupção, mais curta se torna a cavidade pulpar, e vice-versa (Crossley, 2003a). Os dentes são altamente resistentes aos efeitos da hipocalcémia, sendo o seu crescimento privilegiado em relação ao crescimento ósseo durante períodos de deficiência moderada a grave (Rasmussen, 1972; 1977). 1.2. Coelho Lagomorfos (e histricomorfos) possuem uma morfologia rostral típica dos verdadeiros herbívoros, e semelhante à dos equinos, bovinos e pequenos ruminantes (Crossley, 2003c). 1 Atrição dentária é definida como “o desgaste fisiológico da superfície de oclusão de um dente, em resultado do contacto dente a dente durante a mastigação” (Harcourt-Brown, 2006, p.12, tradução livre). 2 Abrasão dentária é definida como “o desgaste anormal de substância dentária devido a processos mecânicos, tais como o roer de pedras ou grades.” (Harcourt-Brown, 2006, p.12, tradução livre). 11 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Como referido na tabela 5, a sua dentição é igualmente típica, com incisivos, pré-molares e molares elodontes, sem raízes anatómicas e de crescimento contínuo (Capello & Gracis, 2005; Harcourt-Brown, 2002b). A primeira dentição é substituída in utero ou logo após o nascimento pela dentição definitiva, sendo raramente observada. A dentição permanente erupciona durante as primeiras cinco semanas de vida (Capello & Gracis, 2005; Harcourt-Brown, 2002b). Há evidência de bruxismo neonatal, e mesmo adultos rangem os dentes ocasionalmente. Os movimentos de aplanamento são característicos do coelho e roedores e denominam-se tegose. Este tipo de bruxismo, silencioso, ocorre com o animal em descanso e na ausência de alimento na cavidade oral, nunca se confundindo com o bruxismo audível causado por dor e associado a grande agitação (Harcourt-Brown, 2002b). Os incisivos devem a sua terminação em bisel não apenas ao padrão de deposição de esmalte labial (Hirschfield et al., 1973) mas também ao corte de alimento e outros materiais, havendo um equilíbrio entre crescimento e atrição. O tipo de alimento é importantíssimo, uma vez que o desgaste dentário é afectado pela natureza abrasiva da dieta (Crossley, 1995a; HarcourtBrown, 2002b). A função principal dos incisivos é cortar e reduzir o tamanho do alimento, embora possam também ser utilizados para roer, morder, limpeza (grooming) e lutas (Harcourt-Brown, 2006). Os incisivos secundários podem encontrar-se ausentes (Lobprise & Wiggs, 1991; Capello & Gracis, 2005). Alguns autores pensam que estes dentes protejam o palato do bordo aguçado dos incisivos mandibulares (Capello & Gracis, 2005), outros consideram a sua existência insignificante (Lobprise & Wiggs, 1991). Os molariformes trituram o alimento (Capello & Gracis, 2005), não existindo espaços interdentários significativos entre eles. Coelhos silvestres e animais alimentados com feno, erva ou vegetação natural podem apresentar as coroas clínicas manchadas de castanho-escuro devido aos pigmentos de clorofila e porfirina, especialmente nos molariformes (Harcourt-Brown, 2002b; 2006). A diferença funcional entre incisivos e molariformes é clinicamente relevante quando se ponderam extracções definitivas (Capello & Gracis, 2005). O coelho é capaz de movimentos mandibulares laterais, de amplitude considerável; e rostrocaudais, caudorostrais e dorsoventrais, de amplitude reduzida. Em repouso, a mandíbula encontra-se posicionada a meio da sua amplitude de movimentos rostrocaudais (Capello & Gracis, 2005; Reiter, 2008). A subluxação mandibular está, normalmente, associada a má oclusão dos incisivos (Crossley, 1995a; Capello & Gracis, 2005; Reiter, 2008). Estudos sobre a taxa de erupção no coelho e roedores de tamanho médio revelaram que os incisivos maxilares erupcionam mais lentamente (Crossley, 2003a). Estão descritas taxas de crescimento de 12,7 cm/ano e 2 mm/semana para os incisivos maxilares; e de 20,3 cm/ano e 2,4 mm/semana para os incisivos mandibulares. O crescimento é determinado pela taxa de erupção versus taxa de atrição, bem como pelas forças de oclusão. Alterações na oclusão aceleram a taxa de erupção (Harcourt-Brown, 2006) 12 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL O processo contínuo de crescimento e atrição requer uma reserva permanente de cálcio e outros minerais e nutrientes para a formação de dentina e esmalte. As taxas de crescimento e atrição sofrem variação individual, sendo afectadas pela idade, gestação e dieta (HarcourtBrown, 2002b; 2006). 1.3. Roedores Existem mais de 1700 espécies de roedores. Num extremo encontram-se herbívoros especializados, no outro omnívoros. Os seus habitats naturais vão desde o deserto à selva tropical, variando o seu peso entre alguns grama e mais de 50 quilograma. Esta enorme diversidade resultou numa grande variação da anatomia dentária (Legendre 2003). Apenas cinco espécies possuem uma dentição totalmente elodonte, incluindo o porquinho da Índia e a chinchila (Legendre, 2002). Do ponto de vista da anatomia e fisiologia dentárias podem ser divididos em dois grupos: 1) os sciuromorfos e miomorfos têm uma alimentação altamente energética e não especialmente abrasiva (sementes, raízes e tubérculos); consequentemente, possuem incisivos de crescimento contínuo, e molariformes 3 braquiodontes, com coroas pequenas e raízes verdadeiras, que só crescem até terminada a erupção; 2) os histricomorfos provêm de áreas montanhosas a grande altitude na América do Sul, ingerindo vastas quantidades de vegetação fibrosa e abrasiva; este grupo possui, como já referido, uma dentição fisiologicamente similar à dos lagomorfos (Crossley, 1995b; Legendre, 2003; Capello, 2008b). Os dentes brancos do porquinho da Índia constituem uma excepção entre a maior parte dos roedores. Alguns roedores apresentam despigmentação, que, embora frequentemente presente em dentes estruturalmente normais (Crossley, 2003a; Capello & Gracis, 2005), pode estar associada a patologia dentária (Crossley, 2001b). Roedores silvestres e animais alimentados com matéria vegetal fresca podem apresentar as coroas clínicas manchadas de castanho-escuro (Crossley, 2003a). Regra geral, os incisivos dos roedores são maiores e mais fortes que os dos lagomorfos (Capello, 2004a). No porquinho da Índia, os incisivos mandibulares são três vezes maiores do que os maxilares (Capello, 2008b). Existem diferenças intraespecíficas: os dentes de chinchilas selvagens são mais pequenos e mais uniformemente gastos que os de espécimens de jardim zoológico ou domésticos (Crossley, 2003a), sendo os seus crânios também menores (Crossley & Del Mar Miguelez, 2001). Os incisivos crescem mais rapidamente que os restantes dentes, especialmente nas espécies mais pequenas (Legendre, 2003). No porquinho da Índia, a taxa é de 1,9 e 2,4 mm/semana para incisivos maxilares e mandibulares, respectivamente (Osofsky & Verstraete, 2006). No Reino Unido, foram observadas taxas de crescimento em chinchilas em cativeiro e de criação 3 Ou apenas molares, no caso dos miomorfos. 13 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL de 2,0 e 3,0 mm/semana para incisivos maxilares e mandibulares, respectivamente (Crossley, 2003a). Os incisivos normalmente são desgastados tão depressa quanto crescem. Tal como no coelho, devem a sua terminação afiada ao facto de haver deposição de esmalte labial mas não lingual e aos movimentos de mastigação de alimento abrasivo (Legendre, 2003). Na chinchila, há retrognatismo mandibular em repouso, ficando os incisivos separados (Capello & Gracis, 2005). No porquinho da Índia e chinchila, em repouso, os molariformes permanecem em oclusão. As coroas clínicas no porquinho da Índia são bastante menores que as de reserva, quando comparadas com as do coelho (Capello, 2008b). Nesta espécie, há uma marcada divergência dos dentes rostro-caudalmente, não se encontrando estes dispostos em fileiras paralelas (Crossley, 1995b). Estruturalmente, os molariformes do porquinho da Índia possuem uma peculiaridade com relevância clínica: as coroas clínicas mandibulares curvam medialmente e as de reserva lateralmente; as coroas clínicas maxilares curvam lateralmente, e as de reserva medialmente. Isto traduz-se por plano de oclusão oblíquo, com uma inclinação de cerca de 30º, cuja alteração tem consequências importantes no diagnóstico e tratamento de patologia dentária nesta espécie (Capello, 2003; Capello, 2004a; Capello & Gracis, 2005; Capello, 2008b). Os molariformes encontram-se cobertos pelo processo zigomático, dificultando o seu exame e o acesso cirúrgico lateral às coroas de reserva maxilares. Em descanso, os incisivos mandibulares encostam-se aos maxilares (Capello & Gracis, 2005). Os miomorfos possuem uma cavidade oral mais larga e curta que a de histricomorfos e lagomorfos. Em repouso, os molares permanecem em oclusão. O hamster dourado possui dentição bunodonte: os molares apresentam cúspides cónicas (Capello & Gracis, 2005). A cavidade oral do cão da pradaria é mais larga e curta que a de histricomorfos e lagomorfos. Os incisivos são muito dimensionados, especialmente os maxilares. A relação entre as coroas de reserva destes últimos e a cavidade nasal são um factor etiológico importante na doença dentária distrófica. Ao contrário do que é por vezes descrito, os molares e pré-molares são braquiodontes; apresentam raízes múltiplas e cúspides bunodontes, sendo estruturalmente similares aos dentes dos primatas. Uma vez que não sofrem crescimento permanente, má oclusão não é uma preocupação clínica nesta espécie. Embora estes dentes variem em tamanho e número de raízes têm um aspecto semelhante, pelo que são também denominados molariformes. Encontram-se muito próximos, e as arcadas mandibulares esquerda e direita são perfeitamente paralelas. O anisognatismo característico desta espécie é idêntico ao dos lagomorfos: a maxila é mais larga que a mandíbula, pelo que em repouso não há contacto entre as superfícies de oclusão (Capello, 2004a; Capello & Gracis, 2005; Capello, 2008b). Nalgumas espécies (como porquinho da Índia, chinchila) a mastigação é realizada predominantemente por movimentos rostrocaudais com acção propalinear: a mandíbula é repetidamente movida rostralmente e em direcção ao lado que não está a ser utilizado, fazendo deslizar a superfície de oclusão dos molariformes mandibulares a dos molariformes maxilares, com posterior separação dos dentes no retorno à posição anterior. Há, assim, 14 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL movimentos laterais e rostrocaudais simultâneos (ou seja, diagonais) (Crossley, 2003a; Capello, 2005; Reiter, 2008). Sciuromorfos e miomorfos apresentam uma grande amplitude de movimentos mandibulares rostrocaudais, fazendo frequentemente subluxação durante movimentos fisiológicos da mandíbula (Capello, 2005; Reiter, 2008). 2. FISIOPATOLOGIA Os dentes elodontes têm a vantagem de não permitirem o desgaste com a idade, característico de herbívoros anelodontes como equinos, bovinos e pequenos ruminantes. No entanto, tal torna-os susceptíveis a doença dentária em qualquer idade, uma vez que os dentes se encontram em permanente formação e as coroas de reserva em constante erupção. A patologia dentária nestas espécies apresenta, assim, características diferentes das observadas em carnívoros domésticos (Crossley, 2003c; Capello, 2004a). A patologia dentária em lagomorfos e roedores é extremamente comum, originando sintomas e sinais clínicos complexos relacionados primariamente com a função e secundariamente com outros órgãos e sistemas (Capello, 2004a; Capello, 2008b). Embora a etiologia possa estar associada a braquignatismo, trauma, corpo estranho ou neoplasia, a maioria dos problemas dentários no coelho faz parte de uma síndrome de evolução progressiva, que afecta a morfologia, posição e estrutura dentárias. Esta síndrome de patologia dentária adquirida pode ser estadiada clínica e radiologicamente. As alterações sofridas podem não envolver todos os dentes simultaneamente (Capello, 2004a; Harcourt-Brown, 2006; 2007a). Apesar das semelhanças anatómicas e fisiológicas entre o coelho e roedores, a patologia dentária adquirida apresenta, neste último grupo, características particulares em termos de diagnóstico, prognóstico e terapêutica. A crença comum de que roedores não são mais do que coelhos em miniatura é profundamente errada e potencialmente danosa (Capello & Gracis, 2005). PATOLOGIA DENTÁRIA CONGÉNITA Incisivos Molariformes PATOLOGIA DENTÁRIA ADQUIRIDA Braquignatismo/prognatismo Outras malformações congénitas Trauma Atrição inadequada por nutrição deficiente DOM Braquignatismo/prognatismo Outras malformações congénitas Trauma Atrição inadequada por nutrição deficiente DOM 4 Patologia dentária congénita dos incisivos Patologia dentária adquirida dos incisivos Tabela 6. Etiologias mais comuns de patologia dentária em lagomorfos e roedores (adaptada de Capello & Gracis, 2005; Lennox, 2008d). 4 Excepto roedores, ver 2.4.1. Incisivos. 15 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Qualquer processo que interfira com a erupção ou atrição normais dos dentes causa patologia dentária mas, no geral, o sobrecrescimento dentário de incisivos e molariformes elodontes é a sua principal causa no coelho e roedores (Capello, 2004a). As causas mais comuns de patologia dentária em lagomorfos e roedores encontram-se esquematizadas na tabela 6. 2.1. Coelho – patologia dentária congénita Estão descritas agenésia palatina, fendas palatinas, má nutrição materna, exposição a teratogéneos (Crossley, 2003c; Capello, 2004a), acromegália, anomalias da calote craniana e mutações esqueléticas (Lobprise & Wiggs, 1991), mas são consideravelmente raras (Capello, 2004a). Desconhece-se a incidência real de incisivos secundários supranumerários, mas pensa-se que sejam frequentemente hereditários. Dentes supranumerários que eclodem entre os incisivos secundários originais são geralmente mais dimensionados e de transmissão recessiva (Lobprise & Wiggs, 1991). A patologia dentária congénita restringe-se, normalmente, a má oclusão dos incisivos, afectando ocasionalmente molariformes (Lennox, 2008d). A má oclusão dos incisivos é considerada por alguns autores a apresentação clínica mais comum de patologia dentária, sendo um estímulo iatrotrópico frequente, ao contrário do que acontece na má oclusão de molariformes. No entanto, esta última representa, possivelmente, um diagnóstico clínico mais frequente. Tal explicar-se-á pelo facto de os proprietários não se aperceberem de problemas em dentes que, por razões anatómicas, não se encontram visíveis (Capello & Gracis, 2005). A má coaptação congénita da maxila/mandíbula pode ser devida a braquignatismo maxilar ou prognatismo mandibular, e constitui a principal causa de sobrecrescimento, desvio e má oclusão dos incisivos (Capello & Gracis, 2005). Frequentemente, fala-se em prognatismo mandibular quando, na realidade, é a maxila que se encontra diminuída, existindo braquignatismo maxilar (Fox and Crary, 1971; Lobprise & Wiggs, 1991; Crossley, 1995a; Roux, 2005; Verstraete & Osofsky, 2005; Lobprise, 2007a). Este, de origem genética, afecta especialmente coelhos-anões de raça pura (Harcourt-Brown, 1997; Legendre, 2002; Crossley, 2003c; Capello & Gracis, 2005, Meredith, 2007), verdadeiramente braquicefálicos, e de peso inferior a um quilo (Harcourt-Brown, 1997; Legendre, 2002; Capello & Gracis, 2005; Meredith, 2007). No retrognatismo/prognatismo, os molariformes mandibulares posicionam-se rostralmente aos maxilares (cross bite) e o primeiro molariforme mandibular não oclude com os dois primeiros molariformes maxilares. Dado que os movimentos rostrocaudais têm amplitude limitada e a retracção da mandíbula requer um esforço consciente considerável, esta posição não é passível de correcção em repouso. Desta forma, ocorre sobrecrescimento dos incisivos secundário a um desgaste dentário incorrecto. O sobrecrescimento, aliado às forças que afectam a oclusão, agrava a má oclusão já existente. Os incisivos mandibulares projectam-se rostralmente aos maxilares, com curvatura dorsorostral. Os incisivos maxilares, de maior 16 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL curvatura, não sofrem desgaste mas o seu contacto com os mandibulares mantém a pressão de oclusão, pelo que tendem a alongar em direcção ao palato. Com a perda do plano de oclusão normal o corte e a preensão dos alimentos tornam-se progressivamente mais difíceis, embora alguns animais aprendam a compensar, introduzindo alimento na boca pelo diastema. O pelo apresenta-se menos cuidado e não são incomuns tufos presos aos incisivos (Capello & Gracis, 2005). O retrognatismo maxilar e o prognatismo mandibular relativo afectam também a oclusão dos molariformes, sendo uma causa de patologia dentária adquirida nestes dentes. O desgaste deficiente leva ao sobrecrescimento do pré-molar de cada ramo da mandíbula. Quando o aumento em altura das coroas clínicas atinge um nível crítico, os movimentos verticais de mastigação, já de si limitados, tornam-se insuficientes para que ocorra oclusão, mesmo com grande retracção mandibular. Os ligamentos da articulação temporomandibular e os músculos da mastigação adaptam-se à má oclusão, e a mandíbula assume permanentemente uma posição prognata (Legendre, 2002). 2.2. Coelho – patologia dentária adquirida 2.2.1. Incisivos Traumatismos A fractura da sínfise mandibular é a lesão acidental mais comum (Meredith, 2007). É também relativamente comum o coelho roer as grades da jaula e assim traumatizar as estruturas orais. São ainda frequentes quedas, especialmente em animais não castrados/esterilizados, mais quezilentos e de maneio e contenção mais difíceis (Capello & Gracis, 2005). O traumatismo pode lesionar o tecido germinativo dos incisivos e afectar o seu crescimento, o que frequentemente causa má oclusão. Fracturas dos incisivos com exposição da polpa podem provocar pulpite e abcedação (com sofrimento considerável do animal) e são tipicamente iatrogénicas, ocorrendo quando o corte dos dentes é desnecessário e/ou efectuado com ferramentas inadequadas (Capello, 2004a). Quando a exposição pulpar é reduzida e a vascularização da polpa permanece intacta pode não ser necessário tratamento, mas a maioria dos casos requer a intervenção de especialistas para pulpectomia parcial. Casos não tratados resultam frequentemente em necrose pulpar, com formação de abcessos periapicais desde dias até meses após o trauma (Meredith, 2007). Dieta e atrição inadequados David Crossley é o grande proponente da atrição dentária insuficiente ou inadequada como causa principal de patologia dentária no coelho, com base nas diferenças substanciais entre a 17 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL dieta dos animais silvestres e a dos domesticados: quase 100% dos proprietários oferece uma dieta incorrecta aos seus animais, por exemplo, pellets e grãos; quase 100% dos coelhos domesticados desenvolve patologia dentária, ainda que subclínica (Capello & Gracis, 2005; Crossley, 2005). Animais com dietas probres em fibra e ricas em hidratos de carbono apresentam, de facto, uma atrição dentária reduzida (Crossley, 2005; Meredith, 2007; Reiter, 2008). Animais com dietas constituídas por concentrado ou cereais pobres em fibra tendem a esmagar o alimento com movimentos dorsoventrais, ao invés dos movimentos de moagem laterais requeridos por dietas com alto teor de fibra (Capello & Gracis, 2005; Crossley, 2005; Meredith, 2007; Reiter, 2008). Com a alteração do padrão de atrição, os incisivos sofrem desvio e, em repouso, os incisivos mandibulares deixam de ocludir entre o par de incisivos maxilares. Alguns autores consideram que a primeira alteração sofrida é a perda da terminação em bisel do dente, seguida do aumento em profundidade e altura, e deformação das coroas de reserva e clínicas. O subsequente agravamento do grau de má oclusão predispõe para fractura, pulpite e infecções periapicais (Capello, 2004a; Capello & Gracis, 2005). Com crescimento anómalo dos incisivos maxilares pode haver lesões dos tecidos moles (lábios em particular, língua, palato duro e nariz); os incisivos mandibulares raramente causam lesões tecidulares (Capello, 2004a; Capello & Gracis 2005). As lesões e a própria má oclusão podem ser discretas, pelo que é necessário observar os incisivos de todos os ângulos (Capello & Gracis, 2005). O sobrecrescimento pode levar ao aumento de tamanho do sistema pulpar, sendo possível vislumbrar a polpa rosada no interior da coroa clínica. Nestes casos é necessário um cuidado especial aquando de redução coronal dos incisivos para evitar expôr a polpa, o que leva inevitavelmente a pulpite e causa dor profunda (Capello & Gracis, 2005; Crossley, 2003b; 2003c). Má oclusão dos incisivos e dos molariformes podem ocorrer isoladamente, ainda que tal não seja muito frequente. Embora a má oclusão dos incisivos seja frequentemente secundária a ou concomitante com má oclusão dos molariformes, especialmente no coelho geriátrico (HarcourtBrown, 1997; Verstraete & Osofsky, 2005) e na chinchila (Harcourt-Brown, 1997), pode, ela própria, causar má oclusão secundária dos molariformes (Harcourt-Brown, 2002b; Capello & Gracis, 2005; Reiter, 2008). Curiosamente, animais com dietas à base de pellets demonstraram as maiores diferenças entre a taxa de atrição e a de erupção; a duração da alimentação parece, assim, ser mais determinante do que a dureza do alimento (Harcourt-Brown, 2002b). O plano de oclusão pode manter-se normal mesmo quando alterações profundas do ápice e coroas de reserva determinam a curvatura anormal dos incisivos. No estadio final da má oclusão dos incisivos a deformação é de tal ordem que se assemelha ao elodontoma do cão da pradaria (Capello & Gracis, 2005). 18 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Coelhos com dietas inapropriadas (misturas pobres em fibra, grão, sementes e frutos secos) apresentam maior risco de desenvolverem patologia dentária, correspondendo, com efeito, à maioria dos pacientes observados (Capello & Gracis, 2005; Lennox, 2008a). Apesar disto, muitos animais alimentados incorrectamente nunca desenvolvem patologia dentária, o que sugere a existência de outros factores etiológicos igualmente importantes (Harcourt-Brown, 2002b; Capello & Gracis, 2005; Lennox, 2008a). Doença óssea metabólica (DOM) Num estudo em 40 coelhos Harcourt-Brown (1995) verificou que má qualidade dentária e óssea constituíam um factor etiológico de patologia dentária mais importante do que a presença de má oclusão. Propôs DOM como causa de patologia dentária adquirida em coelhos domésticos, englobando doenças como hipovitaminose D, osteoporose, oestodistrofia nutricional e hiperparatiroidismo nutricional secundário (Harcourt-Brown, 2002b). A proposta de DOM como causa predisponente para patologia dentária adquirida é baseada nos seguintes factos: pacientes afectados apresentam desmineralização generalizada dos ossos do crânio e exames radiográficos consistentes com doença osteodistrófica progressiva dos ossos cranianos e dentes; pacientes com patologia dentária adquirida (e sem acesso a luz natural) apresentam níveis séricos de cálcio total diminuídos, níveis de vitamina D indetectáveis e níveis de PTH muito elevados; e o aumento dos níveis de cálcio na dieta de pacientes com sintomatologia precoce de DOM causa a reversão de algumas lesões (Harcourt-Brown 1996; 2002b; 2006; Harcourt-Brown & Baker, 2001; Capello & Gracis, 2005). O metabolismo do cálcio no coelho apresenta particularidades muito específicas, sendo os seus mecanismos homeostáticos menos rígidos que os da maioria dos mamíferos. Os valores de cálcio total normais variam num intervalo considerável, sendo 30-50% superiores aos dos demais mamíferos. O cálcio é absorvido passivamente no intestino, sendo o total absorvido directamente proporcional ao total ingerido, sem relação com necessidades metabólicas (Harcourt-Brown & Baker, 2001; Redrobe, 2002; Harcourt-Brown, 2004; 2006; Eckerman-Ross, 2008). No coelho - e demais lagomorfos (Redrobe, 2002) – a homeostase do cálcio é mantida através da regulação da sua excreção renal e não da absorção intestinal, pelo que as concentrações de cálcio sérico e urinário podem reflectir fisiologicamente o seu aporte dietético (Harcourt-Brown & Baker, 2001; Harcourt-Brown, 2006). A absorção intestinal não está, normalmente, dependente de vitamina D3 (Redrobe, 2002; Harcourt-Brown, 2004; 2006; Eckerman-Ross, 2008), excepto quando a dieta é deficiente em cálcio (Harcourt-Brown & Baker, 2001; Redrobe, 2002; Harcourt-Brown, 2006). A vitamina D3 influencia a excreção renal do cálcio e do fósforo (Harcourt-Brown & Baker, 2001; Redrobe, 2002), diminuindo aquela em caso de hipovitaminose D (Redrobe, 2002). A secreção de PTH e calcitonina responde rapidamente a alterações dos níveis séricos de cálcio iónico, não sendo permitidas grandes variações na sua concentração; alterações na 19 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL PTH ocorrem apenas a níveis muito elevados (mas ainda normais) de cálcio, o que sugere que a paratiróide responda a alterações no cálcio iónico mantendo as suas concentrações dentro do intervalo fisiológico da espécie (Redrobe, 2002; Eckerman-Ross, 2008). Em pacientes com patologia dentária adquirida as concentrações séricas de PTH e cálcio encontram-se, respectivamente, elevadas e diminuídas, quando comparadas com animais domésticos saudáveis de vida livre (Harcourt-Brown & Baker, 2001). A eficácia da absorção passiva de cálcio está associada à dentição elodonte; durante a atrição dentária normal o cálcio vai sendo continuamente libertado, engolido e reabsorvido no intestino delgado. Durante períodos de grande aporte de cálcio o rim compensa aumentando a excreção fraccional de cálcio na urina; da mesma forma, há reabsorção tubular durante períodos de privação de cálcio. O cálcio excretado precipita como carbonato de cálcio na urina, tornando-a turva (Redrobe, 2002; Harcourt-Brown, 2004; Eckerman-Ross, 2008). A concentração urinária de cálcio depende do seu aporte, tornando-se a urina límpida quando a excreção diminui, ou seja, em períodos de maior exigência metabólica como crescimento, gestação e patologia metabólica (Harcourt-Brown, 2002c; 2006; Redrobe, 2002; EckermanRoss, 2008); em pacientes anoréxicos ou com dietas deficientes em cálcio; e ocasionalmente em caso de insuficiência renal (Harcourt-Brown, 2006). Apesar da ausência de mecanismos homeostáticos rígidos, a hipocalcémia é rara mesmo na presença de graves deficiências em cálcio, havendo relatos de animais com normocalcémia até pouco tempo antes da sua morte, apesar da profunda descalcificação esquelética (Redrobe, 2002). Ainda assim, está descrita tetania de lactação (Harcourt-Brown, 2006). Tal como nas demais espécies, o hiperparatiroidismo afecta principalmente a deposição mineral mandibular. O hiperparatiroidismo nutricional secundário manifesta-se pela perda de osso alveolar, o que permite sobrecrescimento dentário e aumento da mobilidade dentária. Os dentes ainda em crescimento sofrem alterações estruturais, havendo diminuição da produção de esmalte e enfraquecimento geral, que pode conduzir a fractura das coroas clínicas. Os ossos do crânio sofrem desmineralização, podendo todo o esqueleto ósseo ser afectado, em particular a coluna vertebral (Harcourt-Brown, 2004). O coelho alimenta-se selectivamente, preferindo normalmente o grão da ração aos legumes e feno fornecidos. A maioria das vitaminas e minerais nas rações comerciais encontra-se nos pellets, frequentemente rejeitados devido à sua baixa palatibilidade, pelo que convém ter presente que acesso a fontes vitamínicas não significa, necessariamente, a ingestão das mesmas (Harcourt-Brown, 1996; Redrobe, 2002). Por outro lado, o coelho necessita de exposição a radiação UV para a síntese de vitamina D3, sendo a sua concentração especialmente baixa na Primavera (ou seja, final do Inverno) e em animais com pouco ou nenhum acesso a luz solar, exercício e pastagem (grazing) (Fairham & Harcourt-Brown, 1999). A DOM predispõe para defeitos de oclusão nos incisivos, que resultam em sobrecrescimento e formação de estrias horizontais no esmalte dos incisivos maxilares primários (Harcourt-Brown, 1996). 20 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Assim, parece claro que a etiologia da síndrome da patologia dentária adquirida não é ainda totalmente compreendida, desconhecendo-se se é devida a factores genéticos, dietéticos ou metabólicos – ou, possivelmente, a combinações de dois ou mais factores. A relação fisiopatológica entre lesões ortodônticas, endodônticas e periodontais tão pouco está esclarecida (Verstraete & Osofsky, 2005). 2.2.2. Molariformes A má oclusão primária dos molariformes é uma das causas mais comuns de patologia dentária. A patologia dentária adquirida destes dentes apresenta várias gradações, podendo ser feito o seu estadiamento com recurso a radiografias e, sobretudo, a endoscopia. Uma avaliação e diagnóstico correctos são tanto mais importantes quanto é frequente a subtileza ou até ausência de sintomatologia clínica. O diagnóstico precoce é vital para o tratamento e resolução de lesões dos tecidos moles, bem como para travar a progressão da doença dentária (Capello & Gracis, 2005). No coelho, a atrição insuficiente por consumo de alimento inadequado é considerada por alguns autores a etiologia mais importante de patologia dentária adquirida dos molariformes (Capello, 2004a; Crossley, 2005). Os movimentos verticais predominantes e acentuados diminuem o desgaste dos planos de oclusão, particularmente na porção lingual dos molariformes mandibulares e na porção bucal dos molariformes maxilares. Aumenta a pressão exercida sobre os molariformes, resultando em desvio do eixo e alterações na curvatura das coroas clínicas, e agravamento da má oclusão pré-existente (Capello & Gracis, 2005; Crossley, 2005). O sobrecrescimento é, até certo ponto, contrariado pela força dos músculos envolvidos na mastigação, mas esta aposição de forças acentua o encurvamento anómalo dos molariformes em crescimento. Os pré-molares e molares mandibulares tipicamente encurvam medialmente, apresentando convexidade lateral; os maxilares sofrem o processo oposto. Este encurvamento é anómalo no coelho, cujo plano de oclusão normal é horizontal (Capello, 2003; Legendre, 2003; Capello & Gracis, 2005). A má oclusão impede o desgaste dentário das coroas clínicas entre a porção lingual mandibular e a porção bucal maxilar. Como resultado, surgem esporões e espículas dentários afiados, que podem causar lesões e ulcerações da língua (molariformes mandibulares) (fig. 2) e da mucosa da bochecha (molariformes maxilares) (fig. 3) (Harcourt-Brown, 2002b; Capello & Gracis, 2005; Lobprise, 2007b). A erupção diminui apenas quando a pressão de oclusão da mandíbula em repouso iguala a pressão eruptiva. No entanto, o crescimento dentário não é interrompido, continuando em sentido apical com intrusão dos ápices e do tecido germinativo (Crossley, 2005), e resultando em alterações irreversíveis dos ápices, tecido germinativo, e osso alveolar cortical mandibular e maxilar (Crossley, 2005; Capello & Gracis, 2005). Ocorre, simultaneamente, atrofia nas inserções musculares, especialmente em zonas de inserções musculares no ramo da 21 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL mandíbula. Nestes locais, o osso pode apresentar-se tão fino que seja quase transparente, ou encontrar-se perfurado (Meredith, 2007). Figura 2. Esporão no PM1 mandibular. Figura 3. Esporões maxilares. O primeiro molariforme apresenta um esporão na face lingual, que causou já alguma ulceração da língua (zona medial escura). Os molariformes maxilares estão sobredimensionados, apresentando os primeiros três esporões na face bucal. Na DOM dos molariformes há deformação do osso cortical submandibular, e encurvamento e rotação dos molariformes nos alvéolos. Estas alterações conduzem a má oclusão, tendo como resultado um desgaste anómalo da coroa clínica (Capello & Gracis, 2005). Alterações nas coroas de reserva e curvatura dos dentes levam ao aumento dos espaços interdentário e periodontal, permitindo, ainda, acumulação de alimento e constituindo um factor predisponente para abcedação periapical importante (Capello, 2004a; Meredith, 2007). De acordo com alguns autores, a exposição à luz solar e a correcção da dieta podem melhorar a integridade dentária e óssea em caso de deficiências vitamínicas e minerais (Kamphues, 1991; Harcourt-Brown, 1995; 1996; 1997). No entanto, não há unanimidade em relação à importância dos níveis dietéticos de cálcio na patologia dentária. Os dentes não funcionam normalmente como fonte de cálcio na regulação homeostática (Rasmussen, 1972; 1977), sendo necessário um período prolongado de deficiência extrema para que o crescimento e desenvolvimento dentários sejam afectados (Van Caelenberg et al., 2008). Não obstante, um aporte nutricional de cálcio deficiente parece aumentar a progressão de lesões reabsortivas (Harcourt-Brown, 1996) e Harcourt-Brown (2006) sugere que os valores de cálcio na dieta rondem os 0,6-1%. As alterações patológicas mais frequentes da patologia dentária adquirida são abcedação periapical e osteomielite; ocorrem também fracturas longitudinais, perda do ancoramento ósseo, acumulação de alimento e fístulas. Na osteomielite, a infecção óssea pode localizar-se no ápice de um dente ou afectar outros dentes, bem como a maxila e a mandíbula (Bennet, 1999; Crossley, 2003c; Capello, 2003; 2004a; Legendre, 2003). 22 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Outras alterações do plano de oclusão incluem boca em escada, na qual os molariformes crescem a velocidades diferentes, havendo grande disparidade na altura das coroas clínicas; e boca ondulada (fig. 4), na qual o plano de oclusão é ondulado devido a diferenças de alguns milimetros entre as mesmas (Capello, 2004a; Capello, 2004b; Crossley, 2003c). Normalmente, estas alterações não são acompanhadas de esporões ou esporões ósseos, que caracterizam um estadio de doença dentária mais avançado. Os sinais e sintomas são discretos, podendo até encontrar-se ausentes, enfatizando a necessidade de um exame dentário completo ainda que o paciente não apresente queixas (Capello & Gracis, 2005). Figura 4. Boca ondulada, projecção LL esquerda. É visível a ligeira diferença de comprimento entre os molariformes maxilares. O sobrecrescimento das coroas clínicas dos molariformes (pré-molares em particular) pode causar prognatismo mandibular funcional. Inicialmente, o sobrecrescimento impede a aposição normal da maxila e mandíbula rostralmente, forçando a boca a permanecer aberta e causando, como primeira alteração patológica, má oclusão dos incisivos. O sobrecrescimento dentário pode ser mascarado pelo concomitante aumento em altura das gengivas (Capello, 2004a). Como já referido, o problema não é exclusivamente intraoral uma vez que existe aumento em profundidade das coroas de reserva, com alterações apicais e periapicais (Crossley, 1995a). Harcourt-Brown (2007a) sugere, com base na análise de 175 crânios preparados e 315 radiografados, que na síndrome da patologia dentária adquirida o sobrecrescimento apical seja a primeira alteração sofrida, precedendo todas as outras, incluindo o sobrecrescimento coronal; à medida que a patologia progride, surgem alterações na forma, estrutura e posição dos dentes, levando a má oclusão e deformações coronais visíveis. O crescimento apical provoca remodelação tecidular em torno dos ápices, eles próprios deformados, que se traduz por tumefacções submandibulares. O sobrecrescimento das coroas de reserva maxilares afecta o processo zigomático e pavimento da órbita, causando sintomatologia ocular; o osso maxilar propriamente dito raramente é afectado (Crossley, 1995a). O crescimento apical provoca estiramento do periósteo e, não raramente, a sua perfuração (Capello, 2004a; Meredith, 2007). 23 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL A acumulação de placa dentária, a doença periodontal primária e as cáries em herbívoros elodontes são consideradas raras por muitos autores (Crossley, 2003c; Capello, 2004a) 5 . No coelho, ainda assim, a doença periodontal é comum, uma vez que o ligamento periodontal é estruturalmente frágil e, como tal, predispõe para acumulação de alimento (Meredith, 2007), que constitui a causa de doença periodontal primária mais frequente no coelho. Não obstante, a doença periodontal é mais frequentemente secundária a diminuição ou interrupção da erupção (Crossley, 2003c), provocando perda da condição corporal e debilidade (Legendre, 2003). O sobrecrescimento dentário, especialmente dos molariformes, é um factor significativo, visto causar o aumento dos espaços interdentários. A infecção periodontal, frequentemente com envolvimento de bactérias anaeróbias (por exemplo, Fusobacterium spp., Staphylococcus spp. e Streptococus spp.), pode alcançar o ápice, causando lesões endodônticas à medida que a polpa é afectada. Abcessos odontogénicos resultam frequentemente deste tipo de infecção ou de lesões mucosas por esporões dentários. Infelizmente, a maioria dos abcessos provoca alterações profundas nos tecidos circundantes, incluindo o osso alveolar, pelo que, mesmo após o seu tratamento bem sucedido, permanecem sequelas (Meredith, 2007). Lesões reabsortivas foram reconhecidas em várias espécies, como o homem, chimpanzé, cão, gato, coelho, chinchila e ratazana, e o coelho não constitui excepção (Crossley, Dubielzig & Benson, 1997; Legendre 2003). Acredita-se que sejam uma extensão da remodelação óssea para o interior da dentina, podendo ser induzidas por inflamação devida a infecção periodontal, ou traumatismo físico/químico do ligamento periodontal (Crossley et al., 1997). As cáries também podem constituir um factor importante: dietas ricas em hidratos de carbono, atrição reduzida e erupção interrompida predispõem para cáries, que podem destruir as coroas clínicas e progredir subgengivalmente, estimulando a reabsorção. Se o paciente sobreviver tempo suficiente, a reabsorção dentária pode causar o desaparecimento da maioria dos molariformes. Coelhos afectados adaptam-se geralmente bem a uma dieta liquidificada (Meredith, 2007). 2.3. Roedores – patologia dentária congénita Em roedores, a patologia dentária congénita é ainda menos frequente que no coelho (Capello, 2008b). Em roedores silvestres estão documentados incisivos e molares ou molariformes supranumerários, anodontia, variação no tamanho dos molares e padrão das cúspides e, ainda, no número e posição das raízes (Sainsbury et al., 2004). A má oclusão primária dos incisivos é rara. No entanto, estão descritos desvio congénito e má oclusão primária em hamsters, ratazanas e esquilos. A distinção entre desvio congénito e má oclusão por traumatismo repetido pode ser difícil, dado que os proprietários raramente se 5 Ver pp. 33-34 para análise da pertinência desta afirmação em roedores. 24 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL apercebem da fractura original (Capello, 2008b). Em histricomorfos, a má oclusão congénita é considerada rara uma vez que não estão descritos prognatismo mandibular ou braquignatismo maxilar, apesar de relatos anedóticos no hamster (Capello, 2008b). Uma possível explicação para tal é o facto de a grande amplitude de movimentos rostrocaudais permitir compensar uma má coaptação ligeira (Capello & Gracis, 2005). 2.4. Roedores – patologia dentária adquirida 2.4.1. Incisivos Não têm sido efectuados estudos sobre a etiologia de patologia oral em roedores silvestres, restringindo-se geralmente os relatos a descrições das lesões encontradas. Anomalias da erupção, oclusão e atrição são provavelmente mais comuns em roedores em cativeiro (Sainsbury et al., 2004). A má oclusão é a patologia oral mais comum em roedores, quer resulte do sobrecrescimento dos incisivos quer, como é característico desta ordem, do sobrecrescimento de todos os dentes (fig. 5) (Legendre, 2003). Má oclusão adquirida e desvio acentuado dos incisivos ocorrem frequentemente após traumatismo repetido e fracturas (fig. 6) (Capello, 2008b). Uma correcção atempada de qualquer das causas mais frequentes - dieta inadequada, traumatismo ou patologia congénita – pode oferecer um controlo eficaz, embora apenas a primeira seja passível de cura completa desde que diagnosticada precocemente (Legendre, 2003). Em dentes de crescimento constante a má oclusão inicial é, segundo alguns autores, caracterizada pela perda da terminação em bisel dos incisivos mandibulares, seguida por sobrecrescimento e deformação das coroas clínicas e de reserva, aumentando a gravidade da má oclusão e predispondo para fracturas, pulpite e infecções periapicais (Capello, 2004a). No porquinho da Índia e chinchila, a má oclusão dos incisivos é normalmente secundária a patologia dentária adquirida dos molariformes, e menos frequente que no coelho. O padrão de má oclusão difere também do observado nesta espécie: normalmente, os incisivos maxilares não sofrem o mesmo encurvamento extremo e raramente causam lesões dos tecidos moles; e os incisivos mandibulares não sofrem um desvio que os posiciona rostralmente aos maxilares. Em oclusão, pode haver braquignatismo mandibular e a mandíbula pode sofrer desvio lateral (Capello & Gracis, 2005). No porquinho da Índia, os dois padrões de má oclusão mais comuns são sobrecrescimento das coroas clínicas dos incisivos mandibulares e plano de oclusão oblíquo com um desvio de aproximadamente 45º. Na chinchila, pode haver crescimento dos incisivos maxilares em direcção ao palato duro mas, como referido, num grau muito menos acentuado do que no coelho (Capello, 2008b). As longas coroas clínicas dos incisivos no porquinho da Índia levam frequentemente clínicos com menos experiência nesta espécie a diagnosticar sobrecrescimento, apesar da ausência 25 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL de anomalias do eixo de crescimento, especialmente se o estímulo iatrotrópico foi anorexia. A correcção de incisivos normais agrava o quadro clínico pré-existente, podendo mesmo causar nova patologia, como fractura ou pulpite (Westerhof & Lumeij, 1987; Capello & Gracis, 2005). Em pacientes com má oclusão é comum ocorrer acumulação de alimento e pelos. Westerhof e Lumeij (1987) mencionam a acumulação de pelos no sulco gengival, com prurido secundário a ácaros, como causa de anorexia no porquinho da Índia. Figura 5. Porquinho da índia – má oclusão dos incisivos. Figura 6. Porquinho da índia - fractura dos incisivos. A má oclusão dos incisivos é indicativa de má oclusão dos molariformes subjacente. Este paciente apresenta a face, pescoço e peito molhados devido a ptialismo. Todos os incisivos apresentam terminações irregulares, bem como comprimento díspar intra-par, com perda do plano de oclusão normal. Traumatismo Alguns roedores, como o cão da pradaria, tipicamente roem as grades da jaula, causando lesão de tecidos moles (Capello, 2003). As quedas também são frequentes, sendo mais comuns as fracturas dos incisivos, especialmente em pacientes geriátricos (Capello, 2008b), do que as da mandíbula ou maxila (Legendre, 2003). Outros roedores, como o porquinho da Índia, possuem temperamentos mais tranquilos, normalmente não roendo grades ou tendo por hábito trepar ou saltar (Capello & Gracis, 2005). Apesar disto, tanto o porquinho da Índia como a chinchila apresentam diversos padrões de fractura dos incisivos (Capello, 2008b); a chinchila parece, de resto, especialmente atreita a fracturas destes dentes (Capello & Gracis, 2005). Encontram-se desde fracturas simples com separação da sínfise até fracturas maxilares expostas com envolvimento dentário. Na chinchila e no porquinho da Índia ocorrem facilmente fracturas iatrogénicas (Capello, 2004a). O hamster dourado apresenta frequentemente patologia dentária dos incisivos secundária a fractura e infecção periapical ou pulpite. Estes dentes não são facilmente observados pelos proprietários, pelo que o diagnóstico só é possível quando ocorrem complicações secundárias graves. O padrão de má oclusão mais comum envolve um grande sobrecrescimento e 26 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL encurvamento dos incisivos, frequentemente com lesões secundárias dos tecidos moles. O hamster russo apresenta frequentemente má oclusão e fracturas, possivelmente por tentar ingerir alimentos demasiado grandes e duros (Capello & Gracis, 2005). O cão da pradaria apresenta frequentemente uma patologia dentária altamente específica. Nesta espécie têm sido descritas grandes massas associadas aos ápices dos incisivos maxilares (fig. 7), denominadas odontomas (Wagner, Garman & Collins, 1999; Phalen, Antinoff & Fricke, 2000; Capello, 2002). Estes odontomas foram igualmente diagnosticados em cães, ratinhos, vacas, cavalos e um elefante (Boy & Steenkamp, 2006). No cão da pradaria a natureza destas massas é displástica, não se tratando de verdadeiras neoplasias. Por esta razão, alguns autores consideram mais correcto o termo pseudo-odontoma (Legendre, 2003; Capello, 2007). No entanto, esta denominação tão pouco é completamente adequada. Os odontomas são os tumores odontogénicos mais comuns em humanos, não havendo concordância quanto à sua natureza; são considerados neoplasias por alguns autores e hamartomas por outros (Finkel, Lombard, Staffeldt & Duffy, 1979; Wagner et al., 1999; Greenacre, 2004; Boy & Steenkamp, 2006). Um hamartoma é definido como um tumor benigno, causado pela proliferação exagerada do tecido maduro característico da zona afectada, de forma desorganizada e com predominância frequente de um elemento. A indefinição que rodeia a natureza destas massas (isto é, hamartomosa versus neoplásica) nos dentes braquiodontes, e o crescimento contínuo com especialização dos botões apicais dos dentes elodontes, sugerem a necessidade de se encontrar um termo independente para a descrição de lesões com características histológicas semelhantes nestes dentes. Foi proposto o termo elodontoma, que se refere a lesões hamartomatosas do maxilar e mandíbula de espécies com dentes elodontes. Um elodontoma será, assim, um hamartoma do tecido odontogénico e osso alveolar em desenvolvimento constante no botão periapical do dente elodonte (Boy & Steenkamp, 2006). Por esta terminologia ser muito clara e específica, será a adoptada neste trabalho. Histologicamente, os elodontomas são caracterizados por ramificações da coroa de reserva do dente afectado, seguida por proliferação expansiva de tecido dentário desorganizado, resultando numa massa que ocupa o seio nasal (Greenacre, 2004). Tal como os odontomas, podem ser divididos em compostos – estruturas similares a dentes em miniatura múltiplos - ou complexos - um aglomerado de tecido odontogénico composto por tecidos moles e duros (Finkel et al., 1979; Said-Al-Naief, 2005; Boy & Steenkamp, 2006). Os diagnósticos diferenciais para a presença de áreas de maior opacidade na cavidade nasal incluem infecção granulomatosa crónica com calcificação secundária (bacteriana ou fúngica), reacção inflamatória devido a corpo estranho, polipos nasais, má formação dos turbinados congénita ou adquirida, hamartoma e neoplasia (Jekl, Hauptman, Skoric, Jeklova, Fictum, & Knotek, 2008), em particular o osteosarcoma, embora raríssimo (Mouser, Cole & Lin, 2006). A fisiopatologia dos elodontomas em roedores não é clara, tendo sido propostas algumas hipóteses, tais como reabsorção óssea diminuída e desorganização da remodelação da matriz 27 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL extracelular, que implicam derivar a sua formação do confinamento do tecido odontogénico e não da sua proliferação excessiva. A reduzida reabsorção óssea leva à penetração do tecido germinativo recém-formado por trabéculas ósseas, causando a destruição de cordões epiteliais e formação de células-filhas germinais que funcionam como ilhéus epiteliais odontogénicos e sofrem um processo de maturação independente (Boy & Steenkamp, 2006). No cão da pradaria o traumatismo repetido (devido ao constante roer de grades, fracturas por queda ou redução coronal incorrecta) tem sido sugerido como causa de elodontomas (Phalen et al., 2000; Capello, 2004a; 2007). O tipo e gravidade da patologia variam com a sua causa. Um traumatismo crónico ligeiro, advindo do roer de grades, pode causar anomalias anatómicas (tais como irregularidades na deposição do esmalte na face labial). Em traumatismos mais graves o próprio processo de regeneração óssea pode levar à destruição indirecta dos cordões epiteliais pelas trabéculas ósseas (Phalen et al., 2000). Nesta espécie, a prevenção do trauma é uma medida importante de profilaxia e maneio de elodontomas (Wagner et al., 1999). Legendre (2003) sugere ainda como etiologia possível uma dieta insuficientemente dura, sugerindo como prevenção alimentos que permitam um desgaste dentário de 1 mm/dia (como ervas e raízes ainda sujas de solo), que representa a atrição típica da espécie. A deformação sofrida pelos incisivos mandibulares é semelhante mas há crescimento intrusivo da estrutura dentária deformada (Legendre, 2003; Capello, 2007). Os elodontomas podem afectar um ou ambos os incisivos (Phalen et al., 2000). A intrusão apical aumenta a pressão sobre o tecido germinal, que sofre distorção e ruptura. A taxa de crescimento diminui gradualmente e a erupção acaba por cessar, após o que a cura é completamente impossível. Em geral, os incisivos maxilares são afectados primeiro. Figura 7. Elodontoma bilateral, projecção LObl direita. São visíveis as alterações dos ápices dos incisivos maxilares (setas vermelhas) e a grande redução do diâmetro da cavidade nasal (seta azul). O incisivo mandibular apresenta perda da terminação em bisel (seta branca). Uma vez que a taxa de atrição não sofre alterações inicialmente, as coroas clínicas tornam-se progressivamente mais curtas, podendo terminar subgengivalmente. Dependendo do tipo de dieta, o paciente pode ou não apresentar sintomatologia. A gravidade das lesões observáveis no palato duro nem sempre têm correlação com a gravidade do quadro clínico (Wagner et al., 1999). Nos casos mais graves, o elodontoma funciona como uma massa obstrutiva que bloqueia progressivamente a porção medial ou caudal das vias nasais, causando a típica sintomatologia respiratória (Phalen et al., 2000; Legendre, 2003; Capello, 2007; Jekl et al., 2008). A dispneia pode ser agravada pela presença de rinorreia (Phalen et 28 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL al., 2000; Jekl et al., 2008). Nos casos mais avançados, as dificuldades respiratórias podem ser tão grave que conduzam à morte (Boy & Steenkamp, 2006). Dieta e atrição inadequados Há poucos estudos sobre os requisitos dietéticos de muitas espécies exóticas. A observação de chinchilas silvestres indica que se alimentam de sementes, folhas, caules e cascas de várias plantas cuja disponibilidade depende da estação, mas desconhece-se o alcance da sua variedade ou quantidade relativa de ingestão de cada planta. Ainda que, em cativeiro, os histricomorfos se alimentem maioritariamente de feno ou ervas frescas, estas provêm de pastagem não montanhosa, possuindo um teor de silicatos muito inferior ao da dieta natural (Crossley, 1995b). Assim, a dieta típica de cativeiro é não apenas mais concentrada e calórica, como bastante menos abrasiva, diminuindo a atrição dentária (Crossley, 1995b; Crossley & Del Mar Miguelez, 2001). O conteúdo nutricional óptimo, ao contrário do que acontece com a dieta natural, permite a mineralização dentária máxima, aumentando a resistência ao desgaste (Crossley & Del Mar Miguelez, 2001). Finalmente, a forma do alimento (pellets, alimento pré-moído) altera, por sua vez, o padrão de mastigação, diminuindo a sua duração e privilegiando movimentos de esmagamento, ao invés de movimentos de moagem. A taxa de atrição diminui, assim, substancialmente (Crossley & Del Mar Miguelez, 2001; Legendre, 2002; Meredith, 2007; Reiter, 2008). Doença óssea metabólica (DOM) A MBD como causa subjacente de doença dentária não foi ainda especificamente estudada em roedores (Capello, 2004a; Capello, 2007). No entanto, na chinchilla não parece haver correlação entre anomalias do metabolismo do cálcio e problemas dentários (Crossley, 2003a). 2.4.2. Molariformes Nos roedores herbívoros, a má oclusão é mais frequentemente causada pelos molariformes que pelos incisivos. O sobrecrescimento das coroas clínicas é menos frequente e exuberante que em lagomorfos. Nos histricomorfos, a etiologia mais importante de patologia dentária adquirida nestes dentes é a atrição insuficiente por consumo de alimento inadequado. Em sciuromorfos e miomorfos, pelo contrário, os mesmos dentes podem sofrer alterações patológicas maioritariamente devido a infecções e abcedação resultantes de cáries e fracturas (Capello, 2004a). Suspeita-se que possa existir uma componente genética no sobrecrescimento dos molariformes no porquinho da Índia (Crossley, 1995b) e na chinchila (Crossley, Jackson, Yates & Boydell, 1998). 29 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL A hipovitaminose C ocorre muito raramente (Capello, 2004a). No porquinho da Índia, o sobrecrescimento dos molariformes pode ser ser devido a factores metabólicos ou deficiências nutricionais (Crossley, 1995b). A hipovitaminose C (Capello, 2004a) e o excesso de selénio (Crossley, 1995b) interferem com o metabolismo do colagénio, sendo uma causa predisponente de patologia dentária nesta espécie (Crossley, 1995b; Capello, 2004a; Lobprise, 2007b). Dentes cuja erupção não é contrariada continuam a crescer. Nos histricomorfos, tal como no coelho, é comum o sobrecrescimento das coroas clínicas dos molariformes causar prognatismo mandibular funcional, que é frequente e erroneamente diagnosticado como congénito (Capello, 2004a). O encurvamento dos molariformes é anómalo na chinchila mas mimetiza a anatomia normal no porquinho da Índia, pelo que o seu reconhecimento precoce é mais difícil nesta espécie (Capello, 2003; Legendre, 2003). Em muitos casos, a gengiva e o osso alveolar também aumentam em altura, tendendo a mascarar o sobrecrescimento dentário durante o exame visual. Há variação intraespecífica no grau de resposta ao sobrecrescimento das coroas clínicas (Crossley, 2003a). No porquinho da Índia, a divergência rostrocaudal e o plano de angulação tendem a empurrar a mandíbula rostralmente, podendo causar má oclusão dos incisivos (Crossley, 1995b). O porquinho da Índia e a chinchila podem apresentar alterações do plano de oclusão semelhantes à boca ondulada e boca em escada do coelho (Capello & Gracis, 2005). É necessário recorrer a exames radiográficos para o diagnóstico, especialmente nos estadios iniciais, porque o sobrecrescimento das coroas clínicas não é detectável (Crossley, 1995b). É mais frequente reflectir-se no aumento em altura das coroas clínicas no porquinho da Índia do que na chinchila (Crossley, 2003a). Ainda que seja normalmente acompanhado pelo sobrecrescimento das coroas de reserva, pode ocorrer apenas crescimento das coroas de reserva (Capello, 2004a). O aumento em altura das coroas clínicas reduz a eficácia alimentar, embora muitas vezes com sintomatologia discreta (Legendre, 2003; Reiter, 2008). Uma maior susceptibilidade ao stress de oclusão (ou seja, forças de intrusão aplicadas aos dentes e sua duração) parece ser o principal factor no desenvolvimento de alterações apicais (Crossley, 2003a). Forças intrusivas superiores ao normal podem fazer cessar o crescimento das coroas clínicas, mas o crescimento apical continua, especialmente na chinchila (Crossley, 1995b; Capello, 2003; Legendre, 2003). Há remodelação tecidular em torno dos ápices, eles próprios deformados. A projecção do ápice para os tecidos periapicais causa, nos histricomorfos, tumefacções mandibulares mais lateralizadas do que no coelho, com envolvimento da bula alveolar. A projecção de ápices para o interior da órbita, no caso dos dentes maxilares, pode causar obstrução do ducto nasolacrimal. É frequente ocorrer sintomatologia ocular, epífora e/ou corrimento ocular, por exemplo (Crossley, 1995b; 2003a; Legendre, 2003; Meredith, 2007; Reiter, 2008). 30 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL As alterações na curvatura dentária podem originar esporões dentários (figs. 8 e 9) e aumento dos espaços interdentários, que permitem acumulação de alimento e predispõem para abcedação periodontal, clinicamente óbvia, com diminuição da condição corporal e debilidade associadas (Crossley, 1995b; Crossley, 2003a; Legendre, 2003; Meredith, 2007; Reiter, 2008). Nos roedores, os esporões dentários são menos frequentes, de menor comprimento e menos afiados, podendo não lesionar os tecidos moles (Capello, 2003; 2004a; 2004b; Crossley, 2003b; Legendre, 2003). Figura 8. Porquinho da Índia – esporão no PM1 maxilar esquerdo. Figura 9. Chinchila – esporão no PM1 maxilar esquerdo. A face, pescoço e peito dos pacientes encontram-se molhados devido a ptialismo. No porquinho da Índia, a anatomia da língua e a convergência das arcadas dentárias molariformes levam à formação de uma ponte dentária sobre a língua que impede a preensão e deglutição normais, correspondendo a um estadio de má oclusão avançado (fig. 10) (Legendre, 2003; Capello, 2003; 2004a; Capello & Gracis, 2005; Lobprise, 2007b). Figura 10. Porquinho da Índia – ponte dentária. A língua encontra-se aprisionada, impedindo a alimentação normal. 31 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Em chinchilas, ocorre sobrecrescimento dentário óbvio apenas nos estadios finais da patologia dentária (Capello, 2004a; Brenner et al., 2005). Os estadios iniciais da patologia dentária, incluindo desgaste dentário, são caracterizados por um elevado grau de simetria bilateral; a presença de doença avançada aumenta a probabilidade de assimetria (Crossley, 2003a). O sobrecrescimento dentário parece estar envolvido na patogénese de doença periodontal dos molariformes por acumulação de alimento (Crossley, 2001b). Na chinchila, pode haver perfuração do osso cortical com exposição dos ápices (fig. 11); apesar disto, esta espécie parece menos predisposta para desenvolver abcessos periapicais, infecção de tecidos moles e osteomielite do que o coelho (Capello & Gracis, 2005; Capello, 2008b). O aumento das coroas clínicas dos molariformes maxilares é frequentemente acompanhado por hiperplasia gengival (Capello, 2008b). Figura 11. Mandíbula de chinchila, vista lateral. Figura 12. Cáries em molariformes de chinchila – mandíbula, vista dorsal. São visíveis as deformações ósseas apicais lateralizadas (setas vermelhas) e a perfuração do osso cortical (seta azul) São visíveis as cavidades de coloração castanhoclara características de cárie (setas brancas). Figura 13. Maxila de chinchila – vista ventral. Figura 14. Cáries e lesões reabsortivas em molariformes de chinchila – projecção LObl direita. São visíveis uma cárie de oclusão (seta branca), esporões por sobrecrescimento dos molariformes com desvio bucal (setas azuis), espaços interdentários aumentados do lado direito. O MM4 direito encontra-se ausente. São visíveis cáries de oclusão e interdentárias (setas vermelhas), e zonas radiolucentes compatíveis com lesões reabsortivas (setas azuis). 32 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL A doença dentária em roedores é caracterizada pelas mesmas entidades que afectam os demais mamíferos: cáries (figs. 12-14), fracturas e doença periodontal (Legendre, 2003). Como atrás referido, as cáries e a doença periodontal são consideradas raras por vários autores (Capello, 2004a), devido a uma combinação inibitória de baixo pH da saliva, dieta pobre em açúcares (Crossley et al., 1997; Sainsbury et al., 2004), ausência de microbiota cariogénica (Sainsbury et al., 2004) e anatomia dentária (Crossley et al., 1997). Porém, existe um estudo que contesta esta afirmação. Sone, Koyasu, Tanakab e Oda (2005) estudaram a patologia dentária em crânios de museu de animais silvestres de diferentes locais da América Central e do Sul, recolhidos ao longo de 110 anos. Os crânios representavam cinco géneros de histrocomorfos, divididos, consoante o tipo de ecologia e dieta, em frugíveros e grazers 6 . Todos os histricomorfos possuem a mesma fórmula dentária mas nos frugíveros os pré-molares são difiodontes, sendo substituídos pelos dentes definitivos à medida que o animal cresce. Os molares da capivara são elodontes, os das demais espécies anelodontes (Sone et al., 2005). Colyer 7 (citado por Sone et al., 2005) investigou a ocorrência de cáries em 3800 crânios de museu de vários roedores silvestres, não tendo encontrado evidência da sua existência. Concluiu, assim, que as cáries são raras em roedores silvestres. Sone et al. (2005), utilizando os critérios anteriormente estabelecidos por Colyer para a definição de cárie, encontraram cárie e doença periodontal em todas as espécies de grazers e frugíveros examinadas, com maior prevalência neste último grupo. A maioria das lesões encontrava-se nos estadios iniciais, embora nos frugíveros algumas se apresentassem mais avançadas. Sone et al. (2005) concluiram que as cáries ocorrem naturalmente roedores silvestres, não representando uma patologia rara. A cárie é um processo de desmineralização dentária iniciado pelos metabolitos acídicos bacterianos, estando normalmente associada a acumulação de placa bacteriana na superfície do dente e à disponibilidade de hidratos de carbono facilmente digeríveis (Legendre, 2003). Sone et al. (2005) postularam que a sua grande incidência se devesse ao consumo de frutos frescos, dado que os açúcares da fruta são hidratos de carbono fermentáveis. A capivara foi a única espécie pouco afectada por cáries, tendo este facto sido atribuído aos seus molares elodontes, sujeitos a atrição permanente e com fissuras pouco profundas. Em cativeiro, a doença periodontal tem sido associada a uma componente genética, infecções e/ou geriatria (Sainsbury et al., 2004). Segundo o estudo de Sone et al. (2005), a doença 6 Grazers: capivara (Hydrochaeris hydrochaeris), coypu (M. Coypus); frugíveros: agouti (Dasyprocta leporina, D. fuliginosa e D. Unctata), acouchi (Myoprocta acouchi) e paca (Agouti paca). 7 MILES, A.E.W. & GRIGSON, C. (1990). Colyer’s variation and diseases of the teeth of animals. Cambridge, UK: Cambridge University Press. 33 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL periodontal parece ser mais comum em animais silvestres do que a cárie. Todos os grazers apresentavam doença periodontal moderada (especialmente a capivara) mas, entre os frugíveros, apenas duas espécies de agoutis se encontravam afectadas. A amostra analisada pelos autores provinha de diversas localidades, sem ter havido ocorrência localizada da doença, o que parece pôr de parte a hipótese de determinação genética. Em laboratório tem sido facilmente induzida doença periodontal em roedores através da introdução de uma dieta rica em açúcar ou amido, promovendo a acumulação de placa bacteriana e sobrecrescimento de bactérias patogénicas. Porém, a sua fisiopatologia em histricomorfos, herbívoros estritos, é substancialmente diferente, estando associada à acumulação de alimento fibroso entre os dentes com lesão da margem gengival e invasão bacteriana. Deste modo, o alimento fibroso poderá contribuir para a doença periodontal em histricomorfos, o que parece ser corroborado pelo facto de, neste estudo, e ao contrário do observado na cárie, quase não ter sido encontrada doença periodontal nos roedores frugíveros (Sone et al., 2005). Por outro lado, a chinchila foi descrita como sendo naturalmente resistente a cáries, mas animais alimentados com suplementos ricos em sacarose demonstram maior predisposição para o seu desenvolvimento, principalmente se a alimentação for acompanhada de diminuição da mastigação e da produção de saliva (Crossley et al., 1997). Em relação à doença periodontal, Crossley encontrou evidência desta patologia em 63% das chinchilas examinadas. Chinchilas saudáveis apresentavam pouca placa bacteriana, ao contrário de animais com aumento apical das coroas de reserva, sendo a acumulação de alimento mais comum em dentes cujos espaços interdentários sofreram aumento (Crossley, 2003a). Em miomorfos, os molares braquiodontes são particularmente vulneráveis a desgaste excessivo, cáries e fracturas (Capello & Gracis, 2005). Animais com dietas ricas em sacarose e amidos refinados apresentam um maior risco de desenvolvimento de cáries (Legendre, 2003). A ratazana é frequentemente utilizada como modelo para o estudo da cárie humana, devido ao facto de as lesões em dentes braquiodontes serem similares às que afectam humanos (Legendre, 2003). Finalmente, o coelho e o porquinho da Índia são há muito utilizados como modelos laboratoriais para a gengivite e doença periodontal humanas (Lennox, 2009). As enormes diferenças em termos de conclusões dos dois estudos acima citados, bem como os factos atrás referidos, apontam para a necessidade de uma investigação mais aprofundada para esclarecer a prevalência real de cáries e doença periodontal em roedores silvestres. A reabsorção dentária é, também, uma patologia importante nalguns roedores. Como anteriormente referido, foram reconhecida lesões reabsortivas dentárias em várias espécies. Muito comuns no gato, são também frequentemente observadas em roedores (Legendre, 2003), sendo frequentemente identificadas à necrópsia ou radiografia na chinchila (fig. 14). As lesões tendem a situar-se em zonas afectadas por inflamação e doença periodontal ou, menos frequentemente, encontram-se associadas a displasia ou deformação apical consideráveis (Crossley, 2003a). Muitas das lesões reabsortivas sem etiologia óbvia parecem ter origem no 34 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL cimento, sendo possível que a presença de cimento vascular seja responsável por este padrão de reabsorção dentária atípico (igualmente observado no coelho), fornecendo uma outra via de entrada no dente (Crossley, 2003a). 3. APRESENTAÇÃO CLÍNICA As diversas espécies apresentam sintomatologia característica, esquematizada na tabela 7: MOLARIFORMES INCISIVOS COELHO P. DA ÍNDIA CHINCHILA MIOMORFOS Estrias horizontais nos incisivos maxilares primários, Tumefacção facial, dor à palpação periorbitária, epífora, dacrocistite, impactação perianal de cecotrofos, anorexia Sem Sx notável; ligeira dificuldade na preensão de alimento Sem Sx notável; ligeira dificuldade na preensão de alimento, ptialismo, espirros Anorexia, perda de peso, ptialismo, tumefacção mandibular Anorexia e disfagia, perda de peso, epífora, ptialismo, exoftalmos, tumefacção facial, mau estado do pelo, bruxismo, dacrocistite, dor à palpação periorbitária e das bochechas, alterações das fezes, alterações gastrointestinais, impactação perianal de cecotrofos Anorexia, perda de peso, dor à mastigação, ptialismo, tumefacção mandibular por abcedação Anorexia, perda de peso, alterações gastrointestinais, dor à mastigação, ptialismo, bater na face, tumefacções à palpação Anorexia, perda de peso, tumefacção por abcedação, dor à mastigação, ptialismo Tabela 7. Sinais e sintomas característicos de patologia dentária por espécie (adaptada de Capello, 2003; Meredith, 2007, Harcourt-Brown, 1997; 2007a; Lobprise, 2007a; 2007b). Os incisivos elodontes são bons indicadores de padrões de mastigação anómalos, dado que muitas vezes reflectem anomalias dos molariformes (Capello & Gracis, 2005). Todavia, é importante referir que incisivos normais, per si, não podem ser encarados como indicadores de saúde dentária (Harcourt-Brown, 1995; 1997). Tumefacções faciais são um indicador importante de fraca qualidade óssea. A dacrocistite é um bom indicador precoce de patologia dentária (Harcourt-Brown, 1997; 2007a), bem como dor à palpação da face e zona periorbitária (Harcourt-Brown, 1997). No coelho, a sintomatologia dentária é menos específica do que em roedores, reflectindo frequentemente processos patológicos secundários (Capello, 2007). Tipicamente, observa-se sobrecrescimento dos incisivos, anorexia, disfagia e/ou abcessos faciais. Estiramento e 35 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL deformação do periósteo produzem diferenças interespecíficas subtis mas importantes, traduzindo-se no coelho por tumefações submandibulares. Deformações do periósteo e ápice dos dentes maxilares predispõem para oclusão do ducto nasolacrimal, exoftalmia e abcedação retrobulbar (Capello, 2004a). O ptialismo justifica que estes animais fossem, na antiga terminologia anglo-saxónica, conhecidos como slobbers (Pollock, 1951). No porquinho da Índia, as manifestações clínicas são mais discretas mas de início mais rápido do que no coelho, e com elevado grau de dor (Capello, 2004a; Capello & Gracis, 2005). Esta espécie apresenta sinais consistentes com patologia dentária, como disfagia e anorexia. A anorexia é frequentemente descrita como aguda uma vez que são particularmente sensíveis a patologia dentária, mesmo que ligeira (Capello, 2004a; 2007). O aumento em profundidade das coroas de reserva dos molariformes parece ser menos comum do que na chinchila, com predomínio de sobrecrescimento intraoral. Desta forma, ao exame clínico é mais frequente a detecção de coroas clínicas sobredimensionadas do que de tumefacções submandibulares. A incapacidade de encerrar a boca e/ou a subluxação mandibular podem indicar sobrecrescimento das coroas clínicas. No entanto, a subluxação é difícil de avaliar com o paciente consciente devido à grande latitude de movimentos mandibulares em roedores (Crossley, 1995b). Qualquer pequena alteração do plano de oclusão dos molariformes é suficiente para desencorajar a mastigação, ao passo que um ligeiro sobrecrescimento das coroas de reserva interfere com os movimentos linguais e a deglutição. Em lares com vários animais mantidos juntos, é frequente o proprietário não se aperceber da inapetência, sendo a perda de peso o único estímulo iatrogénico. A má oclusão dos incisivos apresenta-se como comprimento excessivo ou desvio lateral das coroas clínicas dos incisivos mandibulares. Tendo em conta que má oclusão primária dos incisivos é rara, todos os molariformes devem ser cuidadosamente examinados (Capello, 2007). Quando ocorre, o sobrecrescimento das coroas de reserva no porquinho da Índia envolve aumento em profundidade dos ápices e deformação do osso cortical submandibular tal como no coelho, mas, ao contrário do que acontece nesta espécie, a pressão exercida sobre os nervos infra-alveolares parece causar causar uma dor muito mais intensa. As alterações sofridas são mais discretas que no coelho e, logo, mais difíceis de diagnosticar precocemente. Tal é especialmente desafortunado nesta espécie, tendo em conta que a redução coronal pode não causar alívio uma vez instalada deformação apical e do osso cortical (Capello & Gracis, 2005). Na chinchila normalmente ocorrem grandes deformações das coroas de reserva e perfuração do periósteo (fig. 11) (Crossley et al., 1998; Crossley, 2001b; Crossley & Del Mar Miguelez, 2001), mas a sintomatologia é ainda mais discreta e as alterações sofridas aparentemente menos dolorosas que no porquinho da Índia (Capello, 2004a; Capello & Gracis, 2005). Ao contrário do que acontece naquela espécie, o ptialismo é mais frequente e mais facilmente reconhecível (Crossley, 1995b). Podem não sofrer alterações de apetite (Capello, 2004a; 36 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL 2007), embora perda de peso e emaciação sejam uma consequência comum de patologia dentária. Muitas vezes o proprietário não se apercebe do estado do animal devido ao pelo espesso, da mesma forma que sobrecrescimento dos incisivos não constitui um estímulo iatrotrópico comum (Capello, 2007). A chinchila pode também apresentar diminuição de actividade e do volume de fezes. Mau estado do pelo e bater na boca são também comuns (Capello, 2007). Os crânios de animais afectados são mais pesados, longos e largos devido a mineralização e crescimento dentários excessivos (Baranowski, Wojtas, Cis, Musiał, Wróblewska & Sulik, 2008). Tal como no porquinho da Índia e coelho, o sobrecrescimento dos incisivos está normalmente associado a doença dentária dos molariformes. Uma vez que a chinchila, regra geral, só exibe sintomatologia clínica nos estadios avançados de doença dentária, aquando da maioria dos diagnósticos a doença dentária é já irreversível (Capello, 2008b). A excepção parecem ser bolsas periodontais profundas: os animais afectados, normalmente adultos jovens, apresentam-se debilitados e com grande perda de condição corporal rápida. Tal sugere que a chinchila consiga adaptar-se a sobrecrescimento dentário e má oclusão moderados, mas seja altamente susceptível a qualquer tipo de infecção oral, ainda que localizada. No entanto, este tipo de alteração só é normalmente detectado à necrópsia (Crossley, 2003a). Há, ainda assim, dois sinais precoces de doença dentária que podem ajudar o clínico a fazer um diagnóstico um pouco menos tardio: epífora e deformação do osso cortical submandibular, consequência do alongamento das coroas de reserva dos molariformes maxilares e deformação do ápice dos molariformes mandibulares, respectivamente. Como já mencionado, apesar de não ser rara a perfuração do osso cortical com exposição do ápice, a chinchila desenvolve menos frequentemente abcessos periapicais, infecção dos tecidos moles e osteomielite do que o coelho. No entanto, o diagnóstico neste estadio tão pouco permite a restauração da anatomia e função normais. Por isso, é recomendada nesta espécie a realização de exames dentários minuciosos e regulares a partir dos dois anos de idade, possibilitando o diagnóstico de patologia dentária antes do aparecimento de sintomatologia (Capello, 2008b). No porquinho da Índia, a hipovitaminose C causa doença periodontal, hemorragia gengival e aumento da mobilidade dentária (Legendre, 2003). O excesso de selénio causa fragilidade do ligamento periodontal, podendo levar a aumento de mobilidade dentária e alterações da erupção (Crossley, 1995b). As apresentações mais comuns em miomorfos são a má oclusão dos incisivos, e tumefacções faciais devidas a abcedação e infecção periapical (Capello, 2003) que podem ocasionalmente afectar as estruturas oculares e perioculares. Os miomorfos apresentam frequentemente má oclusão óbvia dos incisivos, mas que passou despercebida ao proprietário; o estímulo iatrotrópico é, assim, a diminuição de actividade ou ingestão, emaciação e, por vezes, ptialismo (Capello, 2007). Regra geral, esta sub-ordem não apresenta sintomatologia relacionada com patologia dos molariformes (Capello, 2008b). 37 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL No cão da pradaria, como já referido, são comuns as fracturas dos incisivos (Capello, 2003; Wagner et al. 1999). A fractura pode ocorrer ao longo da coroa clínica, resultando num dente de altura visivelmente diminuída, ou ao longo da coroa de reserva, a nível subgengival. Neste último caso, o dente apresenta maior mobilidade (Capello, 2008b). Os pacientes com elodontoma são, tipicamente, animais de meia idade que apresentam depressão, anorexia, diminuição do volume de fezes e respiração anormal. O estímulo iatrotrópico é normalmente a dispneia, acompanhada por um som característico desta patologia - reverse sneezing. Os sintomas e sinais respiratórios estão associados às alterações distróficas e deformação apical dos incisivos maxilares, características do elodontoma. Perda de peso e emaciação são, também, característicos desta patologia. São comuns fractura e má oclusão dos incisivos, embora frequentemente não detectados pelos proprietários. No caso de elodontomas complexos é frequente a atrição patológica dos incisivos maxilares, apresentando estes um desgaste em V (Wagner et al., 1999; Phalen et al., 2000; Capello, 2002; 2008b; Legendre, 2003; Capello & Gracis, 2005). Há, inclusivé, relatos anedóticos de proprietários que crêem ser normal os animais renovarem os dentes desta forma (Capello, 2008b). 4. MÉTODOS COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO O exame dentário deve ser precedido por uma história clínica detalhada, incluindo a dieta (Meredith, 2007), e acompanhado por uma avaliação sistémica do paciente para despiste de patologia subjacente ou secundária (Osofsky & Verstraete, 2006). A anamnese não é fácil de obter, visto que os proprietários raramente detectam sinais de patologia dentária (HarcourtBrown, 1995). O exame físico propriamente dito deve incluir palpação facial, avaliação do grau de movimento mandibular lateral, exame da altura, qualidade e oclusão dos incisivos, e exame dos molariformes (Meredith, 2007). Espécies-presa como o coelho frequentemente mascaram sinais de doença, pelo que a ausência dos mesmos não deve ser entendida como ausência real de problemas (Lennox, 2008c). É necessário determinar a causa da patologia, o que implica métodos complementares de diagnóstico exaustivos (Legendre, 2002). Para um diagnóstico correcto é indispensável um bom conhecimento da anatomia e fisiologia da espécie examinada (Capello & Gracis, 2005; Legendre, 2003; Brenner et al., 2005), bem como das suas variações intraespecíficas (Legendre, 2003), havendo vários meios à disposição 8 . É necessário realizar um exame completo de incisivos e molariformes, podendo a sua ausência levar a diagnósticos errados ou omissões. É útil a introdução de um dedo na boca para despiste dos esporões afiados (Harcourt-Brown, 1997; Capello, 2004a) mas esta técnica é apenas complementar do exame 8 Ver Anexo 2. Exames complementares de diagnóstico recomendados por espécie. 38 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL oral, não o substituindo (Capello, 2004a). A língua deve ser exteriorizada e examinada (Harcourt-Brown, 1997). Embora alguns autores considerem que a parca informação obtida não compensa o stress a que o animal é sujeito (Klaphake, 2006), a maioria recomenda que o exame oral inicial seja efectuado com otoscópio com fonte de luz própria (Capello, 2006a) ou, preferencialmente, um espéculo nasal humano (Capello, 2004a), que tem um maior campo de visão (Graham, 2006). No entanto, o exame oral apresenta algumas deficiências. É dificultado pela abertura reduzida da cavidade oral (Zeman & Fielder, 1969; Lobprise & Wiggs, 1991; Crossley, 1995a; Crossley et al., 1998; Legendre, 2003; Gracis, 2008), abundância de tecido bucal e estrutura da articulação temporomandibular (Crossley, 2003c). Nalgumas espécies, como o porquinho da índia e a chinchila, a presença permanente de alimento na boca dificulta a visualização dos dentes e mucosas. A par disto, é possível observar as coroas clínicas mas as coroas de reserva, o osso alveolar e as estruturas apicais permanecem inacessíveis (Gracis, 2008; Mackey, Hernandez-Divers, Holland, & Frank, 2008). Uma vez que alterações das coroas de reserva podem preceder o sobrecrescimento das coroas clínicas, o exame oral pode levar a subdiagnósticos (Mullan & Main, 2006; Bennett 2008). O problema não se prende apenas com sobrecrescimento dentário apical. Em 1969, Zeman e Fielder alertavam já para a importância de se realizar o exame oral sob anestesia e esta recomendação continua a ser válida actualmente. Em média, com o paciente consciente são detectadas duas vezes menos lesões orais (especialmente bolsas periodontais, má oclusão, ulceração das mucosas e cáries) do que em pacientes anestesiados; e três vezes menos lesões do que à necrópsia (Crossley, 2003a). Para além disso, muitas espécies reagem negativamente a manipulação, pelo que em animais como o cão da pradaria, a ratazana e roedores de menores dimensões um exame com o paciente consciente é impraticável (Capello, 2006a). Ratazanas e hamsters dourados excepcionalmente calmos podem permitir um exame completo consciente, mas tal é raro (Capello, 2004a). Nos casos em que não haja alternativa ou existam lesões prévias que requeiram cirurgia é possível realizar uma bucotomia. Nestes casos, é necessária analgesia pós-operatória e a cura será retardada, uma vez que é impossível prevenir a contaminação e conseguir a imobilização da área afectada (Crossley, 1995a). A imagiologia é uma componente crítica da avaliação de patologia dentária e suas complicações no coelho e em algumas espécies de roedores (Capello & Caudurro, 2008). A utilização eficaz dos meios de diagnóstico abaixo descritos requer, por parte do clínico, uma técnica impecável, um sólido conhecimento prévio da anatomia normal da espécie em questão e experiência na interpretação das imagens recolhidas (Capello, 2004a; Capello & Caudurro, 2008; Hernandez-Divers, 2008; Lennox, 2008c). A posse de crânios normais para comparação pode também revelar-se útil (Brenner et al., 2005; Osofsky & Verstraete, 2006; Meredith, 2007). 39 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL O exame radiográfico é essencial para uma avaliação dentária completa (Bellows, 1993), sendo actualmente o principal meio de diagnóstico (Gracis, 2008). Permite o estadiamento da doença e a elaboração do tratamento e prognóstico (Meredith, 2007; Gracis, 2008). Permite, ainda, diferenciar estruturas dentárias normais das anómalas (Capello & Gracis, 2005) mas não a avaliação de alterações nos tecidos adjacentes; patologia inicial ou moderada é, por vezes, não reconhecida. De igual modo, o exame radiográfico permite identificar mas não delimitar zonas de osteólise ou osteomielite, porque é impossível isolar áreas do crânio sem sobreposição de outras estruturas ósseas ou tecidos moles (Capello & Caudurro, 2008; Mackey et al., 2008). É recomendada a utilização de filme de alta resolução para garantir detalhe adequado nos pacientes de menores dimensões (Gracis, 2008; Capello, 2006a; 2008b). O bom posicionamento e a boa qualidade do filme são vitais, especialmente em roedores, devido ao seu tamanho frequentemente diminuto (Capello, 2003; Lennox 2009). Exames radiográficos de contraste são úteis na avaliação da distorção óssea e obstrução do ducto nasolacrimal (Meredith, 2007). As opiniões dividem-se quanto às projecções consideradas indispensáveis para o diagnóstico: o Cinco projecções: laterolateral (LL), lateral oblíqua (LObl) esquerda e direita, ventrodorsal (VD) ou dorsoventral (DV), rostrocaudal (RCd) (Capello, 2004a; Lennox, 2008a) o Quatro projecções: laterolateral, lateral oblíqua esquerda e direita, ventrodorsal (Osofsky & Verstraete, 2006; Gracis, 2008) o Três-quatro projecções: laterolateral, dorsoventral, rostrocaudal, talvez lateral oblíqua após avaliação das primeiras para isolar zonas sobrepostas com interesse (Meredith, 2007) o Três projecções: laterolateral, dorsoventral, rostrocaudal (Crossley, 1995b; Legendre, 2003) o Duas projecções: laterolateral, rostrocaudal (Legendre, 2002) A projecção laterolateral permite avaliar a forma, curvatura, comprimento, padrão de atrição, oclusão e ápices dos incisivos, devendo ser obtida com a boca fechada (figs. 15-17). Permite, ainda, avaliar as coroas clínicas e de reserva dos molariformes (figs. 15-17) (Legendre, 2003; Gracis, 2008). No coelho e na chinchila é útil para a avaliação do alinhamento da superfície de oclusão dos molariformes (figs. 15 e 17) (Capello, 2003; Legendre, 2003; Gracis, 2008), mas não permite avaliar esporões dentários (Harcourt-Brown, 1997). A projecção lateral oblíqua esquerda e direita permite avaliar o sobrecrescimento dos molariformes (Capello, 2003), nomeadamente, das coroas de reserva e ápices mandibulares de um lado, e maxilares do lado oposto. Permite também uma melhor visualização dos ápices dos incisivos do que a projecção laterolateral (Gracis, 2008). Realça deformações do osso cortical mandibular, sendo essencial para a avaliação deste osso e dos ápices no porquinho da Índia (Capello & Gracis, 2005). 40 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Figura 15. Coelho - anatomia normal, projecção LL esquerda. Figura 16. Porquinho da Índia – má oclusão dos incisivos, projecção LL esquerda. São visíveis o padrão de oclusão em ziguezague (seta rosa), a sobreposição perfeita das bulas timpânicas (círculo verde), ramos da mandíbula (seta vermelha) e margens orbitais rostrais (seta branca), os ápices dos incisivos (círculos brancos) e os incisivos secundários ( אamarelo). São visíveis a perda da terminação em bisel do incisivo maxilar e o sobrecrescimento do incisivo maxilar, com avanço rostral anómalo (setas azuis), e a perda do plano de oclusão normal dos molariformes (seta vermelha). Figura 17. Chinchila – má oclusão dos incisivos e molariformes, projecção LL esquerda. Figura 18. Porquinho da Índia – anatomia normal pós-redução coronal, projecção RCd. São visíveis a perda da terminação em bisel dos incisivos, o sobrecrescimento do incisivo mandibular e a alteração da angulação do incisivo maxilar (setas azuis), a perda do plano de oclusão normal dos molariformes (seta vermelha), o sobrecrescimento do ápice (seta verde) e uma lesão reabsortiva (seta amarela) do PM1. É visível a peculiaridade da angulação dentária nesta espécie (setas azul e vermelha). O desvio mandibular é um artefacto de posicionamento. 41 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL A projecção rostrocaudal (figs. 18-20) pode ser difícil de obter, particularmente se houver sobrecrescimento dentário (Gracis, 2008). Permite avaliar a altura e curvatura das coroas, o ângulo das superfícies de oclusão, presença de esporões (Legendre, 2003; Gracis, 2008), a articulação temporomandibular (Legendre, 2003) e se existe perfuração do osso cortical (Gracis, 2008). É única verdadeiramente útil para a avaliação da Figura 19. Porquinho da Índia – projecção RCd. É visível a perda do plano de oclusão normal por sobrecrescimento extremo dos molariformes mandibulares (setas azuis). Os molariformes maxilares apresentam um tamanho reduzido (setas vermelhas). O desvio mandibular é um artefacto de posicionamento. superfície de oclusão dos molariformes no porquinho da Índia, devido à angulação fisiológica dos dentes (figs. 1819), e especialmente importante para avaliar o típico sobrecrescimento apical na má oclusão na chinchila (fig. 20) e a (Capello, 2003). Figura 20. Chinchila - projecção RCd. Figura 21. Coelho - anatomia normal, projecção VD. É visível a perda do plano de oclusão normal por sobrecrescimento dos molariformes maxilares (setas vermelhas) e mandibulares (setas azuis). O incisivo mandibular direito apresenta assimetria estrutural (seta amarela). Requer posicionamento perfeito. Para além das estruturas descritas, é possível avaliar o perfil ósseo da mandíbula ( אvermelho) e maxila, e da articulação temporomandibular (seta azul). 42 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL As projecções ventrodorsal/dorsoventral (fig. 21) permitem avaliar a relação entre a mandíbula e o crânio, e a integridade dos bordos maxilares e mandibulares. Podem ser visíveis sobrecrescimento extremo dos molariformes, e perfuração e deformação ósseas (Gracis, 2008). Ocasionalmente, podem reconhecer-se coroas de reserva que penetraram a bula alveolar. Uma aparência indistinta e a perda da anatomia radiográfica normal em coroas de reserva indicam a presença de reacção perióstea e a possível interrupção do crescimento dentário. Não permitem diagnosticar a presença de esporões dentários (Harcourt-Brown, 1997). São consideradas as mais difícil de avaliar por Harcourt-Brown (1997), dado haver sobreposição da mandíbula e maxila. Películas de menores dimensões para exames radiográficos intraorais podem ser utilizadas para obter projecções mais localizadas dos incisivos e molariformes do coelho (Capello, 2004a), mas o seu posicionamento é dificultado nos pacientes de menores dimensões (Crossley, 1995b; Legendre, 2003). Podem ser úteis em animais maiores (Lennox, 2009). A endoscopia optimiza o exame oral, especialmente em pacientes de dimensões menores (Capello, 2004a; 2004b; 2006a; 2008b; Capello & Gracis, 2005; Lennox, 2008a; 2008d). Muitos clínicos consideram o endoscópio rígido de 2,7 mm ideal (Capello, 2004a; 2004b; 2006a; Hernandez-Divers, 2008; Lennox, 2009), devido à sua versatilidade e variedade de acessórios disponíveis (Capello, 2006a; Hernandez-Divers, 2008). Considerada muito útil no coelho, a endoscopia é absolutamente vital em roedores e outros mamíferos exóticos de pequenas dimensões (Capello, 2006a). Para além da melhor visualização por magnificação da imagem (Capello, 2004b; 2008b; Martínez-Jiménez et al., 2007; Lennox, 2008d), permite recolher dados para comparação posterior e educação do proprietário (Capello, 2004b; 2008b; Lennox, 2008d), não requer especialização do operador e permite a partilha dos dados obtidos com colegas (Capello, 2004b). Possibilita também o reconhecimento de padrões típicos de patologia dentária adquirida e de patologia secundária envolvendo tecidos moles e ósseos, permitindo o estadiamento da doença. A avaliação e diagnóstico por endoscopia são especialmente importantes no caso de má oclusão, dado que a sintomatologia pode ser discreta ou inexistente (Capello, 2004b). A técnica endoscópica mais utilizada é intraoral (Hernandez-Divers, 2008). A avaliação pré-anestésica deve incluir o exame físico e, sempre que possível, hemograma, análises bioquímicas e urianálise. A prémedicação e anestesia geral seguem as recomendações para cada espécie e, apesar de o jejum não ser normalmente necessário, é recomendado um jejum de 1-2 horas para reduzir a quantidade de alimento na cavidade oral (Verstraete & Osofsky, 2005; Hernandez-Divers, 2008). A TAC é um complemento extremamente útil da radiografia tradicional (Capello & Caudurro, 2008; Gracis, 2008; Lennox, 2008d; Mackey et al., 2008), possibilitando uma avaliação das alterações dentárias muito mais completa do que a conseguida pela combinação da informação fornecida por várias projecções radiográficas (Crossley et al., 1998). Embora ainda 43 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL pouco prática (Capello, 2004a), as melhorias recentes nas tomografias helicoidais em termos de redução de tempo de scanning e maior resolução tornam-na útil mesmo em pacientes exóticos de pequenas dimensões (Capello & Caudurro, 2008; Mackey et al., 2008). A TAC permite a visualização de estruturas internas sem sobreposição (Mackey et al., 2008), melhora o contraste entre os diversos tecidos (Capello & Caudurro, 2008) e permite a detecção e avaliação precoces de lesões de tecidos moles e ósseos em toda a sua extensão (Crossley, 2003a; Capello & Gracis, 2005; Mackey et al., 2008; Van Caelenberg et al. 2008), incluindo tecidos moles orbitais e proximidade das coroas de reserva, e abcessos (Meredith, 2007; Lennox, 2009). Permite, também, a detecção de fístulas com abertura medial (Capello, 2008a) e a realização de reconstruções tridimensionais (Crossley, 2003a; Bennett 2008; Capello & Caudurro, 2008; Mackey et al., 2008), incluindo distorção apical e penetração do osso circundante (Crossley, 2003a). Clarifica a informação obtida radiograficamente (Crossley et al., 1998) e possibilita a exclusão de maus candidatos cirúrgicos (Capello, 2007; 2008a). Foi considerada especialmente útil na chinchila e no coelho (Crossley et al., 1998; Gracis, 2008), e num porquinho da Índia com um abcesso periapical inoperável na modalidade de micro-TAC, que aumenta a resolução em pacientes de tamanho diminuto, com um campo visual de até 110 mm x 110 mm e possibilidade de cortes com 0,077 mm de espessura (Souza, Greenacre, Avenell, Wall & Daniel, 2006). São necessários mais estudos para o estabelecimento de protocolos de recolha e avaliação de dados (Mackey et al., 2008). É considerado vantajoso o recurso a ressonância magnética quando possível (Bennett, 2008; Gracis, 2008). Tendo em conta que há suspeita de predisposição genética para sobrecrescimento dentário em espécies como a chinchila, porquinho da Índia (Flecknel, 1990; Crossley et al., 1998), coelho e algumas estirpes de ratazana (Flecknel, 1990), é de esperar que as novas técnicas de imagiologia possam, num futuro próximo, ajudar a identificar os animais afectados, permitindo a sua eliminação enquanto reprodutores e assegurando, assim, a existência de animais mais saudáveis (Crossley et al., 1998). É aconselhável realizar hemograma e bioquímicas nos pacientes com patologia dentária (Capello & Gracis, 2005). O hemograma pode ser especialmente útil se existirem complicações secundárias da patologia dentária (Capello & Gracis, 2005), permitindo avaliar a gravidade da inflamação (Osofsky & Verstraete, 2006). Um estudo em coelhos sugere uma correlação entre patologia dentária adquirida e anemia e linfopénia, embora o eventual papel do stress nesta última não possa ser descartado (Harcourt-Brown & Baker, 2001). A anemia pode ser explicada pelo aumento da PTH em pacientes com patologia dentária adquirida, dado que esta hormona aumenta a fragilidade osmótica dos eritrócitos, especialmente em animais jovens (Redrobe, 2002). Num estudo em chinchilas realizado por Crossley (2003a) não foram encontradas diferenças sorológicas entre as bioquímicas de animais clinicamente saudáveis e de animais com patologia dentária inicial. Em animais com patologia dentária óbvia houve, não obstante, diferenças significativas nas concentrações de ureia, sódio e total de leucócitos. 44 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Cultura bacteriana e TSA são importantes em caso de infecção e abcedação resultantes de doença dentária 9 . A histopatologia pode ser útil nalguns casos, principalmente se houver suspeita de neoplasia óssea ou displasia dentária (Capello, 2004a). No elodontoma do cão da pradaria há aumento difuso dos ruídos pulmonares à auscultação, mas a auscultação traqueal confirma a sua origem nas vias respiratórias superiores. Pode não haver rinorreia, ou esta ser serosa ou purulenta; a sua cultura revela normalmente populações mistas bacterianas por sobrecrescimento da microbiota saprófita nasal. Em muitos destes animais cessou o crescimento de um ou de ambos os incisivos, e a coroa apresenta-se desgastada ao nível gengival. Há assimetria das colunas de ar, ou mesmo ausência total de fluxo nasal, comprovadas facilmente colocando um pedaço de algodão em frente a cada narina. Nos casos mais avançados, o animal respira pela boca (Phalen et al., 2000). A radiografia é o método de diagnóstico utilizado. Segundo alguns autores, embora as projecções laterolateral e ventrodorsal permitam muitas vezes o diagnóstico, a projecção DV é frequentemente a mais reveladora, sendo a única que permite o diagnóstico de elodontomas de pequenas dimensões. Na projecção laterolateral é possível visualizar o espessamento do osso periodontal e margens alveolares, bem como espessamento e hipermineralização da raíz proximal. No caso de elodontomas de maiores dimensões, é visível uma massa globular e irregular de radiodensidade idêntica à do tecido dentário junto da raíz do incisivo, assemelhando-se a uma extensão desta. Outro achado radiográfico comum é a superfície de oclusão do incisivo maxilar em V invertido, devido à diminuição do crescimento deste dente, que vai sendo desgastado pelo incisivo mandibular ipsilateral. Tal pode contribuir para o progresso do elodontoma, dado que a aposição estreita impede ainda mais o crescimento normal dos incisivos maxilares (Phalen et al., 2000). Alguns clínicos recomendam, para efeitos de diagnóstico e determinação do dente afectado no caso de elodontoma unilateral, a projecção lateral oblíqua a 60º-70º (R. Patrício, comunicação pessoal, Junho 3, 2009). Como já referido, o objectivo do tratamento dentário é restaurar a função normal do paciente. Todavia, tal nem sempre é possível, sendo necessário educar os proprietários no sentido de que pode não ser possível mais do que oferecer cuidados paliativos ou tentar travar a progressão inevitável da doença (Capello, 2008b). 5. PROGNÓSTICO Um prognóstico correcto de patologia dentária no coelho e roedores deve basear-se nos resultados do processo de diagnóstico detalhado. O prognóstico é expresso em termos de gravidade da doença, idade e estado do paciente, nível de cuidados continuados estimado, probabilidade de adesão à terapêutica do proprietário e custos esperados. A resolução da doença é possível, mas é mais frequente o maneio para o resto da vida. Em geral, o 9 Ver II.7. Abcessos odontogénicos. 45 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL prognóstico para roedores com patologia dentária é mais reservado do que no coelho, devido a particularidades anatómicas e fisiopatológicas, bem como à dificuldade relativa de intervenções cirúrgicas. No entanto, uma vez que as várias espécies diferem nos padrões patológicos apresentados, o prognóstico deve ser avaliado caso a caso (Capello, 2004a). Pacientes que apresentam apenas dificuldades na mastigação apresentam o melhor prognóstico. O tratamento envolve o restabelecimento do plano de oclusão normal e a alteração da dieta para impedir recorrências. Pacientes prognatas requerem extracção total dos incisivos para eliminar a má oclusão. Pacientes com anisognatismo marcado ou ausência de excursão lateral apresentam o pior prognóstico; a reposição do plano de oclusão normal é apenas um meio de controlo, não uma cura. O seu efeito é temporário, e o tratamento tem que ser repetido frequentemente. Uma dieta composta por alimento grosseiro ajuda igualmente a aumentar a atrição e o intervalo entre tratamentos (Legendre, 2002). O encurvamento das coroas clínicas e alterações apicais anunciam, a partir desse momento, a impossibilidade de restabelecer a função normal. Alterações deste tipo são mais frequentes nos histricomorfos do que no coelho, causando grandes diferenças no prognóstico em caso de patologia dentária adquirida avançada (Capello, 2004a). A hiperplasia gengival está associada a um grande desconforto e pior prognóstico (Capello, 2008b). As fracturas dos incisivos apresentam melhor prognóstico do que as da mandíbula ou maxila. As fracturas dos incisivos sem compromisso da polpa têm melhor prognóstico (Legendre, 2003). O prognóstico para patologia dentária dos molariformes no estadio final é sempre mau (Capello, 2008b). Excepto nos casos em que o paciente apresente má condição corporal, o prognóstico para o tratamento de má oclusão dos molariformes no porquinho da Índia é satisfatório ou bom (Capello, 2008b). Na má oclusão avançada dos molariformes no porquinho da Índia e chinchila os ápices encontram-se normalmente sobredimensionados e deformados, com estiramento grave do osso cortical. Por esta razão, a redução das arcadas dentárias para um plano de oclusão normal pode ser parcial ou completamente insatisfatória devido à ausência de alívio da dor (Capello, 2004a). Ao contrário do coelho, o porquinho da Índia pode não sofrer melhoria imediata após tratamento dentário, devido ao estiramento dos músculos associados à mastigação, com dor e inflamação associadas. Os pacientes anoréxicos podem não conseguir atrição suficiente para prevenir novo sobrecrescimento dentário. Estes pacientes podem requerer tratamentos adicionais até que os tecidos moles sarem e o paciente se encontre capaz de ingerir alimento fibroso10 (Capello, 2008b; Legendre, 2002). O prognóstico na chinchila depende do estadiamento aquando do diagnóstico. Como já mencionado, a patologia dentária grave é frequentemente diagnosticada na primeira consulta. Em muitos casos, os tratamentos repetidos não são mais do que paliativos, tendo em conta que a restauração da anatomia 10 Ver Chin Sling, tabela 8 e anexo 3. 46 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL normal é impossível. Tal como o coelho, e ao contrário do porquinho da Índia, a chinchila tolera patologia dentária adquirida avançada extraordinariamente bem (Capello, 2008b). O prognóstico para má oclusão simples dos incisivos em miomorfos e sciuromorfos é relativamente bom. O prognóstico para doença dos molariformes é reservado a mau devido ao tamanho dos pacientes e às dificuldades associadas a abordagens cirúgicas (Capello, 2008b). O prognóstico no caso de elodontoma no cão da pradaria é sempre reservado a mau (Phalen et al., 2000, Capello, 2008b) devido ao facto de ser necessária a extracção do dente afectado e do próprio elodontoma, complicada pela deformação dos ápices e presença de anquilose alveolar (Capello, 2004a), e a intubação, anestesia e cirurgia serem notoriamente difíceis nesta espécie (Phalen et al., 2000). Depende de vários factores: se é unilateral ou bilateral, estadio da doença aquando do diagnóstico, impacto da doença no tracto respiratório e estado geral do paciente (Capello, 2008b). Nos casos mais graves, com mau prognóstico, e em que nem os cuidados paliativos podem minorar o sofrimento do animal, a eutanásia é uma opção justificada e eticamente responsável (Crossley, 2003b; Capello, 2008b). 6. TERAPÊUTICA O objectivo do tratamento dentário é restaurar a função, aproximando-a tanto quanto possível do normal; controlar infecções (incluindo abcessos) e dor; e tratar afecções concomitantes ou subjacentes (Lennox, 2008a). Tal como o diagnóstico, o tratamento adequado de patologia dentária requer um conhecimento profundo da anatomia e fisiologia normais (Capello & Gracis, 2005; Crossley, 1995b; Legendre, 2003). 6.1. Tratamento médico e maneio Muito embora o tratamento médico seja inadequado isoladamente, é um complemento essencial da terapêutica cirúrgica (Capello, 2004a). Os mamíferos partilham mecanismos neurofisiológicos, tendo capacidade de sentir dor de forma similar. Como já referido, lagomorfos e roedores domésticos mantêm a fisiologia e comportamentos de espécies-presa, pelo que, frequentemente, tendem a permanecer imóveis quando ameaçados como forma de evitar a detecção por predadores. Fora do seu ambiente natural, as espécies-presa tendem, ainda, a dissimular sinais de desconforto. Uma visita ao veterinário é uma experiência inquietante, pelo que podem mascarar dor ou até a resposta a estímulos dolorosos. Uma anamnese detalhada é absolutamente fundamental, dado que apenas os proprietários podem avaliar o comportamento do animal num meio onde se sente seguro (Brown, 2001). A utilização de analgesia nos últimos 15 anos tem resultado num aumento dramático de tratamentos bem sucedidos nestes animais (Brown, 2001). É essencial para a recuperação em 47 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL caso de doença, e a patologia dentária não é excepção, sendo fulcral para o seu correcto maneio e não apenas numa perspectiva do bem-estar animal; a dor pós-operatória reduz a ingestão de alimento e água, pelo que o processo de cura é atrasado (Legendre, 2003), e pode também provocar íleo paralítico (Osofsky & Verstraete, 2006). A analgesia é, ainda, importante na prevenção da anorexia devido a dor (Capello, 2004a). Depressão e letargia nos estadios iniciais de patologia dentária podem ser revertidas com administração de analgesia, tendo algum valor de diagnóstico (Crossley, 1995b). A capacidade de avaliação dos sinais subtis de dor por parte do clínico depende da sua familiarização com o animal e seus comportamentos normais (Kelleher, 2008a). A avaliação da dor no coelho pode ser mais difícil do que noutras espécies porque normalmente não vocalizam. Em vez disso, o animal pode manter-se agachado no fundo da jaula, exibindo bruxismo e parecendo alheado do que se passa em seu redor (Graham, 2006). Caso o clínico não se sinta capaz de discernir a necessidade de analgesia ou o seu grau requerido, recomenda-se que seja administrada sempre que o paciente esteja a recuperar de um procedimento ou sofra de uma patologia para o qual o próprio clínico requeresse alívio da dor, e no mesmo grau (Johnson-Delaney, 2006). É recomendada analgesia pré-cirúrgica sempre que possível (Flecknell, 1998; Verstraete & Osofsky, 2005; Graham, 2006). Deve iniciar-se antibioterapia sistémica apenas na presença de infecção (Crossley, 2003b), dependendo a sua duração da localização e origem da mesma (Verstraete & Osofsky, 2005; Osofsky & Verstraete, 2006). A escolha da antibioterapia deve basear-se em cultura e TSA para aeróbios e anaeróbios (Capello, 2004a; Lennox, 2009) de material recolhido da cápsula e centro do abcesso (Tyrrell, Citron, Jenkins & Goldstein, 2002), do ducto nasolacrimal ou de corrimento nasal (Verstraete & Osofsky, 2005; Osofsky & Verstraete, 2006). Deve levar-se em consideração as recomendações e restrições específicas para lagomorfos e roedores (Capello, 2004a; Lennox, 2009). Está especialmente indicada antibioterapia pré- e pós-operatória em intervenções traumáticas como extracções dentárias e infecções periapicais 11 devido à magnitude da doença pré-existente (Verstraete, 2003). Tem sido utilizado gel de doxiciclina (Doxirobe Gel®, Pharmacia and Upjohn Animal Health Limited, Corby, UK) no preenchimento de defeitos após tratamento periodontal e extracções dentárias sem quaisquer efeitos adversos. O gel liberta uma quantidade de doxiciclina eficaz, em níveis não-tóxicos, ao longo de vários dias. A dose total administrada é baixa, minimizando efeitos sistémicos. O gel funciona, ainda, como uma barreira física protectora durante 2-4 semanas (Crossley, 2003). Pode ser necessária fluidoterapia (Legendre, 2003; Johnson-Delaney, 2006; Capello, 2006b; 2006c; 2008b; Lennox, 2009). No elodontoma do cão da pradaria são necessários antibióticos para tratar infecções secundárias oportunistas (Wagner et al., 1999; Greenacre, 2004), devendo ser respeitadas as recomendações para lagomorfos e roedores. Corticosteróides e descongestionantes oferecem 11 Para antibioterapia em caso de abcesso ver II.6.1. Tratamento médico e cirúrgico. 48 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL também algum alívio (Wagner et al., 1999). Estão ainda recomendados sedativos no caso de dispneia grave e grande agitação; e a administração intrarectal profilática de probióticos suspensos em soro fisiológico (Johnson-Delaney, 2006). É importante educar os proprietários sobre a natureza crónica da patologia dentária, a relativa eficácia dos tratamentos e a necessidade da sua repetição frequente, e os sinais e sintomas indicadores de problemas dentários (como deixar cair alimento, anorexia, ptialismo) (Osofsky & Verstraete, 2006). O clínico deve, ainda, educar os proprietários em relação ao que constitui uma dieta saudável e adequada para cada espécie (Harcourt-Brown, 1997). O porquinho da Índia pode requerer suplementação de ácido ascórbico, uma vez que é incapaz de sintetizar vitamina C (Crossley, 2003a; Legendre, 2003; Osofsky & Verstraete, 2006). No caso de excesso de selénio, a correcção da dieta é normalmente curativa, desde que diagnosticado precocemente (Legendre, 2003). Deve ser assegurado um suprimento adequado de cálcio e vitamina D3, sendo mais seguro ajustar a dieta do que fornecer suplementos vitamínicos e minerais, para evitar urolitíase. Alguns autores sugerem que o feno seja oferecido separadamente, para garantir que o animal tenha apetite quando é oferecido (Harcourt-Brown, 1997). O paciente deve regressar rapidamente a uma dieta mais volumosa, abrasiva e pobre em energia (Legendre, 2003). Na patologia dentária inicial, uma dieta adequada pode reduzir a sua progressão; em casos mais avançados pode não ser possível a introdução de uma dieta normal, devendo encontrar-se uma alternativa tão equilibrada quanto possível (Osofsky & Verstraete, 2006). Uma dieta rica em fibra é importante para a manutenção da motilidade gastrointestinal, mas pacientes com problemas dentários graves têm dificuldade em se alimentarem. Podem ser oferecidas alternativas como relva fresca, vegetais e plantas (Harcourt-Brown, 2007b) ou pellets humedecidos (Flecknel, 1990; Harcourt-Brown, 2007b). Os alimentos devem ser fraccionados (Harcourt-Brown, 2007b; Meredith, 2007) ou, inclusivé, ralados (Harcourt-Brown, 2007b). Os animais anoréxicos devem ser encorajados a comer tão cedo quanto possível, estando disponíveis papas especiais que facilitam a ingestão e a alimentação forçada, e são altamente nutritivas (por exemplo, Critical Care for Herbivores®, Oxbow Enterprises) (Capello, 2004a; 2006b; 2006c). Caso não esteja disponível, pode ser improvisada uma dieta adequada liquefazendo pellets (Osofsky e Vertsraeta, 2006), ou vegetais (Flecknel, 1990; Crossley, 2003b). Se tiver havido trauma substancial, pode ser fornecida nutrição suplementar através de um tubo nasogástrico até o apetite e ingestão retornarem ao normal. O animal deve ser pesado diariamente para garantir que não ocorre perda de peso (Meredith, 2007). Quando internados, lagomorfos e roedores devem estar tão afastados de cães, gatos e outros predadores quanto possível (Crossley, 2003c; Kelleher, 2008a). Idealmente, os animais devem poder fazer exercício diário ao sol. Tal permite-lhes sintetizar vitamina D3 e, nas casas com jardim, faculta acesso a uma dieta mais variada e com teor 49 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL adicional em fibra, e funciona também como enriquecimento ambiental (Harcourt-Brown, 2007b). 6.2. Tratamento cirúrgico Uma intervenção cirúrgica é, frequentemente, a única garantia de resolução total dos problemas dentários. Da interpretação de todos os dados anteriormente recolhidos dependerá a escolha do tratamento cirúrgico, cujas abordagens mais comuns estão descritas na tabela 8 (adaptada de Burling, Murphy, Curiel, Koblik & Bellhorn, 1991; Lobprise & Wiggs, 1991; Crossley, 1995b; 2001a; 2003a; 2003b; Gorrel, 1996; Niehogen & Ostle, 1996; Newcombe, 1997; Divers, 1996; Graham-Jones, 1996; Malley, 1996; Harcourt-Brown, 1997, 2001, 2002a, 2002b, 2002d; Johnston, 1997; Wagner et al., 1999; Phalen et al., 2000; Wagner & Jonhson, 2001; Capello, 2002; 2004a; 2004b; 2006a; Legendre, 2002; 2003; comunicação pessoal, Maio 9, 2009; Greenacre, 2004; Sainsbury et al., 2004; Capello & Gracis, 2005; Roux, 2005; Klaphake, 2006; Osofsky & Verstraete, 2006; Lobprise, 2007a; 2007b; Meredith, 2007; Williams, 2007; Lennox, 2008a, 2009; I. Rice, comunicação pessoal, Abr. 25, 2009,): 50 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Corte esporões Requer alicate de cabo longo. Apenas temporariamente correctivo. Redução coronal dos incisivos Correcção total da MO apenas quando possível restaurar altura e plano de oclusão; normalmente paliativo; frequentemente necessária extracção. Por vezes não necessária sedação. Importante utilizar apenas material especializado para evitar lesões iatrogénicas. Importante proteger tecidos moles e confirmar localização do canal pulpar. Redução coronal dos molares ou molariformes Requer anestesia geral e equipamento especializado. Importante proteger tecidos moles. Efectuar exames radiográficos pós-correcção. Correcção total da MO apenas quando possível restaurar altura e plano de oclusão; normalmente paliativa; frequentemente necessária extracção, músculos podem permanecer atrofiados inicialmente. Cáries Tx por redução coronal se diagnóstico precoce e correcção da dieta. Bolsas periodontais >3mm de profundidade difícieis de limpar. Frequentemente associadas a abcedação, requerendo extracção. Requerem equipamento especializado. Extracção dentária Plano terapêutico, anestesia, limpeza do campo operatório, incisão da ligação gengival, corte do ligamento periodontal, alargamento do alvéolo, remoção e exame do dente, curetização do tecido ® germinativo, preenchimento do alvéolo facultativo (com, por exemplo, gel Doxirobe ), exames radiográficos. Curetagem e desbridamento do alvéolo necessários se infecção. Requer equipamento especializado. 1. Incisivos Necessária remoção total para correcção definitiva de MO, Tx de abcedação periapical e Fx. Fx iatrogénica da coroa de reserva/não remoção do tecido germinativo requerem nova extracção. Hemorragias graves raras excepto se Fx do osso alveolar. Frequente no CO, menos frequente na CHI, rara no PI, muitas vezes impossível em miomorfos e sciuromorfos. Boa adaptação, excepto no esquilo. 2. Molariformes Indicação se Fx, aumento de mobilidade e/ou abcedação periapical. Intra ou extraoral, normalmente difícil. Frequentemente impossível em miomorfos, mas boa resposta a AB. 2.1. Intraoral Abcedacção facial é indicação mais comum. Difícil excepto se grande aumento de mobilidade dentária, complicada se sobrecrescimento das coroas de reserva ou anquilose. Fx iatrogénicas frequentes mesmo com luxação adequada. Gengiva deve ser suturada para prevenir acumulação de alimento e infecção; alvéolo pode ser preenchido com gel Doxirobe®. Difícil no PI e CHI. 2.2. Extraoral Necessária se anquilose, dificultada em pacientes pequenos. Requer perícia e cuidados pósoperatórios intensivos. Acesso através de janela no bordo ventrolateral da mandíbula, dente e fragmentos removidos ou empurrados para cavidade, onde removidos. Gengiva suturada em redor do defeito para minimizar contaminação, ou deixada aberta para drenar. Extracção de dentes apostos Pode ser necessária para evitar deslocamento dos dentes adjacentes e predisposição para MO, doença periodontal e boca em escada se movimentos normais e redução coronal regular não suficientes. Padrão de aposição dentária nem sempre permite resolução mesmo com extracção; crioterapia apical e apicoectomia permitem interromper o crescimento dentário. Elodontoma – estabilização Rinotomia unilateral para criação de via aérea com inserção de catéter na orofaringe rostral, caudal ao tumor. Traqueostomia possível mas patência da via aérea difícil. Elodontoma – extracção de incisivos Possivelmente o único tratamento eficaz. Anestesia complicada por dispneia secundária; pode requerer traqueostomia. Elodontomas pequenos: extracção similar à de incisivos simples (requer bucotomia bilateral, com incisão paramediana na mucosa do lado do dente afectado). Elodontomas avançados: deformação grave das estruturas envolvidas, presença de adesões e anquilose do osso alveolar. Preferível rinotomia, com abordagem dorsal através das fossas e conchas nasais. Restauração da patência do DNL Para Dx ou Tx, por flushing ou canulação com SF ou SF + fármacos mucolíticos e/ou AB. Base dos incisivos e curva maxilar são localizações mais prováveis de obstrução. Lavagem consciente bem tolerada com anestesia tópica; sob anestesia requer entubação para protecção das vias aéreas. Canulação retrógada possivelmente mais eficaz. Antibióticos oculares (eficazes contra Pasteurella multocida) podem ser úteis a curto prazo; em estadios avançados pode ser necessária antibioterapia parenteral para alívio da sintomatologia. Chin sling – Desenvolvida por L. Legendre e I. Rice para corrigir atrofia dos músculos da mastigação adaptados a estiramento anómalo. Paciente ideal: MO ligeira secundária a dieta inadequada, sem sobrecrescimento das coroas de reserva, abcessos ou periodontite, ou imediatamente após redução coronal. Também indicada para pacientes com patologia cardíaca avançada, anoréxicos e demasiado fracos para se alimentarem; ou com doença prolongada e alimentados a papa, com perda do tónus muscular Recomendado uso diário (até 12h consecutivas). Boa adaptação do animal. Valor de Dx: intolerância aponta para patologia não diagnosticada, (por exemplo, abcessos ou sobrecrescimento das coroas de reserva). Se Dx precoce pode conseguir-se a cura, eliminando recorrências e necessidade de novos Tx. cinta facial Eutanásia 12 Sempre que impossível restaurar a função normal e prolongar a vida do animal implique condená-lo a sofrimento. Necessário educação dos donos atempada. Idealmente, seguida de necrópsia. Tabela 8. Procedimentos cirúrgicos e modalidades de tratamento da patologia dentária. 12 Ver Anexo 3. Chin Sling. 51 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL 7. ABCESSOS ODONTOGÉNICOS O coelho é a espécie mais frequentemente afectada por abcessos odontogénicos, localizados na cabeça e focinho (Harcourt-Brown, 2002a). Consistem em massas normalmente firmes e não dolorosas, geralmente submandibulares ou laterais (Capello, 2004a; 2008a). Também afectam roedores (Capello, 2004a; 2008a), constituindo, a par com o sobrecrescimento dos incisivos, a apresentação mais comum em miomorfos. Neste grupo, afectam normalmente os incisivos (Sainsbury et al., 2004). Um estudo efectuado em coelhos por Mullan e Main (2006) revelou que a maioria dos proprietários não se apercebe da existência de doença dentária. Desta forma, é frequente, aquando da consulta, o animal apresentar já um quadro clínico avançado, normalmente complicado por infecção perapical, abcessos dos tecidos moles e/ou osteomielite (Capello, 2008b). Por outro lado, a ausência de estímulos iatrotrópicos típicos de patologia dentária tão pouco significa a sua ausência real (Lennox, 2008d), da mesma forma que não há correlação directa entre o grau de osteomielite e a sintomatologia (Capello, 2007). A maioria dos abcessos provoca alterações profundas nos tecidos circundantes, incluindo o osso alveolar, pelo que, mesmo após o seu tratamento bem sucedido, permanecem sequelas (Meredith, 2007). São tipicamente difíceis de tratar, sofrendo frequentemente recidivas (Harcourt-Brown, 2002a; Capello & Gracis, 2005; Ward, 2006; Taylor, Beaufrère, Mans, & Smith, 2008), e o tratamento é normalmente caro, de longa duração e sem garantia de sucesso (Harcourt-Brown, 2002a; Capello & Gracis, 2005). Lancetar e lavar abundantemente (flushing) a ferida raramente é curativo, mesmo quando acompanhado de antibioterapia agressiva (Harcourt-Brown, 2002a; Capello, 2008a). Assim, é especialmente importante a validação dos vários protocolos terapêuticos utilizados através de estudos que forneçam dados concretos sobre resultados a longo prazo. O tamanho diminuto dos ossos do crânio e as características anatómicas dos dentes dificultam, ainda, o acesso e tratamentos (Taylor et al., 2008). 7.1. Etiologia e fisiopatologia No coelho os abcessos estão, regra geral, associados à síndrome de patologia dentária adquirida, caracterizada, como já descrito, por deterioração dentária, má oclusão adquirida e sobrecrescimento da coroa de reserva (Harcourt-Brown, 1997). Abcessos e osteomielite são a alteração patológica mais frequente desta síndrome (Capello, 2004a). Os abcessos periapicais de molariformes são os mais frequentes, especialmente os mandibulares. Os dentes elodontes dos lagomorfos e a associação entre a coroa clínica e os ossos alveolares mandibular e maxilar permitem a disseminação rápida da infecção periapical (Capello, 2008a). Sem tratamento, ou perante tratamento ineficaz, infecções periapicais conduzem a osteomielite e/ou microabcessos ósseos (Harcourt-Brown, 2002a; Capello, 52 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL 2008a), apresentando sempre um mau prognóstico (Hinton, 1978; Harcourt-Brown, 2002a; Capello, 2008a). A osteomielite pode estar localizada no ápice de um dente, ou envolver osso mandibular ou maxilar (Capello, 2004a). A fisiopatologia dos abcessos odontogénicos no coelho ainda é, em grande medida desconhecida, diferindo muito da das demais espécies. Estes abcessos não provocam pirexia, mesmo na presença de verdadeira infecção bacteriana; normalmente não afectam a preensão e mastigação dos alimentos (Capello, 2006b; 2006c; 2008a); raramente causam dor, especialmente nas fases iniciais (Harcourt-Brown, 2002a; Capello, 2006b; 2006c, 2008a); por norma desenvolvem-se lentamente, podendo assumir dimensões extraordinárias quando comparados com o tamanho relativo do animal (Capello, 2006b; 2006c; Harcourt-Brown, 2007b), mas podem sofrer crescimento rápido (Bennett, 1999); o animal frequentemente apresenta apetite e bom estado geral, especialmente nas fases iniciais (Harcourt-Brown, 2002a; Capello, 2008a); o pus é caseoso, sendo impossível a drenagem a que tipicamente se recorre em outras espécies (Blackwell, 1999; Bennett, 1999; Capello, 2006b; 2006c; HarcourtBrown, 2007b); a cápsula é extremamente espessa (Bennett, 1999; Capello, 2006b; 2006c; 2008a; Harcourt-Brown, 2007b); e tendem a destruir progressivamente os tecidos envolventes (Capello, 2006b; 2006c; 2008a; Harcourt-Brown, 2007b). Os abcessos odontogénicos em roedores possuem características idênticas (Capello & Gracis, 2005). 7.2. Diagnóstico e prognóstico Quando há suspeita de abcessos odontogénicos é vital uma história clínica completa (Van Caelenberg et al., 2008), com exame da cavidade oral (mucosas, incisivos, molares e prémolares) minucioso. Neoplasias e quistos são diagnósticos diferenciais. Ao exame físico é possível detectar tumefacções no bordo mandibular, flutuantes ou aderentes, causadas por sobrecrescimento das coroas de reserva ou abcessos periapicais (Harcourt-Brown, 1999; Capello, 2004a). Surgem conjuntivite, epífora e exoftalmos quando há envolvimento do processo zigomático maxilar e do pavimento da órbita, e estes sinais são frequentemente acompanhados de ptialismo grave (Crossley, 1995a; Reiter, 2008). A conjuntivite primária é rara no coelho, mas é comum existir corrimento purulento com origem no ducto nasolacrimal (Harcourt-Brown, 1995). A epífora pode ser devida ao aumento da produção lacrimal, constituindo uma resposta reflexa a dor na mucosa ou óssea, ou, mais raramente, a obstrução do ducto nasolacrimal (Crossley, 1995a; Reiter, 2008). A resposta à analgesia permite diferenciar a causa (Crossley, 2003a). Num estudo efectuado em chinchilas, Crossley (2003a) verificou que a presença de epífora estava associada à compressão ductos nasolacrimais ou sua obliteração pela intrusão dos ápices dos pré-molares ou primeiro molar maxilares. O sobrecrescimento das coroas de 53 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL reserva raramente causa obstrução da drenagem lacrimal, mas a abcedação dos pré-molares fá-lo frequentemente (Crossley, 1995a). Como anteriormente descrito nos métodos complementares de diagnóstico, a radiologia é essencial no diagnóstico e determinação da causa de abcessos, e na avaliação das lesões ósseas (Harcourt-Brown, 2002a; Verstraete, 2003; Capello & Gracis, 2005; Van Caelenberg et al., 2008). Os abcessos da cavidade nasal são detectáveis radiograficamente, embora necessitem de endoscopia para diagnóstico definitivo. O animal pode apresentar rinorreia purulenta, respiração ruidosa ou ruídos respiratórios superiores. Pasteurelose e corpos estranhos são diagnósticos diferenciais. Tumefacções da proeminência zigomática são facilmente palpáveis, podendo eventualmente ocorrer ruptura e drenagem espontânea do abcesso (Harcourt-Brown, 2002). No coelho, é necessário realizar hemogramas e bioquímicas para avaliação do estado geral e despiste de patologia concomitante ou subjacente (Harcourt-Brown & Baker, 2001). Na ausência de compromisso ósseo, Harcourt-Brown (1999; 2002a) refere que, no coelho, o prognóstico depende maioritariamente da extensão da patologia subjacente, e não tanto da antibioterapia escolhida ou do tipo de bactérias presentes. Outro factor que condiciona o prognóstico é o tipo de abcesso. Abcessos retrobulbares, por exemplo, notoriamente mais difíceis de tratar, têm pior prognóstico que os mandibulares (Capello, 2004a). A abcedação dos 2º e 3º molares mandibulares, embora rara, tem pior prognóstico que nos restantes molariformes. O ramo da mandíbula é extremamente frágil, nem sempre sendo possível o desbridamento completo do osso infectado e havendo maior risco de fractura intraoperatória. A inserção da porção caudal do músculo masséter ao longo da mandíbula dificulta também o acesso cirúrgico (Capello, 2007; 2008a). Os abcessos periapicais maxilares são menos frequentes que os mandibulares mas acarretam maior dificuldade de tratamento cirúrgico (Capello, 2007). Não são palpáveis, excepto na presença de graves alterações ósseas, e podem obstruir o ducto lacrimal e causar epífora e dacrocistite crónicas (Harcourt-Brown 1999; Harcourt-Brown, 2002c). Os abcessos retrobulbares são frequentes no coelho porque a bula alveolar inclui na sua estrutura as coroas de reserva e ápices do último pré-molar e dos três molares; no caso de infecção periapical de um ou mais dentes a bula fica repleta de fragmentos de alimento, osso e pus (Capello, 2007; 2008a). Mais raramente, é possível aspirar o abcesso inserindo uma agulha no espaço periorbitário (Harcourt-Brown, 2002a). Devido ao diagnóstico normalmente tardio, requerem frequentemente enucleação (Capello, 2008a). O prognóstico para miomorfos com abcessos odontogénicos é sempre reservado a mau, sendo especialmente difíceis o diagnóstico precoce e a excisão e extracção dentárias (Capello, 2004a). Outro factor que afecta o prognóstico é a ausência de adesão à terapêutica médica domiciliária. Os cuidados pós-operatórios são tão importantes quanto a cirurgia, sendo importante avaliar o nível esperado de adesão à terapêutica por parte dos proprietários, já que estes pacientes requerem consultas de seguimento frequentes, por vezes para o resto da vida, 54 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL e cuidados domiciliários moderadamente intensivos. É também necessário educar os proprietários em relação ao aspecto desagradável do paciente como resultado de algumas opções cirúrgicas (Capello, 2006b; 2006c; 2008a). Em caso de fraca adesão à terapêutica, patologia dentária avançada ou complicações secundárias graves deve ser considerada a eutanásia (Capello, 2006b, 2006c). 7.3. Tratamento médico e cirúrgico O maneio é similar ao de outros problemas dentários 13 . A terapêutica está dependente de vários factores, sendo um dos mais importantes a existência ou não de osteomielite (HarcourtBrown, 2002a). O tratamento médico deve incluir antibioterapia para controlar e ajudar a debelar infecções sistémicas ou locais, de tecidos moles e ósseos (Tyrrell et al., 2002; Capello, 2004a), e analgesia (Capello, 2006b; 2006c; Bennett, 2008). Rosenfield (2000) relata sucesso na erradicação de abcessos crónicos com a administração de Penicilina G benzatínica/procaínica. Foi realizado um estudo sobre a microbiota dos abcessos odontogénicos em 12 coelhos, tendo as espécies isoladas sido uma combinação de bastonetes anaeróbios gram-negativos (por exemplo, Fusobacterium spp); bastonetes não formadores de esporos anaeróbios gram-positivos (por exemplo, Actinomyces spp.); e coccus gram-positivos aeróbios do grupo do Streptococcus milleri. Curiosamente, P. multocida e S. aureus não foram isolados das lesões (Tyrell et al., 2002). Muitos autores recomendam a parede da cápsula do abcesso como o melhor local de cultura, alegando que o centro do abcesso é estéril (Bennettt, 1999; Harcourt-Brown, 2002a; Capello, 2006c). No entanto, Tyrell et al. (2002) verificaram que, em metade dos casos estudados, amostras colhidas do centro do abcesso continham mais organismos e em maior variedade do que amostras colhidas da margem, pelo que parece aconselhável recolher amostras de ambos os locais. A selecção antibiótica deve ser baseada em cultura aeróbia e anaeróbia e TSA, levando em linha de conta as restrições de administração das diversas espécies (Tyrell et al., 2002; Capello, 2004a). Isto é particularmente importante tendo em conta que, na maior parte dos casos, não só não há dados microbiológicos que permitam escolher a antibioterapia mais correcta como a colheita é feita incorrectamente (Tyrell et al., 2002). O maneio de abcessos odontogénicos requer frequentemente antibioterapia prolongada ou, inclusivé, para o resto da vida, em doses baixas (Bennett, 1999). Devido à presença de uma cápsula espessa, tecido necrótico mole, dentário e/ou ósseo, e osteomielite, estes abcessos raramente respondem a antibioterapia isolada, sendo necessário tratamento cirúrgico agressivo para limpeza do abcesso e remoção dos dentes afectados (Capello, 2006b; 2006c; 2008a; Harcourt-Brown, 2007b). Na tabela 9 estão descritos alguns 13 Ver II.6.1. Tratamento médico e maneio. 55 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL procedimentos cirúrgicos e modalidades de tratamento, maioritariamente após remoção da cápsula e desbridamento do abcesso (Tobias, Schneider & Besser, 1967; Stellar, 1980; Chirife, Scarmato & Herszage, 1982; Triplett, Branham, Gillmore & Lorber, 1982; Hinshaw, Herrera, Lanzafame & Pennino, 1987; Juri & Palma, 1987; Zumla & Lulat, 1989; Friedman, Rotstein & Bab, 1992; Remeus e Verbeek, 1995; Bennett, 1999, 2008; Blackwell 1999; Gunnarsson, Rotta & Steinhorn, 1999; Harcourt-Brown, 1999, 2002a, 2007b; Molan, 1999; 2001; Steenkamp & Crossley, 1999; Dunford, Cooper, Molan & White, 2000; Kelleher 2000; Rosenfield, 2000; Eduardo & Gow-Soares, 2001; Mathews & Binnington, 2002a; 2002b; Crossley 2003b; 2003c; Taylor, 2003; Sharma, 2003; Langlois, 2004; Capello & Gracis, 2005; Verstraete & Osofsky, 2005; Capello, 2006a, 2006b, 2007, 2008a; Johnson 2006; Kemmer, Stein & Hierholzer, 2006; Mans, Sunohara-Neilson, Higginson, Smith & Taylor, 2006; Mathieu, Linke & Wattel, 2006; Mathieu & Wattel, 2006; Ward, 2006; Holmberg, 2007; Martínez-Jiménez, 2007; Capello, 2008a; Lennox, 2008d; Sakhavar & Khadem, 2008; Taylor et al., 2008; Visigalli, Cappelletti & Nuvoli, 2008; Crowe, s.d.). Nem todos os proprietários estão dispostos a dispender quantias elevadas em tratamentos sem garantia de sucesso. Quando o plano de tratamento cirúrgico é recusado, alguns autores recomendam que o abcesso não seja aberto, uma vez que isso criará uma fístula que vai impedir a cura. Nestas circunstâncias, muitos pacientes continuam a apresentar boa qualidade de vida e ausência de desconforto, sendo possível, embora altamente improvável, a resolução espontânea do abcesso. Estes pacientes beneficiam de terapêutica anti-inflamatória e antibioterapia (Harcourt-Brown, 2007b). 56 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL PROCEDIMENTO VANTAGENS DESVANTAGENS Nenhum Não oneroso Ineficaz, recidivas frequentes Encerramento cirúrgico Menos invasivo Ineficaz, recidivas frequentes Extracção dentária, desbridamento ósseo Remove dentes afectados e seus fragmentos, controlando a infecção Traumática, especialmente se extraoral Marsupialização Lavagem, desbridamento e tratamento tópico fáceis, monitorização directa Enucleação Último recurso em abcessos retrobulbares: acesso à bula alveolar Desbridamento e lavagem por endoscopia intraoral Alternativa à enucleação: acesso à bula alveolar com preservação do olho; menos traumático Recuperação demorada; necessária adesão total à terapêutica; aspecto desagradável do paciente Traumática, recuperação prolongada; exposição do nervo e forâmen ópticos; aspecto alterado do paciente Requer monitorização longa, estomatoscopias seriadas, adesão à terapêutica rigorosa e exames radiográficos craniais e ecografias oftálmicas para avaliação Implantação de contas impregnadas com Ab Eluição bifásica, libertação local em altas concentrações, absorção e efeitos sistémicos reduzidos Empacotamento com gaze impregnada com Ab Alternativa a dissecção da cápsula e remoção do abcesso; início da terapêutica antes dos resultados de cultura e TSA (penicilina/ampicilina); substituição do penso apenas semanal; se defeitos ósseos reduzidos, pode ser única técnica utilizada Após algum tempo somente tecidos num raio de 3 mm recebem concentrações elevadas; eluição errática; escolha de AB reduzida; podem funcionar como CE Requer anestesia geral para substituição do penso; defeitos ósseos de grandes dimensões requerem outra técnica subsequente (contas, por exemplo) Empacotamento com açúcar Barato; bactericida; diminui edema; potencia granulação e epitelização; reduz necessidade de desbridamento cirúrgico; reduz dor Mudanças de penso no mínimo SID; necessária adesão total dos proprietários à terapia Empacotamento com mel Barato; bactericida (incluindo bactérias resistentes a AB); diminui edema; potencia granulação e epitelização; reduz necessidade de desbridamento cirúrgico; permite substituição de peso sem anestesia Mudanças de penso no mínimo SID; necessária adesão total dos proprietários à terapia Empacotamento com hidróxido de cálcio pH 12, bactericida, supostamente não tóxico para tecidos Reportada necrose de tecidos saudáveis nalguns casos Aplicação de Ab locais Formação de tecido de granulação saudável - Doxixiclina gel ® Sucesso no Tx de abcessos inoperáveis (incluindo retrobulbares) após limpeza. Enzimas proteolíticas Desbridamento da ferida e remoção dos tecidos infectados e necróticos; alternativa se mau candidato cirúrgico ou desbridamento cirúrgico inviável Cerâmicas bioactivas Preenchimento de espaços mortos; promoção da regeneração óssea; propriedades antibacterianas; porosidade permite imbebição com antibióticos ─ Podem lesionar tecidos saudáveis se usadas incorrectamente ─ Terapia hiperbárica Adjunta; eficaz na osteomielite crónica; bactericida (anaeróbios e aeróbios) em tecidos hipóxicos; potencia fagocitose e acção de aminoglicosídeos; corrige hipóxia (aporte de 20% mais O2), diminuição de edema e inflamação (efeito prolongado); aparentemente não tóxico para pulmões (coelho) Ainda pouco viável ou testada; possivelmente onerosa; efeitos secundários pouco estudados; convulsões auto-limitantes (especialmente no cão) Laser de CO2 Bisturi e vaporizador de tecidos; desbridamento eficaz; esteriliza tecidos infectados, incluindo dentina; acção rápida, atraumática; hemostase altamente controlável nos tecidos; sem efeito à distância ou acção tóxica; redução da infecção e tempo cirúrgico Possível aumento de custos, possível lesão de tecidos saudáveis ou operador Tabela 9. Procedimentos cirúrgicos e modalidades de tratamento de abcessos odontogénicos. 57 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL PARTE III. CASOS CLÍNICOS Nesta secção serão apresentados seis casos clínicos, correspondentes a patologia dentária em cinco espécies: coelho (2), porquinho da Índia (1), chinchila (1), ratazana (1) e hamster (1). Estes casos clínicos são representativos da patologia dentária observada durante o estágio curricular, e também da patologia dentária descrita na literatura. 1. HAMSTER RUSSO ‘DECKARD’ O hamster russo ‘Deckard’, macho inteiro, 1 ano, apresentou-se a uma primeira consulta em Outubro de 2008 por anorexia. Não apresentava antecedentes clínicos relevantes. O exame clínico de admissão revelou bom estado geral, e sobrecrescimento extremo do incisivo maxilar esquerdo, que tinha já penetrado o palato duro e a pele, encontrando-se enrolado sobre a porção rostral da face (figs. 22 e 23). Este sobrecrescimento tinha passado despercebido à proprietária. O diagnóstico provisório foi sobrecrescimento do incisivo maxilar esquerdo.. Figura 22. Sobrecrescimento do incisivo Figura 23. Relação entre dimensão do paciente e dimensão da porção maxilar esquerdo. de dente removida. É visível o sobrecrescimento extremo do incisivo maxilar esquerdo, especialmente quando comparado com o tamanho da cabeça. O plano terapêutico consistiu na redução do incisivo sobredimensionado. O paciente foi submetido a intervenção cirúrgica no próprio dia, tendo a porção excedentária do incisivo maxilar esquerdo sido cortada e removida sem dificuldade. Os restantes dentes examinados apresentavam-se normais, sendo confirmado o diagnóstico de sobrecrescimento do incisivo maxilar esquerdo. As lesões dos tecidos moles não necessitaram de tratamento. O paciente recuperou rapidamente da anestesia, tendo regressado a casa poucas horas depois. Perante esta patologia, foi possível a abordagem terapêutica correcta através do corte dentário do incisivo sobredimensionado, que se considera um acto curativo. 58 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL 2. COELHA ‘BUFFY’ A coelha ‘Buffy’, fêmea não ovariohisterectomizada, 6 meses, apresentou-se a uma consulta de primeira vez em Fevereiro de 2009 por anorexia, letargia e sobrecrescimento dos incisivos. Não apresentava antecedentes clínicos relevantes. O exame clínico de admissão revelou bom estado geral, e sobrecrescimento extremo dos incisivos maxilares e mandibulares, resultando em má oclusão grave dos incisivos (figs. 2428). Os incisivos mandibulares tinham perdido a sua curvatura fisiológica, crescendo quase na vertical; o incisivo maxilar direito apresentavase encurvado em sentido caudodorsal; o encurvamento caudolateral do incisivo maxilar Figura 24. Prognatismo mandibular relativo. É visível a disparidade acentuada entre a mandíbula e a maxila. esquerdo tinha já resultado em lesão da mucosa oral. Ao exame oral com otoscópio foi também detectado sobrecrescimento dos molariformes. O diagnóstico provisório foi má oclusão dos incisivos secundária a prognatismo mandibular relativo, com má oclusão concomitante dos molariformes. Não foram consideradas necessárias análises bioquímicas. Foram efectuados exames radiográficos nas projecções laterolateral esquerda e direita, lateral oblíqua esquerda e direita, rostrocaudal e ventrodorsal: Figura 25. Projecção LL esquerda. Figura 26. Projecção LObl esquerda. São visíveis a perda do plano de oclusão dos molariformes (verde) e o sobrecrescimento das coroas de reserva (setas amarelas). O sobrecrescimento das coroas de reserva mandibulares causou deformação periapical com perfuração do osso cortical (setas azuis) e aumento dos espaços periodontais (setas vermelhas). 59 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Os exames radiográficos revelaram braquignatismo maxilar, confirmando o diagnóstico presuntivo, e revelaram alterações apicais importantes dos molariformes (figs. 25-28). O plano terapêutico consistiu na extracção de todos os incisivos e redução coronal dos molariformes, tendo sido marcada a intervenção cirúrgica para daí a quatro dias; e numa terapêutica médica consistindo em AINES (meloxicam 0,2 mg/Kg PO BID) e um opióide (cloridrato de tramadol, 10 mg/Kg PO BID) durante uma semana em ambulatório, e papa Critical Care for Herbivores®. Figura 27. Projecção RCd. Figura 28. Projecção VD. São visíveis a alteração do plano de oclusão entre molariformes, e as alterações apicais mandibulares com penetração do osso cortical (setas amarelas). Há perda de definição estrutural, não sendo possível visualizar com detalhe os PM1 maxilares (vermelho), nem os seus espaços periodontais ou lamina dura. Há deformação apical óbvia dos quatro incisivos maxilares (setas azuis). A ‘Buffy’ apresentou-se no dia da cirurgia com bom estado geral. Procedeu-se, inicialmente, à extracção dos incisivos segundo o protocolo anteriormente descrito (ver tabela 8). Seguidamente, foi efectuada a redução coronal dos molariformes com Dremel®. A boca foi mantida aberta com o auxílio de fitas de gazes atadas à maxila e mandíbula, mantidas in situ durante a cirurgia pelo assistente. Após a cirurgia foram feitos novos exames radiográficos nas projecções atrás referidas, para garantir que havia sido efectuada a redução correcta e não permaneciam fragmentos dentários nos alvéolos (figs. 29-30). A paciente recuperou bem da cirurgia, tendo demonstrado apetite passadas poucas horas. Regressou a casa no próprio dia, mantendo os AINES em ambulatório durante mais três dias. 60 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Figura 29. Projecção LL pós-cirurgia. Figura 30. Projecção Rcd póscirurgia. São visíveis a normalização relativa do plano de oclusão (verde), e a ausência de fragmentos dentários alveolares. Normalização relativa do plano de oclusão entre os molariformes maxilares (contorno vermelho) e os mandibulares (contorno azul). Perante esta patologia, foi possível a abordagem terapêutica correcta da patologia dentária dos incisivos através da sua extracção, que resultou numa recuperação funcional e se considera um acto curativo. No entanto, as alterações apicais irreversíveis que caracterizam a patologia dentária dos molariformes na ‘Buffy’ significam que, embora o acto terapêutico tenha sido o correcto, foi apenas paliativo. O sobrecrescimento dos molariformes acompanhado por alterações irreversíveis tem indicação para monitorização regular e eventuais tratamentos médico-cirúrgicos adicionais, tendo a proprietária sido devidamente informada. 3. PORQUINHA DA ÍNDIA ‘TRINITY’ A porquinha da Índia ‘Trinity’, fêmea não ovariohisterectomizada, 2 anos, apresentou-se a uma primeira consulta em Janeiro de 2009 por anorexia e emagrecimento desde há cerca de uma semana. Não apresentava antecedentes clínicos relevantes. Ao exame clínico de admissão a paciente foi considerada magra, pesando 640 g. Encontrava-se parasitada por piolhos (Gliricola porcelli). O exame oral com otoscópio revelou ausência de alimento na cavidade oral, tendo sido detectado sobrecrescimento das coroas clínicas dos molariformes, particularmente óbvio no terceiro molar mandibular direito. Não foram consideradas necessárias análises bioquímicas. Foram efectuados exames radiográficos nas projecções laterolateral esquerda e direita, lateral oblíqua esquerda e direita, rostrocaudal e ventrodorsal, que confirmaram o sobrecrescimento dos molariformes. O plano 61 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL terapêutico consistiu no tratamento da infecção parasitária com selamectina (6 mg/Kg tópica), administração de AINES (meloxicam 0,2 mg/Kg PO BID) e papa Critical Care for Herbivores®, e redução coronal dos dentes afectados. A ‘Trinity’ apresentou-se no dia seguinte para a redução coronal. Aquando do exame oral sob anestesia geral foi encontrado alimento na cavidade oral. Após limpeza da mesma tornou-se visível uma estrutura inicialmente não identificável, do lado direito da porção caudal da cavidade oral, não sendo claro, mesmo após exploração, de que tipo de estrutura se tratava. A redução coronal dos molariformes maxilares e primeiros molariformes mandibulares com Dremel® permitiu uma melhor visualização da estrutura anómala (figs. 31-32): Figura 32. Ampliação da estrutura. Figura 31. Estrutura anómala caudal. É visível a grande dimensão da estrutura não-identificada. Tentou-se a minimização da estrutura com Dremel®, constatando-se ser esta parte integral do 3º molar mandibular direito, correspondendo a sobrecrescimento atípico dorsal da face distal do dente. Foi realizada uma redução coronal normal (fig. 33). A paciente recuperou rapidamente da anestesia, tendo regressado a casa poucas horas depois. No dia Figura 33. Cavidade oral após redução coronal do terceiro molar mandibular direito. seguinte, uma conversa telefónica com o proprietário Após remoção da porção dentária excedentária, tornou-se visível alguma ulceração da mucosa oral bucalmente. anorexia, tendo sido possível a sua reversão com a revelou que a ‘Trinity’ apresentava novamente administração domiciliária de um opióide (cloridrato de tramadol, 10 mg/Kg PO BID) durante dois dias. Perante a patologia apresentada, foi possível a abordagem terapêutica correcta através de terapêutica médica adequada e redução coronal dos molariformes sobredimensionados, que resultou numa recuperação funcional. No entanto, a redução coronal dos molariformes é frequentemente apenas paliativa devido às alterações apicais associadas, pelo que não se 62 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL considera a intervenção um acto curativo. O sobrecrescimento dos molariformes, principalmente se acompanhado de componentes pouco usuais como no caso da ‘Trinity’, tem indicação para monitorização regular e eventuais tratamentos médico-cirúrgicos adicionais, tendo o proprietário sido devidamente informado. 4. CHINCHILA ‘ATREIDES’ A chinchila ‘Atreides’, macho inteiro, 2 anos, 560g, apresentou-se a uma primeira consulta em Dezembro de 2008 por alterações da motilidade intestinal (diarreia). Não apresentava antecedentes clínicos relevantes. Com uma condição corporal má ao exame clínico de admissão, encontrando-se magro, ao exame oral com otoscópio foi detectado sobrecrescimento das coroas clínicas dos molariformes maxilares, e dimensão reduzida das coroas clínicas dos molariformes mandibulares. O diagnóstico provisório foi má oclusão dos molariformes por sobrecrescimento dos molariformes maxilares, reabsorção dentária dos molariformes mandibulares, e hipermotilidade gastrointestinal secundária. Não foram considerados necessários hemograma ou análises bioquímicas. Foram efectuados exames radiográficos nas projecções laterolateral esquerda e direita, lateral oblíqua esquerda e direita, rostrocaudal e ventrodorsal (figs. 34-37). Estes exames confirmaram o sobrecrescimento dos molariformes maxilares e a diminuição das coroas clínicas dos molariformes mandibulares, e revelaram a presença de alterações apicais maxilares e mandibulares e de uma lesão reabsortiva no pré-molar mandibular direito. O plano terapêutico consistiu em anti-inflamatórios (meloxicam 0,2 mg/Kg PO BID) e papa Critical Care for Herbivores®, e na redução coronal dos dentes afectados, tendo a intervenção sido marcada para o dia seguinte. Figura 34. Projecção LL esquerda. Figura 35. Projecção LObl direita. São visíveis a irregularidade do plano de oclusão (seta rosa), a diminuição das coroas clínicas mandibulares (amarelo), o sobrecrescimento do PM1 (setas laranja), o sobrecrescimento das coroas de reserva com alterações apicais (setas azuis), o aumento dos espaços interdentários (setas vermelhas) e uma lesão reabsortiva (círculo verde). 63 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Figura 37. Projecção VD. Figura 36. Projecção RCd. São visíveis o sobrecrescimento das coroas clínicas maxilares e mandibulares (setas vermelhas), e das coroas de reserva maxilares (setas azuis). São visíveis as deformações apicais dos molariformes mandibulares (setas azuis) e o sobrecrescimento das coroas clínicas dos molariformes maxilares (setas vermelhas). A redução coronal decorreu sem problemas e o ‘Atreides’ recuperou rapidamente da anestesia, tendo regressado a casa no próprio dia. O paciente apresentou-se novamente à consulta em Fevereiro de 2009, com epífora e perda de peso. O exame clínico revelou emaciação, pesando o ‘Atreides’ apenas 360g, o que corresponde a uma perda de peso de 26% em seis semanas. O exame oral com otoscópio revelou sobrecrescimento dos molariformes maxilares, tendo sido instituída terapêutica médica com um opióide (cloridrato de tramadol, 10 mg/Kg PO BID), que conduziu à recuperação do paciente. Perante a patologia apresentada, foi possível a abordagem terapêutica correcta através de terapêutica médica adequada e da redução coronal dos molariformes sobredimensionados, que resultaram numa recuperação funcional. No entanto, as alterações apicais e reabsorção dentária irreversíveis, bem como o novo sobrecrescimento dentário passadas apenas seis semanas, não permitem que a redução coronal possa ser considerada um acto curativo. A patologia dentária neste paciente tem indicação para monitorização e tratamentos médicocirúrgicos regulares, tendo a proprietária sido devidamente informada. 5. RATAZANA ‘KORBEN DALLAS’ A ratazana ‘Korben Dallas’, macho inteiro, 4 anos, apresentou-se a uma primeira consulta em Novembro de 2008 por prostração e anorexia desde há alguns dias. Não apresentava antecedentes clínicos relevantes. O exame físico revelou desidratação; o exame oral revelou má oclusão dos incisivos por sobrecrescimento e desvio. Não foram considerados necessários hemograma ou análises bioquímicas. Iniciou-se a terapêutica médica com antibiótico 64 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL (enrofloxacina 10 mg/Kg PO BID) e AINES (meloxicam 0,2 mg/Kg PO BID) em ambulatório, tendo o proprietário sido instruído a voltar daí a três dias. No consulta seguinte, o ‘Korben Dallas’ apresentava já uma massa facial infraorbitária, com características compatíveis com um abcesso odontogénico. Foram efectuados exames radiográficos nas projecções laterolateral esquerda e direita, lateral oblíqua esquerda e direita, rostrocaudal e ventrodorsal. Estes exames permitiram visualizar o sobrecrescimento dentário dos incisivos e revelaram a existência de fractura nos dois primeiros molares mandibulares (fig. 40); permitiram, ainda, o diagnóstico presuntivo de abcesso e revelaram a presença de zonas de ostemielite (figs. 38-39): Figura 38. Projecção RCd. São visíveis zonas de osteomielite (setas verdes) e um abcesso (vermelho. Figura 39. Projecção VD. São visíveis um abcesso (seta vermelha), zonas de osteomielite (setas verdes) e proliferação óssea (seta azul). O proprietário foi instruído a manter a terapêutica médica em ambulatório e a regressar para reavaliação do paciente daí a uma semana. Uma semana depois o ‘Korben Dallas’ não apresentava melhoria clínica, tendo o plano terapêutico consistido na limpeza cirúrgica do abcesso. O proprietário foi devidamente informado dos Figura 40. Projecção LL direita. cuidados pós-operatórios requeridos e do aspecto São visíveis sobrecrescimento, má oclusão e perda da terminação em bisel dos incisivos (setas vermelhas), e fractura dos 1º e 2º molares (seta verde). do paciente após a intervenção. O paciente foi intervencionado no mesmo dia. 65 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Foi incidida a pele sobre o abcesso, com o intuito de se efectuar a dissecção da cápsula e remoção do abcesso por inteiro. Tal não foi, no entanto, possível, devido a aderências, à extensão da lesão e à osteomielite e osteólise presentes, tendo sido necessário abrir a cápsula. Foi efectuada a limpeza do abcesso e remoção da cápsula, bem como o desbridamento de osso infectado e a limpeza da cavidade óssea, com lavagem abundante da mesma (fig. 41). Figura 41. Extensão da ferida cirúrgica após limpeza do abcesso. Figura 42. Aspecto da ferida cirúrgica após marsupialização. A marsupialização permite a monitorização e lavagem agressiva da ferida cirúrgica. A ferida cirúrgica foi marsupializada através da sutura interrompida da pele, tecido subcutâneo e fáscia com fio não absorvível (fig. 42). Após a cirurgia foram efectuados novos exames radiográficos nas projecções atrás mencionadas, que confirmaram a ausência de fragmentos dentários alveolares, e a gravidade das lesões de osteomielite e osteólise visualizadas durante a limpeza cirúrgica do abcesso (fig. 43). Foi considerado necessário o internamento do paciente, para garantir os cuidados intensivos diários requeridos pós-marsupialização. A terapêutica médica consistiu em antibioterapia (azitromicina 3,5 mg/Kg SC BID), AINES (meloxicam 0,2 mg/Kg PO BID) e limpeza agressiva da ferida com hipoclorito de sódio bi-diária. O estado clínico do ‘Korben Dallas’ continuou a agravar-se nos dias subsequentes. Dado o mau prognóstico devido à Figura 43. Projecção RCd póscirurgia. São visíveis a extensão da osteólise (rectângulo vermelho) e lesões de osteomielite (seta verde). gravidade das lesões existentes e à não resposta à terapêutica, cinco dias após a cirurgia foi recomendada a eutanásia ao proprietário. A recomendação foi aceite, tendo-se procedido à eutanásia no próprio dia. 66 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Perante esta patologia foi possível a abordagem terapêutica correcta através da instituição de uma terapêutica médica adequada, da limpeza cirúrgica do abcesso e de cuidados pósoperatórios atempados e intensivos. No entanto, estas medidas não constituíram um acto curativo, tendo a extensão e gravidade das lesões de osteólise e osteomielite requerido a eutanásia do paciente. 6. COELHO ‘CAPTAIN MAL’ O coelho ‘Captain Mal’, macho inteiro, 4,5 anos, 1,600 Kg, apresentou-se a consulta em Dezembro de 2008 por anorexia, tumefacção facial e corrimento nasolacrimal purulento. Apresentava como antecedentes clínicos problemas dentários desde Novembro de 2006, tendo, desde então, sido submetido a três reduções coronais, um corte de esporões dentários, uma limpeza cirúrgica de um abcesso infraorbitário e à extracção de nove molariformes maxilares e dois molariformes mandibulares (figs.44-47). Havia, ainda, sofrido de uma rinite, uma infecção fúngica e uma descamação seca de cotovelos e calcanhares. Figura 44. Projecção LL esquerda (2007). Figura 45. Projecção LObl (2007). São visíveis a deformação das coroas clínicas com boca em escada dos molariformes maxilares (seta rosa), sobrecrescimento e deformação das coroas de reserva com perfuração do osso cortical (setas azuis) e aumento dos espaços interdentários (setas vermelhas). São visíveis a alteração da angulação normal do incisivo maxilar (seta amarela), sobrecrescimento e deformação das coroas de reserva com perfuração do osso cortical (setas azuis), aumento dos espaços interdentários (setas vermelhas), zonas de radiolucência compatível com reabsorção dentária (setas verdes) e uma zona de reacção inflamatória óssea (seta laranja). 67 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Figura 46. Projecção VD (2007). Figura 47. Projecção RCd (2007). São visíveis zonas de osteomielite (setas verdes), deformação óssea mandibular (seta azul) e um abcesso (seta vermelha). São visíveis sobrecrescimento e alterações dos molariformes maxilares e mandibulares (setas vermelhas), alterações na angulação dos incisivos maxilares (setas amarelas), alterações na forma dos incisivos mandibulares (círculos laranja) e zonas de osteomielite (setas verdes). O exame físico revelou ter a massa facial características compatíveis com um abcesso odontogénico, e sobrecrescimento dentário dos molariformes maxilares comprovado por exames radiográficos nas projecções laterolateral esquerda e direita, lateral oblíqua esquerda e direita, rostrocaudal e ventrodorsal. Os exames radiográficos revelaram também alguma alteração da angulação normal do incisivo maxilar, grave deformação das coroas clínicas com presença de boca ondulada, e sobrecrescimento e deformação das coroas de reserva com perfuração e alterações graves do osso cortical mandibular. Figura 48. Abcesso odontogénico maxilar externo. Figura 49. Incisão da cápsula do abcesso. A dimensão dos abcessos periapicais não é o factor mais importante para o prognóstico. É visível o pus caseoso característico de abcessos do coelho e roedores. 68 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL O plano terapêutico consistiu na limpeza cirúrgica do abcesso e extracção dos três restantes molariformes maxilares, e numa terapêutica médica consistindo em antibioterapia (penicilina G benzatínica/procaínica 80.000 UI/kg SC q48h), AINES (meloxicam 0,2 mg/Kg PO BID) e papa Critical Care for Herbivores. O ‘Captain Mal’ apresentou-se dois dias depois para cirurgia. Foi efectuada a limpeza do abcesso e marsupialização da ferida cirúrgica (figs. 48-50), tal como descrito no caso clínico 5. Os três molariformes maxilares foram extraídos intraoralmente segundo o protocolo anteriormente descrito (ver tabela 8); a sua remoção revelou a existência de uma fístula com abertura para o interior da cavidade oral (fig. 51). Figura 50. Marsupialização da ferida cirúrgica. Extensão da ferida cirúrgica marsupialização. Figura 51. Fístula oral. após Aspecto da cavidade oral fistulizada após extracção dos molariformes. Após a cirurgia foram efectuados novos exames radiográficos nas projecções atrás mencionadas, que confirmaram a ausência de fragmentos dentários alveolares (fig. 52). Figura 52. Projecção LObl pós-extracção. São visíveis a alteração da angulação normal do incisivo maxilar (seta vermelha), a ausência total de molariformes maxilares, a deformação das coroas clínicas com boca ondulada (verde), e o sobrecrescimento e deformação das coroas de reserva com perfuração grave do osso cortical mandibular (seta azul). A comparação com os exames anteriores (figs. 44-45) permite avaliar a gravidade e progressão da patologia. 69 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Com bom estado geral e apetite normal, o ‘Captain Mal’ teve alta dois dias após a cirurgia, tendo os donos sido instruídos em relação aos cuidados diários de limpeza domiciliários. Quatro dias após a alta o paciente regressou à consulta com exoftalmia do olho direito, conjuntivite e epífora (fig. 53). O diagnóstico provisório foi abcesso retrobulbar, confirmado por exames radiográficos nas projecções LL esquerda e direita, LObl esquerda e direita, RCd e VD. Foi considerado necessário o internamento do ‘Captain Mal’, tendo o plano terapêutico consistido na manutenção da Figura 53. Exoftalmia – olho direito. São visíveis a exoftalmia do olho direito, conjuntivite e o pelo húmido característico de epífora. terapêutica médica anteriormente instituída e na limpeza cirúrgica do abcesso. Esta foi efectuada no próprio dia, tendo sido observado pouco pus no interior da cavidade oral. Foram adicionados corticosteróides em dose anti-inflamatória (prednisolona 0,5 mg/kg SC q12h 3 dias) à terapêutica médica. O paciente permaneceu internado para permitir uma monitorização mais acurada, e efectuouse o tratamento do olho afectado com lágrima artificial QID e antibioterapia tópica (ciprofloxacina, 1 gota, QID) e a alimentação forçada com a papa Critical Care for Herbivores®. Não houve melhoria substancial e, com evolução para panoftalmia, ao fim de seis dias foi decidida a enucleação do olho afectado. Figura 54. Panoftalmia. Figura 55. Preparação do campo cirúrgico. É visível a enorme pressão a que o globo ocular se encontra sujeito, especialmente na figura 55. 70 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Foi usada uma abordagem cirúrgica transconjuntival devido ao grande plexo venoso retrobulbar característico do coelho. A cirurgia foi iniciada por cantotomia lateral (figs. 56-57). Figura 56. Cantotomia lateral. Figura 57. Cantotomia lateral. A cantotomia permite o acesso ao globo ocular. Figura 58. Incisão da conjuntiva bulbar. Figura 59. Incisão da conjuntiva bulbar. Incisão da conjuntiva bulbar para libertação do globo ocular. Foi efectuada uma peritomia de 360º, deixando apenas alguns milímetros da conjuntiva bulbar para permitir a sua manipulação (figs. 58-59). A incisão foi feita tão junto ao globo quanto possível para evitar a perfuração do plexo venoso localizado dorsomedialmente. As inserções dos músculos extraoculares foram cortadas. O nervo óptico e vasos associados foram seguidamente laqueados com uma pinça hemostática e os tecidos laqueados com fio de sutura, após o que o nervo óptico e tecidos associados foram cortados proximalmente à laqueação. O globo ocular foi removido (figs. 60-61). A membrana nictitante foi então excisada, bem como o restante das conjuntivas bulbar e palpebral. 71 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Figura 60. Remoção do globo ocular. Figura 61. enucleação. Cavidade orbitária pós- Fase final da enucleação. Procedeu-se, em seguida, à limpeza extensiva da cavidade orbitária, com remoção de material purulento. A cavidade orbitária foi subsequentemente preenchida com esponja de colagénio, sendo posteriormente efectuada a aposição do tecido subconjuntivo com fio de sutura absorvente. Foram excisionadas as margens palpebrais (aproximadamente 2 mm) ao longo de toda a sua circunferência, incluindo a pele, carúncula e ligamento cantal medial, e removida a glândula de Harder. Finalmente, as margem palpebrais foram Figura 62. Sutura das pálpebras. É visível o material de preenchimento da cavidade orbitária. apostas utilizando fio não absorvível e suturas interrompidas (fig. 62). O ‘Captain Mal’ recuperou bem da cirurgia, embora tenha permanecido anoréxico e sido submetido diariamente a alimentação forçada com papa nos dois dias que se seguiram à intervenção cirúrgica. Na manhã do terceiro dia, foi inesperadamente encontrado morto na jaula. Perante esta patologia, foi possível a abordagem terapêutica correcta através da instituição de uma terapêutica médica adequada e da realização de intervenções cirúrgicas correctas e atempadas, seguidas de cuidados pós-operatórios intensivos. No entanto, estas medidas não conseguiram travar a progressão da doença, tendo a infecção óssea e, possivelmente, o trauma cirúrgico, levado à morte do paciente. 72 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL 7. Discussão dos casos clínicos A má oclusão é a patologia dentária mais comum em roedores, resultando do sobrecrescimento dos incisivos apenas (maioria das espécies) ou de todos os dentes (roedores herbívoros) (Legendre, 2003). Em miomorfos, a apresentação mais comum é a má oclusão dos incisivos por sobrecrescimento (Sainsbury et al., 2004), representada neste trabalho pelo hamster russo ‘Deckard’. No hamster, o padrão de má oclusão mais comum é o sobrecrescimento dorsocaudal, com frequentes lesões nos lábios, língua e/ou palato duro (Capello, 2008b), correspondendo ao observado neste paciente. O sobrecrescimento dos incisivos no hamster é maioritariamente secundário a fractura ou infecção periapical/pulpar, embora existam relatos anedóticos de braquignatismo maxilar congénito (Capello, 2008b). A sintomatologia é normalmente discreta, sendo o diagnóstico frequentemente apenas possível quando complicações graves constituem estímulo iatrotrópico (Capello & Gracis, 2005). Este caso vai de encontro ao descrito na literatura, visto que o sobrecrescimento dentário, embora exuberante, tinha passado despercebido à proprietária (Capello & Gracis, 2005; Mullan & Main, 2006; Capello, 2008b). O prognóstico na má oclusão dos incisivos é normalmente bom (Legendre, 2003) mas a má oclusão é totalmente corrigível através de redução coronal apenas se for possível restaurar por completo a altura das coroas clínicas e o plano de oclusão (Capello & Gracis, 2005). Neste caso, a intervenção atempada através do corte do incisivo, tal como recomendado na literatura, e a ausência de complicações secundárias permitem pensar que o tratamento tenha sido, de facto, curativo. Os casos clínicos seguintes ilustram a necessidade de exames complementares de diagnóstico na patologia dentária. O exame radiográfico é indispensável para uma avaliação dentária completa (Bellows, 1993), permanecendo o principal meio de diagnóstico (Gracis, 2008). Tal como referido na literatura, permitiu estadiar a patologia, elaborar um plano de tratamento e prognóstico (Meredith, 2007; Gracis, 2008), diferenciar estruturas dentárias normais de estruturas anómalas (Capello & Gracis, 2005) e identificar zonas de osteólise ou osteomielite (Capello & Caudurro, 2008; Mackey et al., 2008). É recomendada a utilização de filme de alta resolução (Gracis, 2008; Capello, 2006a; 2008b), sendo o bom posicionamento e qualidade do filme essenciais, especialmente em roedores (Capello, 2003, Lennox 2009). Estes critérios foram respeitados em todos os casos, tendo sido considerada essencial a realização de cinco projecções radiográficas: laterolateral esquerda e direita, lateral oblíqua esquerda e direita, ventrodorsal e rostrocaudal (Capello, 2004a; Capello & Gracis, 2005; Lennox, 2008a). Na patologia dentária do coelho e roedores, um prognóstico preciso baseia-se nos dados recolhidos durante o processo de diagnóstico, sendo expresso em termos da gravidade da doença, idade e estado do paciente, nível de cuidados continuados estimado, probabilidade de adesão à terapêutica pelos proprietários e custos esperados. A resolução da patologia dentária 73 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL é possível, mas, tal como ilustrado pelos cinco casos em discussão, é mais comum ser necessário o maneio da mesma para o resto da vida (Capello, 2004a). O prognóstico para roedores com patologia dentária complexa é geralmente mais reservado do que no coelho devido a particularidades anatómicas e à dificuldade relativa de intervenções cirúrgicas. No entanto, a extrema variabilidade das apresentações clínicas requer avaliação caso a caso (Capello, 2004a). A patologia observada no caso clínico 2 (coelha ‘Buffy’), prognatismo mandibular relativo por braquignatismo maxilar congénito, é considerada a patologia congénita mais comum nesta espécie. É causada por má oclusão esquelética congénita, com posicionamento dos molariformes mandibulares rostral aos molariformes maxilares devido à redução do comprimento da maxila. A redução do comprimento da maxila e os movimentos rostrocaudais de amplitude reduzida impedem a retracção da mandíbula; o subsequente sobrecrescimento dos incisivos agrava a má oclusão, sendo este quadro posteriormente agravado pela alteração das forças de oclusão. O corte e preensão dos alimentos tornam-se progressivamente mais difíceis (Harcourt-Brown, 2002b; Capello & Gracis, 2005). A curvatura mais acentuada dos incisivos maxilares causa sobrecrescimento dorsocaudal, que pode originar lesões dos tecidos moles (lábios em particular, língua, palato duro e nariz); os incisivos mandibulares raramente causam lesões tecidulares, dado sofrerem crescimento rostrodorsal (Capello, 2004a; Capello & Gracis 2005; Verstraete & Osofsky, 2005). O braquignatismo maxilar afecta principalmente animais de raças anãs, com menos de um ano de idade (Harcourt-Brown, 2002; Capello & Gracis, 2005; Verstraete & Osofsky, 2005; Reiter, 2008; Van Caelenberg et al., 2008; Verstraete, 2003). O caso apresentado desvia-se do padrão clássico: embora a paciente tivesse apenas 6 meses, tratava-se de um animal relativamente grande. Os pacientes braquignatas apresentam má oclusão persistente e recorrente, sendo quase sempre impossível restaurar a função normal. O tratamento de eleição é, assim, a extracção de todos os incisivos (Capello, 2004a; Osofsky e Verstraete, 2006; Meredith, 2007; Lennox, 2009), tendo sido este o acto terapêutico adoptado para a paciente. O coelho adapta-se com facilidade à ausência de incisivos, utilizando a língua e lábios para preensão do alimento (Legendre, 2003; Capello, 2004a; Lennox, 2008c). A abordagem terapêutica resultou, no caso dos incisivos, numa recuperação funcional, tendo a solução proposta corrigido o problema. A ‘Trinity’, bem como o paciente do caso clínico 4, a chinchila ‘Atreides’, apresentavam má oclusão dos molariformes, com sobrecrescimento das coroas clínicas e de reserva. O sobrecrescimento dos molariformes é extremamente frequente no coelho (Capello & Gracis, 2005), ocorrendo também na chinchila mas de forma menos óbvia (Capello, 2008b). No coelho, a patologia dentária adquirida pode dever-se maioritariamente a DOM, atrição insuficiente por dieta inadequada ou trauma, ou a uma combinação destes factores (HarcourtBrown, 2006; Capello & Gracis, 2005; Van Caelenberg et al., 2008). Na chinchila, não parece 74 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL haver correlação entre anomalias do metabolismo do cálcio e patologia dentária, sendo o trauma e, principalmente, uma dieta inadequada os principais factores etiológicos (Crossley, 2003a). Embora no caso da coelha ‘Trinity’ o sobrecrescimento dos incisivos se devesse claramente a má oclusão congénita, tal não garantia que tivesse precedido o sobrecrescimento dos molariformes. Com efeito, embora raro, podem ocorrer isoladamente; mais frequentemente, a má oclusão dos incisivos é secundária a ou concomitante com má oclusão dos molariformes, especialmente em coelhos mais velhos (Harcourt-Brown, 1997; Verstraete & Osofsky, 2005) e na chinchila (Harcourt-Brown, 1997), ou vice-versa (Harcourt-Brown, 2002b; Capello & Gracis, 2005; Reiter, 2008). Sofrendo o efeito de forças intrusivas superiores ao normal, o crescimento apical causa alterações periapicais, frequentemente acompanhadas por perfuração do osso cortical e aumento dos espaços interdentários (Harcourt-Brown, 2002b; Capello, 2004a; Capello & Gracis, 2005; Meredith, 2007). Tal foi o observado nestes dois pacientes, ‘Trinity’ e ‘Atreides’. A chinchila sofre frequentemente deformação apical e perfuração do periósteo, assumindo estas formas especialmente graves (Capello, 2004a; 2008a), tal como observado no paciente ‘Atreides’. Apesar disto, a chinchila apresenta menor predisposição para infecções periapicais e osteomielite do que o coelho (Capello, 2008a). Esta espécie tipicamente não apresenta sinais clínicos até estadios avançados da patologia dentária, sendo o seu diagnóstico precoce ainda mais premente que no coelho (Capello, 2004a). A única forma de garantir um diagnóstico preventivo é realizar exames dentários regulares a partir dos dois anos de idade, precedendo o início da sintomatologia (Capello, 2008b). O objectivo do tratamento da má oclusão de molariformes é a redução em altura das coroas clínicas e o restabelecimento da morfologia normal. Existem algumas limitações: a irreversibilidade das alterações apicais significa que o tratamento deverá ser repetido a intervalos regulares; no caso específico do coelho, é impossível replicar o padrão em ziguezague do plano de oclusão fisiológico. A necessidade de redução coronal varia não apenas de animal para animal, como também no mesmo animal ao longo do tempo (Lennox, 2008c), devendo, por isso, ser avaliada individualmente. O ‘Atreides’ apresentava, ainda, redução em altura das coroas clínicas mandibulares, provavelmente devida a reabsorção dentária generalizada, e uma lesão reabsortiva localizada no pré-molar mandibular direito. Lesões reabsortivas foram reconhecida em várias espécies, incluindo a chinchila (Crossley et al., 1997; Legendre 2003), crendo-se que representem uma extensão da remodelação óssea para o interior da dentina (Crossley et al., 1997). Neste paciente, o pré-molar afectado apresentava deformação apical considerável e, presumivelmente, inflamação, o que está de acordo com a localização e associações típicas de lesões reabsortivas descritas na literatura (Crossley, 2003a). No coelho, um aporte nutricional de cálcio deficiente parece aumentar a progressão de lesões reabsortivas 75 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL (Harcourt-Brown, 1996), mas não há evidência de que tal aconteça na chinchila (Crossley, 2003a). Finalmente, a chinchila ‘Atreides’ apresentou-se a consulta sofrendo de alterações gastrointestinais. Estas são uma sequela comum de patologia dentária adquirida nesta espécie (Capello & Gracis, 2005), sendo corrigíveis pela introdução de uma dieta com um teor de fibra óptimo (Ososfky & Verstraete, 2006). Apesar da adopção das medidas terapêuticas correctas, as alterações dentárias irreversíveis sofridas por ambos os pacientes preconizam a necessidade de novos tratamentos, que apenas poderão ser considerados paliativos, tendo as proprietárias sido devidamente informadas e aconselhadas a trazer a ‘Trinity’ e o ‘Atreides’ à consulta regularmente para avaliação dentária adequada e atempada. No caso clínico 5 foi apresentada a patologia dentária da ratazana ‘Korben Dallas’. Os roedores são afectados por abcessos odontogénicos com frequência (Capello, 2004a; 2008a), sendo estes considerados por alguns uma das apresentações clínicas mais comum em miomorfos (Sainsbury et al., 2004). Na bibliografia estão descritas tumefacções faciais relacionadas com infecção periapical e abcedação como o sinal mais comum de patologia dentária dos molariformes (Capello, 2008b). Tal foi, com efeito, o observado neste paciente. No caso clínico 6 é apresentado um abcesso odontogénico maxilar num coelho, o ‘Captain Mal’. O coelho é a espécie mais frequentemente afectada por abcessos odontogénicos (Harcourt-Brown, 2002a). Os abcessos maxilares são menos frequentes que os mandibulares, e mais difíceis de tratar cirurgicamente (Capello, 2007). No coelho, abcessos odontogénicos raramente afectam a preensão e mastigação dos alimentos (Capello, 2006b; 2006c; 2008a) ou causam dor (Harcourt-Brown, 2002a; Capello, 2006b; 2006c, 2008a); desenvolvem-se lentamente e assumem grandes dimensões (Capello, 2006b; 2006c; Harcourt-Brown, 2007b); o paciente frequentemente apresenta apetite e bom estado geral, especialmente nas fases iniciais (Harcourt-Brown, 2002a; Capello, 2008); o pus é caseoso, impossibilitando a drenagem simples (Blackwell, 1999; Bennett, 1999; Capello, 2006b; 2006c; Harcourt-Brown, 2007b); possuem cápsulas extremamente espessas (Bennett, 1999; Capello, 2006b; 2006c; 2008a; Harcourt-Brown, 2007b); e tendem a destruir progressivamente os tecidos envolventes (Capello, 2006b; 2006c; Capello, 2008a; HarcourtBrown, 2007b). O mesmo ocorre em abcessos odontogénicos em roedores (Capello & Gracis, 2005). No coelho, estes abcessos estão, regra geral, associados à síndrome de patologia dentária adquirida, caracterizada por deterioração dentária, má oclusão adquirida e sobrecrescimento das coroas de reserva (Harcourt-Brown, 1997). A osteomielite também constitui uma consequência frequente desta síndrome (Capello, 2004a). A maioria dos abcessos no coelho e roedores provoca alterações profundas nos tecidos circundantes (incluindo osso alveolar), permanecendo sequelas mesmo após tratamentos bem sucedidos (Meredith, 2007). Estes, porém, são raros, sendo as recidivas frequentes (Harcourt-Brown, 2002a; Capello & Gracis, 76 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL 2005; Ward, 2006; Taylor et al., 2008). O tratamento de abcessos odontogénicos é sempre caro, de longa duração e sem qualquer garantia de sucesso (Harcourt-Brown, 2002a; Capello & Gracis, 2005). Tal como recomendado na literatura, o tratamento médico incluiu antibioterapia para controlar e debelar a infecção local ou sistémica (Rosenfield, 2000; Tyrrell et al., 2002; Capello, 2004a), e analgesia (Capello, 2006b; 2006c; Capello & Gracis, 2005; Bennett, 2008), tendo respeitado as restrições de cada espécie (Tyrell et al., 2002; Capello, 2004a). Ambos os proprietários encontravam-se informados sobre a probabilidade de a antibioterapia ser longa (Bennett, 1999). No entanto, a espessura da cápsula e a extensão dos tecidos necróticos e da osteomielite significam que estes abcessos raramente respondem a antibioterapia isolada, sendo necessária pelo menos uma intervenção cirúrgica agressiva para limpeza e remoção dos dentes afectados e seus fragmentos (Capello, 2006b; 2006c; 2008a; Harcourt-Brown, 2007b). Embora existam várias modalidades de tratamento cirúrgico (ver tabela 9), a abordagem cirúrgica preferida por vários autores, e a utilizada no tratamento cirúrgico dos abcessos odontogénicos do ‘Korben Dallas’ e do ‘Captain Mal’, consistiu na limpeza cirúrgica agressiva do abcesso, com remoção da cápsula, desbridamento ósseo e remoção de dentes afectados e seus fragmentos, seguida de marsupialização e posterior limpeza e desbridamento frequentes da ferida cirúrgica, com aplicação de antisépticos locais (Capello & Gracis, 2005; Lennox, 2009). A marsupialização implica um pós-operatório mais longo e difícil e o aspecto desagradável do paciente, mas permite a observação fácil e a limpeza e tratamento da ferida cirúrgica sem necessidade de anestesia geral até ocorrer cicatrização por segunda intenção (Capello, 2008a). Esta opção requer que os proprietários estejam esclarecidos sobre o que esperar após a cirurgia, não só em termos do aspecto do animal e morosidade da sua recuperação, mas também da sua participação nos tratamentos diários intensivos requeridos, e nas consultas de monitorização futuras. Em ambos os casos, os proprietários encontravam-se devidamente esclarecidos e preparados para a adesão à terapêutica recomendada. A dimensão do abcesso não permite, por si só, estabelecer um prognóstico (Capello & Gracis, 2005). Em roedores com doença dentária, o prognóstico é geralmente menos favorável do que em lagomorfos devido às suas características anatómicas e fisiopatológicas, bem como à dificuldade de intervenção cirúrgica em animais com um tamanho tão pequeno. Na presença de infecção periapical e osteomielite, como no caso da ratazana ‘Korben Dallas’, o prognóstico é sempre reservado a mau (Capello, 2004a; 2008a). No coelho, os molariformes elodontes e a associação entre coroas clínicas e o osso alveolar permitem a disseminação rápida da infecção periapical (Capello, 2008a), que facilmente evolui para osteomielite (Harcourt-Brown, 2002a; Capello, 2008a), com focos de infecção apicais ou envolvimento ósseo maxilar/mandibular (Capello, 2004a). Na presença de deformação óssea 77 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL considerável e osteomielite, como no caso do abcesso maxilar do ‘Captain Mal’, o prognóstico é sempre reservado a mau (Hinton, 1978; Harcourt-Brown, 2002a; Capello & Gracis, 2005; Capello, 2008a). A presença de uma fístula oral, que implica um atraso acrescido do processo de cura (Capello, 2008a), veio dificultar ainda mais a recuperação do paciente. Para além disto, o ‘Captain Mal’ sofreu, ainda, de um abcesso retrobulbar. Estes abcessos são notoriamente difíceis de tratar (Capello, 2004a) e a sua presença diminuiu ainda mais as hipóteses de sobrevivência do paciente. São uma sequela frequente de patologia dentária adquirida no coelho, dado que a estrutura da bula alveolar inclui as coroas de reserva e ápices de quase todos os molariformes, ficando repleta de fragmentos de alimento, osso e pus se existir infecção periapical (Capello, 2007; 2008a). Estes abcessos são, por norma, apenas diagnosticados quando a pressão resultante da acumulação de material causa exoftalmia. A enucleação, que consiste na remoção cirúrgica do globo ocular, membrana nictitante, conjuntiva, glândulas lacrimais e parte do nervo óptico e pálpebras, é a derradeira alternativa em termos de tratamento ocular em pacientes exóticos (Holmberg, 2007). É bastante comum devido ao diagnóstico tardio e presença frequente de panoftalmite (Capello, 2008a; Lennox, 2008d). É o tratamento de eleição para um olho cego e doloroso, independentemente da causa (Holmberg, 2007), e está indicada em caso de patologia retrobulbar ou exoftalmia, porque só assim é possível investigar a órbita (Harcourt-Brown, 2002d) e aceder à bula alveolar para limpeza e lavagem (Kelleher, 2008b). Oferece também uma solução para a exposição crónica secundária a exoftalmos grave (Holmberg, 2007). A existência de um plexo venoso retrobulbar extremamente dimensionado no coelho implica a necessidade de maior cuidado aquando da dissecção (Harcourt-Brown, 2002d; Holmberg, 2007; Williams, 2007; Kelleher, 2008b). Embora Holmberg (2007) alerte para a dificuldade de conseguir uma hemostase eficaz e perigo de exsanguinação, muitos autores consideram que a hemostase por pressão directa é conseguida com relativa facilidade (Kirschner, 1997; Harcourt-Brown, 2002d; Kelleher, 2008b), devido à rapidez de coagulação nesta espécie (Harcourt-Brown, 2002d). A abordagem transconjuntival é a preferida em animais exóticos, dado permitir manter a integridade do plexo venoso (Kirschner, 1997; Holmberg, 2007; Williams, 2007), tendo sido a escolhida na enucleação do ‘Captain Mal’. Esta abordagem, a par dos cuidados acima referidos, garantiu o sucesso da cirurgia com o mínimo de trauma possível para o paciente. Esta intervenção possibilita o acesso cirúrgico dorsal à bula alveolar, mas aumenta o risco de exposição do nervo e forâmen ópticos. Estes factores, aliados à profundidade da fossa orbitária e ao facto de a maioria dos proprietários ter dificuldade em lidar com uma cavidade orbitária vazia, fazem com que a marsupialização e desbridamento frequente desta área não sejam recomendados (Capello, 2008a; Lennox, 2008d). Por este motivo, foi efectuada a aposição das pálpebras do paciente no final da cirurgia. 78 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL A eutanásia é sempre o último recurso do médico veterinário. Constitui uma opção válida, e muitas vezes necessária, se existir fraca adesão à terapêutica por parte dos proprietários, patologia dentária avançada ou complicações secundárias graves (Capello, 2006b; 2006c). Apesar da adesão estrita à terapêutica, foram rapidamente esgotadas as opções de tratamento da ratazana ‘Korben Dallas’ (caso clínico 5). A não resposta ao tratamento cirúrgico e à terapêutica médica e a deterioração persistente do paciente levaram a que a eutanásia fosse finalmente considerada a única opção médica e ética possível. No caso do coelho ‘Captain Mal’ (caso clínico 6), e apesar de uma enucleação ser uma intervenção inerentemente traumática, o sucesso da cirurgia, a ausência de complicações póscirúrgicas e a melhoria diária do quadro clínico do paciente não faziam prever a sua morte, tendo esta sido inesperada. 79 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL CONCLUSÃO Looks like civilization's finally caught up with us. Mal Reynolds, Firefly, “Bushwacked” O objectivo de um estudo curricular é iniciar a integração entre os conhecimentos maioritariamente teóricos adquiridos ao longo do curso de Medicina Veterinária e a sua aplicação real. Numa perspectiva pedagógica, o estagiário é ainda, de uma forma muito prática, confrontado com a imensidão de tudo o que não sabe, sendo este o inevitável e necessário ponto de partida para a consolidação de conhecimento. A escolha de patologia dentária em mamíferos exóticos como tema desta dissertação surgiu de uma combinação de interesse pessoal e da tomada de consciência da sua importância nas espécies exóticas mais frequentemente presentes a consulta, nomeadamente coelho, porquinho da Índia, chinchila, cão da pradaria, ratazana e hamster. Embora permaneça alguma incerteza quanto à etiologia da patologia dentária adquirida (Capello, 2004a), os dados parecem apontar para uma etiologia multifactorial, sendo trauma, nutrição e atrição inadequadas e doença óssea metabólica factores importantes, e que podem ocorrer em simultâneo (Harcourt-Brown, 2006; Capello & Gracis, 2005; Van Caelenberg et al., 2008). A patologia dentária é extremamente frequente nas espécies atrás referidas, causando anorexia e perda de peso, predisposição para patologia secundária oportunista e, inclusivé, a morte (Crossley, 2003b). Os estímulos iatrotrópicos frequentemente correspondem a estadios avançados de doença dentária, dificultando o seu tratamento com sucesso (Capello, 2004a; 2008b; Capello & Gracis, 2005). A resolução total da patologia dentária é, por vezes, possível mas dentes de crescimento contínuo garantem, na maioria dos casos, a recorrência e progressão dos problemas dentários (Crossley, 2003c). Assim, e como exemplificado pelos casos clínicos apresentados, é mais frequente o maneio da patologia dentária para o resto da vida do animal do que a sua cura (Capello, 2004a). A determinação da etiologia é vital, principalmente nos casos em que a cura é possível, ou sujeitar-se-ão os animais a tratamentos invasivos e anestesias gerais desnecessários, que os podem colocar em risco (Legendre, 2002). A enorme variedade de apresentações clínicas de patologia dentária nas ordens Lagomorpha e Rodentia, dos meios complementares de diagnóstico e dos tratamentos actualmente disponíveis exigem que o médico veterinário possua não apenas conhecimentos sólidos da anatomia e fisiopatologia de cada espécie, mas também experiência no exame clínico e 80 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL interpretação dos dados recolhidos ao longo do processo de diagnóstico e, ainda, equipamento especializado (Capello, 2004a; 2006a; ). Tal requer um investimento pessoal por parte do clínico na sua formação ainda mais intenso e consciente do que no caso dos outros animais de companhia, porque a medicina dentária em mamíferos exóticos é uma disciplina ainda recente e em permanente evolução. A cada clínico compete manter-se a par das últimas publicações, mas também o treino que garanta a execução de intervenções cirúrgicas correctas, dado que a má execução pode ser mais nociva do que a decisão de não actuar. O treino de exames orais e procedimentos cirúrgicos em cadáveres pode ser especialmente útil (Crossley, 2003c). É vital a partilha de informação entre médicos veterinários, especialmente considerando que muitos tratamentos são experimentais e não foram ainda testados num número suficientemente grande de animais para estabelecer o seu valor terapêutico, não havendo garantia de sucesso (Crossley, 2003c). A validação ou rejeição destes tratamentos é fulcral para o progresso médico e segurança dos pacientes. Nesta área da medicina veterinária não é raro, no entanto, que existam relatos contraditórios, o que mais uma vez enfatiza a necessidade de experiência prática do médico veterinário no estabelecimento das suas preferências terapêuticas; e a sua flexibilidade na abordagem de cada caso, dado que o sucesso de um tratamento num caso específico não garante a sua reprodução no caso seguinte, por maiores que sejam as semelhanças. É também especialmente importante que o clínico consiga reconhecer as suas limitações, enviando o paciente para um colega especializado se o caso ultrapassar as suas capacidades clínicas, especialmente tendo em conta que a ignorância em relação às particularidades de animais exóticos, e o seu tratamento como se de carnívoros se tratasse, pode facilmente provocar morbilidade ou mesmo a morte. Convém, mais uma vez, referir a importância da educação dos proprietários no maneio e, particularmente, prevenção da patologia dentária através da não reprodução dos animais afectados e de consultas de monitorização atempadas que permitam o diagnóstico e tratamento precoces. A combinação de uma dieta tão próxima da natural quanto possível, a reprodução das condições ambientais de cada espécie, a diminuição do stress (Crossley, 2005), o respeito das necessidades sociais específicas e o enriquecimento ambiental podem, finalmente, ajudar a diminuir a incidência de patologia dentária em lagomorfos e roedores. 81 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL BIBLIOGRAFIA BARANOWSKI P., WOJTAS J., CIS J., MUSIAŁ G., WRÓBLEWSKA M. & SULIK M. (2008). Value of craniometrical traits in chinchillas. Bulletin of The Veterinary Institute in Pulawy, 52: 271-280. BELLOWS, J.J. (1993). Radiographic signs and diagnosis of dental disease. 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Especificidade da sintomatologia de patologia dentária Sinais e sintomas associados a Achados ao exame físico indicativos de patologia dentária patologia dentária Anorexia Perda de peso/emaciação Disorexia Ptialismo Disfagia Manchas de saliva periorais Corrimento ocular (chinchila) Membros molhados por saliva Perda de condição corporal Doença de pele perioral Mau estado do pelo Tumefacções submandibulares Alterações digestivas Desconforto à palpação dos molariformes Alterações no volume das fezes Movimentos da boca diminuídos Limpeza excessiva Incapacidade de encerrar a boca Hipersiália Sobrecrescimento dos incisivos Trauma Atrição dos incisivos anómala História prévia de patologia oral Esporões nos molariformes Acumulação de alimento nos molariformes Corrimento ocular Conjuntivite Exoftalmos Corrimento ocular/rinorreia purulentos Abcedação facial Linfadenopatia submandibular/cervical Doença sistémica Morte Tabela 10. Especificidade da sintomatologia da patologia dentária (adaptada de Legendre, 2003; Capello & Gracis, 2005). 93 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Anexo 2. Exames complementares de diagnóstico recomendados por espécie ROEDORES MEIO DE DIAGNÓSTICO COELHO HISTRICOMORFOS SCIUROMORFOS MIOMORFOS Exame dentário sem anestesia Sempre Sempre; por vezes difícil na chinchila, impraticável no degus Quase sempre impraticável Difícil (com raras excepções) Exame dentário com anestesia Sempre Sempre Sempre Sempre Rx craniano Sempre Sempre Sempre Sempre Endoscopia oral Muito útil Útil/obrigatória; obrigatória no degu Obrigatória para maioria; útil no CP Obrigatória HG, BQ, outros Se doença ou complicações de patologia dentária Se doença ou complicações de patologia dentária Se doença ou complicações de patologia dentária Se doença ou complicações de patologia dentária TSA + cultura Se infecção periapical ou abcedação Se infecção periapical ou abcedação Se infecção periapical ou abcedação Se infecção periapical ou abcedação; menos útil devido a mau Px Útil nalguns casos Útil nalguns casos Útil nalguns casos; muito útil na patologia dentária dos incisivos no cão da pradaria Útil nalguns casos Possível, muito útil, ainda pouco prático Possível, muito útil, ainda pouco prático Perspectiva futura; sem dados publicados Perspectiva futura; sem dados publicados Histopatologia TAC/RM Tabela 11. Exames complementares de diagnóstico recomendados por espécie (Capello, 2004a). 94 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Anexo 3. Chin Sling Figura 63. Porquinho da Índia ‘Willie’ usando o primeiro protótipo em neoprene do Chin Sling, criado por Ingrid Rice e Dr. Loïc Legendre – vista lateral. Figura 64. Porquinho da Índia ‘Willie’ usando o primeiro protótipo em neoprene do Chin Sling – vista dorsal. Este paciente sofria de sobrecrescimento dentário dos molariformes e patologia cardíaca concomitante, sendo um mau candidato cirúrgico. Após um uso diário de 12 horas consecutivas, em três semanas os molariformes haviam-se auto-desgastado, apresentando dimensões normais. O animal usou a cinta regularmente durante o resto da sua vida (mais três anos) p.r.n. (Legendre, comunicação pessoal, Abr. 22, 2009; Rice, comunicação pessoal, Abr. 25, 2009) Figura 65. Porquinho da Índia ‘Ruby’ com o recém-colocado Chin Sling (modelo actual). A maioria dos animais adapta-se à cinta em poucos minutos, tendo todos os porquinhos da Índia testados demonstrado interesse em alimento após um máximo de 15 minutos (Rice, comunicação pessoal, Abr. 25, 2009). Após colocação, a cinta deve permitir apenas a introdução a custo de um dedo entre si e a face do animal. O animal deve ser capaz de se alimentar com a cinta, e esta não deve obstruir os olhos. Não estão descritos efeitos nefastos desde que bem colocada, com excepção de algum pelo que desaparece com a fricção (Legendre, 2003; Rice, comunicação pessoal, Abr. 25, 2009). 95 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Figura 66. Chin Sling - instruções para mensuração da cabeça do paciente pré-fabrico. É requerida garantia de acompanhamento veterinário. 96 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL Anexo 4. Tipos de abcessos, tratamento e prognóstico Aparência Localização Causa possível Tratamento Prognóstico Abcessos externos Tumefacção SC envolvendo tecidos profundos Face SBC coronal, PM maxilares penetram mucosa bucal Opções 1. Excisão 2. Lancetamento + expressão de pus, desbridamento + colocação de contas com Ab 3. Marsupialização e Tx tópico (como mel e gentamicina gotas) AB sistémica • • Tumefacção SC grande, macia e de crescimento rápico, associada a necrose cutânea Tumefacções firmes, aderentes ao osso da face Por vezes múltiplas Por vezes associadas a outra Sx de abcessos (como rinorreia ou dacrocistite) Corrimento sinusal de abcessos profundos Face e submandibular Feridas penetrantes, especialmente causadas por dentes. Recrudescimento de abcessos antigos envolvendo estruturas profundas Ao longo do bordo ventral da mandíbula Infecções periapicais dos PM + MM mandibulares Na proeminência zigomática Normalmente associados a PDA Por vezes causados por acumulação de alimento no espaço periodontal Face e submandibular Associado a doença dentária como infecção periapical ou devida a PDA • • Cultura e TSA Drenagem Cx na fase inicial; pode ser necessária exploração Cx após AB Ab sistémicos com boa penetração tecidular (como cefalexina e enrofloxacina) Analgesia: AINES e opióides • Considerar eutanásia Ou • Radiografia craniana • Cultura e TSA • Exame cavidade oral • Exploração, desbridamento e curetagem • Apicectomia/extracção • Contas Ab na cavidade do abcesso • Hidróxido de cálcio na cavidade óssea • AB sistémica com boa penetração óssea (como cefalexina, enrofloxacina) Analgesia: AINES e opióides 1. Eutanásia? 2. Excisão Cx, colocação de contas Ab (não curativo, prolonga remissão) 3. Tx tópica (como mel, clorhexidina, iodopovidona, gentamicina) 4. AB de longa duração (como enrofloxacina, oxitetraciclina) Por vezes analgesia de longa duração (como meloxicam) Cultura e TSA periódicos ? Bom, provavelmente necessário repetir Tx dentário várias vezes Variável, depende da causa; por vezes necessário acompanhamento radiográfico e novo Tx Variável Depende da extensão e gravidade da doença dentária subjacente Cura é possível Recidivas comuns Alterações no alinhamento dentário podem causar má oclusão associada Cura improvável mas não impossível Necessários cuidados constantes por parte dos proprietários Animal pode ter vida relativamente normal durante mm-aa Reavaliação periódica para assegurar que não há novos problemas (como SBC coronal) (Tabela 12 – legenda na página seguinte) 97 Paula João Faria Dissertação de mestrado em Medicina Veterinária, FMV-UTL (Cont. da tabela 12) Aparência Localização Causa possível Tratamento Prognóstico Abcessos internos Causados por penetração das vias nasais ou espaço retrobulbar pelas coras de reservas sobrecredimensionadas dos dentes maxilares Exoftalmia, dacrocistite purulenta grave, obstrução nasal, rinorreia PDA Início da Sx por vezes muito posterior ao desenvolvimento do abcesso • Considerar eutanásia Ou • Extracção de dentes afectados • Cuidados de suporte, AB e analgesia de longa duração • Enucleação para expôr e drenar cavidade, colocação de contas Ab, mel, ou marsupialização • Aspiração do espaço retrobulbar, flushing, contas Ab • Flushing do DNL? Mau Geral/ associado a doença dentária generalizada avançada Abcessos na cavidade nasal são inacessíveis Tabela 12. Tipos de abcessos, tratamento e prognóstico (adaptada de Harcourt-Brown, 2002a). 98