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A Política e a Fé Cristã (Lucas Rosalem)

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Autor: Lucas Rosalem
Revisão: Miriam Rosalem
Lívia M. P. Rosalem
Vitor Gomes
Colaboração: Daniel Miorim
José Augusto de Azevedo
ROSALEM, Lucas
A Política e a Fé Cristã
1ª Edição. São Paulo: Mente Cristã. 2022. 66p.
Catalogação: 1. Política 2. Cristianismo
Os direitos autorais pertencem à Editora Mente Cristã.
A reprodução de qualquer parte desta publicação, por
quaisquer meios e para quaisquer fins está autorizada.
Copyright © 2022. 1ª Edição.
ISBN-13: 979-8358142053
www.konkin.com.br
SUMÁRIO
Introdução..........................................................................5
A Ansiedade Política............................................................7
Você Não é Acima da Média..............................................14
A Estratégia da Política....................................................17
A Estratégia do Cancelamento...........................................21
A Polarização à Luz da Bíblia............................................28
O Custo do Discipulado....................................................42
Cristianismo à Força?.......................................................50
O Cristão e a Sociedade....................................................63
A Atuação da Igreja...........................................................65
A Esperança no Lugar Certo............................................71
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, os cristãos começaram a discutir publicamente vários assuntos que, antes, a maioria não se interessava ou
nem sequer conhecia e cujas opiniões ficavam restritas à vida privada ou à fala dos profissionais da área. Assuntos como liberdade de
expressão, imigração, marxismo cultural, globalismo e vários outros
temas relacionados, tudo pelo mesmo motivo: a movimentação política do país - ou melhor, a ameaça estatal.
As igrejas começaram a perceber que precisavam se unir e se
mobilizar por coisas importantes demais para ficarem nas mãos dos
políticos. Assim, aquilo que parecia "secular demais" se tornou comum no dia a dia dos cristãos brasileiros que, além de estarem cada
vez mais interessados, estão também cada vez mais participando do
cenário político.
Porém, diferente do que as igrejas imaginavam, isso não as
uniu mais, não as tornou mais livres e fortes, não facilitou o avanço
do Evangelho, nem tornou os cristãos mais socialmente responsáveis. Ao contrário, o engajamento político produziu arrogância,
insensibilidade, limitações, rupturas e escândalos.
Talvez já esteja mesmo na hora da igreja brasileira acordar
para tantos assuntos sociais importantes e se posicionar na esfera
pública a respeito deles. Mas não é preciso se esforçar muito para
perceber que a falta de uma orientação mínima tem causado mais
mal do que bem na teologia pública dos cristãos.
Por teologia pública, estou me referindo à forma como devemos apresentar ao mundo as perspectivas cristãs que dizem respeito à vida social. Em outras palavras, a teologia pública é a "educação" do cristão com relação a como ele declara publicamente o
ponto de vista cristão/bíblico sobre aquilo que é verdadeiro e justo,
5
que diz respeito não só à comunidade cristã, mas a todo cidadão.
No momento, sem uma boa teologia pública, o discurso cristão tem causado mais prejuízo do que benefício à igreja e aos cidadãos brasileiros, todos tão afetados pelas artimanhas políticas do
país. Sem uma teologia pública inteligente e bem desenvolvida, a
igreja jamais conseguirá legitimar suas ideias na esfera pública, especialmente com a atual aproximação política.
Reconhecemos também que as diferentes correntes cristãs
têm dificuldades particulares para instruir seus membros sobre a
forma como a teologia cristã deve se relacionar com a cultura. Esse
é mais um motivo pelo qual se faz extremamente necessário discutirmos sobre como o tema da cidadania deve ser tratado à luz da
Palavra de Deus.
Precisamos nos posicionar? Sim! Mas precisamos melhorar
a forma como expomos aquelas nossas preocupações voltadas para
dentro da igreja, mas também aquelas que vão para além dela.
Uma boa compreensão de teologia pública nos levará a posicionamentos muito melhores para entendermos o lugar da política
na vida dos cristãos e da igreja.
A Igreja deve entrar na política? Por que tantos cristãos se
corrompem na política? É correto que o cristão se manifeste partidariamente? Por que há cristãos de direita e de esquerda? Como os
cristãos devem se portar e se posicionar com relação às pautas morais, sociais e econômicas? Até onde deve ir a nossa esperança na
política? Por fim: como seria a presença fiel do cristão na sociedade?
Apesar de fundamentais, essas questões, muitas vezes, nem
sequer passam pela mente de cristãos que prontamente adentram
discussões intermináveis sobre assuntos políticos nas redes sociais.
Estamos em busca de uma teologia pública coerente.
Neste livro, veremos vários assuntos que provavelmente serão
do seu interesse e de pessoas à sua volta. Ao terminar de lê-lo, considere emprestá-lo àqueles que você ama.
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A ANSIEDADE POLÍTICA
Você compreende qual é o papel da Igreja na sociedade? E
mais do que isso, você compreende qual é o seu papel específico?
Permita-me, brevemente, lembrá-lo de coisas que você já
sabe antes de continuarmos. Tenha um pouco de paciência.
Santo & Secular
A partir da descida do Espírito Santo sobre a Igreja, os cristãos passaram a ser habitados e capacitados por Ele. Muitos anos
depois, vemos Paulo afirmar que todos fomos selados com o Espírito (2Co 1:22, 12:13; Ef 1:1; Ef 4:30). Além de Paulo, João também
diz que o Espírito passou a habitar em todos os cristãos, sem exceção (1Jo 2:20,27; 4:13).
O pastor não é como o sacerdote do Antigo Testamento (AT)
que, sozinho, representava o povo diante de Deus, como um mediador. Essa função agora é feita por Jesus. Através de Jesus, todos nós
temos os mesmos privilégios do sumo sacerdote do AT, o único que
podia entrar no Santo dos Santos (Hb 10:19-22). Em outras palavras, a função de cada membro do corpo de Cristo deve ser entendida a partir do ministério de Cristo. Nós somos uma comunidade
profética e também sacerdotal, por causa de Cristo.
O que antes era função reservada à classe dos sacerdotes, hoje
é dever de todo membro do corpo de Cristo. Todos nós somos convocados para um mesmo serviço fundamental: tendo sido reconciliados
com Deus pelo nosso único mediador/sacerdote, que é Cristo, somos
responsáveis por oferecer “a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é
o fruto de lábios que confessam o seu nome” (Hb 13:15).
Tendo em vista que todos nós recebemos uma função sacer7
dotal, precisamos entender como isso funciona no dia a dia.
Todos os cristãos têm todos os benefícios de Cristo, incluindo
o acesso ao Pai por intermédio dele. Cada cristão pode fazer tudo
aquilo que os sacerdotes faziam: interceder por seus irmãos, ajudar
com conselhos e instrução na Palavra, pregar a Palavra, chegar-se
diretamente a Deus por meio de Cristo e oferecer sacrifícios espirituais a Deus (como orações e louvor). E não para por aí.
O Espírito Santo não é algo que vamos buscar dentro da igreja
e deixamos lá quando vamos embora, mas alguém que está conosco santificando nossa casa, nosso casamento, nosso trabalho, nosso
lazer e tudo o mais que fazemos.
Pense nisto: se nós entendemos que toda a existência é uma
realidade de Deus – faz parte da sua criação – então, a separação
"santo" e "secular" deixa de fazer sentido. Para o cristão, não existe
"vida secular", pois todas as áreas da sua vida glorificam a Deus.
Para o cristão bíblico, a distinção entre santo e secular não
está correta porque não existe nenhuma área de nossa vida que
seja secular. Toda a nossa vida é para Deus, em tudo que fazemos
(Tt 1:15; Rm 12:1; 1Co 10:31).
Cristãos coerentes não têm uma vida de fé e outra vida pública. A nossa vida pública é a nossa fé em ação.
Para o cristão maduro, consciente de Cristo e de sua Palavra,
o mundo é sagrado, pois é o mundo de Deus. Da mesma forma, as
atividades culturais são sagradas, o lazer, o trabalho e o sexo são
sagrados, e todas as demais áreas da existência, pois todas são para
a glória de Deus, "pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A
ele seja a glória para sempre! Amém" (Rm 11:36).
Não existe "arte secular", "trabalho secular" ou qualquer outra coisa nesse sentido, apesar de qualquer dessas coisas poder ser
feita de forma que desagrade a Deus e até blasfeme contra o seu
santo nome. Todavia, não é necessário "cristianizar" as coisas para
torná-las legítimas. Por exemplo: colocar um versículo em um car8
tão de visita não irá torná-lo um "cartão cristão" ou agradar mais a
Deus; não é assim que se cumpre a missão cristã; não que isso seja
errado ou proibido, mas o fato é que as coisas não serão santificadas
misturando-as com elementos cristãos. Elas serão santas se forem
feitas com gratidão a Deus, dando glória somente a Ele por tudo, e
em serviço ao próximo.
Pois bem, talvez você já soubesse disso. Mas, agora, eu quero
demonstrar de que forma muitos cristãos têm ignorado tudo isso.
A Secularização
Você já ouviu falar de "secularização"?
O assunto pode parecer teórico demais, mas não é complexo.
Veja: se "secular" é tudo aquilo que está fora do âmbito religioso, secularizar é afastar da vida comum o que é religioso.
Historicamente, a secularização tem a ver com o espaço que
a fé supostamente deveria ocupar na vida social. Ou seja, é o processo de diminuição da influência religiosa na vida cotidiana que
começou a florescer na transição da Idade Média para a Idade Moderna. A partir dessa época, surgiu a ideia de que, por causa dos
avanços da ciência e da filosofia, dentre outras coisas, a religião não
tinha mais sentido e deveria ser relegada à vida privada das pessoas.
A previsão era que a fé cada vez mais teria menos espaço para
expressões públicas, até que a religião minguasse e desaparecesse
da vida das pessoas. Mas não foi isso o que aconteceu. Ao contrário,
vemos dia após dia a quantidade de religiões, templos e adeptos
aumentando ao redor do mundo, ao ponto de muitos estudiosos
estarem chamando este período de "a revanche do sagrado".
Porém, a secularização não se restringiu apenas a um palpite
ou uma previsão, mas se tornou também uma sugestão e até uma
pressão contra a religião; um movimento cultural que pretendia
que a opinião religiosa se tornasse cada vez mais apenas uma ques9
tão de foro íntimo e privado, deixando de exercer qualquer influência no debate público. Para essas pessoas, ninguém pode usar a fé
para fazer uma leitura adequada da realidade e, portanto, não deveria usá-la na hora de reivindicar direitos ou sugerir pautas políticas.
Aceitava-se que as reivindicações públicas dos cristãos fossem feitas a partir de fatores pessoais, posições políticas ou mesmo
pela cultura, mas jamais pela fé. Com isso, houve um esvaziamento
religioso da organização da sociedade que, antes, acontecia justamente a partir do temor a Deus e do relacionamento com Ele. Em
outras palavras, as decisões da sociedade deixaram de ser pautadas
pela percepção religiosa,
Num primeiro momento, isso fez com que os cristãos fossem
se distanciando pouco a pouco das decisões sociais. E foi assim que
a secularização acabou triunfando, mas de um jeito diferente: está
claro que a religião não irá acabar, mas já não há mais preocupação
quanto às pessoas terem ou não religião, contanto que elas guardem suas convicções para si mesmas.
Ao longo dos anos, de lá para cá, houve muitos desdobramentos e mudanças nessas ideias, mas não se pode negar que a secularização faz parte da construção da sociedade atual.
As Reações
Hoje, com o processo de secularização já formado e normalizado, as reações de cristãos mal instruídos têm sido de se deixarem
dominar pela ideia secularista ou de combatê-la a todo custo.
De um lado, como consequência de não perceberem o que está
acontecendo, cristãos secularizados vivem um tipo de ateísmo prático: o Deus em que acreditam não os afeta no mundo real. Na igreja,
eles acreditam no Deus das Escrituras, que governa o Universo e
dita as questões morais, mas fora dela, apostam muito mais na autonomia e na liberdade humana; jogam o jogo político do secularismo.
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Vamos chamar essas pessoas de "secularizadas". Quando os secularizados categorizam as coisas fora da igreja como "seculares", de certa
forma, já estão entrando no jogo e pensando como os secularistas.
Do outro lado, aqueles que se manifestam o fazem sem uma
boa teologia pública, piorando muito toda a situação. Vamos chamar
essas pessoas de "miliantes". Num primeiro momento, eles estão
certos ao entender que não faz sentido exigir que, em questões
públicas, os cristãos "engavetem" sua fé e assumam um discurso
neutro. Em primeiro lugar, porque não existe discurso neutro. Isso
é mito; uma ideia contraditória e também hipócrita.
Quando alguém diz que o debate sobre questões sociais deve
acontecer deixando de lado a fé, essa pessoa já está desqualificando
a posição religiosa desde o início. E isso não é feito por lógica, mas
com critérios arbitrários. Isso é apenas impor suas crenças e opiniões particulares, não é ser neutro de forma alguma.
Os cristãos sentem que a proposta secularista não é antirreligiosa de verdade; ela é somente anticristã. Aliás, não é à toa que tão
nitidamente a militância política tenha um fervor tipicamente religioso. Esse é um motivo muito forte para que os cristãos se posicionem não como cidadãos "neutros", mas propriamente como cristãos.
Ainda que nós possamos questionar a qualidade da fé e da
prática do povo brasileiro de modo geral, uma coisa é fato: o Brasil é
majoritariamente cristão, E ainda que o Brasil seja um estado laico,
o povo brasileiro não é. Por isso, o mínimo que se deveria esperar é
uma grande manifestação pública da fé cristã.
Contudo, nós chegamos num ponto em que precisamos não
meramente nos intrometer nos debates públicos sobre questões sociais, mas precisamos aprender a pensar a nossa fé em termos de
uma "teologia pública", pois é necessário reestabelecermos o diálogo antes de tentar trazer de volta a vida da fé à arena pública. O
motivo disso é que, infelizmente, muitos cristãos interessados em
assuntos políticos têm entrado totalmente despreparados nesses
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debates; eles constantemente defendem coisas sem sentido e de
maneiras tão absurdas que não poderíamos esperar outra reação
dos não cristãos que não fosse uma total rejeição.
Não temos dúvidas: a fé é mais importante que a política para
o desenvolvimento pessoal e da própria sociedade.
No entanto, não é possível demonstrar isso sem que antes
haja muito mais reflexão por parte dos cristãos sobre os temas de
debate político antes de qualquer manifestação de sua parte. É óbvio que, para isso, precisamos pensar sobre pautas sociais muito
mais do que apenas no período anterior a cada eleição, e para muito
além de respostas a postagens anticristãs nas redes sociais.
Se, por um lado, o mínimo que se espera de um país majoritariamente cristão é um posicionamento público à luz da fé, o
mínimo que se espera de cristãos que se aventurem na exposição
pública de ideias é que conheçam acima da média sobre os assuntos que pretendem discutir.
Graças a Deus, no meio de tanto discurso público envergonhando a fé cristã, há pessoas se dedicando a fazê-lo com temor.
porque compreenderam que é importante e urgente se posicionar
- e tal como Jesus ensinou, sem depender da imposição estatal.
O Despertamento e o Despreparo Cristão
Infelizmente, a maioria dos cristãos certamente não começou
a se atentar às questões políticas por reconhecer a necessidade de
um posicionamento fiel, mas por terem virado alvo de políticos, interessados nessa gigantesca parcela da sociedade que, a essa altura,
não pode mais ser ignorada.
Não se engane! Cristãos não estão mais responsáveis socialmente. Eles estão apenas sendo mais manobrados, seja por incentivos de políticos favoráveis ou por medo dos opositores da Igreja.
Segundo o censo de 2010 do IBGE, os católicos eram 123 mi12
lhões e os evangélicos mais de 42 milhões de pessoas. Mas segundo
a pesquisa do Datafolha em 2020, evangélicos somariam mais de
65 milhões, totalizando 31% da população brasileira, para 50% de
católicos brasileiros. Os católicos já eram uma parcela desejável da
população, mas o crescimento assustador dos evangélicos no Brasil
nas duas últimas décadas transformou-os também em uma fatia política muito atrativa. Não podemos mais ser ingênuos quanto a isso.
O envolvimento dos cristãos na política não cresceu como
algo natural e orgânico dos próprios círculos cristãos; não partiu
de uma preocupação cristã entendendo o lugar de sua participação
política. Cresceu a partir dos políticos e seus incentivos.
Se, antes, os evangélicos foram afastados da política por motivos ruins, agora, eles foram reaproximados por motivos ainda
piores: são vereadores prometendo doar tijolos, nomear ruas com
nome de fundadores de igreja; são prefeitos prometendo asfaltar
a rua da igreja; deputados garantindo que farão leis pífias em benefício dos evangélicos; candidatos à presidência se apresentando
como reais representantes divinos, e por aí vai.
"Muitos buscam o favor de quem governa; todos querem ser
amigos daquele que dá presentes" (Pv 19:6).
O cenário é triste e assustador. A política arrebanhou muitas
igrejas. Esse é o verdadeiro motivo por trás de tamanha movimentação política a partir da Igreja e dos cristãos hoje. Há exceções? Sim,
mas não é delas que trataremos aqui. Os cristãos precisam admitir
que foram atraídos pelos políticos ao invés de fornecerem debates
públicos a partir da perspectiva do povo de Deus. Aliás, isso explica
grande parte da ansiedade pública cristã, tão ditada pelo cenário
político. E é apenas isso que explica por que vemos mais cristãos
empenhados em falar de política e defender suas visões e candidatos do que em testemunhar de Cristo e evangelizar.
Será este é o seu caso?
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Você Não é Acima da Média
É importante falar sobre inflação, pobreza, aborto, ideologia de
gênero nas escolas e censura às igrejas? Sim, é importante. Muitas
vezes, a urgência de certas pautas até mesmo as transforma em
prioridades. Mas a sua opinião não é tão importante quanto os temas, especialmente se você não está preparado para isso de verdade.
Muita gente se considera inteligente acima da média; por isso
é que tanta gente se arrisca em discussões que estão totalmente
fora dos seus campos de conhecimento.
Ao menos, você sabe algo sobre os temas acima que não seja
baseado apenas nos seus palpites? Você já viu algo mais profundo
acerca desses assuntos do que vídeos de Youtube?
Cristãos constantemente divulgam fake news e são convencidos por teorias da conspiração, e isso não é à toa. É muito fácil encontrar crentes enchendo a boca para falar, por exemplo, contra o
comunismo, mas sem nenhuma noção da diferença entre socialismo e progressismo, por exemplo. Eles têm certeza que o socialismo
não funciona, mas não fazem ideia do motivo, a não ser por alguma
ideia que ouviram em algum lugar e que, muito provavelmente,
nenhum comunista defende. Esses cristãos, se forem questionados, passarão vergonha. Nunca leram, nem ouviram falar de livros
básicos, como O cálculo econômico sob o socialismo, de Ludwig von
Mises, nem acham que precisam ler. Mas não perdem uma oportunidade de discutir em redes sociais ou entre amigos; falam como
doutores. Doutores da ignorância.
Não pense em outras pessoas. Questione só você mesmo.
É vergonhoso quando um cristão se envolve em discussões
tendo apenas informações que ele ouviu aqui e ali, ou que ele simplesmente acha estarem corretas. E mais do que uma vergonha,
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isso prejudica o lugar da Igreja e dos cristãos na sociedade.
Esse é o tipo de comportamento, arrogante e sem fundamento, que dá margem à imposição da secularização e que torna mais
difícil a discussão de pessoas capacitadas em pautas sociais importantes tanto para a sociedade em geral quanto para a liberdade da fé.
Humildade e Temor
Você provavelmente é contra o aborto, assim como eu. Mas
você já considerou que para cada um dos seus argumentos certamente há uma resposta dos seus opositores com uma chance altíssima de você não saber responder? O que você fará quando for
questionado na frente de outras pessoas e ficar sem respostas?
Com o conhecimento que você tem hoje, teria coragem de
debater no Jornal Nacional contra um filósofo abortista?
Essa é a sensação que você deve ter quando se propuser a
discutir com qualquer um sobre qualquer assunto: temor. Se você
não quer envergonhar o nome de Jesus, você precisa agir com um
mínimo de humildade, precaução e respeito ao próximo. Primeiro,
porque pode mesmo ser o caso de você não saber do que está falando, e até mesmo de estar do lado errado da causa, sem saber.
Cristãos estão por toda a parte discutindo sobre economia
sem nunca terem lido nada sobre o assunto; usam o tema da inflação para elogiar seus candidatos sem ter a menor ideia de como ela
acontece – estão até hoje confundindo inflação com alta de preços!
Veja, você pode ter suas opiniões sobre os assuntos. Mas não
estará ajudando em nada se metendo em discussões sem saber o
básico sobre assuntos pelos quais escolhe lutar.
Você se considera mais inteligente que todas as pessoas das
quais você discorda em todos os assuntos? Você acredita que tem
conhecimento mais profundo do que todas as pessoas que estão do
lado político oposto ao seu? Imagino que não.
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Pois bem, pense na questão do aborto. Você já tentou raciocinar sobre o motivo de pessoas mais inteligentes que você terem
percepções tão diferentes da sua sobre algo tão, digamos, óbvio?
Por que essas pessoas são como são?
Do ponto de vista do indivíduo, ele sempre está escolhendo a
ação mais relevante. É inevitável, todos nós somos assim: nós analisamos um conjunto de possibilidades e cremos que deve ser feito isto
ao invés daquilo. Mas de onde vêm essas decisões? Por que certas
pessoas acreditam que isto – e não aquilo – é o que se deve fazer?
Enquanto você tem toda certeza de estar do lado certo, do outro lado há uma pessoa como você, que contém a imagem de Deus
(Tg 3:9) e que também tem toda certeza de estar do lado certo.
Então, ainda que você tenha mais conhecimento sobre o assunto do que as pessoas com quem você discute, e que a pessoa
esteja defendendo algo imoral, o seu papel como cristão deve necessariamente, todas as vezes, vir antes do seu papel político-social.
Nós não fomos chamados por Cristo para causar transformações na sociedade por causa da economia e afins. Nós podemos fazer isso, mas a transformação que Deus quer ver acontecer através
de nós é muito, muito mais importante.
Não permita que a sua maneira de lidar com as pessoas que
discordam de você seja um testemunho contra a sua fé.
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A Estratégia da Política
O que há na política que faz com que cristãos se comportem
de forma agressiva, sem se importar com o mau testemunho?
A política atrai muitas pessoas a esse tipo de comportamento por ser muito fácil colocar nela a culpa pelos nossos próprios
fracassos. Por que eu sou um miserável que não consegue vencer
na vida, tampouco se esforça para isso, eu posso encontrar algum
alívio brigando nas redes sociais, xingando aqueles que, supostamente, estão impedindo com que o Brasil melhore. Enquanto isso,
a minha esposa não tem plano de saúde, meu filho não tem a minha presença, a igreja local não consegue contar comigo para nada
e sou um filho ausente. E a culpa é toda dos governantes. Bem, dos
governantes e seus eleitores, é claro.
Muitas vezes, nos esquecemos de que a forma como o marido
trata a esposa é mais relevante para a qualidade de vida da família
do que quem ganhará a eleição. O modo como você cria seus filhos,
trata os seus pais, se relaciona com os irmãos e trata os vizinhos, a
forma como você se alimenta, como exercita seu corpo e sua mente, o meio que usa para relaxar etc., tudo isso é muito mais relevante para a vida do que quem será eleito.
Se você não entende como, esse é só um sintoma de como
nós fomos tragados para dentro desse nível de devoção política que
tampa os nossos olhos e ouvidos para o mundo real. Nos acostumamos com o jogo político e, assim, fazemos dos candidatos que não
gostamos o bode expiatório para a nossa miséria.
Por que a minha vida está ruim? Por causa do governo eleito!
Por que as coisas não vão bem? Por que os políticos não estão fazendo o que deveriam fazer!
É assim que uma massa de cidadãos idolatra o papel do es17
tado, se tornando totalmente dependente dele e sem fazer aquilo
que deveriam, eles mesmos, fazer como cidadãos. Resta usar as
discussões políticas como um grande anestésico.
No caso de cristãos, isso é ainda mais deplorável. Ao invés de
buscarem mais a Deus, ficam esperando e colocando sua esperança em mudanças temporais. "Se o candidato tal ganhar", pensam,
"acabou tudo. Mas se o outro ganhar, aí, sim, Deus vai abençoar!".
A política conseguiu encontrar o caminho para o coração dos
cristãos: a linguagem é sempre apocalíptica.
"É agora ou nunca", "se fulano perder, o Brasil vai virar uma
Venezuela", "se fulano perder, o Brasil vai virar uma ditadura".
Há reis que preferem manter seus súditos em estado de inquietação.
Se estiverem ansiosos com respeito à própria vida e preocupados por
não saberem de onde virá a próxima refeição, talvez se sintam mais
dispostos a obedecer às ordens do rei, a fim de poderem receber dos
estoques da realeza a comida de que necessitam. A preocupação tolhe os movimentos dos súditos. O medo dá firmeza à monarquia.1
Na política, o apocalipse sempre está à porta e a responsabilidade é toda sua. Você, num dia específico, traçará o destino da
nação apertando botões que salvarão ou condenarão a todos.
Afinal, sempre o mal total e absoluto está quase, mas quase
chegando. A única forma de impedi-lo é votando no candidato tal.
Você sabia que foi justamente o discurso de medo contra a
ameaça comunista que destruiu as bases da Direita americana? O
medo e a sensação de urgência mudam os rumos da identidade americana e, aos poucos, abrindo cada vez mais concessões ideológicas,
a Direita deu lugar a uma nova maneira de pensar, que nunca mais
conseguiu fazer frente à Esquerda americana.2
Se você também já caiu nessa ladainha, não se preocupe.
Todos os lados políticos usam as mesmas estratégias idênticas. E
1 O que Jesus espera de seus seguidores, p. 124, John Piper.
2 Um livro inteiro foi escrito sobre isso, traduzido para o Português pela Ed.
Konkin, sob o título de "A Traição da Direita Americana, de Murray Rothbard.
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eles se beneficiam muito desse tipo de linguagem. Esse discurso
apocalíptico gera um medo, às vezes uma neurose, que é a maior
arma política contra os cidadãos, mais ainda contra cristãos pouco
instruídos escatologicamente – sobre o fim dos tempos.
O medo por questões temporais jamais poderia ter atingido assim o coração dos cristãos. Como Piper comenta:
Uma das características mais maravilhosas de Jesus é que ele não
deseja que seu povo viva ansioso. Ele não mantém seu Reino à custa de espíritos inquietos. Ao contrário, o objetivo do Reino de Jesus
é libertar-nos das preocupações. Ele não precisa nos manter preocupados para demonstrar seu poder e sua superioridade, pois são
intocáveis e invencíveis. Ao contrário, ele exalta seu poder e sua
superioridade quando leva embora nossas preocupações. Quando
Jesus diz: "Não se preocupem com o amanhã" (Mateus 6.34), ele
estabelece o tipo de vida que todos desejam — sem preocupações,
sem medo dos homens ou de situações ameaçadoras.
Quando você tiver outra vez essa sensação de urgência motivada pelos entraves políticos, lembre-se de que isso não passa de
estratégia. Os políticos querem o seu coração. Se eles conquistarem
o seu coração – se já não conquistaram – você será o militante engajado que eles queriam desde o início.
As eleições não são uma disputa cósmica entre o bem e o mal.
Essa é só mais uma estratégia diabólica tipicamente política.
"Temer as pessoas é uma armadilha perigosa, mas quem confia no Senhor está seguro. Muitos buscam o favor do governante,
mas a justiça vem do Senhor" (Pv 29:25-26).
A Polarização Proposital
Além do medo e da sensação de urgência, outra estratégia política que nunca acaba é a ideia de "nós contra eles". Eis aqui a origem
da polarização e de facilidade com que cristãos, mesmo supostamente pregando amor, destilam ódio quando o assunto é a política.
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Nos tempos de Jesus, os judeus chamavam os gentios de cães,
que na época eram considerados animais imundos porque comiam
carniça. Hoje, esse é um problema que existe no meio da Igreja.
Ao invés de nos humilharmos em gratidão pelo Deus que nos
escolheu pela graça, sem mérito nenhum de nossa parte, e oferecermos misericórdia aos perdidos, nós passamos a achar que somos
melhores do que eles.
Quantas vezes já ouvimos o mundo dizer que os cristãos são
pessoas que se acham superiores aos outros? Até mesmo entre os
próprios cristãos nós sofremos isso. É muito comum encontrarmos
pessoas que se sentem superespirituais e se comportam com ar de
superioridade. Até suas orações são arrogantes. Ora, onde nós já
vimos algo parecido?
"O fariseu, em pé, orava no íntimo: 'Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: ladrões, corruptos, adúlteros;
nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e
dou o dízimo de tudo quanto ganho" (Lc 18:13).
Aliás, as orações de alguns conseguem superar a arrogância
do fariseu descrito por Jesus, que pelo menos orava "em seu íntimo".
Esse orgulho é um dos maiores obstáculos para missões e evangelização. Se você despreza ao invés de mostrar misericórdia, você já
declarou que não está ali para estender a mão.
Na carta aos Efésios (2:11-22), Paulo diz que, além do pecado
do orgulho e da falta de misericórdia, os judeus não tinham nada de
que se orgulhar. A circuncisão, motivo de orgulho, era apenas uma
marca externa e não no interior do coração.
Assim como muitos cristãos, os judeus se orgulhavam de algo
externo, enquanto seu interior estava podre. Eles sentiam-se espirituais, mas eram carnais.
Jesus também havia lançado isso na face deles: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque sois semelhantes aos sepulcros
caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas por dentro
estão cheios de ossos e de toda imundícia" (Mt 23:27).
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A Estratégia do Cancelamento
Recentemente, um youtuber chamado Paulo Muzy experimentou uma situação que nos serve bem de exemplo para este livro.
Sua conta no Twitter, com uma explosão de acessos, começou
a receber também a visita de militantes de esquerda atrás de saber
quais eram os perfis que ele seguia; eles notaram que Muzy seguia a família Bolsonaro inteira para, segundo o Muzy, acompanhar
as decisões políticas e o mais que estivesse acontecendo no Brasil,
desculpa que não convenceu esses seguidores militantes. Aparentemente, Muzy apenas estava seguindo pessoas cujas propostas ele
tinha alguma afinidade. Como consequência disso, Paulo Muzy foi
“cancelado” nas redes sociais.
A partir daqui, o capítulo será uma transcrição adaptada de
um vídeo de José Augusto de Azevedo sobre o assunto.3
Paulo Muzy Cancelado
Com o cancelamento de Paulo Muzy, aconteceu o que acontece com qualquer pessoa “cancelada”: ele ganhou diversos outros
seguidores por conta disso. É óbvio que qualquer pessoa que tente
ser cancelada por política, supostamente sendo bolsonarista, vai ganhar diversos seguidores. Porque a esquerda vai começar atacar e
os bolsonaristas vão acolher.
Porém, é preciso observar isto: é: o cancelamento foi muito
bem sucedido nesse sentido. Por que ele foi bem sucedido? Porque,
agora, a maioria dos seguidores que Paulo Muzy vai ter e associações que ele vai conseguir fazer, por mais que ele diga que não é
bolsonarista e por mais que ele só vote no Bolsonaro de vez em
3 Disponível em: < https://youtu.be/2R4lYgU2iY8 >. Acesso em 15 de out. de 2022.
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quando ou você acredite em somente algumas coisas que ele fala,
mesmo que ele não seja um estereótipo do bolsonarista, todas as
pessoas que se aproxima serão, necessariamente, bolsonaristas.
Ele será associado a isso, pois é algo normal da conduta humana fazermos associação pelos seguidores: “me diga com quem tu
andas que eu te direi que tu és”; “quem anda com porcos, farelos
come”. Não dizem assim os ditados?
Isso é inevitável. Por mais que ele não seja um bolsonarista, o
fato da esquerda tê-lo cancelado por supostamente ser e por fazer
com que bolsonaristas lhe sigam de volta.
Então, esse cancelamento foi muito bem feito.
Nós temos a impressão de que o intuito do cancelamento é
fazer uma pessoa sumir das redes sociais, perder relevância. Mas,
na verdade, não é isso.
Veja: o Sleeping Giants, para quem não sabe, é um grupo de
pessoas de esquerda que foca os seus esforços em boicotar e destruir
a imagem das empresas e de pessoas de direita, mas eles não destroem perfis em redes sociais; os perfis não caem. Então, o que eles fazem, afinal? As pessoas perdem de vista a grande questão justamente
porque estão nas redes sociais e acham que as interações se limitam
às próprias redes, e é como se as pessoas, na verdade, não existissem.
Pense neste exemplo: imagine que você é norte-americano
e está vendo na televisão que duzentas pessoas estão fazendo um
ataque em uma cidade: é o movimento Black Lives Matter, com
muitas pessoas atacando lojas e propriedades. Estar em casa vendo
isso pela televisão dá uma sensação de impotência. O que você pensa? Que aquelas pessoas vão destruir a sua casa também. Todavia,
os habitantes nos Estados Unidos são por volta de 320 milhões. Ou
seja, são 200 fazendo aquilo contra mais de 319 milhões que não
estão e que também estão chocadas com aquela atitude.
Enquanto você está assistindo, você está sozinho e aquelas
pessoas na televisão estão juntas. A sensação física e psicológica que
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você terá é: essas pessoas vão atacar a minha casa. Você fica temeroso, afinal, são duzentas pessoas mobilizadas Você não tem compreensão de que existe um grupo de outras pessoas que também
está preocupado com isso, cujo número é imensamente maior que
o número dos que estão protestando. Porque essas pessoas vivem e,
diferente dos 319 milhões em suas casas, você as vê: elas existem.
É mais ou menos isso que ocorre no Twitter. No twitter, você
não vê as pessoas e é como se elas estivessem apenas dentro da rede.
Quando você vê a televisão, você acredita que você está imerso naquilo e que aquilo se limita e se direciona somente a você
naquele campo. Assim também, quando você está no Twitter, Instagram ou Youtube, você sempre raciocina em função do número
de seguidores e que se você for cancelado perderá esse número de
seguidores. Mas acreditar nisso é bobo, é infantil. É perder de vista
o fundamental nesse jogo.
O real cancelamento é especificamente você ser fortemente
associado a um determinado grupo político. Por quê?
Porque a vida não se limita à Internet!
Você se lembra do caso do Maurício Souza, jogador de vôlei
que foi cancelado também? No caso dele, foi por criticar a ideologia
de gênero. Por mais que o cancelamento tenha dado a ele muitos
seguidores, ele sumiu das redes – no sentido de ter perdido relevância. As pessoas não estão mais falando seu nome, mas ele ainda é
um ser humano que vive seu dia a dia e, com certeza, está sofrendo
problemas sociais meramente por ter sido associado a um determinado grupo político.
A vitória do cancelamento não está em destruir a imagem da
pessoa, mas em consolidar sua imagem da forma que a militância
da esquerda ou da direita querem que você se estabeleça. Isso é
verdade em todos os casos, mesmo que os “canceladores” não o
façam tão conscientemente.
Digamos que um grupo bolsonarista tente cancelar alguém
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de esquerda, como no caso de Bruno Gagliasso, ator da Globo. A direita o cancelou incessantemente e a esquerda o abraçou, cooptou
e se juntou a ele. Basicamente, as pessoas conseguiram, através do
boicote, associar a imagem de Bruno Gagliasso à esquerda.
O que isso significa? Que o boicote acontece fora da rede.
Acontece no mundo real.
Se você ainda não compreendeu o problema, pense novamente no caso de Paulo Muzy, que depois de ter sofrido cancelamento,
ao ver o ilusório número de seguidores crescendo disse: “é isso o que
acontece quando tentam cancelar pessoas sinceras”, ou algo assim.
Ele não percebeu que não venceu. Ele perdeu mais do que imagina.
Depois de sua associação com o bolsonarismo, vários sites de
notícias começaram a dizer que produtos como Whey Protein e outros itens típicos de quem frequenta academia fazem mal à saúde.
Essa maneira de agir não é uma coisa nova.
Simultaneamente, Bolsonaro estava tentando diminuir o preço da Whey Protein, pois estamos numa época política e, como o
próprio filho de Bolsonaro possui envolvimento com o público de
academia, ele sabe que existe uma massa de votantes nesse grupo.
Seu filho provavelmente o alertou sobre o caso e Bolsonaro tentou angariar público diminuindo o imposto sobre esses produtos.
Ao fazê-lo, os esquerdistas imediatamente começaram a atacar tais
produtos tanto quanto aos próprios grupos de musculação e afins.
Como consequência dos ataques a essas pessoas que não tinham qualquer relação com o problema político em questão, boa
parte delas, por estar sofrendo ataques, passará a se juntar aos grupos bolsonaristas. Essa identificação é o que se chama de “consciência de classe”. E é aqui que está todo o problema.
A teoria da esquerda, o marxismo, se baseia numa teoria de
classe: rico contra pobre, negro contra branco, mulher contra branco etc. Uma das grandes estratégias da consciência de classe na política é justamente fazer com que através dessa relação do tipo “nós
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contra eles”, as pessoas comecem a ser socialmente enviesadas e
passem a criticar determinados grupos políticos por determinados
aspectos psicológicos que vão sendo desenvolvidos nelas mesmas a
partir desse jogo.
Perceba como o jogo político é uma doença.
Você será associado a grupos partidários e políticos mediante
determinadas características pequenas que aquele grupo tem, inclusive por questões emocionais.
Dessa forma, se alguém ataca, por exemplo, a família, e você
ama sua família, você vai se situar na política a partir de um grupo
político que defenda a família. Isso é o natural, isso se chama dialética negativa: eu vou pela negação. Se a esquerda defende o aborto, se
associará ao grupo que está defendendo a negação do aborto. E assim
por diante. Essa se tornará a sua vida, a sua maneira de ver o mundo.
Vejamos, a quem Bolsonaro está agora tentando se juntar? Ao
grupo de musculação. Por isso, quem é de esquerda vai ter de ser
contra os grupos de musculação e a todos os seus associados. Esses
grupos, pouco a pouco, serão cravados em um polo político. E isso
é o que chamamos de “consciência de classe”: é quando “eu” estou
contra “os outros”.
Perceba que tudo isso está muito bem estruturado para guiar as
pessoas em torno de fixá-las numa consciência de classe, onde você
verá uma pessoa de esquerda e automaticamente a vinculará a todos
os estereótipos possíveis para negar a existência daquela pessoa. Isso
é tão forte que muitos de nós já vimos familiares e amigos brigando, porque, a partir de um certo episódio, seu amigo ou seu familiar
decidiu defender Lula ou Bolsonaro. E o que acontece? As pessoas
passam a odiar umas às outras; pessoas que antes amavam, agora,
foram descartadas e viraram inimigas meramente porque decidiram
votar nesse ou naquele político. Isso é “consciência de classe”.
É isso o que as teorias marxistas pregam: que cada sujeito dentro do esquema político, independentemente de ser de esquerda ou
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não, consiga chegar justamente à consciência de classe.
O que aconteceu quando, por exemplo, na pandemia, disseram para Bolsonaro invadir o STF? Muitos apoiaram, e isso é o
que concebemos como “revolução”. Veja que a revolução não necessariamente precisa acontecer com os grupos de esquerda; não
necessariamente precisa acontecer a partir dos grupos marxistas.
Para os marxistas, a revolução apenas precisa acontecer.
O conflito violento e o esquecimento do outro precisam acontecer a partir de uma corrente política, apenas isso.
Quando você vê os bolsonaristas querendo invadir o STF e
você é de esquerda, o que você pensa é: “meu Deus! Um golpe
militar!”. O que você faz? Se junta à esquerda.
Se você simplesmente não é de direita, não tem opinião ou
posição política, mas vê os militares atacando, querendo invadir, e
pensa-se: “Golpe de Estado!”, “Ditadura!”, “Direita!”, “Vou virar de
esquerda, preciso votar no Lula!”.
Esse é o apelo que o medo e as paixões têm no jogo político.
Quando você vê as movimentações de grupos políticos, é difícil não se sentir pressionado a tomar uma posição, tomar um lado.
Esse processo acontece igualmente entre todos os lados políticos,
que vão cada vez criando mais consciência sobre o seu lado e o lado
do “inimigo”. Todas as vezes que você interage com uma pessoa
socialmente, no trabalho, na faculdade, em casa etc., e você expõe
consciências políticas e afins, isso faz com que você se alinhe a um
grupo e, consequentemente, afaste outras pessoas de você.
E o processo de afastamento e o processo de negação sempre
vão se estruturar psicologicamente a partir daquilo que você tem
mais apego, porque aquilo a que você mais tem apego é aquilo que
você tem mais medo que tomem de você.
O real significado de cancelamento não é destruir suas redes
sociais,, mas diminuir e piorar sua relação com as pessoas mais próximas de você dentro de sua vida social, dentro de sua vida familiar
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e dentro de sua vida de trabalho. O propósito do cancelamento não
é diminuir seguidores, mas sim segmentá-los e associar a pessoa a
um grupo político.
No fim das contas, a política é só uma plataforma que serve
de desculpa para você exercer o ódio e o medo que você tem. A política é como um pinscher: 50% ódio e 50% medo. A política torna
você 100% contra o outro, que é do outro partido.
O meu recado a todos vocês é que não se deixem levar por essa
doença chamada política. Não caiam nessa rede, nessa teia da aranha. Depois que você cai nela, o desespero é como sair, pois a aranha
está vindo, e toda vez que você se mexe, você está mais preso na teia.
É exatamente isso que acontece com as pessoas que entram nesse
jogo. Você cada vez mais estará preocupado, com medo e com ódio.
E se mexer na teia é ficar mais preso e cada vez mais profundo, com
tanto medo da aranha e com tanta vontade de fugir daquilo, que você
terá de enfrentar a aranha mesmo que ela nunca chegue, mesmo
que ela não passe de uma alucinação e gritos coletivos socialmente.
A recomendação é: largue isso!
Tenha consciência de que isso está acontecendo com você.
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A Polarização à Luz da Bíblia
Alguns cristãos são tomados por uma esquizofrenia quando
o assunto é política: toda a sua vida parece mesmo estar voltada
para a missão cristã, exceto quando o assunto é política; com aqueles que ele não concorda politicamente, ele não sente que deve se
comportar como cristão; ele pode insultar, pode tratar com desprezo, sem se preocupar com o fato de estar lidando com uma pessoa
com dificuldades como qualquer outra.
Discutindo sobre questões políticas, quantas vezes você já insultou outras pessoas e as tratou como inferiores, sob o pretexto de
estar defendendo a Igreja, o Evangelho ou a sociedade?
Às vezes, o povo de Deus começa a se esquecer de sua identidade e começa apenas a replicar aquilo que ele vê, ouve e sente,
aquilo que ele está acostumado.
Quando uma comunidade cristã começa a se esquecer de sua
identidade, ela se esquece de que se Deus nos abençoou é para
abençoar o próximo. O povo que devia sair e alcançar os perdidos, se
acomoda por que está satisfeito de não ser como os descrentes. Com
o tempo, começam a ter nojo dos ímpios e ficar feliz com os males
que os atingem. "Bem feito! É isso que eles merecem. Tem que sofrer mesmo!", diz o "crente", tão amoroso quanto um cão raivoso.
Você pode dizer em seu interior que não tem feito o mesmo
em algum nível?
E como igreja? Será que a nossa comunidade não está se isolando afastando os outros por questões secundárias? Se nós estivermos nos recusando a buscar quem discorda de nós politicamente,
já transformamos a igreja num partido político. Nosso deus é outro.
Se os adversários políticos são desprezados e chamados de “lixo”
nas redes sociais, como poderemos falar do amor de Deus para eles?
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A Igreja está cada dia mais perseguida e, em partes, porque os
próprios cristãos dão muitos motivos.
O mundo olha para os cristãos com menosprezo. As pessoas
pensam que da mesma forma que tudo vem mudando com o tempo
(crenças políticas, a ciência etc.), nós também em breve seremos
convencidos a abandonar o que cremos. Eles não entendem que a
Igreja de Cristo não pode ser detida. Nós, por outro lado, sabemos
que eles é que estão errados: eles estão mortos em seus delitos e
pecados, são filhos da ira (Ef 2:2).
A identidade do mundo está ligada a vontades escravizadas
pelo pecado e seduções de Satanás. Porém, nós aprendemos algo importante com Paulo. Quando Paulo fala dos povos incrédulos, ele vai
além de suas transgressões. O olhar que ele tem dos descrentes é de
misericórdia, de compaixão e de amor, assim como Deus teve por ele.
"Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor
com que nos amou, deu-nos vida juntamente com Cristo, quando
ainda estávamos mortos em transgressões – pela graça vocês são
salvos" (Ef 2:4-5).
É com esse olhar que estamos vendo essas pessoas?
Sim, você encontrará muitos ateus militantes intragáveis. Você
encontrará pessoas promíscuas insuportáveis. Encontrará pessoas
que idolatram o trabalho, o poder e o dinheiro. A questão é: como
você irá reagir? Fará como os judeus: desprezar e se isolar? Ou como
Paulo, que está nos propondo a visão de Cristo: compaixão e ação?
A Unidade Quebrada
Muitas famílias estão brigadas, casamentos estão desmoronando e amizades antigas sendo desfeitas por causa de opiniões
pessoais políticas. Isso já é bastante absurdo, mas não para por aí.
Até igrejas locais estão divididas por causa da política, com ir29
mãos que não se suportam e não aceitam mais comungar uns com
os outros. São pessoas cheias de si que têm sua própria opinião em
altíssima estima e consideram-se mais espirituais, mais cristãs do
que outros irmãos, não em questões de fé, mas em questões econômicas e sociais. Outras tantas igrejas até racharam, dando origem a
outras denominações por conta não de escândalos ou de heresias,
mas de gosto pessoal, opiniões mal pensadas em questões secundárias regadas a muito orgulho. É assustador que tenhamos chegado
a esse ponto em tantos lugares. Mas, agora, o que fazer?
Há um exemplo bíblico interessante que pode nos ajudar.
Quando Paulo escreve à igreja de Corinto, ele está lidando
com uma igreja dividida; aquela era uma igreja com muitas rupturas internas. O que Paulo faz, logo de início, é perguntar sobre a
pessoa de Jesus: "Será que Cristo está dividido?" (1Co 1:13). Ora,
teria Cristo sido estripado e seu corpo separado em muitas partes?
Os cristãos são o corpo de Cristo. Nos dividirmos por questões secundárias é o mesmo que tentar romper esse corpo. Por isso,
Paulo monta a figura absurda de um Jesus partido em pedaços para
dizer que os coríntios não deveriam estar naquela situação.
O que faz uma igreja conseguir vencer suas diferenças, seja
na política ou em qualquer outra área, é olhar para o ponto que
une todos os seus membros. O que nos une em um só corpo não é
a nossa classe social, nossa etnia, muito menos a nossa preferência
política. O que nos une é Jesus: quem Ele é e o que Ele fez.
A unidade da igreja local, mesmo na diversidade de opiniões
em questões secundárias, mostra qual é a prioridade dos membros.
O que a sua relação com os que discordam de você politicamente tem testemunhado sobre a prioridade da sua vida pública?
Diferentes Perspectivas
Há um outro exemplo bíblico para os dias de hoje ainda mais
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específico sobre diferenças políticas e unidade: os apóstolos.
Jesus não promoveu uma revolução política, e nós ainda falaremos muito sobre isso mais adiante. Mas é curioso como aqueles
que Jesus escolheu para fazer parte do grupo mais próximo de si
para discipular e conceder autoridade revelacional para proclamar
a sua mensagem – os apóstolos – foram chamados por Ele mesmo
tendo posições políticas completamente antagônicas.
Em Mateus 10:2-4, lemos a lista de nomes dos apóstolos. Na lista, a maioria dos apóstolos recebe alguma informação extra para facilitar a associação aos leitores da época. Para fazer isso, o escritor usou
as características mais fáceis e marcantes para distinguir os apóstolos,
inclusive porque vários deles tinham nomes repetidos. O que nos chama atenção é qual característica de dois deles foram citadas.
Leia a passagem e preste atenção aos detalhes.
"Ora, os nomes dos doze apóstolos são estes: primeiro, Simão,
chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João,
seu irmão; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão, o Zelote, e Judas Iscariotes, que
foi quem o traiu".
O Zelote
"Simão, o Zelote". Assim era conhecido amplamente um dos
discípulos escolhidos por Jesus. Os zelotes eram um grupo militante que queria incitar o povo judeu a se rebelar contra a opressão estatal romana, que havia tomado a região da Judeia, implantado pela
força estatal suas próprias leis e imposto um regime de tributação
sobre os israelitas, tal como faziam em todo o seu território.
Nenhum judeu concordava com aquilo, mas a maioria não
tinha coragem de se posicionar contra os impostos e as leis romanas. Os zelotes foram judeus que começaram a se posicionar publicamente e estavam dispostos a pegar em armas para derrubar o
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governo romano se possível fosse, para livrar o povo.
Simão, quando foi chamado por Jesus, era, em seus métodos,
o que nós chamamos hoje de "revolucionário".
Olhando assim, pode parecer que os zelotes eram um grupo
extremista e sem razão. Mas vamos analisar isso com calma, à luz
do outro componente do grupo apostólico: o publicano.
O Publicano
"Mateus, o publicano". Jesus transformou um publicano em
um apóstolo. Você tem noção do que isso significou?
Mateus, o publicano, foi quem escreveu o próprio evangelho
de Mateus. Ou seja, ele fez questão de chamar a si mesmo, humildemente, pela forma como as pessoas o conheciam antes.
Publicano era alguém que trabalhava para o Império Romano cobrando impostos. Ou seja, os publicanos eram um grupo que
sobrevivia às custas do dinheiro extorquido do povo pela força do
estado romano. Este era o motivo pelo qual eles eram tão odiados
pelo povo de Deus e por isso são tão mencionados nos textos.
Em algumas passagens, podemos ficar com a impressão de
que apenas pessoas ruins não gostavam dos publicanos, como neste
caso: "Os escribas dos fariseus, vendo-o comer em companhia dos
pecadores e publicanos, perguntavam aos discípulos dele: Por que
come [e bebe] ele com os publicanos e pecadores?" (Mc 2:16).
Mas essa impressão é equivocada. Nenhum judeu gostava dos
publicanos, nem os apóstolos. É por isso que o evangelista Lucas faz
questão de dizer, de sua própria percepção, que os que se aproximavam de Jesus eram "publicanos e pecadores" (Lc 15:1-2).
E em outras passagens, Lucas mostra que o próprio Jesus considerava os publicanos como pessoas que precisavam se arrepender:
"Os fariseus e seus escribas murmuravam contra os discípulos
de Jesus, perguntando: Por que comeis e bebeis com os publica32
nos e pecadores? Respondeu-lhes Jesus: Os sãos não precisam de
médico, e sim os doentes. Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento" (Lc 5:30-32).
Em Mateus, Jesus coloca os cobradores de impostos no mesmo nível das prostitutas:
"Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e
meretrizes vos precedem no reino de Deus" (Mt 21:31).
Ora, e por que Jesus parece estar falando bem deles? Ele
mesmo explica no verso seguinte: "Porque João veio para lhes mostrar o caminho da justiça, e vocês não creram nele, mas os publicanos e as prostitutas creram..." (Mt 21:32).
O problema dos publicanos era tão sério que quando Jesus
fez uma parábola para confrontar a situação dos fariseus para com
Deus comparando-os com a pior coisa possível, Ele a fez justamente com a figura de um cobrador de impostos:
"Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um,
fariseu, e o outro, publicano.
O fariseu, em pé, orava no íntimo: 'Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: ladrões, corruptos, adúlteros;
nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e
dou o dízimo de tudo quanto ganho.
O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda
levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê
propício a mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para
sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado;
mas o que se humilha será exaltado" (Lc 18:10-14).
Se você ainda não se convenceu da posição de Jesus quanto
aos publicanos na sociedade, vamos relembrar da passagem onde
Ele ensina como a Igreja deveria agir com relação àqueles que,
diante da correção de um pecado, não quisessem se arrepender:
"Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele o ouvir, você ganhou seu irmão.
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Mas se ele não o ouvir, leve consigo mais um ou dois outros, de
modo que ‘qualquer acusação seja confirmada pelo depoimento de
duas ou três testemunhas’. Se ele se recusar a ouvi-los, conte à igreja; e se ele se recusar a ouvir também a igreja, trate-o como pagão
ou publicano" (Mt 18:15-17).
Para ficar mais claro, veja como a versão NVT traduz as palavras de Jesus, trazendo para uma linguagem mais contextualizada:
"...trate-o como gentio ou como cobrador de impostos".
Lealdade à Missão
Essas tão diferentes perspectivas sobre política no grupo de
Jesus nos ensinam muitas coisas. A primeira delas é que Deus chama à fé gente de todos os lugares, de todos os tipos. Deus converte
esquerdistas e direitistas, comunistas e anarcocapitalistas.
A segunda é que Jesus em nenhum momento lida diretamente com os anseios políticos dos seus discípulos. Não vemos nenhum
ensino ou pregação de Jesus onde Ele estivesse preocupado em
dizer que Simão e Mateus precisassem mudar de ideia sobre serem
zelote e publicano. Jesus apenas prega a eles o Evangelho do reino
e ensina os valores da fé.
Em terceiro lugar, é interessante ver como esses homens mudam. Nenhum deles é registrado no livro dos Atos dos Apóstolos em
grandes manifestações ou convocações públicas contra a opressão
estatal, ainda que estivessem certos ao fazê-lo. Eles militaram por
uma única causa, tal como aprenderam com o Filho de Deus.
Jesus esteve mais preocupado em falar sobre perdão, sobre
misericórdia e não amar o dinheiro do que sobre seus ideais políticos, por mais errados que estivessem.
Com isso, aprendemos que a melhor forma de lidar com os
nossos anseios políticos é "calibrá-los" com uma boa dose de Evangelho e vida cristã. Se estivermos mais preocupados com viver a
34
graça do Evangelho, certamente teremos os nossos ideais políticos
colocados em seus corretos lugares.
A unidade dos apóstolos, com opiniões tão distintas, não era
artificial, não era uma obrigação. Era a consciência de que algo
muito maior e mais importante do que suas convicções estava em
jogo: o testemunho cristão e a proclamação do Evangelho.
A lealdade do cristão não é a qualquer ideologia política, nem
a pautas específicas, muito menos a esse ou aquele candidato. A
lealdade do cristão é somente a Cristo e sua mensagem.
Obviamente, isso diz respeito à forma como devemos tratar
irmãos com ideais políticos diferentes de nós. Porém, é claro que
isso não significa que tudo é relativo, que todas as posições políticas
estão corretas e que ser cristão redime o nosso apoio a quaisquer
correntes políticas, partidos, candidatos ou pautas.
Direita ou Esquerda?
Vamos direto ao ponto: é errado um cristão ser de esquerda?
Essa é uma das perguntas mais feitas – ou respondidas sem
que ninguém pergunte – no mundo cristão atual. Mas, veja, como
pode um cristão, com a Bíblia em mãos, simplesmente não saber se
ele pode ou não ter essa ou aquela posição política?
É simples: basta que ele não saiba a que se referem esses termos, ainda que ele tenha certeza de saber. Na verdade, o problema já
começa mesmo na definição dos termos.
Quando pensamos em "direita e esquerda", já estamos lidando
com conceitos ultrapassados. Esses são conceitos bastante ruins do
vocabulário político, como bem escreveu André Venâncio, em seu
artigo "Armadilhas do vocabulário político", publicado no site Teologia
Brasileira; vale a pena a leitura do artigo completo.
Venâncio comenta:
35
A tentação de ver o mundo como algo semelhante a um jogo de
futebol se apresenta, sob diferentes formas, a toda posição política
concebível [...] Na política, como fora dela, o simplismo é inimigo da
verdade. Reconhecer suas manifestações em cada caso e se precaver contra elas é um dos desafios do cristão que busca compreender
a dimensão política da realidade. A polarização convencional entre
direita e esquerda é uma das manifestações mais amplamente difundidas do simplismo posto a serviço de uma agenda política apóstata. A popularidade de tais simplificações é um indício da dificuldade envolvida na tarefa de superá-las.4
A classificação convencional "direita e esquerda" não consegue explicar posição política, nem é específica o suficiente para que
alguém que se diga de direita ou esquerda saiba antecipadamente
algo consistente sobre alguém que se assume do outro lado.
No artigo, Venâncio explica como os grupos de esquerda, apesar de divergirem grandemente entre si em muitas coisas e até nas
pautas principais, têm em comum apenas a ideia de igualdade econômica, mais nada. E nos grupos de direita fica ainda pior.
[O] que há em comum entre todas as direitas é apenas o fato de
que se opõem à esquerda; mas o fazem pelas razões mais díspares
e incongruentes entre si. O liberal se opõe à esquerda por ver nela
um atentado ao valor supremo da liberdade individual; o conservador se opõe à esquerda por ver aí uma tentativa de subversão da
ordem moral (ou espiritual) da sociedade; os fascismos se opõem à
esquerda por verem nela um atentado ao espírito nacional ou racial
em prol de uma ordem que transcende a da nação. Além disso,
cada um desses motivos pode ser (e é), com o mesmo grau de coerência, apontado por seus respectivos defensores, não só contra a
esquerda, mas também contra as demais direitas. Por conseguinte,
ainda que adotemos a classificação convencional para dizer quem é
direitista, não é justo nem sensato atribuir à direita uma unidade; o
que existe é uma irredutível pluralidade de direitas.
4 Disponível em: < https://teologiabrasileira.com.br/armadilhas-do-vocabul-rio-politico
>. Acesso em: 8 de out. 2022.
36
Se, por um lado, um esquerdista nâo tem condições de acusar um direitista de nada sem antes ouvir diretamente dele porque
se denomina direitista, por outro lado, é muito comum que os direitistas nem saibam por que exatamente dizem-se de direita, a não
ser pelo fato de que se oporem à esquerda de modo bem genérico.
Afinal, há algum problema em ser de direita ou esquerda?
Cristãos de Esquerda
Se você diz que é cristão e é de esquerda, é possível entender
muitas coisas diferentes que provavelmente você discordará, mas
que estarão plenamente de acordo com o esquerdismo.
Ser cristão e de esquerda pode significar, facilmente, que
você está assumindo crer em Jesus, e ainda assim, ser um revolucionário marxista que acredita na tomada violenta dos meios de
produção. Em outras palavras, se você é um revolucionário marxista, você, necessariamente, acredita na "abolição da propriedade
privada" para favorecer uma "ditadura do proletariado" (expressões
usadas pelo próprio Marx no Manifesto Comunista).
Bem, não é preciso ter muito tempo de igreja para saber que
alguém defendendo que patrões sejam assassinados com violência
para que se possa tomar deles os meios de produção pode ser qualquer coisa, mas definitivamente não é cristão, nem foi tocado por
qualquer coisa da fé cristã bíblica. Isso está, na verdade, em direta
oposição ao cristianismo.
Porém, dizer-se cristão e de esquerda pode significar apenas
que a pessoa gosta da ideia de uma redistribuição de renda. Ou seja,
a pessoa crê que alguns indivíduos com mais posses devem ter parte
de sua riqueza distribuída por meios de certos mecanismos sociais,
entre eles o confisco e a taxação de grandes fortunas. Ou então, a
pessoa pode dizer-se de esquerda porque acha que deveria haver
mais serviços públicos – uma ideia conhecidamente esquerdista.
37
Pode ser também que essa pessoa acredite que deveria haver uma
renda mínima universal fornecida pelos governos, acredite também
em salário mínimo, regime CLT, na proteção do comércio nacional
e que deveria haver uma maneira de cobrar mais impostos dos ricos e menos dos pobres, por exemplo. No caso dos mais militantes,
pode ser que a pessoa se diga trabalhista e sindicalista. Pois bem, na
mentalidade dessas pessoas, isso tudo traria o bem para a sociedade.
Essas pessoas podem ser cristãs crendo nisso?
Apesar dessas pautas serem, sem dúvida alguma, de esquerda, não há algo exposto na primeira camada do raciocínio que contradiga a fé e a vida cristã.
Não tenho dúvidas de que são pautas social e economicamente equivocadas, além de serem parte do discurso populista de
praticamente qualquer político, mas isso não diz nada sobre a fé.
Diz, sim, sobre a ingenuidade, a maturidade e a pouca informação técnica dessa pessoa, que apesar de ter certeza de que isso
seria bom para a sociedade, não tem noção sobre os impactos reais dessas ideias. Contudo, essas pessoas podem ser genuinamente
cristãs. Ainda que possamos questionar os meios pelos quais elas
esperam que os pobres sejam ajudados, a princípio, não temos motivos para questionarmos sua fé, nem sua intenção.
Perceba que esses ideais não são diretamente opostos à teologia bíblica, tais como os anteriores que citamos.
Há vários cristãos que são profundamente de esquerda em
pautas econômicas, mas são opositores ferrenhos à legalização do
aborto; são decididamente contra a sexualização de crianças nas
escolas, são contra a perseguição contra pastores que falam sobre
homossexualidade etc. Ou seja, só seguem pautas de esquerda em
assuntos mais específicos que entendem não ferir princípios bíblicos.
E quanto aos cristãos de direita?
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Cristãos de Direita
Se você diz que é cristão e é de direita, veja: também é possível entender muitas coisas diferentes que provavelmente você discordará, mas que estarão plenamente de acordo com o direitismo.
Ser cristão e de direita pode significar, facilmente, que você
está assumindo crer em Jesus, e ainda assim, ser um nacionalista
escondido atrás de uma máscara de patriotismo, que imagine-se
de tal forma superior a outros povos e que as fronteiras devem ser
fechadas e imigrantes devem ser expulsos.
Bem, também não é preciso ter muito tempo de igreja para
saber que alguém defendendo que emprego e boas condições de
vida a pessoas do seu próprio país seja mais importante do que a
pessoas de outros países é um absurdo completo e está completamente fora de sincronia com o que Jesus ensinou claramente na
parábola do Bom Samaritano (Lc 10:29-37).
Outro exemplo: dada a situação atual da política brasileira,
não é difícil encontrar quem diga ser cristão e acreditar que o presidente seja um enviado de Deus, um representante de Deus, de
forma que ir contra ele é ir contra o próprio Senhor.
Isso indicaria não menos do que um problema muito sério na
vida cristã dessa pessoa. Mas esses dois exemplos não são tudo o
que se pode dizer de um cristão.
Dizer-se cristão e de esquerda pode significar apenas que a
pessoa gosta da ideia de um livre-mercado - ou, a desregulamentação do mercado, pois isso produziria muito mais bens e serviços para
a sociedade, o que tiraria muito mais gente da miséria do que um
governo que tenta fazê-lo não pela produção de bens, mas dividindo
o que outras pessoas conseguiram por meio de impostos. Ao dizer-se
de direita, você pode estar pensando apenas na defesa da família
tradicional e dos costumes mais conservadores na cultura. Pode ser
que você esteja pensando em liberdade de expressão, propriedade
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privada e defesa da vida, dentre outras coisas.
Essas pessoas podem ser cristãs genuínas? É claro que sim.
Esses ideais não são diretamente opostos à teologia bíblica,
tais como aqueles que citamos antes.
Ainda que alguém queira questionar os meios pelos quais elas
esperam que os pobres sejam ajudados, a princípio, também não
temos motivos para questionarmos sua fé, nem sua intenção.
Há vários cristãos que são profundamente de direita em
pautas econômicas, mas que participam de ações sociais, são generosos na caridade e verdadeiramente se importam com pessoas
em situação econômica precária.
Ou seja, só seguem pautas de direita em assuntos mais específicos que entendem não ferir princípios bíblicos.
Lidando com a Polarização
O que fica claro é que o cristão não pode aderir incondicionalmente a nenhuma ideologia política. Ninguém pode ter dúvida de
que Cristo não cabe em nenhuma delas.
O que nós precisamos entender é: dentro dessas convicções
políticas, o que (e por que) exatamente é antibíblico, herético e
imoral? E quais são as coisas que eu apenas não concordo? Você
não pode enquadrar todos da mesma forma. É preciso saber do que
se está dizendo, caso a caso.
No fim das contas, se estamos mesmo falando de cristãos convictos e que foram convencidos pelo Espírito Santo de seus pecados,
só podemos concluir que, apesar de suas falhas em compreender
corretamente como o mundo funciona, tanto direitistas quanto esquerdistas, em certas convicções, não estão se opondo a Jesus.
Além disso, caso você encontre irmãos que estejam, sim, crendo em pautas anticristãs, você ainda tem o caminho da repreensão
e correção; esse é o caminho entre cristãos – e não o insulto, a ira,
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a mágoa etc. Aliás, esteja pronto também para receber correções.
Se você se considera um grande conhecedor disso ou daquilo
e tem certeza de que as ideias que alguns irmãos seguem são extremamente danosas ou, digamos, burras, perceba que essa não é
uma situação de heresia ou apostasia. O Evangelho também é para
pessoas pouco inteligentes, pouco sábias e pouco conhecedoras das
coisas. Aliás, a salvação não é pelo intelecto, mas pela graça, mediante a fé. Portanto, não há motivo para cristãos romperem a comunhão em razão de diferenças políticas que não atingem valores
inegociáveis da fé cristã.
Se estamos unidos em Jesus, as diferenças menores devem ficar para trás. Precisamos aprender a ficar juntos pelo que importa.
De fato, a união da Igreja só é possível se Jesus for o nosso
valor maior. Uma igreja que se divide por causa de opinião política
já tirou Jesus do seu centro há muito tempo.
O pastor e teólogo John Piper, em seu livro "O que Jesus espera de seus seguidores" (p. 180), menciona que o amor é o "critério
fundamental de nosso comportamento por ser o segundo aspecto
destacado por Jesus na nova maneira de encarar a Lei: ele declarou
que tudo se resumia ao amor: “Assim, em tudo, façam aos outros
o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os
Profetas” (7:12). Ao dizer isso, Jesus redirecionou o foco dos mandamentos per se para um relacionamento com ele, capaz de produzir o amor que cumpre a Lei".
Se tivermos um senso de unidade em Cristo, nós teremos também maturidade para permitir que as pessoas tenham liberdade para
interpretar questões secundárias diferente de nós, cada um com sua
limitação intelectual e preferência pessoal, ainda que com seus equívocos. Ora, a Igreja é composta por pessoas imperfeitas, pecadoras,
que tomam decisões estúpidas muitas vezes, isso inclui você.
Ore para que seus irmãos o amem e suportem, apesar de suas
falhas, sua falta de conhecimento e opiniões políticas.
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O Custo do Discipulado
Este capítulo não é para cristãos nominais (não-praticantes),
cristãos por tradição familiar, crentes "apenas no coração". A realidade cristã dita aqui será muito difícil de ser engolida por esses
grupos. Difícil não, impossível.
Mas se você é cristão não só por frequentar uma igreja ou por
gostar das ideias de Jesus, mas por compreender que você é pecador
e nada que fizer pode reverter a situação, e que em sua morte Jesus
estava literalmente pagando por seus pecados em seu lugar, e como
consequência sua vida agora é dele, então este capítulo é para você.
No capítulo anterior, eu disse que Mateus (publicano) e Simão (zelote) não aparecem em Atos fazendo nenhum tipo de apelo
político, com nenhuma pauta social ou econômica. A missão deles
era a proclamação fiel do Evangelho. Nisso estava o seu sucesso.
A causa do Evangelho era a pauta de sua militância e através
da qual eles precisavam ser reconhecidos pelo povo.
Neste capítulo, nós veremos as implicações práticas disso.
O Custo Para o Zelote Simão
O chamado de Jesus a Simão teve implicações óbvias e imediatas, pois exigia uma mudança total na forma de enxergar a vida e
uma entrega total à causa do Evangelho. Simão logo deve ter compreendido que precisava ser conhecido pelo seu testemunho como
seguidor de Jesus, não por qualquer ativismo político.
No projeto político dos zelotes havia o desejo por uma restauração da teocracia de Israel, com um rei santo no trono, assim
como havia sido nos tempos de Davi.
Imagine, então, o que a vinda do Messias prometido aos isra42
elitas deve ter provocado na mente daqueles homens.
Cristo, porém, agiu ao contrário do que se esperava. As únicas autoridades contra as quais Jesus bateu de frente foram as religiosas. Além de não se manifestar como um líder político, tal como
todos os judeus esperavam, Ele ainda fez questão de dessacralizar
o poder político, se opondo com veemência ao desejo dos judeus e
dizendo que o seu reino não era deste mundo. Ele não enfrentou as
autoridades e pouco comentou diretamente sobre elas.
Logo ficou claro que havia uma grande diferença entre o tipo
de missão que Jesus estava entregando aos seus discípulos e aquele
desejo revolucionário dos zelotes e do coração de tantos judeus.
Pensando ainda sobre a oposição zelote ao estado, Romanos
13 pode nos ajudar a esclarecer algumas coisas, pois a passagem
fala sobre uma agressão específica da força estatal: os impostos. O
trecho abaixo foi retirado do livro "Pacificadores Num Mundo Violento", publicado também pela editora Konkin.
Os Impostos e os Zelotes
No período do ministério de Paulo, os impostos não eram muito diferentes do que são hoje. O Império Romano abusava do povo,
cobrando todo tipo de imposto que minava a produção e o sustento
dos cidadãos. O império tentava fornecer segurança e alguns outros
serviços, mas não pela oferta, e sim pela imposição e monopólio, tal
como também é comum em nossos dias.
Por todo o AT, a cobrança de impostos é tida como uma espécie de punição. Geralmente, as passagens falam de impostos altos,
mas toda a intervenção do governo na vida do povo está inclusa,
como vemos na passagem onde o povo hebreu pede um rei para si
(1Sm 8:5-21). Não é à toa que todo estado tira parte do sustento do
povo, cria monopólios, atrapalha no crescimento econômico e força
seus cidadãos a entrarem em guerras que governantes criaram: está
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claro nessa passagem que o estado foi uma forma pela qual Deus
escolheu punir as nações. Na dúvida, leia a passagem acima.
Agora, veja o que Paulo diz: "Portanto é necessário que lhe
estejais sujeitos, não somente pelo castigo, mas também pela consciência. Por esta razão também pagais tributos, porque são ministros de Deus..." (Rm 13:5-6).
Às vezes, o cristão vai ser visto como criminoso diante da lei
dos homens, pois convém obedecer a Deus do que aos homens.
Porém, no contexto em que há um abuso da lei dos homens
vindo contra nós (e não contra a nossa fé), este é um contexto em
que baixamos a cabeça, justamente por causa da nossa fé, que é
onde está nossa identidade e o assunto pelo qual devemos militar.
Se não é uma questão de violência física ou risco de morte,
nós agimos de uma forma diferente daquela que a cultura espera.
Se a atitude, seja do governo ou de uma pessoa qualquer, é contra
nós em prejuízo (seja financeiro ou moral), nós damos a outra face.
Ao contrário disso, os zelotes faziam da luta contra a opressão
estatal a sua identidade. O ativismo político e a manifestação por
causa do poder do governo era a coisa mais importante para eles.
Eles lutavam e morriam pela causa.
Diante disso, os cristãos foram proibidos de agir como eles.
Paulo não podia deixar que os cristãos confundissem o seu chamado e as implicações sociais e culturais com militância política. Se
eles fossem perseguidos e mortos, que fosse pelo Evangelho.
É claro que Paulo não estava desejando que eles morressem
ou dizendo que seria boa coisa que o governo os perseguisse. Ao
contrário, ele até mesmo nos ensina a orar pedindo que Deus nos
dê tempos de paz (1Tm 2:1-2). Paulo também não estava sugerindo
que o cristão jamais deve se opor à agressão estatal. Nada disso.
Aliás, a perseguição religiosa, quando é física, pode ser resistida.
Em Atos 7:57-60, vemos o primeiro apedrejamento de um cristão,
morrendo pela sua fé. Ele de fato teve o privilégio de morrer literal44
mente por Cristo, mas ele não fez isso por opção. Ele não teve escolha.
A passagem mostra a agressividade daqueles homens que o levaram
para fora da cidade e o mataram. Seria muito difícil ter escapado.
Por outro lado, o verso seguinte já nos mostra uma situação
completamente diferente. Leia com atenção:
"...E fez-se naquele dia uma grande perseguição contra a
igreja que estava em Jerusalém; e todos foram dispersos pelas
terras da Judéia e de Samaria, exceto os apóstolos" (At 8:1).
Nenhum cristão que podia escapar ficou esperando a morte.
Na verdade, eles não estariam fazendo nada de imoral se,
diante dessa perseguição, se defendessem ou defendessem suas famílias. O estado não é sagrado.
Da mesma forma, você não estaria infringindo a ética cristã
de forma nenhuma ao se defender dos soldados nazistas e comunistas. Ao contrário, estaria fazendo um bem à sociedade; e isso não
seria revolução, mas legítima defesa.5
Contudo, cidadãos raramente têm condições de revidar. Isso
faria com que os próprios discípulos apenas morressem.
Em Romanos, a orientação de Paulo aos romanos tinha o objetivo de impedir que os cristãos fossem mal vistos pela sociedade
como rebeldes ou pessoas perigosas. Cristãos deveriam ser conhecidos pela conduta pacífica, caridosa e fiel à sua fé em Cristo.
Resumindo, Simão poderia continuar desejando que a opressão estatal acabasse, e até mesmo agindo nesse sentido. Porém, seu
ativismo agora havia mudado de pauta por completo.
O Custo Para o Publicano Mateus
Em Mateus 5:43-48, encontramos uma passagem que faz
uma conexão interessante sobre o problema dos zelotes com o pro5 Esse tema foi melhor desenvolvido melhor no livro "Pacificadores Num Mundo Violento".
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blema dos publicanos.
O alerta de Jesus acerta em cheio, primeiro, os zelotes, ao
ensinar categoricamente que além de não odiar, nem retaliar seus
inimigos, seus seguidores deviam amá-los. Em seguida, para apontar a falhar daqueles que amam apenas seu próprio grupo, Jesus cita
ninguém menos que os publicanos.
"Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu
inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai vossos inimigos, bendizei os
que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que
vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso
Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e
bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que
vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também
o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis
de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois
perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus" (Mt 5:38-48).
Jesus, nessa passagem, parece dizer que os publicanos eram
um tipo de gente que gostava apenas de si mesmas e apoiava apenas seus próprios interesses, contra o interesse de todos os outros.
Não há muitos grupos militantes assim?
Na verdade, que grupo militante não é assim?
Ou melhor ainda, que posição política, incluindo as mais amenas, não olha apenas para o seu umbigo e advoga em causa própria?
Nós voltaremos a esse ponto no próximo capítulo.
Por enquanto, note a situação de Mateus.
Mateus, como publicano, era alguém cujo sustento pessoal
vinha de ajudar o estado a arrancar o sustento legítimo de outros
cidadãos. Então, não nos estranha nada que ele tenha abandonado
totalmente sua forma antiga de pensar e começado a viver como
os demais judeus: pelo esforço do seu próprio trabalho, e não do
trabalho alheio.
Enquanto a mudança exigida de Simão estava não na teoria,
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mas na prática – pois ele não devia mais agir como um revolucionário, mas podia continuar não concordando com a imposição estatal
e contribuindo para amenizar o problema –, a mudança exigida de
Mateus começava na teoria, na forma de pensar.
Não é possível extrair muita coisa da lista de nomes dos apóstolos feita depois de tudo isso, no livro de Atos, mas talvez tenha
sido por causa dessa diferença que enquanto Mateus passa a ser
chamado apenas pelo nome, Simão ainda podia ser lembrado sem
problema algum como zelote.
"Quando ali entraram, subiram para o cenáculo onde se reuniam
Pedro, João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelote, e Judas, filho de Tiago" (At 1:13).
Os Discípulos Empreendedores
Voltando à questão de viver do próprio trabalho, o comentário
do próprio Mateus sobre dois outros apóstolos nos chama a atenção:
"Pouco mais adiante, Jesus viu Tiago, filho de Zebedeu, e João,
seu irmão, que estavam no barco consertando as redes, e logo os
chamou..." (Mc 1:19).
É curioso que, nos evangelhos, na lista dos homens chamados
para a missão apostólica, somente o custo do discipulado na vida
desses dois irmãos empreendedores seja listado a nós.
Tiago e João estavam trabalhando quando ouviram o chamado de Jesus, e largaram tudo para trás. Veja, eles eram pescadores;
aquele era o sustento deles, era a base da segurança e do futuro de
suas famílias, sua garantia de sobrevivência – era plenamente justo que permanecessem como estavam. Mas quando eles ouviram
a voz divina e entenderam o chamado, foi irresistível. Não existia
mais qualquer fonte de segurança, muito menos qualquer lucro
que fosse mais importante do que responder positivamente àquele
chamado. Eles só podiam obedecer e seguir a Cristo.
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A cena se torna ainda mais dramática quando vemos os detalhes no verso seguinte: "e eles seguiram Jesus, deixando o seu pai
Zebedeu no barco com os empregados" (v.20).
Eles deixaram a família e um empreendimento para trás.
Aqueles eram jovens empreendedores que com a eficiência
do que faziam conseguiram não apenas trabalhar para si, mas empregar outras pessoas também com suas famílias para sustentar.
Ora, o texto diz que eles deixaram seu pai. Se nem mesmo a
família poderia impedi-los de obedecer a Cristo, muito menos fatores econômicos. Eles simplesmente deixaram tudo.
Eles entenderam o que era realmente importante e pelo que
valia a pena viver a vida.
Você compreende que a economia não é a coisa mais importante no seu discurso público? Entende que os problemas sociais
jamais serão resolvidos por decretos escritos em papel, pois são
consequência do pecado da humanidade?
Mais importante que tudo isso é onde está a nossa confiança
e o que nós somos diante dos problemas econômicos e sociais.
Um Chamado à Morte
É compreensível que para algumas pessoas seja muito difícil
aceitar isso. Mas quando você entender o quanto Jesus abriu mão
para salvar você, então, tudo o que a política e o ativismo representam para você, todos os detalhes que você considera partes da
sua identidade e tudo o que você possui por conquista própria não
significarão nada mais. Quando você compreender o que Jesus fez
pela humanidade, essa decisão será muito mais fácil.
Mas talvez você só esteja confuso com isso tudo.
Pois bem, naquele dia que você compreendeu, naquele dia
em que o Espírito Santo abriu o seu coração para que você entendesse a verdade e aquele chamado se tornou irresistível a você, de
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tal modo que você não teve como rejeitar, e entregou sua vida a Ele,
naquele dia, o dia da sua conversão, o Senhor não apenas o salvou,
mas também o comissionou. E essa comissão tem um custo.
Seguir a Cristo não é uma vida de vitória triunfante. Segui-lo
é uma vida, sim, de vitória eterna quando nós estivermos na glória
com Ele. Mas aqui nós seguimos o nosso Senhor a caminho da
Nova Jerusalém com a nossa própria cruz nas costas.
"Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, tome a sua
cruz e siga-me" (Mc 8:34).
A sua cruz não é o seu trabalho, nem sua condição financeira
ou o grupo oprimido ao qual faz parte. A sua cruz não é a sua jornada política de ativismo por esta ou aquela causa.
A sua cruz é a sua própria vida, sua decisão pessoal de morte
por Cristo se necessário for. Porque Cristo é tudo o que importa, "pois
quem quiser salvar a sua vida a perderá; e quem perder a vida por
minha causa e por causa do evangelho, esse a salvará" (Mc 8:34-35).
Você compreende isso? Se você fizer das suas metas a sua
vida, se você fizer do seu ativismo sua vida, você irá certamente
perdê-la. A causa pela qual a sua comissão o chama a morrer não
é a causa da igualdade econômica, da desregulamentação estatal,
da luta contra o racismo ou contra os impostos. Todas essas coisas
podem ser importantes, mas perto da sua comissão verdadeira, são
todas desperdício de tempo.
A grande pergunta aqui é esta: você está preparando para
colocar tudo em segundo plano e seguir o Mestre?
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Cristianismo à Força?
O problema dos zelotes não era a oposição ao estado, mas a
forma que usavam para colocá-la em prática. Hoje, o problema das
visões políticas se inverteu: de modo geral, não é mais a oposição a
um estado impositor, mas tentar usar o impositor o seu próprio gosto.
A maioria dos cristãos parece acreditar que pode impor o cristinismo goela abaixo na sociedade, ou no mínimo, sua ética.
A proclamação foi substituída por algo mais "eficaz": a força.
O envolvimento de muitos cristãos com a política não é por
outro motivo senão uma tentativa de cooptar o poder estatal.
A Via Estatal
Você sabia que é propriamente através do poder político que
o anticristo irá se manifestar? Como Hank Hanegraaff comenta em
seu artigo "Quem é o Anticristo?":
[No] livro de Apocalipse, João identifica tanto um indivíduo como
uma instituição que representam a personificação final do mal
– o anticristo arquétipo. Ele refere-se a esse anticristo arquétipo
como uma besta que “engana os que habitam na terra” (Apocalipse 13:14). Utilizando a descrição apocalíptica de Daniel sobre
os poderes mundiais do mal (Apocalipse 13; cf. Daniel 7-8), João
descreve um imperador, da sua época, que arrogantemente coloca
a si mesmo e ao seu império contra Deus (13:5-6), perseguindo
violentamente os santos (13:7), e violando de maneira grosseira os
mandamentos mediante várias e longas demonstrações repugnantes de depravação, inclusive demandando ser adorado como Senhor
e Deus (13:8,15).6
6 Disponível em: < http://www.monergismo.com/textos/escatologia_reformada/quem-e-anticristo-tba2_Hanegraaff.pdf >. Acesso em 11 out. 2022.
50
Barry Gritters joga ainda mais luz sobre a questão, em seu
artigo "O Anticristo":
Resta pouca dúvida quando vemos que a besta tem chifres e coroas.
Na Escritura, chifres são simbólicos de poder, e coroas de autoridade governamental. Além disso, Apocalipse 13:2 diz que a besta tem
poder e um trono e grande autoridade, e o versículo 7 diz que ela
tem poder sobre todos os povos, línguas e nações. Se resta alguma
questão, Daniel 7 diz que as quatro bestas são quatro reis; e Apocalipse 17 diz que a besta da terra é um rei. Os séculos de divisão e
separação sobre esta terra terminarão num único governo mundial.
O Anticristo é uma realidade política, uma nova ordem mundial,
uma unidade global [...] A Escritura deixa claro, contudo, que o
Anticristo será um poder político. Este poder político será um poder
mundial. A besta tem dez chifres e dez coroas, representando a plenitude de poder e autoridade sobre as nações do mundo.7
O verso 3 traz um detalhe importante: "O mundo inteiro se
maravilhou e seguiu a besta".
O poder político e as ações dos poderosos constantemente
maravilha as pessoas. E isso vai encontrar seu ápice com a Besta.
No mínimo, essa reação popular deveria nos estranhar. Quando falamos de política, estamos falando especificamente dos dominadores deste mundo, do desequilíbrio que aconteceu por causa do pecado. Por isso, esses poderes são constantemente mencionados como
inimigos de Deus e do povo (1Co 15:24-25; Sl 2; Jr 12:10; At 4:26).
"Vocês, governantes, sabem o que significa justiça? Acaso julgam o povo com imparcialidade? De modo algum! Tramam injustiça em seu coração e espalham violência por toda a terra" (Sl 58:1-2).
E, sim, os poderes políticos sempre foram usados por Deus
para estabelecer seus próprios planos. Ainda assim, cada governante recebe influência das forças que dominam sua mente com maior
ou menor intensidade.
7 Disponível em: < http://www.monergismo.com/textos/livros/o-anticristo_gritters.pdf
>. Acesso em 11 out. 2022.
51
Como Israel foi uma monarquia por muito tempo, muitos
cristãos confundem o que isso significou.
Ao contrário do que muitos cristãos acreditam, por fazerem
uma leitura enviesada das Escrituras, a Bíblia está longe de ser
unânime sobre a monarquia. É possível perceber nas narrativas tradições favoráveis à monarquia (1Sm 8,1-5.21-22; 9,1-10,16; 11) e
tradições contrárias a ela (1Sm 7; 8,6-20; 10,17-27; 12).
Como já vimos, o próprio Deus deixou isso claríssimo quando
Israel pediu para ter um governante, em 1Samuel 8. A passagem
nos revela muito sobre o coração humano. As coisas que o Senhor
diz sobre como seria estatizar a nação são assustadoras e ainda assim o povo desejou que assim fosse. Curiosamente, como o primeiro rei durou pouco, tudo aquilo que Deus disse se cumpriu já no
segundo reinado, com o melhor rei que Israel teve: Davi.
Em seu livro "No Alvorecer dos deuses" (p. 127), o pastor
Yago Martins comenta:
Um exemplo que pode nos ajudar facilmente com isso é o contexto
de 1Samuel 7, o pano de fundo da origem da monarquia israelita,
cuja origem é profundamente idólatra e remete a um desejo pecaminoso por um líder; e pior: à semelhança do faraó! – um tipo de
bezerro de ouro particularmente poderoso.
Diante de tudo isso, talvez a primeira pergunta seja: se é assim, um cristão pode se envolver com a política?
Cristãos na Política
Como deve ter ficado claro no capítulo anterior, o que define
um cristão não é estritamente o que ele faz, mas em que ele crê
e como ele relaciona isso com o que faz. É possível alguém ser genuinamente cristão e, no entanto, por ter uma péssima compreensão de certos assuntos, agir de forma tecnicamente incoerente sem
entender. É possível também que um cristão genuíno aja de forma
52
incoerente por pecado. Ele não deixará de ser cristão, mas deverá
ser corrigido por isso pelos seus irmãos.
Com isso em mente, devemos considerar ainda que quando falamos de política, estamos tratando de uma zona de atividade
que está recheado de problemas éticos profundos e estruturais – no
sentido de que o sistema funciona naturalmente de uma forma que
encoraja e recompensa a má conduta, se retroalimentando, expulsando ou convertendo os divergentes. Para um cristão, participar
disso é o faria estar em posição de guerra. É possível? É.
Contudo, já sabemos que Deus não nos chamou para isso.
É fato que podemos nos envolver com questões para as quais não
fomos diretamente comissionados, mas é claro que existem áreas
mais difíceis. Existem desafios muito particulares que fazem certas
áreas de atuação serem algo que, apesar de possíveis em teoria, são
impossíveis na prática. No caso da política, o problema da identidade cristã e o seu testemunho é muito evidente.
Em primeiro lugar, será muito difícil um cristão se envolver
profundamente com a política e continuar vivendo coerentemente
com a ética de Deus. No governo atual, nós estamos presenciando
isso acontecer nitidamente, de forma indiscutível: nós tivemos uma
entrada incomparável de cristãos e até pastores na política, inclusive no governo federal, e infelizmente isso se converteu em mais
pastores presos e mais escândalos públicos envolvendo pastores.
Na prática, só Deus tendo muita misericórdia para que cristãos se envolvam nesse meio saiam ilesos. Não parece compensar.
Além das questões mais óbvias de corrupção, temos aquilo
tudo que foi dito no capítulo anterior: o problema dos cristãos cujas
vidas são caracterizadas não pelo Evangelho, mas pelo ativismo político. Dificilmente um cristão político será lembrado pela pauta de
Cristo – que muitos confundem com a imposição da moral cristã.
Para ser sincero, você consegue se lembrar de algum?
Quando cristãos pensam no envolvimento da Igreja com a
53
política, sempre pensam em passagens bonitas, lembram de personagens cativantes e eventos marcantes. Pensam sempre em como
cristãos irão salvar a sociedade. Eles nunca lembram que o sistema
estatal de opressão já é Deus agindo na sociedade à sua maneira.
Em Mateus 21:43, Jesus diz: "Eu lhes digo que o Reino de
Deus será tirado de vocês [Israel] e será dado a um povo que dê os
frutos do Reino". Ao que Piper comenta:
Deus estava tirando sua obra redentora de Israel e transferindo-a
para as nações gentias. O povo de Deus não mais seria definido por
etnias, nem por sua participação no sistema teocrático de
reis, sacerdotes e juízes, nem pelas leis cerimoniais e cívicas que sustentavam aquele sistema. O povo seria definido pela
fé em Jesus e pelo fruto do amor. (2010, p. 181; grifo meu).
O Desejo Político
Os modelos políticos variam, mas desde os tempos antigos,
todos eles têm algo gritantemente em comum: estar no controle.
De início, farei uma observação meramente técnica, sem palpitar sobre o que há no coração das pessoas. Vamos lidar apenas
com os fatos evidentes: independentemente da posição política, se
mais à direita ou mais à esquerda, a forma dos candidatos tentarem
mostrar serviço ao eleitorado é vendendo a ideia de que, quando subirem ao controle, de fato controlarão: farão leis conforme o gosto
de uma parcela da população, que serão impostas contra o restante.
Agora, veja como isso soa estranho à fé cristã. Primeiro, porque ser político pressupõe, pela própria função, que algumas pessoas têm tanta certeza que sabem o que é melhor para a vida das
outras pessoas que, como se isso já não fosse suficientemente prepotente, acreditam que têm o "direito" de literalmente impor seus
gostos à força na sociedade por meio de leis que inventam.
Ás vezes, é preciso dizer até as coisas mais óbvias: a Bíblia
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jamais legitima essa ideia de maneira alguma. Pelo contrário, essa
ideia está em total oposição à fé e testemunho cristãos.
Mesmo assim, os cristãos estão cada vez mais gostando de
como o jogo político e a força estatal funcionam.
Se, de um lado, temos militantes secularistas ansiosos por ver
a dominação estatal, em menor ou maior grau, do outro lado, temos
uma imensidão cristã desejosa de que a Igreja governe a sociedade
e dite as regras – ao menos indiretamente.
Quando a Igreja assume o controle, o que temos é uma versão
ocidental da sharia islâmica, com religiosos impondo sua lei, sua
moral e seus costumes ao povo em geral.
Mas não, um governo que controla a moral não é um governo
cristão, nem mesmo um governo genuíno.
Em partes, isso acontece porque muitos cristãos têm dificuldade de ler o Antigo Testamento (AT) dentro do seu contexto.
Israel e a Igreja
Quando olhamos para o AT, vemos um ideal de estado judaico. Deus havia escolhido uma etnia e uma nação, deu regras civis
e disse como a política interna funcionaria, abrangendo as mais
diversas relações sociais. Nesse sentido, o AT é um livro é muito
político; é quase uma legislação em muitos momentos. Por isso,
muitos olham para aqueles textos e pensam que eles representam
o modo como nós devemos nos relacionar com o nosso estado.
O problema é que tudo isso perde completamente o sentido a
partir de um ponto muito simples: diferente dos judeus, os cristãos
não são uma etnia e um país. Os cristãos, por isso, também não receberam de Deus uma legislação, uma lista de critérios legais para
que nós mesmos arbitrássemos questões sociais.
No Novo Testamento (NT), Deus não entrega uma constituição ao seu povo, pois esse povo não tem e jamais voltaria a ter uma
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nação própria.
A estrutura social sobre a qual Israel vivia ficou restrita àquele povo e para aqueles dias. Nem mesmo os judeus de hoje, no
Israel moderno, desenvolveram um estado judaico aos moldes da
Antiga Aliança. Mas porque havia essa estrutura no AT, uma teologia pouco esclarecida sobre as continuidades e descontinuidades do
AT para o NT fazem com que alguns cristãos misturem as coisas.
Coloque isso em sua cabeça: o cristianismo não possui um
modelo de estado. Não existe na Bíblia a pretensão de um projeto
de sociedade cristã. O cristianismo, de maneira nenhuma, se propõe a fundar um estado, mas a preparar pessoas a um novo reino
que o Senhor um dia trará para cá.
É sobre isso que Paulo ensina na carta aos Filipenses. E eu sei
que isso é muito duro de ouvir para alguns cristãos.
Hoje, por causa do apelo apocalíptico da propaganda política,
os cristãos rapidamente diriam que "nós precisamos agir e ocupar
a política, precisamos fazer alguma coisa para impedir que o mal
avance e faça a Igreja sofrer!". Paulo ficaria chocado se ouvisse isso.
Veja o que ele diz exatamente sobre esse assunto:
"Irmãos, sejam meus imitadores e aprendam com aqueles que
seguem nosso exemplo. Pois, como lhes disse muitas vezes, e o digo
novamente com lágrimas nos olhos, há muitos cuja conduta mostra
que são, na verdade, inimigos da cruz de Cristo. Estão rumando
para a destruição. O deus deles é seu próprio apetite. Vangloriam-se
de coisas vergonhosas e pensam apenas na vida terrena.
Nossa cidadania, no entanto, vem do céu, e de lá aguardamos
ansiosamente a volta do Salvador, o Senhor Jesus Cristo.
Ele tomará nosso frágil corpo mortal e o transformará num
corpo glorioso como o dele, usando o mesmo poder com o qual submeterá todas as coisas a seu domínio" (Fp 3:17-21).
E ainda:
"O que nos separará do amor de Cristo? Serão aflições ou cala56
midades, perseguições ou fome, miséria, perigo ou ameaças de morte? Como dizem as Escrituras: 'Por causa de ti, enfrentamos a morte
todos os dias; somos como ovelhas levadas para o matadouro'. Mas,
apesar de tudo isso, somos mais que vencedores por meio daquele
que nos amou" (Rm 8:35-37).
O sofrimento não é acidente na vida cristã. Fomos avisados!
O AT realmente dizia "feliz é a nação cujo Deus é o Senhor!".
Mas isso foi escrito quando? Dentro de um contexto em que o povo
de Deus tinha uma nação, oras.
Qual é a nossa nação, a nação cristã, hoje? Não existe, pois a
nossa cidadania é celeste; o nosso reino é divino, não humano.
A Imposição da Ética
Se você assumiu uma posição política no coração, eu sei que
será difícil ser comparado aqui com o outro lado. Mas não será à
toa. Preste bem atenção: ambos os lados, mais à direita ou mais à
esquerda, são exatamente iguais no método.
Um grupo pode ter pautas diferentes com relação aos demais,
mas o que todos eles têm em comum é o desejo de impor à sociedade o que acreditam. Tanto crentes de direita quanto de esquerda
decidiram que a sociedade deve obedecer suas diretrizes e, assim,
lutam com fervor pelo mesmo objetivo: usar a força estatal para isso.
Esses cristãos precisam, com urgência, ler o livro "A imaginação totalitária", de Francisco Razzo.
Se você gosta de pensar que sua crença é inviolável, deveria
aplicar isso também às pessoas com crenças diferentes.
A fé bíblica, tanto no AT quanto no NT, jamais ensina a imposição de uma ética ou de uma cultura aos outros.
No AT, o povo de Deus era um país com leis próprias dadas
por Ele mesmo. As leis misturavam questões sociais e morais, e não
havia distinção entre a esfera civil e a esfera religiosa.
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Ou seja, para os israelitas, a vida pública era também a vida
da fé. No NT, espera-se que a vida pública do povo de Deus continue sendo vista em sua vida pública. Porém, houve uma mudança
brusca: o povo de Deus não tem mais uma pátria, nem leis próprias.
Por isso, espera-se que eles testemunhem sua fé mesmo debaixo do domínio dos governantes de suas nações.
No AT, a lei não servia apenas para apontar o pecado, mas
também como uma constituição para Israel. Por isso, apesar das
leis no AT serem de obrigação coletiva, punidas até com pena de
morte em vários casos, no NT entendemos que a moral cristã deve
ser anunciada, mas nunca imposta à força contra a sociedade. A
moral cristã, imposta por meio da política e agressão estatal nunca
salvará, nem mudará o caráter de ninguém. A nossa missão não é
impor, mas testemunhar (compare Dt 19:18-21 e Mt 5:38-39).
Apesar de uma mensagem com implicações políticas, Jesus
jamais dava orientações de atuação política.
Ao contrário disso, todas as vezes que uma mensagem de Jesus entrava no campo político, era para se opor à política e aos
reinos deste mundo. Aliás, o próprio reino de Deus, tema principal
das pregações de Jesus, está sempre em oposição ao reino humano.
No anúncio da grande comissão, Jesus se apresenta justamente com "toda a autoridade", e ainda assim, não há qualquer
tipo de ordem de imposição da ética cristã aos de fora. Na verdade,
Jesus ensina-nos a fazer discípulos, e não a coagir; Ele nos ordena
a ensinar, não a obrigar:
"Jesus se aproximou deles e disse: "Toda a autoridade no
céu e na terra me foi dada. Portanto, vão e façam discípulos de
todas as nações [...] Ensinem esses novos discípulos a obedecerem a
todas as ordens que eu lhes dei" (Mt 28:18-20).
Na oração do Pai Nosso, Jesus nos ensina a orar para que sua
vontade seja feita e não a impor sua vontade.
Não há dúvidas: a imposição da ética é anticristã.
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A Antipolítica de Jesus
Quando analisamos os discursos de Jesus, vemos que Ele tinha
uma mensagem bastante política. Porém, de oposição à política.
Em todo o seu período de pregação e ensino, Jesus não forneceu esclarecimentos sobre questões específicas da política, muito
menos um modelo político ou apoio político a qualquer vertente. O
que Ele ofereceu foi uma contradição muito profunda entre o que é
viver pela fé e os valores deste mundo. Até mesmo quando perguntavam diretamente sobre questões políticas, Jesus encontrava uma
maneira de tratar dos assuntos que realmente importavam.
Quando perguntaram a Ele se era certo os judeus serem obrigados a pagar imposto ao Império Romano, numa pegadinha maliciosa, Jesus confrontou os seus corações. Primeiro, Jesus disse que
o dinheiro já era do imperador – e de fato era, pois tratava-se de um
serviço, o uso do dinheiro, prestado pelo império sob o custo do seu
uso. Então, "dai a César o que é de César". Depois, Jesus disse o que
os questionadores não queriam ouvir: "dai a Deus o que é de Deus".
Quando perguntaram a Jesus se eles eram obrigados por lei a pagar imposto a César, os fariseus estavam tentando pendurá-lo nas
cordas do dilema político da sobretaxa. Os judeus viviam oprimidos
e indignados porque a terra prometida estava sendo governada por
romanos pagãos. Pagar imposto a Roma era uma ofensa religiosa,
porém não pagá-lo era um ato suicida. [...] Este é o desejo de Jesus:
devemos entender que o perigo enfrentado por nossa alma corre
por causa dos governos injustos e seculares não pode ser jamais
comparado com a magnitude do perigo que ela enfrenta diante do
orgulho insubmisso. Nenhum abuso de autoridade da parte de César e nenhuma lei injusta de Roma tinha poder de lançar alguém no
inferno. Já o orgulho e a rebeldia levam para o inferno todo aquele
que não tem um Salvador. (PIPER, ibidem, p. 358, 362).
Por isso, os cristãos, biblicamente, são chamados para serem
ateus políticos. Segundo os preceitos da Palavra, cristãos não acre59
ditam que nenhum projeto terreno conseguirá construir uma nação santa, trazendo o reino de Deus.
Alguém agora pode perguntar: então nós não precisamos fazer a diferença neste mundo? Não temos nada a oferecer à cultura?
Onde fica o nosso mandato cultural?
O Mandato Cultural
Em alguns círculos cristãos, ouvimos muito sobre o mandato
cultural do cristão. E há muita confusão sobre isso na prática.
O mandato cultural tem a ver com a vice-regência (ou a administração) do homem sobre a criação. O homem, quando foi criado,
devia desenvolver e manter tudo aquilo que fora criado por Deus.
Através dessa responsabilidade, Deus estava colocando a humanidade em um relacionamento singular com a criação, para dominar
e sujeitar (Gn 1:28), guardar e cultivar (Gn 2:17).
É isso que justifica o trabalho e o envolvimento do cristão em
áreas como: educação, artes, lazer, tecnologia, indústria e quaisquer outras. Isso é reforçado pelo apóstolo Paulo desta forma: "Tudo
quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não
para homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da
herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo" (Cl 3:23-24).
Pois bem, sabe o que o mandato cultural não diz?
Pasme: ele não diz nada a respeito de pessoas dominando
umas às outras. Dominar e sujeitar é função da humanidade para
com o restante da criação, não de um grupo de pessoas especiais
acima das demais. As ordens em Gênesis são claras: a humanidade
deve gerenciar o restante da criação, não escravizar ela própria.
A nossa função como cristãos não é dominar a sociedade. Viver como cristãos neste mundo não é impor pela via política uma
cultura cristã. A vida cristã, na prática, tem a ver com o que fazemos em prol do convencimento, não da obrigação. Nós trabalhamos
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com persuasão, não com opressão.
Podemos, sim, e devemos servir a sociedade para que o bem
seja promovido. Porém, não exigindo que os nossos valores sejam
adotados, e sim que eles sejam percebidos e entendidos.
A fé em prática é o serviço, não a manipulação do próximo.
Cristãos, segundo as Escrituras, devem, isto sim, apontar e
sinalizar para o bem, caminhar em direção ao que é bom, testemunhar o que Cristo fez pela humanidade. A nossa missão está no
anúncio. A nossa confiança jamais deve estar em coisas que nós
podemos produzir com o nosso esforço ou estratagemas. No reino
de Deus, Ele mesmo é o arquiteto e o construtor. Ele projetou e ele
é o executor. Nós apenas o recebemos de cima para baixo.
O maior reflexo público da fé, o testemunho da transformação operada em nós pelo Espírito Santo, é a empatia, a preocupação real e sincera com o próximo.
Ser cidadão cristão é se ater àquilo que Jesus ensinou: “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles
lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7:12).
Por Que Não Admitimos?
O que dissemos neste capítulo até aqui é o que todo cristão
já sabe. Mesmo assim, na prática, é extremamente comum vermos
cristãos por toda a parte engajados em campanhas políticas de vereadores e deputados também cristãos, na expectativa de que essas
pessoas salvem o país proibindo o pecado à base de leis.
Mas o nosso papel na sociedade como cristãos não é votar em
candidatos que impeçam o pecado. Por que não admitimos isso?
Por que é tão difícil deixar para trás a vontade de dominar o
próximo? Isso, todos sabemos, tem um nome: autoritarismo.
Quando cristãos tentam usar o estado para impedir que outras pessoas façam o que elas não gostam, seja com a desculpa que
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for, isso é fruto de uma mentalidade imatura e autoritária.
A nossa luta é pela conversão das pessoas. A nossa militância
é para que as pessoas conheçam o Evangelho, compreendam que
estão em pecado contra Deus, se arrependam e confiem em Jesus.
A nossa missão, de forma nenhuma, é proibir as pessoas de
pecar. Muito menos usando a força estatal.
Nem mesmo Deus faz isso conosco! Ainda assim, alguns cristãos são tão santos, tão santos, acima até da santidade do Espírito
que inspirou a Palavra, que se sentem no direito de ditar como deve
ser a vida das outras pessoas.
Para exemplificar, pense no seguinte: e se a inveja, a arrogância, a cobiça e a fofoca, sua e dos seus familiares, também fossem
punidas pelo estado com prisão?
Cristianizar a política e a força estatal das leis não cabem na
proposta de vida que o chamado do Evangelho oferece.
É compreensível que você esteja confuso, pois deve ter passado um bom tempo de sua vida convicto de que os cristãos têm
a responsabilidade moral de consertar a sociedade, mesmo nunca
tendo lido isso em parte alguma das Escrituras.
Nós devemos, sim, nos preocupar com a atuação de pessoas
más na sociedade que prejudicam outras pessoas. Mas a forma de
se fazer isso não é a via estatal. Como cristãos, não estamos aqui
para tentar cristianizar o mundo politicamente. Como cristãos, agimos na sociedade para fornecer meios dignos para a vida das pessoas, para que elas possam correr atrás dos seus próprios propósitos,
para que nós também, como igreja, possamos fazer o mesmo, e
tentar convencer essas pessoas, pelo Evangelho, de que o propósito
delas deve ser seguir a Deus
Daqui em diante, veremos com mais precisão qual é o tipo
de relação que Deus espera do cristão com a sociedade e como nós
devemos pensar na política.
62
O Cristão e a Sociedade
Será proveitoso lembrarmos agora da distinção feita anteriormente entre secularizados e cristãos. Quando os classificamos,
os dividimos entre dois grupos nitidamente diferentes, com objetivos e propósitos diferentes, bem como uma forma muito diferente
de definir prioridades entre seus valores e princípios. O problema é
que não é tão simples fazer tal distinção na sociedade.
Veja, é verdade que a nossa sociedade é ordenada por valores
judaico-cristãos que influenciam as considerações de todos sobre
honra, reputação, amor, confiança, dinheiro, propriedade, governo
e principalmente propósito. Assim, a esmagadora maioria dos secularizados busca por alguma espécie de propósito, algo que possam
“deixar para a posteridade”, algo que transcenda diretamente seu
sentido individual e particular. Mesmo quando estão descontentes
sobre suas carreiras, sua família ou conhecimento, o fazem sempre
comparando-se com toda uma humanidade, ignorando o fato de
que sem Deus não existe sentido em sequer falar de humanidade.
Somos a humanidade apenas na medida em que mantemos
um grande e único referencial que é estático para todos, em todos
os tempos históricos e em todos os lugares: Deus. E até mesmo o
ateu mais radical depende da utilização de um componente metafórico que é precisamente esse referencial para que possa, em seu
quarto à noite, longe de todos os debates, sonhar com seu legado.
Digo isso para que entendam o que vou dizer agora.
Da mesma forma que o ensino do cristianismo foi extremamente vital e significativo para que todos contemplassem um horizonte
novo em que as coisas fazem sentido e que são ordenadas e voltadas
ao bem, o secularismo também deixou marcas em muitos cristãos.
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8 Este texto é uma colaboração de Daniel Miorim.
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Pois, se o cristianismo foi capaz de expandir muitíssimo a experiência humana, universalizando a nossa forma de pensar, fazendo-nos
tratar cada ser humano como irmão e parte de uma mesma servidão
a Cristo Jesus, foi o secularismo que reimplementou a noção da separação dos indivíduos em nações; e substituiu nos indivíduos o seu
senso de obediência a Deus pelo desejo da obediência do próximo.
Se o cristianismo é universal, o secularismo é particular. Se
o cristão busca o reino de Deus, o secular busca a maior felicidade possível o quanto antes. Se não participaremos daquela grande
festa nos céus, depois desta vida, então precisamos participar do
máximo de festas quanto possível nesta vida.
Se o cristão procura amar ao próximo tal qual Deus amou,
de forma mais abrangente possível, refletindo em torno do maior
número de pessoas quanto possível, ao mesmo tempo que sendo inteiramente responsável e internamente responsabilizado pela suas
condições materiais, familiares, psicológicas e espirituais, o secular
irá amar a si mesmo e pensar no problema em termos de como
obrigar o outro a tomar parte de suas responsabilidades e problemas. E esse é o tipo de terceirização que a política facilita.
Diferente do adulto que, durante uma emergência em um
avião, primeiro coloca sua máscara para que possa então colocar
nos idosos e crianças ao seu redor, o secular busca que o próximo
se responsabilize, que o próximo levante sua cruz. E com isso não
se nega, nem se poderia negar, o papel vital da caridade e do apoio
ao outro, mas se tenta recuperar o papel individual de cada cristão
em sua família, sua comunidade e na sua vida em geral.
Todas as possíveis mazelas relacionadas à forma como se vê
o papel do estado, a forma de ver o voto, aquela antiga arma usada
para fazer com que a vontade política de um se proste por sobre
todas as outras, a forma de ver a violência, a forma de ver nossos
problemas espirituais gerais, são apenas um reflexo desse tipo de
distinção e o leitor é assim convidado a refletir sobre qual a consequência do pensar correto nesses assuntos acima.
64
A Atuação da Igreja
Entre muitos cristãos, já há uma ideia bem melhor desenvolvida sobre a política que é o chamado "voto defensivo": a ideia de
que é verdade que não devemos confiar no estado ou em qualquer
político, mas vale a pena tentar votar no "menos pior" para evitar
que a ameaça mais séria e mais mortífera seja eleita.
Isso não lhe parece uma roleta russa? Como é que a sociedade permitiu que as coisas chegassem a esse ponto?
O fato é que quando o assunto é se defender da agressão estatal, uma questão muito cara aos cristãos é a liberdade religiosa. E
eu realmente entendo o anseio de cristãos que entram na política
ou se engajam em campanhas de candidatos com a intenção de
defender sua liberdade.
É justo que cristãos lutem pela liberdade? Sim, sem dúvidas.
Mas não há dúvidas de que há caminhos muito mais rápidos e eficientes para isso do que a confiança na política que, como
dissemos, é uma roleta russa: absolutamente qualquer coisa que
tenha sido concedida pelo estado pode ser também retirada por ele
a qualquer momento, a população gostando ou não.
Nós precisamos nos libertar da ideia de que a sociedade necessita da atuação e da força do estado para ser transformada, ou
pior, que a Igreja precisa usar o estado para tal.
• A nossa confiança não pode estar no estado;
• A Igreja precisa aprender a não depender do estado;
• Os estados mudam e passam; a moral e a lei de Deus, não.
Transformação Profunda
Cristãos que se engajam politicamente, constantemente
usam como desculpa a necessidade de envolvimento como "sal" e
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"luz" para o mundo, trazendo influência positiva. Isso está certo.
Perceba como influenciar é completamente diferente de impor.
Ainda que o nosso esforço não seja, jamais, de obrigar, mas
de explicar e testemunhar esperando a ação do Espírito Santo, é
inegável que nós podemos também agir em prol de melhorar a vida
em comunidade, em busca de uma sociedade mais justa.
Existe realmente, na Bíblia, um chamado para que a Igreja
se engaje cultural e socialmente. Mas esse papel de transformação
social da Igreja nunca é confundido com envolvimento político.
Não, a Igreja não precisa do estado para nenhuma missão.
Nós podemos ter projetos voltados para que as pessoas tenham uma percepção mais madura sobre a vida. E isso não é política, é cultura. É com o nosso envolvimento pessoal na vida das
pessoas da nossa comunidade que a lei de Deus em nós fará seu
papel transformador. Compare o AT com o NT nesse sentido.
Deus fez sua lei conhecida para que o povo soubesse de sua incapacidade de fazer o bem e, portanto, de sua condenação. Hoje, essa
função é feita por nós conforme testemunhamos o amor de Cristo.
A lei mosaica foi uma forma mais simples que Deus usou
para moldar mentes e corações usando regras morais, sociais e cerimoniais. Diferente do AT, onde a lei é apenas posta a todo o povo,
que devia moldar suas ações externas a elas por força de lei, o NT
nos chama para uma renovação da mente, onde a lei de Jesus, a lei
do amor, é cumprida por nós por gratidão – não exigida dos outros.
A antiga aliança era apenas uma preparação para a nova
aliança com Jesus. Era uma ilustração sobre ela. Não do que nós
deveríamos fazer contra a sociedade em nome de Deus, mas uma
prévia do que Ele faria conosco em nós.
Você acha que sem a imposição estatal a Igreja nunca conseguirá vencer? Sem cristãos na política o Evangelho a sociedade irá
se opor a nós cada vez mais? Bem-vindo ao mundo real!
Apenas o Evangelho pode transformar corações, pois só ele
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pode mudar a relação das pessoas com o Criador. Todas as outras
coisas são apenas formas de maquiar e adiar problemas.
A missão da Igreja sempre estará em desacordo com o mundo. A Igreja de Jesus Cristo consiste em chamar o mundo ao arrependimento. Ao declarar lealdade ao rei Jesus por meio da fé no
Evangelho, os crentes enfrentam a oposição do mundo; é isso o
que se espera mesmo. Isso significa que a missão da igreja não será
fácil. Jesus nunca disse que seria. Além disso, Jesus nunca impôs
um estilo de vida exato e fixo, como a lei mosaica, nem mesmo aos
seus seguidores, quanto mais aos de fora!
Diante disso, será que não haja nada que nós possamos fazer
de maneira mais efetiva na sociedade, com relação à justiça?
Sim! E como há!
Há três vias que os cristãos podem e devem usar para alcançar uma transformação social genuína. A principal delas é a transformação sobrenatural, da qual somos apenas os instrumentos; a
segunda é a transformação que ocorre quando nós mesmos colocamos a mão na massa; a terceira é a transformação das ideias.
Impacto Social
Se quer mesmo melhorar o lugar onde vive, você precisa começar a pensar em soluções mais duradouras do que essa loteria
que chamamos de eleições. Precisa pensar em mudança de ideias
das pessoas da comunidade. E não estou falando de mudar de
posição política, obviamente.
Com relação à sociedade, fora a pregação do Evangelho, nós
podemos e devemos propagar informações melhores sobre economia, civilidade e liberdade. Se a população entender melhor como
essas coisas funcionam e por que são importantes, mesmo que
péssimos governantes subam ao poder, eles pouco poderão fazer
contra a nação e o que fizerem surtirá menor efeito.
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Quanto mais a sociedade deixar de depender do estado, menos dependente dele e menos afetada será.
Políticos diferentes podem nos afetar de maneiras brutalmente diferentes? Sim, podem. Porém, não é o voto que pode transformar a sociedade. As eleições não mudam a mentalidade da nação.
Em grande parte, boas ideias podem fazer isso.
Cristãos deviam pensar mais em como tornar a sociedade forte contra a política ao invés de tentar protegê-la através dela.
É claro que se você é cristão, a ênfase da sua vida, o seu real
engajamento, deve ser a propagação da mensagem da cruz. Foi para
isso que fomos colocados em nossas cidades. É isso o que faremos
como comunidade, como cidadãos celestiais de passagem nesta
Terra. Estamos aqui para inspirar verdadeiras transformações através da operação do Espírito Santo pelo Evangelho.
É assim que demonstramos a manifestação da autoridade
verdadeira, não de um político qualquer ou do estado, mas de Jesus.
Mas há, sim, uma transformação que pode acontecer da nossa parte. Aquela transformação que é papel exclusivo da Igreja está
no modo como aqueles que já foram transformados pelo Espírito
invadem as cidades com a luz de Cristo não para uma revolução
armada, mas para cuidar dos feridos, acudir aos necessitados e estender a graça do Senhor através do acolhimento e do serviço às
pessoas. Se você quer uma mudança, seja a mudança!
Não se esqueça de que você, assim como os descrentes, também é moralmente vulnerável. Sozinho, você é incapaz, você é só
mais um pecador no mundo. Nós precisamos de outros seres humanos nos ajudando, de comunidades e redes de associação que
tenham relações morais para que possamos articular as nossas propostas morais. Se o que queremos é uma sociedade melhor, não há
outra coisa a ser melhorada senão as relações dentro dela.
A igreja local é uma dessas relações, a melhor e mais poderosa delas. A igreja é uma associação que funciona como um tipo de
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incubadora de virtudes. Quando nos reunimos em culto, pastoreio
e discipulado, celebrando o nome de Jesus e aprendendo sobre sua
Palavra, nós estamos aprendendo sobre como a nova vida em Cristo
nos capacita moralmente para agir a partir das virtudes do Evangelho. É assim que a Igreja fornece os meios através dos quais toda
uma sociedade tem condições de ser renovada.
Os cristãos que se reúnem para reafirmar vez após vez que só
Jesus é o Senhor são devolvidos à sociedade, vivendo suas funções
onde estão, mas agora com os valores do reino, com uma consciência realista do pecado humano e da graça de Deus.
Por isso também, cristãos só estão fazendo alguma coisa pela
sociedade, não quando votam ou se engajam na política, mas quando estão a serviço das suas comunidades locais, conhecendo a cultura dos vizinhos, sabendo quais são suas necessidades mais urgentes e promovendo um fortalecimento, um laço social, oferecendo
respostas a cada um dos desafios, seja individual ou coletivamente,
com a igreja. Quer mudar sua cidade? Proclame o Evangelho, espalhe as ideias da liberdade; se disponha a servir!
Sabe por que a política não é uma ênfase bíblica?
• Ela não é aquilo pelo que nós devemos ser caracterizados.
• A política não é o centro de unidade da Igreja.
• A política não estabelecerá o reino de Deus.
• Cristãos só têm um Rei e Ele ainda está por vir.
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A Esperança no Lugar Certo
Caso não tenha ficado claro até aqui: o caso não é que o cristão seja obrigado a ser "isentão"; o caso é que nós simplesmente
não somos servos dos reinos deste mundo. Aliás, não assumir uma
postura política publicamente já é se posicionar; é expor uma confiança diferente daquela que encontramos naturalmente lá fora.
Um cristão fiel não tem esperanças políticas.
Se você é cristão, você não é brasileiro, você é do céu. O seu
coração deveria se importar menos com a política brasileira. Esta
aqui não é a sua morada, não é a sua terra, não é a sua nação.
Aqui, somos meramente peregrinos. Os poderosos que governam
este mundo, o fazem apenas momentaneamente e vão passar. Os
poderes temporais ruirão um a um. Não faz mais sentido vivermos
tão envoltos em tensões políticas passageiras.
Quem governa o Brasil não é o presidente, nem o STF.
Quem governa o Brasil e todo o resto do Universo é o Senhor.
Em perspectiva, a política importa pouco. Muito pouco.
Foi o próprio Jesus quem introduziu na cultura a percepção
de que os governos humanos são limitados e passageiros ao dizer
que a Ele, e mais ninguém, havia sido dada toda a autoridade. Foram conceitos cristãos que enfraqueceram as estruturas estatais
daquela época até os nossos dias no Ocidente.
Em sua hora de maior fragilidade, o sumo sacerdote perguntou se
ele era o Messias, o Filho do Deus Bendito. "'Sou', disse Jesus. 'E
vereis o Filho do homem assentado à direita do Poderoso vindo com
as nuvens do céu'" (Mc14:62). Em outras palavras: "Embora neste
momento eu esteja fragilizado e seja desprezível aos olhos de vocês,
muito em breve me sentarei no lugar de absoluta autoridade sobre
você e sobre Pilatos, Herodes e César" (PIPER, ibidem, p. 361).
71
Nós precisamos recuperar a noção de Senhorio de Cristo e
trazer à tona a proposta clara de um ateísmo político, a proposta da
desconfiança total nas figuras falhas, limitadas e pecadoras que se
dispõem a dominar.
Perceba que isso não é, de forma alguma, ser socialmente
indiferente ou omisso. Nós podemos e devemos contribuir para que
a nossa sociedade seja melhor, como foi demonstrado no capítulo
anterior. A Igreja tem um poder que não vem de cima para baixo,
não funciona por meio da imposição, e por isso mesmo é muito
mais eficiente: é um poder capilar de penetração social. A presença
fiel da Igreja na sociedade transforma pessoas apáticas em cristãos
eticamente responsáveis, preocupados com o seu entorno comunitário, que começam instituições e organizações para beneficiar a
comunidade local etc. E isso é importante.
O grande economista chamado Frédéric Bastiat, dizia o seguinte: Deus fez a todos nós de tal forma, com tal conjunto de
virtudes, que fomos feitos diferentes para que possamos servir a
todos; nós nos comportamos de uma forma diferente para termos
faculdades que possam servir a todos. Isso se dá de tal forma que
se nós perguntarmos a alguém sobre como ele pode ajudar, ele provavelmente não saberá se dispor e ser tão útil quanto ele de fato já
é para as pessoas.
A presença fiel dos cristãos na sociedade é alcançada com pessoas da comunidade, pessoas bem relacionadas em seus contextos,
com capilaridade social, que se conectam com as pessoas, que sabem
dialogar, que ama autenticamente seres humanos, que têm interesse
sincero pelo próximo e pela realidade à sua volta; e acima de tudo,
que tem uma visão missional, com a verdade de Cristo nos lábios.
Ele Ressuscitou
Meu irmão, Jesus ressuscitou! Isso muda tudo! Muda a res72
posta que damos à existência.
A origem dos projetos políticos e ideológicos são baseados no
medo da morte. Todas as ideologias políticas são uma reação à finitude, ao desespero diante do fato de que esta vida é finita e que a
violência está plenamente presente, tanto quanto a morte.
O que nós chamamos de civilização hoje é basicamente algo
construído em cima do medo da morte.
Agora, imagine um povo que anda na Terra sabendo que a
morte não é mais um problema. As implicações são gigantescas!
Foi isso que deixou o Império Romano enlouquecido, pois os
cristãos operavam não conforme o jogo do estado, mas fazendo o
que precisavam fazer, pois não temiam a morte.
O modo de pensar em nossa responsabilidade social e engajamento cultural não pode ser como aquele de gente desesperada, mas
como o de gente cheio de esperança, que sabe que a tudo está caminhando para o bem, pois o mal está com o prazo de validade já vencido, totalmente contabilizado no triunfo de Jesus em sua ressurreição.
Nós devemos olhar para a política de uma maneira absolutamente diferente da visão comum.
Me despeço aqui, mas não sem antes deixar um recado de
Jesus e outro do apóstolo Paulo:
"Então Jesus, chamando-os para junto de si, disse: — Vocês
sabem que os governadores dos povos os dominam e que os
maiorais exercem autoridade sobre eles. Mas entre vocês
não será assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande
entre vocês, que se coloque a serviço dos outros; e quem quiser ser
o primeiro entre vocês, que seja servo de vocês; tal como o Filho do
Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida em resgate por muitos" (Mt 20:25-28).
"E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos
pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a
boa, agradável e perfeita vontade de Deus" (Rm 12:2).
73
E aí, já sabe para quem vai emprestar este livro?
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