“O estudo da Matemática é o mais indicado para desenvolver as faculdades, fortalecer o raciocínio e iluminar o espírito” Sócrates Sócrates (470-399 a.C.) foi um filósofo da Grécia antiga, o primeiro pensador do trio de antigos filósofos gregos, que incluía Platão e Aristóteles, a estabelecer os fundamentos filosóficos da cultura ocidental. Sócrates foi professor de importantes políticos, militares e filósofos gregos da Antiguidade. Sua principal área de estudo e reflexão foi a Epistemologia (teoria do conhecimento). Álgebra Linear Teresa Almada 2022/23 Aula5. Caracterização dos subespaços complementares. Teorema de Steinitz. Caracterização dos subespaços em soma directa O conceito de base de um espaço vectorial, mais concretamente o conceito de independência linear permite caracterizar os subespaços em soma directa e os subespaços complementares. Veja-se, primeiro, alguns exemplos. Da análise dos exemplos estudos surgirá as respectivas caracterizações. 3 1. No espaço vectorial Z 5 , sobre o corpo Z 5 . 3 i. Considere-se os subespaços vectoriais F e G de Z 5 , definidos por F = < (1, 0, 4), (3, 0, 3) > e G = < (1, 0, 2), (2, 0, 1) >. Os sistemas de vectores B = ( f1 = (1, 0, 4), f 2 = (3, 0, 3)) e B’ = (g 1 = (1, 0, 2), g 2 = (2, 0, 1)) são bases dos subespaços vectoriais F e G respectivamente. Com efeito, por definição dos subespaços, os sistemas são geradores dos respectivos subespaços e, além disso, são linearmente independentes, pois ambos os sistemas têm comprimento 2 e nenhum dos vectores, de cada sistema, é múltiplo do outro vector do mesmo sistema. 1/8 O sistema S = ( f1 , f 2 , g 1 , g 2 ) é o sistema que resulta da junção de uma base de F com uma base de G. O sistema S não é uma base de F + G, muito embora seja um sistema gerador do subespaço F + G , pois S é linearmente dependente já que f 2 = 0 f1 + 1g 1 + 1g 2 . O vector f 2 por ser um dos geradores de F é um vector de F. Por outro lado, f 2 = g 1 + g 2 e por isso f 2 é um vector de G, portanto f 2 é comum aos dois subespaços, pelo que F e G não estão em soma directa. Neste exemplo destacamos dois factos: o sistema que resultou da junção de uma base de F com uma base de G é linearmente dependente, o que determina que os subespaços vectoriais F e G não estejam em soma directa. ii. Considere-se agora os subespaços vectoriais J e L definidos por J = < j = (3, 1, 2) > e L = < l 1 = (3, 0, 1), l 2 = (2, 0, 3) > Os sistemas de vectores B = ((j = (3, 1, 2)) e B’ = (l 1 = (3, 0, 1), l 2 = (2, 0, 3)) são bases dos subespaços vectoriais J e L respectivamente. Com efeito, os sistemas são geradores dos respectivos subespaços e além disso são linearmente independentes (Porquê?). O sistema S = (j, l 1 , l 2 ) é o sistema que resulta da junção de uma base de J com uma base de L. O sistema S é uma base de F + G, pois gera o subespaço F + G e é linearmente independente, pois o vector j por não ter segunda componente nula, não é um vector de L, i.e., j não é combinação linear de l 1 e l 2 . Seja v J L. O vector v, por ser um vector de J, é da forma v = (3, 1, 2) = (3 , , 2 ), com Z 5 . Mas v, por ser um vector de L, é da forma: (3, 1, 2) = v = (3, 0, 1)+ (2, 0, 3) = (3 +2 , 0, +3 ), com , , Z 5 , ou seja (3 +2 , 0, +3 ) - (3, 1, 2) = 0, com , , Z 5 . 2/8 Então, porque o sistema S = (j, l 1 , l 2 ) é linearmente independente, = = = 0, pelo que = 0, logo v = (0, 0, 0) e, portanto, J e L estão em soma directa, pois o único vector comum aos dois subespaços é o vector nulo. Neste exemplo destacamos dois factos: o sistema que resultou da junção de uma base de J com uma base de L é linearmente independente, o que determina que os subespaços vectoriais J e L estejam em soma directa. 4 2. No espaço vectorial real R . i. Sejam F e G os subespaços vectoriais definidos por: F = < f1 = (1, 0, 2, 1), f 2 = (0, 2, 1, 2) > e G = < g 1 = (0, 1, 1, 1), g 2 = (0, 1, 0, 1) >. Os sistemas de vectores B = (( f1 = (1, 0, 2, 1)), f 2 = (0, 2, 1, 2)) e B’ = (g 1 = (0, 1, 1, 1), g 2 = (0, 1, 0, 1)) são bases dos subespaços vectoriais F e G respectivamente. O sistema S = ( f1 , f 2 , g 1 , g 2 ) é o sistema que resulta da junção de uma base de F com uma base de G. O sistema S não é uma base de F + G é linearmente dependente, pois f 2 = 0 f1 +1g 1 +1g 2 , muito embora seja um sistema gerador do subespaço F + G. O vector f 2 por ser um dos geradores de F é um vector de F. Por outro lado, f 2 = g 1 + g 2 e por isso é um vector de G, portanto f 2 é comum aos dois subespaços, pelo que F e G não estão em soma directa. Neste exemplo destacamos dois factos: o sistema que resultou da junção de uma base de F com uma base de G é linearmente dependente, o que determinou que os subespaços vectoriais F e G não estejam em soma directa. ii. Considere-se agora os subespaços vectoriais J e L definidos por J = < j 1 = (1, 0, 1, 0), j 2 = (1, 0, 2, 0) > e L = < l 1 = (0, 1, -1, 0), l 2 = (0, 2, 0, 1)) >. Os sistemas B = (j 1 = (1, 0, 1, 0), j 2 = (1, 0, 2, 0)) e B’= (l 1 = (0, 1, -1, 0), l 2 =(0, 2, 0, 1)) são bases dos subespaços vectoriais J e L respectivamente. Com efeito, os sistemas são geradores dos respectivos subespaços e além disso são linearmente independentes. 3/8 O sistema S = (j 1 , j 2 , l 1 , l 2 ) é o sistema que resulta da junção de uma base de J com uma base de L. O sistema S é uma base de F + G, pois gera o subespaço F + G e é linearmente independente. Seja v J L. O vector v, por ser um vector de J, é da forma v = ( + , 0, +2 , 0), com , R. Mas v, por ser um vector de L, é da forma ( + , 0, +2 , 0) = v = (0, + 2 , - , ), com , , , R, pelo que + 2 = 0 = e, daí, também + = 0 = +2 , logo v = (0, 0, 0, 0), portanto J e L estão em soma directa, pois o único vector comum aos dois subespaços é o vector nulo. Neste exemplo destacamos dois factos: o sistema que resultou da junção de uma base de J com uma base de L é linearmente independente, o que determinou que os subespaços vectoriais J e L estejam em soma directa. Os exemplos 1. e 2. que se apresentou e analisou parecem sugerir que a caracterização dos subespaços em soma directa passa pelo sistema, que resulta da junção de uma base de cada subespaço, ser, ou não, linearmente independente, i.e., ser, ou não, uma base do subespaço soma. Importa, pois, formalizar o conceito de junção de dois sistemas de vectores. É o que se faz na definição seguinte. Definição. Sejam V um espaço vectorial real, (v i ) 1 i n e (w j ) 1 j m sistemas de vectores de V. O sistema que resulta da junção do sistema (v i ) 1 i n com o sistema (w j ) 1 j m é o sistema (u k ) 1 k n + m definido por u k = v k , se 1 ≤ k ≤ n e u k = w j se k = n + j, com 1 ≤ j ≤ m. O sistema (u k ) 1 k n + m definido por u k = v k , se 1≤ k ≤ n e u k = w j se k = n + j, com 1 ≤ j ≤ m, pode escrever-se de forma sugestiva do seguinte modo (v 1 , …, v n , w 1 , …, w m ). Repare que o vector w 1 ocupa, neste sistema, a n +1-ésima posição e o vector w m ocupa a posição n + m. Estamos em condições de apresentar a caracterização dos subespaços em soma directa e a dos subespaços complementares. É o que fazemos no próximo teorema. 4/8 Teorema. Sejam V um espaço vectorial sobre um corpo K, F e G subespaços vectoriais de V e (v i ) 1 i n , (w j ) 1 j m bases de F e G respectivamente. i. Os subespaços F e G estão em soma directa se, e só se, o sistema que resulta da junção da base de F com a base de G é um sistema linearmente independente, i.e., é uma base de F + G. ii. Os subespaços F e G são complementares se, e só se, o sistema que resulta da junção da base de F com a base de G é uma base de V. Demonstração - i. Para provarmos esta afirmação temos de provar: (1) Se F e G estão em soma directa, então o sistema (v 1 , …, v n , w 1 , …, w m ) é linearmente independente e (2) se o sistema (v 1 , …, v n , w 1 , …, w m ) é linearmente independente então os subespaços vectoriais F e G estão em soma directa. Admitamos que F e G estão em soma directa e vejamos que a única combinação linear nula do sistema (v 1 , …, v n , w 1 , …, w m ) é a trivial. Seja 1 v 1 + …+ 0 uma combinação linear nula. Então 1 v 1 + …+ f = 1 v 1 + …+ n n m v n = - 1 w 1 - …- m m wm = w m . O vector w m , o vector f é comum ao subespaço G. Como F e G estão em soma directa, então f = 0, logo 1 = …= m = 0 (Porquê?). Assim, a combinação linear nula é 1 v 1 + …+ n v n +0w 1 + …+ 0w m = 0, i.e., 1 v 1 + …+ n v n + 1 w 1 + …+ v n por ser uma combinação linear dos vectores de F é um vector de F e por ser f = - 1 w 1 - …- é 1 = …= n + n v n = 0 e, portanto, também = 0, ou seja, a junção da base de F com a base de G é linearmente independente. Reciprocamente suponhamos que (v 1 , …, v n , w 1 , …, w m ) é linearmente independente e seja v um vector comum a F e a G. Então v é da forma 1 v 1 + …+ n v n = v = 1 w 1 + …+ m w m , pelo que 1 v 1 + …+ n v n - 1 w 1 - …- m w m = 0, logo 1 = …= n = 1= … = m = 0, portanto v = 0 e por conseguinte F e G estão em soma directa. A afirmação ii. é consequência de i. e do facto do subespaço soma F + G ser todo o espaço, i.e., o espaço vectorial V. 5/8 Exemplos de aplicação. 1. No espaço vectorial Z 35 , sobre o corpo Z 5 : i. Considere-se o subespaço vectorial J definido por J = {(x 1 , x 2 , x 3 ) Z 5 : 2x 1 +3x 3 = 0} e 3 construa-se um subespaço L que esteja em soma directa com J. Comece-se por encontrar uma base de J. Analisa-se a equação linear 2x 1 +3x 3 = 0 que define o subespaço F. Esta equação é equivalente a 2x 1 = 2x 3 , pois em Z 35 é -3= 2. Aplicando a lei do corte, obtemos x 1 = x 3 . Então, os vectores de F são da forma (x 1 , x 2 , x 1 ) = x 1 (1, 0, 1) + x 2 (0, 1, 0), x 1 , x 2 Z 5 . O sistema de vectores (v 1 = (1, 0, 1), v 2 = (0, 1, 0)) é uma base de J. Consideremos o vector w = (2, 1, 4). O vector w não pertence a J, portanto da junção de uma base de J com o vector w resulta uma base do subespaço J + < (2, 1, 4) >, o que de acordo com a última proposição os subespaços J e L = < (2, 1, 4) > estão em soma directa. Veja-se que L é mesmo um subespaço complementar de J. De acordo com a proposição anterior 3 basta que o sistema (v 1 , v 2 , w) seja uma base de Z 5 . Dada a independência linear do sistema, basta que ele gere o espaço vectorial para que seja uma das suas bases. Considere-se a seguinte sequência de transformações elementares: (v 1 = (1, 0, 1), v 2 = (0, 1, 0), w = (2, 1, 4)) ~ v1 + 4e3 ~ 3( w + 3 v1 + 4 v2 ) (v 1 = (1, 0, 1), v 2 = (0, 1, 0), e 3 = (0, 0, 1)) ~ (e 1 = (1, 0, 0), e 2 = (0, 1, 0), e 3 = (0, 0, 1)). Assim, 3 < v 1 = (1, 0, 1), v 2 = (0, 1, 0), w = (2, 1, 4) > = Z 5 = < e 1 = (1, 0, 0), e 2 =(0, 1, 0), e 3 = (0, 0, 1) >, i.e., J e L são subespaços vectoriais complementares. ii. Considere-se o subespaço vectorial J do exemplo anterior e construa-se um subespaço F cuja 3 soma com J seja o espaço Z 5 , mas, apesar disso J e F não sejam subespaços complementares. 6/8 O sistema que resultar da junção de uma base de J com uma base de F tem de ser um sistema de geradores, mas não pode ser linearmente independente. Do exemplo anterior sabemos que o sistema (v 1 = (1, 0, 1), v 2 = (0, 1, 0), w 1 = (2, 1, 4)) é uma base do espaço. Se se considerar o vector w 2 = (1, 2, 1), o sistema (v 1 = (1, 0, 1), v 2 = (0, 1, 0), w 1 = (2, 1, 4), w 2 = (1, 2, 1)) é linearmente dependente pois w 2 = 1v 1 + 2v 2 + 0w 1 . Além disso, os sistemas (v 1 , v 2 , w 1 ) e (v 1 , v 2 , w 1 , w 2 ) são equivalentes (Porquê?), portanto 3 < v1 , v 2 , w1 , w 2 > = Z 5 . Repare que w 2 J, pelo que se se considerar F = < w 1 , w 2 >, os subespaços J e F não estão em 3 soma directa, mas no entanto J + F = Z 5 . Teorema de Steinitz. Sejam V um espaço vectorial sobre um corpo K, (v 1 , …, v n ) e (u 1 , …,u p ) sistemas de vectores de V. Suponha-se que V = < v 1 , … , v n >. Se o sistema (u 1 , … , u p ) é linearmente independente, então p ≤ n. Interprete-se o teorema, para que se possa compreender bem a sua amplitude e, desse modo, se possa tirar dele o maior proveito. O teorema de Steinitz fala sobre quê? Parece claro, que o Teorema fala sobre o comprimento de sistemas de vectores linearmente independentes. E o que diz o teorema a respeito do comprimento de tais sistemas? Diz que se os vectores do sistema forem vectores de um espaço finitamente gerado, o comprimento do sistema não pode tomar qualquer valor. Está limitado, mais especificamente é majorado. Majorado? … E como encontrar um majorante? Olhando para o enunciado do teorema, vê-se que o comprimento do sistema linearmente independente é p e p é majorado por n. E o que representa o número n? O n é o número de geradores do espaço vectorial V. Mas que espaço vectorial é este? Das condições do teorema de Steinitz, verifica-se que V é um qualquer espaço vectorial gerado por n vectores. Este espaço é onde se está a trabalhar, ou seja, é sobre sistemas de vectores linearmente independentes deste espaço vectorial que o teorema nos fala, mais concretamente é sobre o comprimento dos sistemas linearmente independentes que o teorema se pronuncia. 7/8 O que diz o teorema sobre o comprimento p do sistema linearmente independente? Diz que o comprimento p não pode exceder o número de geradores do espaço vectorial. O teorema afirma que o comprimento de um sistema de vectores linearmente independente, de um espaço vectorial finitamente gerado, não pode exceder o número de geradores do respectivo espaço. Ahh… é simples! Teorema de Steinitz. Em qualquer espaço vectorial gerado por n vectores, os sistemas de vectores linearmente independentes têm, no máximo, comprimento n. Tome nota: decorre do Teorema de Steinitz, que se acaba de dissecar, que os sistemas de vectores, com comprimento superior ao número de geradores do espaço não podem ser linearmente independentes, ou seja, que esses sistemas de vectores são necessariamente linearmente dependentes. Na próxima aula veremos as principais consequências do Teorema de Steinitz. Prepare-se para que possa tirar toda a vantagem deste teorema. Para que isso aconteça, precisa perceber as suas consequências. Se estiver preparado, verá como muito do seu trabalho será simplificado. Reveja o conceito de sistema de vectores, o conceito de sistemas de vectores equivalentes, e ainda o conceito de sistema linearmente dependente e até à próxima aula . 8/8