DIREITO FISCAL 2018/2019 | 2º semestre | Profª Rita Calçada Pires PEDRO MIGUEL SILVA 14 FEV 2019 Sumário: Introdução; programa; método de avaliação; bibliografia; contexto do imposto; pressão fiscal e esforço fiscal; bases de tributação e justiça; fiscais, o sujeito ativo da relação jurídica fiscal) e o contribuinte (aquele que é o sujeito passivo da relação jurídica fiscal, que tem a obrigação de pagar o imposto). Por um lado, temos um privado que, desejavelmente, não quer ver reduzido o seu património; do outro o Estado, que precisa de ir retirar ao património daquele privado recursos que permitam gastar (para cumprir com as suas tarefas fundamentais constitucionalmente consagradas). Por que é que é importante esta visão? Porque, infelizmente, não é incomum encontrarmos na prática formas de pensar os impostos e, por consequência, o direito fiscal demasiado autoabsorvidas. Introdução Pensar o direito público é diferente de pensar o direito privado. A área público-económico-financeira apresenta especificidades. Passando da Economia Pública para as Finanças Públicas, compreendemos que estamos a tentar perceber um modelo de pensamento que tem a ver com uma intervenção do Estado e a forma como o Estado regula a sua intervenção e como arranja os meios para financiar a intervenção circunscrito a um modelo de pensamento estruturado, com regras específicas (há uma espécie de autolimitação). Nas Finanças Públicas, olhámos para a consequência de termos um Estado e de ele ter de intervir. Agora, aprofundaremos a compreensão de como o Estado atua, pensa, estrutura e regula a forma como obtém receita. Situar-nos-emos no lado da receita; especificamente, na receita fiscal. Além da ideia do direito público e do direito público económico-financeiro, a segunda ideia fundamental é nunca encarar o Direito Fiscal como um ser extraterrestre e algo autónomo. O direito fiscal e, portanto, o imposto para ser bem pensado e bem compreendido tem de ser sempre visto levando em atenção que estamos a estudar um dos meios de obtenção de receita pública. É o mais relevante do ponto de vista orçamental / quantitativo e isso significa que, quando olhamos para uma norma fiscal, além do eminente caráter técnico, precisamos de compreender que as opções que o legislador tomou do ponto de vista fiscal são fruto de procurar angariar receita para fazer face a despesa. Com este enquadramento em mente, compreendemos por vezes as loucuras que a legislação fiscal contém e parte da complexidade a ela inerente. Se não esquecermos que o Estado precisa desesperadamente dos impostos para financiar grande parte da sua ação / despesa pública, compreendemos a pressão que existe para a angariação dessa receita. E compreendemos igualmente que pensar os impostos é sempre pensar uma relação jurídica fiscal em tensão entre o Estado (personificado na administração tributária / autoridade tributária AT, quem aplica as normas 1 Exemplo: pense-se numa pessoa demasiado autocentrada. Esta pessoa, muitas vezes, não é capaz de um olhar objetivo sobre a realidade e do impacto das suas ações sobre os outros, que podem ser negativas. Se pensarmos o imposto desta forma autocentrada, corremos o mesmo risco. O que RCP propõe é não pensar o imposto de forma autocentrada, e sim contextualizada. O contexto é o seguinte: o imposto é uma das receitas públicas significativamente a mais importante do ponto de vista orçamental mas tem de ser sempre pensada de acordo com a big picture, o espaço em que se se situa, de maneira a evitar o mais possível a ocorrência de problemas, conflitos, tensões entre o aplicador (AT) e o contribuinte. Nós (juristas) não nos podemos esquecer que temos uma formação duplamente orientada: (relações substantivas), há outra perspetiva: se este quadro normativo não corre como devia, haverá litígio e conflito. Ora, parte do papel do direito é também saber resolver estes conflitos. Enquanto juristas, temos de saber o que acontece quando os intervenientes colidem nas suas pretensões. O direito tem de ser capaz de resolver o litígio. Cada vez mais há uma ênfase para privilegiar, porém, o caráter preventivo; um dos grandes objetivos do direito é que não haja litígio. Espera-se que o litígio seja o último dos recursos. E aqui voltamos ao que dissemos antes: há que pensar bem o direito fiscal, o que passa por saber pensar bem as normas fiscais. E parte desse saber pensar bem é ficar sempre na nossa mente o contexto do imposto. Ele não deve ser visto ao contrário do que julgam muitos fiscalistas de uma forma descontextualizada, desprendida do seu enquadramento nas finanças públicas, no entender de RCP. Deve ser visto no conjunto da variada receita, em face da despesa existente. Em Finanças Públicas, vimos que o imposto é o preço a pagar pela sociedade em que estamos inseridos. Isto é importante quer para o Estado, quer para o aplicador do direito e, sobretudo, para o contribuinte. É necessário compreender que o cumprimento do dever de pagar o imposto também deve recorrer à justificação do porquê da sua existência: o preço a pagar pela sociedade que temos institucionalizada (mas não só aprofundaremos mais tarde esta noção). O que RCP quer na nossa cabeça: sistema fiscal, feito de um conjunto de impostos variado, com regras distintas e próprias para cada um deles. Mas, como sistema, ele está interligado. Há que saber caracterizar o sistema fiscal português, reconhecer os tipos de impostos e as características dominantes de cada imposto e analisar a forma como a UE (e também o espaço internacional) influencia a construção do sistema fiscal português. i) Estudar agora o direito fiscal é acumular conhecimento jurídico sobre a forma como o Estado intervém do ponto de vista económico-financeiro. ii) Estudar direito fiscal e compreender o imposto deve sempre implicar não perder de vista o seu maior contexto. Ele é um dos tipos de receita do Estado e existe, em primeira linha (mas não exclusivamente vejam-se os três elementos de Musgrave). Se o imposto é um tipo de receita inserido nas finanças públicas, e se elas existem não apenas para angariação de receita, mas podem servir também para estabilização macroeconómica e redistribuição, percebe-se que o imposto pode, e irá certamente, servir para cumprir com esta tripla missão. Nota: Direito das Obrigações é uma precedência recomendada para esta cadeira (além de Economia Pública e Direito Financeiro e Fiscal) porque a relação jurídica fiscal é, no fundo, obrigacional. Programa Devemos reconhecer como sendo diferentes os tipos de tributo - impostos, taxas e contribuições financeiras. Iremos identificar os objetivos do imposto, e teremos de estar bem cientes do quadro que a CRP oferece ao imposto. Veremos em que consiste a Constituição fiscal e qual o seu papel. E veremos a relação entre o regime dos impostos e os dados financeiros (questão das Finanças Públicas); saberemos descrever de forma expressa o impacto económico do imposto, e em que é que isso se revela e como se projeta nos privados (para o bem e para o mal). Teremos de saber explicar e densificar cada uma das etapas do imposto. Assim, analisaremos a teoria geral do imposto. Passando da teoria geral para o aspeto mais técnico/específicos, precisaremos de ter a consciência de que o imposto se situa no âmbito de um sistema por isso existe o que designamos por Um dos aspetos das regras das finanças públicas foi tornar claro que as regras da UE têm implicação nas regras nacionais sobre finanças publicas. Também no âmbito fiscal existem regras da UE com profundas implicações nos impostos. Para além do domínio fiscal da UE, o enquadramento e a ação internacional e estrangeira têm impacto na forma como as regras fiscais são construídas, aplicadas e alteradas. Quando RCP se refere aos aspetos internacionais, refere-se ao trabalho de certas organizações internacionais no âmbito fiscal e que tem implicação nacional (ex.: OCDE). Também se refere à forma como os Estados negoceiam e aprovam acordos para eliminar a dupla tributação, instrumento internacional que condiciona a aplicação das normas fiscais nacionais. Pelo art.º 8º da CRP, a propósito da hierarquia das fontes, sabemos que o direito internacional vincula as normas nacionais. Logo, também estes acordos para evitar a dupla tributação vão condicionar as normas fiscais nacionais. Quando RCP se refere já não ao plano internacional, mas sim ao plano estrangeiro, está a referir-se a normas fiscais de outros Estados, outros países. O que é que as normas fiscais da Tailândia ou dos EUA têm a ver com as nacionais? A resposta é sobretudo (não exclusivamente) explorada quando pensamos que o capital é móvel e, face às novas tecnológicas, se deslocaliza num ápice em segundos de uma jurisdição para outra. O que tem isso a ver com a tributação? Uma das bases de tributação é precisamente o capital. Se o capital vai para outra jurisdição, kaput base de tributação. Quando há um kaput na base de tributação, o que acontece à receita fiscal? Desce. Ora, a receita fiscal é essencial para obter equilíbrio orçamental. Há um desespero dos Estados. Há uma competição entre as jurisdições fiscais para captar bases de tributação. Logo, se houver um Estado que tributa 0% ou tributa 1% quando a média internacional é de 20%, o contribuinte prefere deslocar-se para onde paga menos. O Estado fica afetado; isto faz com que 2 as legislações fiscais andem todas interligadas. A construção de uma pode provocar um impacto na outra. Também este movimento e esta relação têm de estar bem reconhecidos por nós, o que torna ainda mais complicado reconhecer a forma como o direito fiscal funciona. É também fundamental saber falar sobre as normas fiscais específicas num imposto. É importante analisarmos impostos em especial. Para RCP, há que entrar com mais profundidade no estudo dos impostos em especial, mas não há tempo para estudar todos os impostos em especial. Por isso, trabalharemos sobre os chamados impostos sobre o rendimento. Existem vários impostos sobre o rendimento, sobre o consumo e sobre o património; vamos começar por analisar os impostos sobre o rendimento, significando que vamos olhar para o IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) e o IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas). Vamos fazer cálculo da determinação do IRS, olhando para o Código do IRS. Faremos isto para perceber que da correta ou incorreta aplicação da norma resulta um impacto no quantitativo a ser pago. Aqui chegamos a uma das dificuldades do direito fiscal: a linguagem usada pelo legislador. Ela é difícil, densa, chata. Há que perceber como se vai de uma norma para a norma seguinte. Há uma lógica de sistematização dos códigos fiscais, uma preocupação em apreender a forma como a linguagem é utilizada e descodificá-la. Para isto é necessário compreender o processo; isto torna muito mais simples abordar outros impostos, inclusive impostos de outras jurisdições. A construção do imposto é semelhante worldwide, pelo que é útil saber pensar o imposto, ainda que ninguém consiga ser especialista em impostos em vários ordenamentos jurídicos. O IRC tem um complicómetro associado: para saber bem IRC, há que saber contabilidade, algo em que os juristas não são especialistas. Aproximamo-nos do IRC com essa noção bem presente; e precisaremos de dominar alguns conceitos contabilísticos. As primeiras aulas são alocadas à forma de pensar o fiscal. Devemos, desde o início, fazer leituras para dominarmos isto. No capítulo das fontes, percebemos onde temos de beber direito fiscal. Além das fontes internas nacionais, e além da UE e do aspeto internacional, mesmo dentro de Portugal, as orientações administrativas internas à administração tributária (AT) são também elas essenciais para saber pensar e aplicar o imposto. RCP preparou um case study com a contribuição para o audiovisual, na versão pré-intervenção do T. Constitucional e pós-intervenção. Passaremos em vista classificações dos impostos e 3 momentos/etapas do cálculo da determinação do imposto, associando a cada etapa as regras aplicáveis. Voltaremos a frisar alguns aspetos económicos (esforço fiscal e nível de fiscalidade, sobretudo). Trabalharemos (perfuntoriamente) as questões do planeamento fiscal, da evasão fiscal e da fraude fiscal, identificando princípios norteadores. Olharemos para a relação jurídica fiscal (aqui são importantes conhecimentos de DO). Há as questões da UE e internacional, e depois disso abordaremos IRS e IRC coleta, deduções à coleta e imposto apurado no final (a ser pago ou reembolsado). Método de avaliação Exame final (100%). ou Oralidade nas aulas (30%) + Exame final (100%). Introdução (continuação) Mais uma vez, vamos enfatizar o contexto em que se insere o imposto e trazer por esse contexto algumas questões económicas, como pressão fiscal e esforço fiscal, ligando à questão dos limites à cobrança de juros, para depois avançarmos para a análise do direito fiscal, distinguindo-o do direito tributário puro e da fiscalidade. Identificaremos que, apesar de a natureza do direito fiscal ser pública, a forma como o imposto está a ser cada vez mais desenhado implica uma aproximação ao universo privado. Vamos identificar no nosso ordenamento das fontes. Nota: a atividade financeira pública está justificada pelas funções atribuídas constitucionalmente ao Estado. PARTE I PARTE GERAL: DO IMPOSTO 1. NOÇÕES INICIAIS I-1. - O PAPEL DOS TRIBUTOS NA SOCIEDADE E NA ATIVIDADE PÚBLICA O contexto do imposto nunca pode ser esquecido. Recordemos que as receitas patrimoniais têm uma importância contextualizada, cada vez mais na contemporaneidade, na resolução de défices orçamentais. As receitas creditícias são importantes para gerar liquidez, estabilização macroeconómicas e, acima de tudo, obter receita para fazer face a défices orçamentais. Estas receitas estão orientadas receitas tributárias tenham uma importância inequívoca, por serem aquelas que, de um ponto de vista orçamental, tendem a garantir (pretende-se que garantam) a cobertura da despesa pública. São a primeira linha; as receitas a que o Estado primeiro recorre. Isto liga-se à função tradicional. Também no âmbito das receitas creditícias podemos ter de emitir receita para obter liquidez (tesouraria) e para fazer uma intervenção macroeconómica. Mas na visão tradicional, a primeira linha de obtenção de receita pública é a das receitas tributárias. E podemos afirmar que a primeira função das receitas tributárias é a arrecadação de receita. I-2. - DIREITO TRIBUTÁRIO VS. DIREITO FISCAL VS. FISCALIDADE: CONCEITOS PRÉVIOS E DISTINÇÕES Vimos que as receitas tributárias podem assumir um de três rostos: imposto, taxa e contribuição financeira (sendo esta figura mais contemporânea). Quando falamos em tributo, referimo-nos potencialmente a qualquer um deles. Em direito tributário, falamos de normas que regulam quer o imposto, quer a taxa, quer aas contribuições financeiras. Se nos quisermos cingir à análise do imposto, já estamos a falar daquilo que é designado como direito fiscal o direito que estuda os impostos, já ultraespecializado dentro do direito fiscal. Isto já significa que será importante distinguir imposto de taxa e de contribuição financeira, visto que o regime jurídico de cada um é diferente. Em consequência, os princípios norteadores também serão diferentes. O certo é que, contemporaneamente em Portugal e não só cabe aos impostos a primeira linha de arrecadação de receita para fazer face à despesa pública. Esta conclusão abre as portas a uma reflexão exterior. Se os impostos são a forma primeira que o 4 Estado tem de arrecadar receita, e se os Estados sociais contemporâneos têm níveis de despesa pública muito elevados, o que é que isso implica para a quantidade de impostos arrecadados? Que sejam muito elevados. É, então, importante, quando avaliamos a questão da quantidade (diferente da qualidade) de impostos arrecadados, para percebermos bem do que falamos e das implicações que uma tão grande dependência dos impostos pode implicar, precisamos de levar em atenção dois conceitos económicos importantes a pressão fiscal e o esforço fiscal. Estes conceitos são, sobretudo, trabalhados por economistas e não juristas. I-2.a) - Pressão fiscal e esforço fiscal Na pressão fiscal, relacionamos o PIB (i.e., a riqueza produzida numa economia) com a totalidade dos impostos cobrados. Relacionamos aquilo que foi produzido com o valor dos impostos cobrados. Isto também se designa por nível de fiscalidade. Este critério é importante porque: i) ii) Ajuda a saber que tipo de Estado nós temos (que dependência o nosso Estado tem dos privados para alimentar a sua despesa, percebendo qual o equilíbrio ou desequilíbrio entre funções públicas e privadas). Se tivermos de falar em política fiscal, e em todas as decisões que o Estado/executivo (Governo, AR) tem de tomar sobre a distribuição da receita a arrecadar, não pode / não deve fazer Estado carregará mais depende de saber se há um ou não um nível de fiscalidade elevado e que impacto existe na relação com a capacidade contributiva, provocando ou não um elevado esforço fiscal. Isto faz-nos suscitar a procura de algo de que falámos em finanças públicas: saber se há ou não um limite à tributação. Nessa busca, é importante ter a noção de como o Estado, mesmo que queira e precise desesperadamente de impostos, não pode, sem mais, continuar a aumentar, aumentar, aumentar, aumentar. É que dizem-nos os economistas haverá um ponto onde, mesmo que o Estado crie as normas jurídicas coercivas que obrigam à contribuição, das duas uma: >> ou já não há capacidade contributiva; >> ou, havendo-a, os agentes económicos optam pela evasão fiscal ou pela fraude fiscal (são conceitos diferentes). A partir do nível de fiscalidade / pressão fiscal, relacionando com a capacidade contributiva, obtém-se o esforço fiscal i.e., o peso que o pagamento dos impostos produz nos contribuintes. Isto dá indicação quanto ao limite ou não de o Estado avançar para exigir mais ou menos impostos. Não é certo que de um nível de pressão fiscal elevado resulte automaticamente um nível elevado de esforço fiscal. Não é obrigatório que por um Estado cobrar muitos impostos em face daquilo que é o PIB que, automaticamente, o esforço fiscal seja elevado. Significa isto que, em certos casos, pode haver espaço para aumentar a carga tributária por forma a financiar a despesa pública e não recorrer nem à receita creditícia, nem à receita patrimonial. Noutras circunstâncias, pode acontecer que de um 5 elevado nível de fiscalidade resulte um elevado nível de esforço fiscal. Se houver um nível de esforço fiscal muito elevado, então o Estado deve ter a noção de que não existe mais espaço para sobrecarregar os contribuintes com impostos e que, se não descer a despesa, tornar-se-á necessário ir buscar a taxas, contribuições financeiras, crédito ou património. I-2.b) Bases de tributação e justiça Além deste juízo macro, de impostos com um todo, há que fazer um juízo numa perspetiva micro, dentro dos vários impostos existentes. Já sabemos que existem três tipos de bases de tributação: rendimento, consumo e património. Naturalmente, atendendo a esta multiplicidade, o Estado também opta por apostar numa destas bases de tributação do que noutras. Ou seja, embora possamos ter esta reflexão sobre o imposto em geral, sobre o nível de fiscalidade, o esforço fiscal e os limites à quantidade do imposto (e a ideia de o Estado retirar meios à economia privada), a verdade é que, também quando olhamos para as três bases de tributação, o Estado decidirá carregar mais numa em vez de outra. Atualmente, os impostos que mais receita fiscal produzem em Portugal são os impostos sobre o consumo e não os impostos sobre o rendimento ou o património. Dentro dos impostos sobre o consumo, destaca-se o IVA. Isto coloca a seguinte questão: será o imposto sobre o consumo o mais justo? Entramos num nível qualitativo, de justiça fiscal. Tem-se que os impostos sobre o consumo são proporcionais, ou seja, iguais para todos ao contrário do que ocorre nos impostos sobre o rendimento, que tendem a ser progressivos. No IRS, temos uma tabela de taxa de imposto que varia por escalões, consoante o rendimento for maior ou menor: quanto menor o rendimento, menos imposto se paga; quanto maior o rendimento, mais impostos se paga. Mas são os impostos sobre o consumo os que mais arrecadam. E mais: nos impostos sobre o rendimento, entre IRS e IRC, o que mais receita oferece é o IRS. Isto parece um pouco estranho: normalmente as pessoas coletivas trabalham com valores muito superiores àquilo que a maioria dos indivíduos tem, e ainda assim são os indivíduos que É isto justo? E por que é que acontece? Tem a ver com o impacto que as normas estrangeiras fiscais tem nas nossas normas internas. Ao contrário do capital que é a base da construção de uma pessoa coletiva e da sua ação lucrativa muitas das pessoas singulares não têm a mobilidade que o capital tem. Não se deslocalizam para outra residência com o puff! de uma transferência bancária, em instantes. Assim, tende a tributar-se menos pesadamente o capital e mais pesadamente aquilo que não tem mobilidade. Porquê? O imposto é a via privilegiada para obter receita para financiar níveis elevados de despesa pública. O Estado não pode prescindir dela; por isso, sobrecarrega quando sabe que a vai conseguir. Isto não é símbolo de muita justiça fiscal. O imposto é a receita privilegiada para o Estado obter verbas para financiar a sua despesa pública, o que faz com que haja uma pressão fiscal elevada, podendo gerar níveis elevados de esforço fiscal, mas é igualmente atendendo à questão do esforço fiscal uma receita que tem limites quantitativos. Além dos limites quantitativos, não nos devemos esquecer de que, precisamente por esta nuvem de quantidade elevada que é o imposto nas sociedades contemporâneas, tal tem implicação na forma como o Estado também vai, do ponto de vista qualitativo, desenhar o sistema fiscal e conseguir equilibrar os interesses em presença, privilegiando capital em detrimento de trabalho, privilegiando consumo em detrimento de capital, etc. Assim, a aposta do Estado em sobrecarregar mais aqui ou ali não é feita por o Estado gostar de ser mau, e há que ter atenção a elementos quantitativos e elementos qualitativos. Quando pensamos em qualidade do imposto, podemos tender a pensar num imposto justo, como juristas bem-intencionados que somos. Mas o certo é que pode haver problemas na questão da justiça, havendo elementos que influenciam a construção e implementação das opções fiscais. E quanto é que é isto? Não soa uma sineta a dizer quando devemos parar. Nem os economistas nos sabem dar uma resposta. Há conceitos que são indeterminados. RCP ouviu o então presidente do T. Contas, Oliveira Martins, dizer que tínhamos atingido o nível máximo de fiscalidade e de esforço fiscal, e o prof. Bagão Félix disse que deveríamos procurar constitucionalizar um limite ao nível de fiscalidade / pressão fiscal. Mas o facto é que, mal ou bem, estamos todos cá e o nível continua muito semelhante não se afastou tanto como se poderia pensar. Lembremos a tendência crescente da despesa; a receita tem de continuar a suportá-la. O que temos é um problema de habituação, pois, quando o Estado aumenta impostos, tendencialmente eles não retrocederão de forma significativa. Olhando aos dados estatísticos que comparam a pressão fiscal portuguesa com a da UE, ainda estamos aquém, por estranho que pareça. Quando olhamos para as normas fiscais, há que não esquecer que o Estado, quando as constrói, tem isto na cabeça. Isto é visível até nas normas aparentemente mais insignificantes, micro. Exemplo: quando o Estado cria (no âmbito do IRC) um pagamento especial por conta sobre outras retenções na fonte previamente feitas, ainda que depois permita deduções no imposto final a pagar, ao exigir o pagamento suplementar, faz entrar dinheiro nos cofres do Estado - mesmo que possa ter de haver um reembolso passado algum tempo. 6 Isto pode acontecer em normas substantivas de criação de suplementos, mas também em normas procedimentais por exemplo, dizer que o Estado, tendo de reembolsar e reembolsando fora do prazo, não tem de pagar juros (quando nós, quando pagamos fora do prazo, precisamos de pagar juros). exigido interna e externamente e tem impacto junto das organizações internacionais e junto dos credores. É mesmo preciso fazer face a um eventual défice ou iliquidez de tesouraria. Nota: se o Estado tem dúvidas, mas quer interpretar uma norma mais acerrimamente, forçando uma liquidação de imposto que eventual gera litígio, no período que medeia, o Estado fica com o recurso, o que pode ser importante para a gestão das contas públicas. Nota 2: veja-se como o imposto é manipulável. Não é simples compreender tudo isto; há densidade e complexidade, há nuances embutidas. RCP nunca quereria ser ministra das Finanças. I-2.c) - A propósito da questão da justiça, é bom ter a ideia de que, quando falamos em direito fiscal (situandonos no âmbito impositivo do imposto, ao contrário da fiscalidade, em que pensamos numa vertente económica), e quando pensamos no imposto que, queiramos ou não, é obrigatório (a coercividade está embutida no conceito de imposto) automaticamente tendemos a ligar o direito fiscal a um direito público. Sendo direito público, com esta lógica de obrigatoriedade e meios de coercividade, somos levados a uma noção tradicional de imposto: o Estado determina, a AT cobra, ponto final. Contudo, pensar no imposto e verificar a forma como o direito fiscal constrói o imposto já não é exatamente tão linear quanto isso. Significa que, apesar de o direito fiscal ser efetivamente direito público (sem a menor sombra de dúvida), tal como em muitos outros ramos de direito público, o direito fiscal tem cedido algum espaço a uma privatização 7 Isto acontece, sobretudo, porque o Estado percebeu que necessita de criar uma relação equilibrada com o contribuinte. É que é dessa relação equilibrada que haverá uma maior adesão da parte do contribuinte a um cumprimento voluntário, afastando-se a litigiosidade fiscal. Mas isto também acontece porque o Estado percebe que, em face da mobilidade dos fatores de produção e a busca que estes fatores de produção fazem (questão da competividade fiscal), o Estado precisa de aderir a um espaço de maior atratividade na norma fiscal. São, então, introduzidos alguns elementos na relação jurídica fiscal que permitem algum consenso entre contribuinte e administração tributária. Existe, portanto, uma dupla dinâmica. Nota: existe, contudo, o princípio da indisponibilidade do crédito tributário, segundo o qual a AT nunca pode abdicar daquilo que a lei diz ser devido ao Estado. Exemplo 1: cada vez mais o Estado tende a privatizar o procedimento de liquidação fiscal. Consciente de que o número de contribuintes é muito grande, e consciente de que não há um polícia para cada cidadão, a Administração Tributária e Aduaneira, para liquidar o imposto, precisa das declarações dos contribuintes significando que, para apurar o imposto a pagar, a Administração Tributária e Aduaneira precisa que alguém lhe diga que, todos os anos, existe a declaração de IRS e, todos os anos, existe a declaração de IRC, as duas feitas de maneira diferente. Enquanto que a declaração de IRS se resume à identificação de valores por parte do contribuinte, a declaração de IRC implica que o sujeito passivo liquide o IVA, ou seja, não só determinando os valores, mas também calculando o que é devido ao Estado. Assim, na de que a lei obriga a que os contribuintes declarem as suas bases de tributação visível nas declarações anuais de IRS e IRC. Todavia, mesmo neste domínio, há diferenças: no IRS, a declaração que a pessoa singular faz é apenas uma indicação dos montantes recebidos e das despesas efetuadas; ao contrário, no âmbito do IRC, não estamos perante um >> imposto heteroliquidável (digo os valores e outrem o Estado liquida), e sim um >> imposto autoliquidável (é o próprio sujeito passivo que determina / liquida o imposto). Não só declara, como aplica a lei fiscal, determinando o imposto devido pagar ao Estado ou que tem de ser reembolsado. Nota: pode haver inspeções tributárias aleatórias, para haver algum controlo disto. Exemplo 2: vimos que as retenções na fonte traduzem uma relação fiscal triangular. O Estado, por saber que não pode controlar tudo, depende de alguns privados para fazerem o seu trabalho. Introduz a figura do substituto tributário. A retenção na fonte, feita pelo terceiro, é mais um exemplo da privatização do procedimento de liquidação do imposto. Veja-se o seguinte esquema, recuperado de Direito Financeiro e Fiscal: Exemplos 3, 4 e 5: criação de uma unidade de grandes contribuintes; existência da arbitragem fiscal; contratos fiscais. I-2.c) (continuação) Depois de contextualizado o imposto e identificado que este imposto é trabalhado essencialmente como um elemento público / em que o Estado tem poder coercivo (e, por isso, identificado, como o objeto de estudo do Direito Fiscal, sendo este um direito público), tal não significa que não tenhamos já nas normas fiscais nacionais elementos que tradicionalmente são assumidos como estranhos para um direito público. Exemplo 1 (continuação): O primeiro exemplo que demos foi o da privatização do processo de liquidação. Vimos que o Estado, em face de um número muito elevado de contribuintes, precisa/depende da informação que estes contribuintes lhe dão para proceder à liquidação do imposto inclusivamente, apontámos que, se é verdade que em alguns impostos o Estado recorre ao contribuinte para ter acesso à informação que lhe permite (ao Estado) liquidar o imposto heteroliquidação em outros tipos de impostos (ex.: IRC), o Estado não só recorre ao próprio contribuinte para declarar / identificar os rendimentos obtidos, mas igualmente para o próprio contribuinte liquidar o imposto autoliquidação. Exemplo 2 (continuação): Falámos, também, na possibilidade que a legislação fiscal concede ao Estado para recorrer a terceiros para fazerem cumprir a obrigação tributária em seu nome a figura da retenção na fonte. De finanças públicas, temos a ideia de que, em certos momentos, o Estado pede a um terceiro para, quando paga ou coloca à disposição certo pagamento, esse pagador reter/retirar uma parte do valor empregue e entregar ao Estado como imposto devido. Exemplo 3: a unidade dos grandes contribuintes é um exemplo que está próximo, mas tende a assumir alguma autonomia. Qual o contexto disto? Quando pensamos em imposto, pensamos numa carta a 15 FEV 2019 Sumário: (continuação). preocupação do Estado em se colocar perto do contribuinte; não há um paralelismo de posições. dos tempos, os agentes económicos têm conseguido demonstrar ao Estado (mal ou bem, dependendo das circunstâncias) que o Estado tem também o seu poder fiscal, de alguma maneira, fragmentado ou fragilizado. Há alguma tendência 8 para nivelar as posições na relação jurídica fiscal Estado / contribuinte. Nem sempre o Estado aparece como o suprassumo que impõe, sem mais, ao contribuinte a sua posição. Isto é visível se pensarmos em multinacionais, em capital, em mobilidade, em tecnologia. Se o contribuinte não gostar de certa forma de tributar e do impacto que isso tem no rendimento ou no consumo, pode deslocalizar-se: procurar outra jurisdição fiscal que lhe seja mais vantajosa. Obviamente que, para o Estado, isto são más notícias; é algo que coloca em risco a obtenção da receita fiscal. Então, tem-se percebido que uma das formas que o Estado tem de tentar garantir que o contribuinte adere voluntariamente ao cumprimento, e sendo que há igualmente uma preocupação por parte do Estado em atender às especificidades do agente económico (contribuinte), uma das imagens passa por tentar estabelecer uma relação jurídica fiscal como algo mais próximo de uma relação cliente / provedor. Um exemplo no nosso OJ é a chamada unidade dos grandes contribuintes. Olhe-se para a LGT, art.º 68ºB. Lei Geral Tributária (LGT) Decreto-Lei n.º 398/98 Está prevista a criação de um acompanhamento permanente a estes contribuintes no processo de gestão tributária. O Estado como que abre uma loja do cidadão fiscal especializada para estes contribuintes; como se fôssemos a um banco e tivéssemos um gestor de conta dedicado. Há uma preocupação de tentar nivelar as relações jurídicas, procurando estabelecer uma relação jurídica fiscal o mais pacífica possível. Quando pensamos em IRC, a maioria do IRC pago é-o como conjunto muito reduzido de empresas, o que parece contrastar com o nosso tecido empresarial, pois mais de 90% das empresas portuguesas são PMEs inclusive, muitas delas são pequenas empresas ou microempresas. Mas não é 9 esta parte que paga a maior quantidade de receita fiscal; são as grandes empresas. Face à importância que as grandes empresas representam nos cofres do Estado, há esta tentativa de criar uma relação jurídica mais equalizadora daí a criação de uma unidade dos grandes contribuintes. Nota: nestes exemplos, não se abdica de qualquer das características do imposto. Não se retira qualquer regra impositiva de indisponibilidade do crédito tributário. Está, sim, a perceber-se que a existência de uma espécie de private banking é importante para estes contribuintes no âmbito do processo fiscal. Exemplo 4: existem contratos fiscais. Recordemos que o imposto é imposto; se não for cumprido voluntariamente, existem no OJ mecanismos que obrigam a esse cumprimento. O ato de liquidação é um tipo executivo, permitindo à administração fiscal executar automaticamente a sua dívida. Porém, na sequência de se perceber que a mobilidade dos agentes económicos pode gerar uma fragmentação muito grande e uma redução consequente muito elevada das bases de tributação (tendendo aí o Estado a perder receita fiscal), significa isto que a legislação fiscal pode ser utilizada como elemento de atração ao investimento, garantindo criação de investimento na economia nacional com o consequente aumento de receita fiscal, entende-se que, em certas circunstâncias, deve a AT poder negociar a obrigação fiscal. Isto pode parecer estranho. Se olharmos para o 37º da LGT, encontramos uma norma que determina a possibilidade circunscrita de serem construídos contratos fiscais. Estes contratos fiscais atuam no âmbito dos benefícios fiscais ou seja, estamos a pensar numa alteração do regime normal de tributação. Os contratos fiscais, tendo como base a tributação normal de determinado rendimento, consumo ou património, podem criar desvios a essa tributação normal, através da concessão de benefícios fiscais contratuais / contratualizados. Durante muito tempo, não tivemos espaço normativo que nos explicasse de forma mais concreta esta realidade. A tese de mestrado do prof. Casalta Nabais (Coimbra) incidiu sobre este tema. Hoje em dia, existe o Código Fiscal do Investimento, aprovado em 2014. Neste diploma verificamos que aqui está estabelecido o regime dos benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo. Não é mau olharmos para o art.º 2º deste diploma, a propósito deste tipo de benefícios; e para os arts. 3º e 4º. Código Fiscal do Investimento Decreto-Lei n.º 162/2014 Da leitura destes artigos resulta o seguinte: o que o Estado pretender garantir aqui é que, quando o investimento tiver em causa milhões de euros envolvidos, criação de postos de trabalho, criação de valor acrescentado efetivo à economia nacional, então, como contrapartida, deve ser possível existir um regime fiscal mais vantajoso para a tributação de quem desenvolve esses projetos de investimento. Nesta circunstância, o contrato fiscal aparece a quebrar a chamada regra da neutralidade (não deve ser pelo elemento fiscal que o agente económico toma a sua decisão de investir ou não investir), mas utilizar o elemento fiscal para tornar mais atrativa a decisão do agente económico de investir, e de investir em projetos produtivos. Em finanças públicas, olhámos para dois tipos de investimento: o que é capaz de produzir e reproduzir valor acrescentado, e aquele que não tem por detrás nem a criação de infraestruturas, nem de impacto no mercado de trabalho, novos produtos, etc, mas única e exclusivamente tornar rentável capital aplicado. É diferente comprar uma obrigação e criar uma fábrica para desenvolver componentes para a criação de robôs com inteligência artificial. Esta diferença faz com que, do ponto de vista fiscal, também faça sentido proceder a um tratamento diferenciado daí a necessidade destes contratos fiscais. A tendência é que os contratos fiscais ocorram para beneficiar o investimento produtivo. Percebe-se porquê: os resultados de impacto na economia e de impacto social são muito superiores ao de um investimento que não seja produtivo. Quando um investidor tem como projeto um investimento produtivo, o elemento fiscal será inevitavelmente um dos elementos a ser considerado, mas não é dizem-nos as estatísticas o principal. Se quero construir e dependo da construção de infraestruturas, vou ter em atenção não apenas o imposto, mas igualmente todas as outras circunstâncias das quais vai depender o sucesso do investimento (ex.: ligação à Internet de alta velocidade). Diferente é a relação com o imposto de um investidor que não tem um investimento produtivo; esse apenas quererá saber com que rendimento líquido fica após o investimento, sendo o imposto o fator determinante, o catalisador da decisão do agente económico. Isto faz com que a norma fiscal se deva relacionar de forma diferente com estes tipos de investimento. Note-se que o elemento fiscal tende a aparecer em 4º ou 5º lugar de importância nos investimentos produtivos; é apenas um elemento, não o único elemento decisivo. Isto faz com que os contratos fiscais tenham mais margem para avançar. Partindo de um regime de tributação normal, estabelece-se um caminho alternativo que beneficie o investimento produtivo. Nota 1: há aqui impacto extrafiscal. O VA do investimento produtivo é catalisador do crescimento económico. Tende a criar-se um conjunto de ferramentas que o Estado possa utilizar para beneficiar o investidor, atendendo à sua circunstância concreta e ao impacto positivo que aquele investimento vai produzir no funcionamento do país. Não se deve retirar daqui que os Estados não querem o outro tipo de investimento. Está a beneficiar-se um tipo; não significa que não se queira o outro tipo. Aliás, quer-se; quando analisamos as taxas de tributação dos rendimentos de capital, em comparação com o valor de tributação dos rendimentos de trabalho, tem-se que a tributação do rendimento de capital tende a ser inferior. Será é injusto? Sim. Mas há dois aspetos a considerar. Tradicionalmente, tínhamos produção e capital remunerado se a produção funcionasse. Atualmente, já não é bem assim. Na última crise financeira, parte do problema foi esse. O correspondente à produção é muito pouco. As exigências do consumo são diferentes, as tecnologias impõem um nível diferenciado, a criatividade humana multiplicou-se e existe efetivamente a mancha do capital direto sobre a função produtiva, mas uma grande mancha está nos derivados investimento sobre o investimento, em cadeia. E tudo isto assenta na expetativa de que a pequena quota-parte da produção funcione. Se a produção não funciona tão bem como devia, toda a pirâmide cai. Os derivados são como que uma ilusão; não são reais, usando os nossos padrões. 10 Derivados Capital Produção Há aqui muitos milhões envolvidos, e o Estado continua a querer atrair o capital, seja ele de qualquer forma. Mas se puder escolher o que lhe é mais vantajoso em termos de impacto económicosocial, escolherá a produção. Mas a função produtora tradicional física está a ir para outros sítios. O que fica nas sociedades ditas tradicionais ocidentais? Capital e, sobretudo, derivados. E há também a questão do digital. Veja-se que, enquanto o rendimento do capital é noutro sítio), o rendimento do trabalho (tirando os trabalhadores móveis, apesar de estarem em crescendo) não é móvel. Onde é que o Estado vai fazer incidir as suas normas tributárias de sujeição? Sobretudo nos rendimentos não móveis; no fator trabalho, e não no fator capital, pois aí perderia base de tributação e, portanto, receita fiscal. Esta complexidade pode criar uma certa injustiça, mas percebe-se a diferenciação de tratamento. Os Estados tendem a ficar agrilhoados quanto ao que tributar e quanto tributar. Nota 2: uma das vertentes que começa a aparecer como relevante em RSE é o pagamento de uma fair share de impostos. Por que é que há uma loucura com os GAFA (Google, Apple, Facebook e Amazon)? Não pagam impostos na proporção da sua efetiva capacidade contributiva. E, por isso, a questão fiscal começa a ser utilizada como parcela associada à RSE. A UE tem um projeto para tributação das grandes tecnológicas. Nota 3: se se faz a distinção entre dois tipos de investimento e a sua diferença em termos de tratamento fiscal, estamos a valorizar um elemento 11 extrafiscal. Um investimento produtivo/reprodutivo é aquele que, no processo de criação de valor, utiliza múltiplos elementos ou interesses, e produz múltiplos impactos. Exemplo: se RCP for para Trás-os-Montes, comprar um mega-terreno e construir uma fábrica de robôs de nova geração com inteligência artificial, que será a fábrica mais desenvolvida do planeta, necessariamente a fábrica vai dar um boost à economia regional. Tradicionalmente requer mãode-obra local; e se vier mão-de-obra especializada, as pessoas precisarão de casa, de ir ao supermercado, ir ao ginásio, etc. Naturalmente, recordando conhecimentos de procura/oferta, haverá um desenvolvimento. O universo produtivo de investimento produtivo tende a rentabilizar, a criar um valor acrescentado. Do ponto de vista fiscal, o legislador pensa em utilizar o imposto para captar este tipo de investimento, pelo que contratualizada benefícios fiscais, isto é, tratamento fiscal privilegiado para este tipo de investimento. Por outro lado, se RCP não criar qualquer fábrica e se limitar a fazer um contrato de swap, ou seja, um contrato financeiro sobre outro financeiro, nada acontece diretamente à região. O Estado não desenvolverá aqui tanto um espaço para benefícios fiscais, o que acontece porque resultados são diferentes; o Estado não é cego ao impacto económico-social. Todavia, o Estado desenvolver um espaço para investimento produtivo não significa que o Estado não queira saber do investimento não produtivo. Esse mercado, hoje em dia, mexe muitos milhões; é importante a atração desses milhões, ainda que produzam coisas virtuais ou aparentes. Exemplo 5: há arbitragem fiscal. Estamos habituados a pensar o imposto como algo coercivo. Se não concordar em pagar, o que acontece? Se ainda puder usar mecanismos de procedimento fiscal, utilizo; se já não puder ou não quiser, posso utilizar mecanismos de processo fiscal. Se tenho um litígio com a AT, posso resmungar para a AT ou para os tribunais. Se resmungo para os tribunais, o que aparece? Há demora, e um espaço preocupante de impacto negativo para o contribuinte tanto em justiça individual, como de justiça coletiva de impacto económico vantajoso pela retirada de determinadas verbas. Porque a justiça fiscal é demorada, criou-se a arbitragem fiscal. A arbitragem é um dos instrumentos alternativos na resolução de litígios. A vertente fiscal foi introduzida em Portugal em 2011. Apesar de o imposto e de a AT não poder dispor do crédito fiscal, permite-se que, na resolução de litígios, em vez de um tribunal tradicional intervir, seja um tribunal arbitral a fazê-lo, significando isto que são nomeados árbitros especificamente para o caso concreto, resolvendo o litígio fiscal em causa. Esta forma de resolver litígios não é tradicional para o direito público. É algo desenvolvido no âmbito do direito privado, porque pressupõe que as duas partes estão em igualdade de circunstâncias e permitem que um terceiro / terceiros resolvam o seu conflito terceiros esses que não são tribunais ou juízes tradicionais, e sim um tribunal feito, geralmente, de especialistas na área. É mais um sinal que demonstra um espaço para a abertura ao privado no âmbito fiscal. se existem ou não limites a obtenção do imposto. Concluímos que sim, o que coloca uma maior pressão nas outras formas de obtenção de receita pública. Há que ter uma leitura integrada do imposto com as finanças públicas. A crescente importância das contribuições financeiras e das taxas, bem como a importância das receitas creditícias, e o papel das receitas patrimoniais em tentativas de estabilização, surge aqui. 21 FEV 2019 Estávamos a compreender que, apesar de olharmos o direito fiscal com um direito público (com todas as características tradicionais/clássicas que daí advêm), tal não deve significar um recusar de alguma abertura deste direito fiscal a alguns elementos privados. Trabalhávamos sobre a identificação e compreensão perfuntória destes elementos. Sumário: Direito tributário vs. Direito fiscal vs. Fiscalidade: conceitos prévios e distinções. I-3. I-3.a) DIREITO FISCAL Natureza e características do direito fiscal Contextualizámos o direito fiscal no quadro das finanças públicas. Isto é importante para nortear o nosso pensamento, nunca esquecendo que o imposto, para ser compreendido, requer ter em atenção a circunscrição nas finanças públicas, no âmbito das várias receitas públicas; sendo aí a receita fiscal aquela que quantitativamente detém o pódio em termos de receita arrecadada. Ainda que estes sejam os dados estatísticos, é importante ter em atenção que estes dados quantitativos devem ter em conta o facto de representarem economicamente quer para a riqueza do país (PIB), quer para os contribuintes em concreto considerados, pressão fiscal / nível de fiscalidade e esforço fiscal. Olhando para a relação nível de fiscalidade / pressão fiscal e esforço fiscal, preocupámo-nos em verificar Também verificámos que, ainda que o imposto e a ciência que o estuda do ponto de vista jurídico (direito fiscal, diferente da ciência que o estuda economicamente, a fiscalidade) implica uma lógica de assumir o Estado as suas vestes de imposição (ius imperii), tal não deve afastar a noção de que também o direito fiscal - e, portanto, também o imposto revelam abertura a elementos privados. Falámos na privatização do procedimento de liquidação. Um primeiro exemplo: as declarações (que dão conhecimento à AT dos factos que permitem a liquidação) são crescentemente da responsabilidade do sujeito passivo (que pode ser o substituto v. 18º, 2. LGT). Nota: falamos em contribuinte nuns casos e sujeito passivo noutros, e não cidadão, até porque pode haver relações jurídicas fiscais triangulares. É necessário ter atenção à linguagem. Vimos, também, a retenção na fonte. Em que consiste? Há um substituto; substitui-se ao contribuinte (mas também é sujeito passivo na relação jurídica fiscal). Trabalhámos a existência da unidade dos grandes contribuintes (art.º 68º-B LGT). Certos contribuintes, pelo facto de assumirem uma certa importância no contributo impositivo, têm espaço para uma lógica diferente de acompanhamento. Há uma lógica de 12 abertura, uma relação jurídica que de certa forma trata o contribuinte como cliente uma espécie de direito privado. Outro exemplo que identificámos foi o dos contratos fiscais. Identificámos uma norma genérica na LGT, o art.º 37º, e verificámos que esse art.º 37º colocava os contratos fiscais no âmbito dos benefícios fiscais. Na lei fiscal portuguesa, os contratos fiscais apenas podem surgir no âmbito dos benefícios fiscais. Há um Código Fiscal de Investimento, onde logo nos primeiros artigos se identifica a regulação desta contratualização de benefícios fiscais no caso de investimento produtivo (por oposição ao investimento não produtivo/reprodutivo, ainda que este também seja almejado pelos Estados). Assim, há uma tributação mais reduzida do que a aplicada aos rendimentos do trabalho isto está ligado a uma mobilidade do capital, embora a mobilidade do fator trabalho esteja cada vez mais presente no mercado (é hoje mais fácil deslocalizar trabalho). O que é o investimento produtivo? Para RCP, deve falar-se em impacto económico-social. O investimento produtivo tem impacto económico; vai tendencialmente desenvolver as atividades económicas circundantes àquele investimento, fale-se na região ou no país, e também tenderá a gerar um impacto social. É preciso ter em atenção que impacto económico é uma coisa e impacto social é outra, que crescentemente deve ser individualizada. Quando falamos em índices de bem-estar e felicidade, em função das políticas públicas, em responsabilidade social empresarial todos elementos que dizem a quem age na economia (seja Estado, seja privado) que devem ter em atenção o impacto que criam não só em termos de crescimento e desenvolvimento económicos, mas em termos de crescimento e desenvolvimento sociais. É algo que tem a ver mais com um retorno social do investimento efetuado, que pode não significar um retorno financeiro. RCP abre este parêntesis porque é importante ficarmos com esta ideia. Este boom também vem por impulso de legislação da UE. Há cada vez mais espaço para desenvolver aquilo que se chama um mercado social, i.e., um mercado de investimento social, que alia, além do retorno financeiro, o retorno social; ou melhor, mais do que o retorno financeiro, promove o retorno social, o que faz com que se deva começar a saber medir o impacto social. Não são só palavras vãs; há toda uma lógica científica a querer apropriarse desta realidade e a demonstrar o impacto social. Uma das questões que se pode colocar é saber se a legislação fiscal também deve avançar de forma a integrar auxílios (benefícios) fiscais a este tipo de investimento com elevado impacto social. Na legislação fiscal portuguesa ainda não temos esse reconhecimento, mas é algo que poderá vir a acontecer. Se privilegio fiscalmente através de contratos fiscais os investimentos produtivos (que 13 abrem espaço para maior impacto económico responsável), pode questionar-se se não devo criar mecanismos fiscais (através de contratos fiscais, por exemplo) para investimento social. Infelizmente, o social washing lavagem de uma reputação social pelas empresas também está muito presente. No espírito, não há no ADN das empresas a verdadeira preocupação com o impacto social, e sim apenas uma preocupação com a imagem. O direito é crescentemente chamado a intervir para mudar o modelo da intervenção e crescimento económico. Rema contra a maré, mas é também uma responsabilidade do direito, para RCP. Em Portugal, financiado por fundos europeus do processo 14/20, há uma iniciativa chamada Portugal Inovação Social, que criou 4 mecanismos de investimento social, que estão a ser desenvolvidos e têm um grau de complexidade muito elevado. Falamos de títulos de impacto social e o impacto que isso tem em medir o impacto social das atividades. À partida, não há qualquer regime jurídico-fiscal de incentivo a estas práticas. Nota: a responsabilidade social empresarial (RSE) também pode ser conhecida por triple bottom line approach. Há que ver que a RSE tem três vertentes: económica, social e ambiental. Assim, quando há uma intervenção económica por pate de um agente económico, se ele for responsável socialmente, tem de atentar a que a sua intervenção tem um impacto económico, social e ambiental. Deve escolher as práticas mais adequadas de forma a garantir que este impacto é o menos negativo possível, potenciando vantagens económicas, sociais e ambientais (abster-se de produzir impacto negativo, promovendo impacto positivo perspetiva negativa e positiva). O investimento social pode intervir nas três vertentes, ou só numa ou outra. Um dos instrumentos que a RSE tem à sua disposição é o investimento social. Estas não são realidades sobrepostas, mas sim conexionadas. Toda esta construção tem base normativa comunitária (UE) seja alguns partes por comunicação da Comissão, seja por diretivas, seja por regulamentos. Nota: não significa que não deva existir uma responsabilidade social desenvolvida pelos indivíduos, por e sobretudo por entidades não lucrativas. Quando falamos em cidadãos, isto tem a ver com uma lógica de cidadania ativa. Quando falamos em entidades não lucrativas, tendencialmente estamos a falar em entidades pertencentes ao chamado setor social. Na nossa CRP, nos três setores económicos, vemos que existem: (i) setor público, (ii) setor privado e (iii) setor cooperativo e social. Isto parece desatualizado, mas numa lei de bases da Economia social, há poucos anos, falou-se em setor social (corresponde à versão atual do setor cooperativo e social). Nota: ideologicamente, alguns pensam na cooperativa como uma forma superior às outras formas sociais. Na própria legislação, a questão política e ideológica está presente. Como juristas, não escapamos a estas realidades. Estamos a falar do setor social, que é feito de cooperativas, mutualidades, associações, fundações, misericórdias, IPSS, uma multiplicidade de instituições que têm a lógica social no seu ADN. Apesar de, quando falamos em SER estarmos a pensar no privado lucrativo e em juntar ao impacto lucrativo a questão económica, ambiental e social, também no âmbito individual e não lucrativo de organização da sociedade civil, com certas formas jurídicas (muitas vezes em associações), há espaço para esta responsabilidade. A lógica de impacto social é sempre o objetivo primeiro e último. Isto surge a propósito da identificação do terceiro exemplo que demonstra, no quadro legislativo fiscal nacional, a abertura a certos elementos do privado. Mas introduzimos, ainda, um quarto exemplo a arbitragem fiscal. Verificamos que, ainda que no âmbito do direito público e, especificamente, no âmbito do direito fiscal é muito importante já ter em consideração que, para lá da forma tradicional de resolução de litígios entre sujeito ativo e sujeito passivo existe uma forma alternativa de resolução desses litígios. Tradicionalmente, estas formas alternativas de resolução de litígios são típicas do direito privado, onde as partes envolvidas se encontram em situações de elevado paralelismo, coisa que tendencialmente não ocorre no âmbito da relação jurídica fiscal (marcada pela coercibilidade; o Estado tem mecanismos de cumprimento forçado na execução fiscal, para quando não há cumprimento voluntário). O mecanismo forçado tende a conduzir ao recurso a vias jurisdicionais. Se não se resolve o litígio no âmbito procedimental, tendencialmente resolver-se-á no âmbito jurisdicional. E existe uma jurisdição especializada no âmbito fiscal: os tribunais administrativos e fiscais (TAF). Além de problemas administrativos gerais, há secções alocadas às questões tributárias. Os Tribunais Centrais Administrativos (TCA) norte e sul também têm secções fiscais, e o próprio STA também tem uma secção ligada à questão tributária. Contudo, um dos aspetos que normalmente está associado à justiça tradicional é a demora na solução dos litígios. É precisamente porque a questão fiscal envolve, muitas vezes, vários recursos que poderiam ou não estar alocados na economia; porque a questão fiscal é relevante para efeitos de investimento (é um dos elementos relevantes para o investimento, embora não o único), teve-se em atenção, face aos níveis de pendência de processos fiscais nos tribunais, que se poderia, em certas circunstâncias, abrir a porta à existência de arbitragem tributária. Dentro do quadro da RAL que tem vários instrumentos possíveis o legislador fiscal português, e aqui fomos mundialmente inovadores, aceitou trazer a arbitragem fiscal para o quadro normativo e judicial fiscal nacional. Assim, permite-se que a solução de alguns dos litígios existentes entre sujeito ativo e sujeito passivo possa ocorrer em sede de arbitragem. Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro A questão da arbitragem tributária vem regulada num diploma específico: o DL 10/2011. RCP aconselha uma leitura em casa. Neste diploma da arbitragem, tem-se que: >>> Nem todos os casos de litígio contribuinte/AT podem ser levados a arbitragem; só alguns. >>> Continua a apostar-se na imparcialidade dos árbitros. Para isso, foi criado o Centro de Arbitragem, onde surgiram inscrições de especialistas em 14 matéria tributária, com análise curricular e a decisão de quem fará parte de uma lista de potenciais árbitros. Face a essa lista, que é pública, o contribuinte se tiver a possibilidade de recorrer à arbitragem tributária e assim decidir fazer pode escolher o seu árbitro. Nesse caso, a AT escolhe também o seu arbitro. Se não chegarem a acordo quanto a um arbitro presidente, é o CAD (centro) que faz a designação. Mas o contribuinte pode não escolher o árbitro, determinando que seja o presidente do centro deontológico do CAD que faça a seleção do árbitro. Nesse caso, a AT também não escolhe. >>> Um terceiro aspeto: o tempo de resolução é muito curto, comparativamente aos tribunais tradicionais. A taxa de arbitragem é algo elevada, o que é criticado ainda hoje como não permitindo uma situação de igual para igual em todos os contribuintes só os que têm alguns recursos podem recorrer à arbitragem e não ficar na pendência dos tribunais tradicionais. Nota 3: não há aqui arbitragem necessária; é sempre por escolha do contribuinte. A propósito da natureza do direito fiscal, percebemos que, ainda que seja um âmbito público e efetivamente público é certo que, em face da importância crescente do imposto na sociedade, do impacto do imposto na economia e da necessidade de balanceamento das posições do sujeitos da relação jurídica fiscal, há alguma abertura na nossa OJ fiscal ao elemento privado - quer por necessidade (ex.: liquidação) quer para garantir atratividade económica de investimento e RSE (ex.: contratos fiscais), quer para garantir uma maior efetividade e proteção dos direitos dos contribuintes (ex.: através da criação da arbitragem fiscal). Essencialmente as coisas são feitas por escrito (há possibilidade de oralidade nas testemunhas, mas é tudo muito restrito) e não há, regra geral, a possibilidade de recurso da decisão arbitral com duas exceções: Olharemos para as fontes do direito fiscal, identificando os aspetos essenciais que temos de conhecer necessariamente, sejam elas fontes internacionais ou internas. Vamos aqui enfatizar dois prismas: Uma questão de inconstitucionalidade, que deve seguir para o TC. O prisma UE, o impacto efetivo que a UE tem no quadro fiscal nacional e o impacto internacional das CDTs (convenções de dupla tributação); Se houver oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (mérito) com um acórdão proferido pelo TCA (sul ou norte) e STA, poderá haver recurso para uniformização de jurisprudência. Nota 1: a prática tem demonstrado que se recorre para o TC só porque sim, porque não se concorda, e o legislador está em processo de alteração da norma. Nota 2: é difícil dizer se estes métodos são mais ou menos dispendiosos do que as taxas de justiça. Por vezes, dependendo das matérias e do grau de complexidade, podem gastar-se aqui grandes fortunas. Não há aqui uma ideia de democraticidade; a vantagem está na rapidez (e, para RCP, tem havido uma tendência para se decidir mais a favor 15 No âmbito interno, em primeiro lugar, a questão dos elementos essenciais e a sua proteção via princípio da legalidade, e, sobretudo, a importância das orientações administrativas (o chamado direito circular) no quadro do direito fiscal. Falaremos de uma realidade que não consta da posição clássica da hierarquia de fontes e da definição de fonte de direito, por vincular única e exclusivamente a administração tributária, mas é de extrema importância no quadro fiscal para antecipar litígios e garantir um cumprimento efetivo das obrigações fiscais. Esta preocupação com o cumprimento efetivo das obrigações fiscais, num quadro empresarial, é crescentemente uma realidade de grande importância. Já ouvimos falar de compliance (cumprimento). Há departamentos de compliance; a questão jurídica está em crescendo. Nesses departamentos de compliance, há uma multiplicidade de regras. A questão fiscal é muito importante. A preocupação em garantir o cumprimento devido do quadro normativo é determinante, e para isso há uma importância crescente das orientações administrativas. Depois de termos passado pela qualificação da natureza do direito fiscal público e de termos identificado alguns elementos privados já assumidos pela nossa legislação no quadro fiscal, há que perceber a importância do imposto no quadro das finanças públicas e as suas limitações foi o nosso ponto de partida, e, para RCP, isto (o contexto) tem de estar sempre na nossa cabeça. Segundo passo: estamos a estudar o direito fiscal, como ciência jurídica que trabalha sobre o imposto. Para isto, devemos ter em atenção que estamos a estudar uma área do saber que é direito público. Quando pensamos em direito público e fazemos a distinção direito público/privado, fazemo-la porquê? Ao qualificarmos uma área do saber como sendo direito público ou direito privado, qual a consequência? A valoração de uma das partes face à outra. Leva-nos a procurar um desnível nas normas, mas tendo em atenção também os abusos de poder e garantir os direitos dos cidadãos. Não estamos a pensar como no direito privado, em que o objetivo é eliminar assimetrias. No público, sabemos que as assimetrias fazem parte da relação. Ao definirmos o campo de análise do imposto no âmbito do direito fiscal por oposição ao direito tributário (tiramos do saco uma série de tributos, tornando isto mais restrito), e à fiscalidade (retirando uma série de preocupações económicas que não olhamos como núcleo duro da nossa análise), vemos que o direito fiscal é qualificado como direito público. Isto já deve pôr na nossa cabeça um conjunto de aspetos que devem ser evidenciados. Nota: o direito fiscal e a fiscalidade têm o mesmo objeto: o imposto. Ao deixarmos de fora o direito tributário, estamos a circunscrever o nosso objeto de estudo. Podemos olhar para o imposto como uma moeda: a mesma realidade, com duas faces. A contraface é a fiscalidade. Qual é a diferença de abordagem? Enquanto que o objeto imposto no direito fiscal está sobretudo ancorado numa lógica de justiça e equidade, no elemento fiscalidade está enquadrado numa lógica económica, financeira. Nota 2: recordámos o início da semana anterior e dissemos que, quando pensamos o imposto e a quantidade que ele representa, devemos ter em atenção o nível de fiscalidade / pressão fiscal, e o impacto que esse nível de fiscalidade tem no esforço fiscal. Estes dois conceitos são conceitos de direito fiscal? Não; eles são conceitos de fiscalidade. Todavia, tal não significa que não influenciem o direito fiscal e que não tenham de ser considerados por ele. Qualificámos o direito fiscal como natureza pública, e fazemo-lo para trazer à colação o que identificámos todo o manancial numa relação jurídica que tem assimetrias. Não podemos esperar encontrar normas fiscais que reconheçam uma paridade de comportamento entre o contribuinte e o Estado. Isso é importante ter na nossa cabeça, tornando segunda grande consequência que haja também na nossa cabeça uma preocupação em fazer uma análise crítica e compreender em que medida, face a normas que provocam esta assimetria, se demonstre a preocupação e garantir de direitos, de encontrar equilíbrio na assimetria senão, questões de justiça não ficam salvaguardadas. Por outro lado, acrescentámos uma outra preocupação, que foi dizer: ainda que seja direito público, e que este nosso saber de encaixar o público vs. o privado tenha de estar ativo, tal não significa que, em face do desenvolvimento do direito em resposta a sociedade e à forma como o Estado se organiza e se relaciona com o cidadão, não tenha reconhecido a necessidade de abrir a porta, quer por necessidade quer por vontade de reforçar garantias a aspetos privados. Por isso, identificámos que existe já na legislação nacional e esta é uma tendência global uma aceitação por parte do legislador fiscal da introdução de elementos privados neste domínio maioritariamente público. Demos quatro exemplos dessa introdução do elemento privado quer por necessidade, por aprofundamento ode densificação de garantias que demonstram esta tentativa de gerir a assimetria como garantia de direitos. 16 Neste exercício, para além da visão de conjunto do direito fiscal, também está embutida do ponto de vista pedagógico a preocupação em lançar conceitos e complexidade desta área de saber. Não só estamos a aproximar-nos a uma linguagem técnica em que usamos linguagem diferente do normal, simultaneamente compreendemos que este vário vocabulário novo e complexo traduz-se, na prática, numa conexão entre ele, aumentando o nível de complexidade. Há que absorver conceitos e apreender a aplicar, antes de começar a olhar para os códigos. É preciso antes aprender a pensar o fiscal, compreender o fiscal. Parte da complexidade do sistema fiscal passa por não ser estável; está em contínua mudança. É que há o enquadramento das finanças públicas e da atividade financeira do Estado, e dos limites qualitativos e quantitativos. Para sabermos direito fiscal, mais do que artigos do CIRC e do CIRS, é preciso ter isto em mente. I-3.b) Fontes: o plano nacional, o plano internacional e o plano da União Europeia. Identificação e o seu relacionamento I-3.b)-i. - Dinâmica europeia O direito fiscal é autónomo, tem um grau de autonomia. Depois de identificado e caracterizado o núcleo do direito fiscal, é essencial identificar qual as bases de onde parte e a que regressa o direito fiscal. Há que determinar de onde é que ele nasce, de onde aparece. De onde vem a norma fiscal? Está onde? Ao longo da nossa formação, já compreendemos que o elemento UE é um elemento determinante quanto aos conteúdos do direito nacional, em múltiplas áreas. No âmbito do direito fiscal, tal acontece também. Identificámos que isto já deveria ser uma decorrência, pois os limites quantitativos ao défice e à dívida tinham origem na UE, para lá de outras tantos exemplos dessa influência e condicionamento que a UE faz ao direito financeiro público. Também nesta receita pública específica, o DUE surge com impacto. Contudo, não com o mesmo grau; não com a mesma densidade. Porquê? Porque ainda que as matérias fiscais sejam objeto de regulação por parte do TFUE a área fiscal está contida como matéria relevante no processo europeu no âmbito do TFUE. Até ao momento tem-se entendido que, para que haja avanço na área da integração fiscal, tem de haver unanimidade. Como podemos calcular, não é fácil atingir a unanimidade, sobretudo quando na cabeça dos políticos ainda está muito enraizada a ideia de que o imposto ainda é o último reduto da 17 sua soberania, a soberania fiscal é aquilo a que ainda se conseguem agarrar e de que não querem abdicar. Falamos de receita pública, e da receita pública mais significativa para o financiamento da atividade do Estado. fiscais dos vários EM meramente coexistam; queremos que se harmonizem e se uniformizem (nota: também há comunicações muito relevantes na área fiscal, mas não têm valor vinculativo). Ainda que a matéria fiscal faça parte integrante do processo europeu, uma vez que o tratado contém ainda a regra da unanimidade para o espaço fiscal, tal dificulta o desenvolvimento de processos de harmonização e uniformização fiscal. Ponto 2: todavia, dentro dos vários tipos de impostos, existe um tipo de imposto onde a uniformização e/ou harmonização é mais sentida: o IVA. O que é que nos ressalta destas intervenções? O tratado está ancorado em quatro liberdades. Todo o processo de integração assenta em quatro liberdades. Toda a construção normativa da UE está a garantir que essas quatro liberdades existem e são efetivas. Essas quatro liberdades têm de ser garantidas. Também o elemento fiscal influencia as quatro liberdades e a sua concretização. Por isso é que, no TFUE, a temática fiscal é uma temática necessariamente integrada, porque vai também condicionar a concretização das quatro liberdades. O que é que o tratado faz? Dá-nos uma norma a dizer que a questão fiscal é uma questão de integração, e deve haver uma harmonização e/ou uma uniformização fiscal entre os EM. Para que tal aconteça, tem de haver unanimidade. Isto explica o que o fiscal está a introduzir no TFUE; a regra da unanimidade explica o porquê de o fiscal não estar tão desenvolvido. Coexistência vs. Harmonização e uniformização Harmonização instrumento: diretivas Uniformização instrumento: regulamento RCP utilizou dois conceitos: harmonização e uniformização. Não queremos que os sistemas Em direito fiscal da UE, vamos encontrar, além do tratado, regulamentos e diretivas. Quando identificámos fontes de direito fiscal da UE, indicámos TFUE, regulamentos e diretivas. Agora vamos perceber por que é que há diretivas e regulamentos, e em que tipo de impostos é que fazem e não fazem sentido. Pensemos no mapa-múndi e no comércio internacional. Pensemos numa das razões que levaram à criação da UE. Face ao comércio internacional, olhando para o mapa do mundo, a criação da UE apareceu porquê? Face aos EUA (e face, de certa forma, também à Rússia). Pensou-se na criação de um bloco regional de intervenção comercial internacional. Fez sentido e continua a fazer sentido, face a este objetivo - criar-se uma barreira física em torno da região UE, face ao resto do mundo. Quer isto dizer, do ponto de vista fiscal, que a questão aduaneira é uma questão relevante. Aquilo que os bens dos EUA têm de pagar de tarifa aduaneira para entrarem na UE, por forma a não privilegiar a não entrada na Holanda e a entrada pela Holanda, pela França, por Portugal ou por Itália, seja toda igual. Para que não haja a escolha pelo regime das tarifas aduaneiras, vamos uniformizar o que é conhecido por pauta aduaneira comum. Na relação UE/exterior/comércio internacional, é indiferente entrar por qualquer um dos países, porque a tarifa aduaneira vai ser exatamente a mesma. Foi a primeira abordagem na área fiscal em termos de uniformização. Percebe-se porquê: queria-se a criação de um bloco regional económico comercial. Criou-se esse bloco uniforme na relação com o exterior. Todavia, começou-se a compreender que, além desta questão de relações comerciais com o exterior, internamente, nas operações chamadas intracomunitárias, era essencial ter também um 18 espaço comum, de regulação, sobretudo ao nível da tributação da base consumo. É por isso que aparece o IVA imposto sobre o valor acrescentado. Este imposto existe em todos os EM. A regulação é feita uma parte por regulamentos, outra por diretivas há uma mistura consoante as matérias. O IVA demonstra que é fundamental a questão fiscal concreta, a tributação sobre o consumo para a dinamização de um mercado interno, assente nas quatro liberdades, e que, por isso, se vão compatibilizando os regimes dos sistemas fiscais dos vários Estados através ora de regulamentos, ora através de diretivas. Nota: há a questão da neutralidade como princípio norteador fundamental a tributação não ser aquilo que gera a decisão de intervir economicamente. Tendo de haver, há a tentativa de criar mecanismos de neutralidade dentro da tributação efetiva. Nota: no IVA, há quadros norteadores comuns, mas certos aspetos foram deixados à discricionariedade dos Estados, tendo em atenção que o IVA prevê três tipos de taxa: taxa máxima (normal), taxa intermédia e taxa reduzida (e, em tempos, houve a taxa zero abdicámos português próa comissão quer que seja tudo pela taxa máxima, até porque parte do financiamento europeu vem de uma parcela do IVA dos Estados Exemplo: Bruxelas está a exigir taxa normal para as fraldas, o que, para RCP, é estranho a considerações de taxa de natalidade, poder de compra, etc. O IVA é o imposto, até ao momento, onde mais espaço para harmonização e alguma uniformização existe. No âmbito dos impostos sobre o rendimento, a tendência é para um reduzido quadro normativo de harmonização (RCP nem fala em uniformização). Os Estados têm permanentemente rejeitado avanços na tributação direta. Ainda assim, ela ocorre: tanto na tributação direta individual, mas sobretudo na tributação direta das pessoas coletivas. Existe uma diretiva para sociedades-mães e sociedades-filhas e as formas como a tributação de dividendos deve ocorrer, com normas internas que absorvem o conteúdo da diretiva. Temos diretivas sobre juros, poupança e a forma como devem ser tributados. E sobre as fusões e cisões de empresas. 19 Há algumas áreas, muito reduzidas e específicas, onde se acordou a harmonização, havendo um espaço muito lato para cada Estado decidir como construir o seu imposto. Dentro das bases de tributação, a que mais tem tido espaço para harmonização e alguma uniformização é a tributação do consumo. O IVA é o paradigma, mas os IECs também estão consagrados nas normativas europeias. No âmbito da tributação do rendimento, há uma grande retração dos Estados em assumir e aceitar essa retração. Ainda assim, existem algumas diretivas sobre a matéria, determinado sobretudo um a intervenção em áreas muito especificas, nomeadamente nas sociedades (tributação das pessoas coletivas), o que implica uma transposição para as OJ dessas diretivas. Uma das formas que a União tem encontrado para contornar a regra da unanimidade e assim densificar o impacto do direito UE no direito fiscal nacional tem sido através daquilo que é conhecido por harmonização negativa. Quem é o ator principal da harmonização negativa? Harmonização positiva >>> diretivas Harmonização negativa >>> TJUE Na harmonização positiva, há um ato normativo UE a regular determinada situação, e harmoniza-se a legislação dos EM de uma forma normativa específica, onde há uma parte imposta e uma parte em que há dado um espaço ao Estado para implementação. A harmonização negativa baseia-se no caso concreto. Pode haver casos, em várias áreas e no fiscal é determinante em que quem faz a harmonização não é o legislador comunitário e sim o TJUE, a jurisprudência comunitária. Tem sido esta a via para ultrapassar os bloqueios que a regra da unanimidade produz. Se os Estados não chegam a acordo, o TJ avança. E isto tem sido construído através de jurisprudência do TJUE, que utiliza as quatro liberdades para criação jurisprudencial fiscal. Isso cria impacto. Exemplo: art.º 17º-A do CIRS. Foi introduzido diretamente como consequência de jurisprudência do TJUE. Esta norma ou melhor, uma norma equivalente tende a existir em todos os Estados da UE, com valores diferenciados, mas equivalente existe, e foi por via de jurisprudência. Se, pelo contrário, não for considerado residente em Portugal do ponto de vista fiscal, a tributação será pelo rendimento bruto, por retenção na fonte. Não haverá obrigação de declarar o que quer que seja, e o imposto devido é retirado do rendimento bruto, sem atenção às circunstâncias individuais do contribuinte. Não há dedução possível ao rendimento ilíquido. O que é que este artigo vem dizer? Se um residente na UE, mas não residente fiscal em PT (seria, à partida, tributado pelo rendimento bruto) obtiver mais de 90% dos seus rendimentos totais pode, aqui, escolher ser tributado como residente, podendo, portanto, fazer as deduções devidas no quadro da legislação nacional. É o que nos diz o art.º 17º-A; ele criou um regime que procura não tratar de maneira diferente os residentes UE, independentemente de serem ou não residentes fiscais no Estado. Nota: no âmbito fiscal, 99% das vezes, não se fala em nacionalidade. O que há é residência fiscal ou não residência fiscal. O tipo de tributação varia consoante sejamos ou não residentes fiscais. A residência fiscal, 99% das vezes, não tem que ver com a nacionalidade. Código do IRS (CIRS) Lei n.º 82-E/2014 A norma tem este específico conteúdo: estamos a determinar quem é sujeito de IRS, e estamos a dizer que quem é residente em Portugal vai ser tributado pela totalidade dos seus rendimentos (worldwide income). Há a ideia de que quem é residente do ponto de vista fiscal é tributado pela totalidade dos seus rendimentos, onde quer que tenham sido obtidos. Isso pode ser vantajoso. É que se eu for residente e for tributado por todo o meu rendimento, faço anualmente uma declaração de rendimentos e não sou tributado pelos valores brutos que recebo valores ilíquidos mas faço um conjunto de deduções, retirando valores que o legislador considera essenciais para obter esses rendimentos, e a tributação é feita sobre um rendimento diferente do rendimento bruto. A taxa de imposto incidirá sobre 600; e é diferente ser tributado por 1000 ou por 600, obviamente. Se for tributado por 600, pagarei menos. Há uma redução que tem em consideração a situação individual do contribuinte. Exemplo: por que é que é importante o regime dos vistos gold? Porque dá entrada no âmbito da UE e a um conjunto de direitos, incluindo os fiscais. Para determinar a residência fiscal, o critério não tem a ver com a nacionalidade, e sim com a permanência física no território. Passei mais de 183 dias em território português, mas sou do Bangladesh? Naquele ano concreto, sou tributado em Portugal (17º CIRS). Isto é determinado pela legislação, embora certos Estados (ex.: Irlanda) permitam a opção sobre a residência fiscal. Isto não impede que possa ser considerado residente fiscal em dois ou mais estados, e tem de haver formas de resolver isso, pois não vou ser tributado duas vezes pelo rendimento total. Além da residência, outro elemento de conexão é a fonte. O legislador diz também: se não fores considerado residente fiscal cá, mas tiveres cá obtido rendimentos, vou tributar-te por rendimentos que cá obtiveste como não residente porque sou o 20 estado da fonte, da origem dos rendimentos. Aqui é só pelos rendimentos cá obtidos. Mas se a maioria dos rendimentos obtidos forem cá, e eu for UE, então posso escolher ser tributado como os residentes em Portugal (tenho de manifestar essa vontade para isso acontecer). A harmonização dos impostos diretos ocorre cá, UE. Demos o exemplo do 17º-A - um artigo só. O exemplo do 17º-A do CIRS é um caso em que houve harmonização negativa; em que o conteúdo da norma fiscal nacional nasceu de uma construção da UE - não de uma diretiva, mas de um acórdão do TJUE. 22 FEV 2019 Sumário: Fontes do direito fiscal (continuação). Vamos continuar a identificação das fontes do direito fiscal. Estávamos no tratamento do direito fiscal da UE. Tínhamos dito que a temática fiscal surge, desde logo, no TFUE, quer determinando que o conteúdo fiscal é parte do conteúdo objeto de integração portanto, eminentemente e intimamente ligado às quatro liberdades mas também afirma que o procedimento de integração deste processo de construção fiscal deve passar por uma regra de unanimidade. Verificámos que esta regra de unanimidade dificulta muitíssimo a construção efetiva de um espaço de integração fiscal. Dissemos que esta integração ocorre por via de uma harmonização, mas em alguns domínios também por via de uma uniformização. Significa isto que encontramos matérias fiscais reguladas por diretiva e matérias fiscais reguladas por regulamento. 21 Dissemos também que, quanto ao conteúdo fiscal normativo (as regras em concreto e a propósito das bases de tributação em concreto), a maioria do processo de integração ocorria nos impostos sobre o consumo. Foi aqui que, desde o início, houve espaço para uniformização e harmonização, sobretudo ao nível do IVA, mas também dos IECs (têm bases UE). Além da questão do consumo, tem-se que o rendimento e o património (sobretudo o rendimento) também são objeto de uma preocupação de integração. Essa integração tem sido feita por via de diretivas em que tipo de rendimento? Uma das vias que tem sido encontrada para estimular e aprofundar a integração, sobretudo por via da harmonização, tem sido utilizar jurisprudência do TJUE para conseguir a tal harmonização negativa. E aqui sim, surge o rendimento das pessoas singulares. Isto por jurisprudência do TJUE (a via das diretivas está mais no âmbito das pessoas coletivas). Vimos um exemplo concreto de um acórdão do TJUE que deu origem a que, internamente, os EM alterassem a sua norma fiscal para compatibilizarem com a interpretação feita por esse tribunal. Demos o caso do 17º-A do nosso CIRS. É importante ter atenção a normas internacionais condicionadas por construção UE, que tanto pode ser de harmonização como de uniformização. A tendência é uma ultravalorização da harmonização seja ela harmonização positiva ou negativa. Vemos que existem casos concretos na nossa legislação com impacto real e efetivo. Volte-se a frisar que se entende que as quatro liberdades têm impacto na forma como as normas fiscais nacionais devem ser desenhadas e interpretadas. Como fonte de direito fiscal, temos o direito fiscal europeu, onde encontraremos diretivas, regulamentos e pelo impacto que tem na forma como as normas nacionais são criadas jurisprudência do TJUE. Já aqui há um manancial de orientações que condicionam a construção nacional. Mais uma referência: há que ter em atenção que, apesar de o que referimos ser hard law, não significa um desvalorizar de instrumentos de soft law. Como RCP já invocou, as comunicações da Comissão sobre matéria fiscal são muito importantes e influenciam comportamentos. A temática e a discussão que existem no internacional entre hard law e soft law, transposta para o nacional e que existe transversalmente à UE como um todo, é um aspeto também a ser atendido no fiscal. Há mecanismos de soft law fiscais europeus. Têm uma forma mais robusta: existe um código fiscal. Não é um código normativo, não tem valor vinculativo) para o comportamento fiscal das empresas), aprovado por comunicação. Aquilo que a UE produz em termos fiscais não se fica pela tradicional hard law; também temos soft law. Ela influencia comportamentos, quer no desenho das normas dos Estados, quer no comportamento dos agentes económicos, quer na pressão que coloca nos sistemas fiscais e relações internacionais fiscais. I-3.b)-iii. - Dinâmica internacional Abaixo da Constituição, temos o direito internacional fiscal. Aqui, estamos a falar de certas normas* internacionais que procuram resolver problemas de plurilocalização. A chave aqui é plurilocalização. Isto implica duas coisas: I-3.b)-ii. - Dinâmica interna Além do direito fiscal UE, também é fonte de direito fiscal UE a Constituição. Existem artigos específicos da CRP sobre a temática fiscal, que, como vimos afloram nas Finanças Públicas. Vejam-se os arts. 103º e 104º. Neles encontramos o núcleo duro da chamada Constituição fiscal. Todavia, além dos arts. 103º e 104º, também são importantes o 165º, 1., i). Embora só mencionar estes artigos seja talvez redutor, em termos de sumo de construção de norma fiscal substantiva, o 103º, o 104º e o 165º, 1, i) são o núcleo duro da Constituição fiscal. Dela retiramos, por exemplo, finalidades do imposto (103º, 1.). No 103º, 2. vemos a importância do princípio da legalidade do ponto de vista da substância dos elementos essenciais do imposto. No nº 3., vemos a importância do princípio da não retroatividade. Quando olhamos para o 104º da CRP, encontramos as razões de ser e os princípios norteadores de cada base de tributação em concreto. Se olharmos para o nº 1 e o nº 2, vemos os impostos sobre o rendimento pessoal e das pessoas coletivas. No nº 3, encontramos a base de tributação património; e o nº 4, a base de tributação consumo. Temos aqui orientações quer em termos de finalidade, quer em termos de princípios orientadores, quer em termos de conteúdo que as regras devem concretizar. É importante ter já esta noção de Constituição fiscal. >>> Por um lado, implica ter consciência de que o poder tributário de um Estado está circunscrito a um território. No news, mas é o ponto de partida. Assim, esse Estado só vai tributar aquilo que tiver conexão com o seu território. Que elementos de conexão fiscal existem? O critério de conexão pessoal reconhecido internacionalmente como gerando poder de tributar é a residência. Portanto, um Estado, para tributar um indivíduo, uma empresa, um sujeito passivo, seja ele pessoa singular ou pessoa coletiva, só o pode fazer se - hipótese 1 - o sujeito for residente. >>> Por outro lado - hipótese 2 - o Estado, mesmo que aquele indivíduo ou aquela empresa / pessoa coletiva não tenha residência fiscal no seu território, ainda assim terá competência tributária se for o designado Estado da fonte. Falamos em fonte do rendimento, local onde ocorre o consumo ou local onde está situado o património. Quando o Estado quer determinar a sujeição ao imposto, a sujeição é aferida pela residência ou não residência e pela fonte. 1ª etapa identificação dos elementos que dão origem ao poder de tributar (residência e fonte). 2ª etapa o Estado pode, numa situação em concreto, fazer coincidir os dois critérios. Pode ser o 22 Estado da residência e o Estado da fonte. Nessa circunstância, tendencialmente, não há lugar a plurilocalização, porque é uma situação interna, com conexão com apenas um território fiscal. Só ativa os elementos de conexão naquele território. Porém, pode ocorrer e hoje é comum que aconteça, e a tendência é isto multiplicar-se que, face à mobilidade dos agentes económicos e fatores de produção, a conexão com os territórios fiscais possa ser múltipla, plural, e que dessa conexão com vários territórios resulte ativação de várias regras fiscais nacionais. Ou seja, mobilidade dos agentes e dos fatores de produção tenderá a gerar plurilocalização, fazendo com que possam ser ativadas várias regras nacionais que identifiquem a conexão com o território fiscal. 3ª etapa então, se são ativadas várias normas nacionais que dão poder tributário, imagine-se a dois Estados, dizendo-se estes dois Estados competentes para tributar o mesmo sujeito e o mesmo rendimento, o que acontece? Dupla tributação jurídica internacional. 3 Significa então que há uma potencialidade muito grande de ocorrer dupla tributação. Quando falamos em dupla tributação, esta situação é uma chamada dupla tributação jurídica internacional (outros tipos de dupla tributação existem lá chegaremos). Há o mesmo sujeito passivo, o mesmo rendimento, mas dupla tributação. É um problema de justiça fiscal, e temos de procurar uma forma de o resolver através do direito. Que direito? O direito internacional fiscal. Temos, então, de identificar a forma como o direito resolve estes problemas de dupla tributação jurídica internacional; é através desta fonte. A forma como tradicionalmente, entre os anos 1890 e agora, a tradição tem feito com que o instrumento principal utilizado para resolver estas situações de dupla tributação jurídica internacional sejam as convenções para evitar e eliminar a dupla tributação CDTs, que têm sido, em 99,8% das vezes, bilaterais, ou seja Estado a Estado (ex.: Estado A com Estado B, Estado A com Estado C, etc.). Tudo tem assentado na construção de redes para solução dos problemas de dupla tributação jurídica internacional. Assim, sob a forma internacional de um tratado, negociado Estado a Estado, estabelecese um conjunto de regras que tentam resolver as situações de dupla tributação jurídica internacional. Por isso, quando pensamos em fontes do direito fiscal, também é extraordinariamente importante conhecermos a existência destas convenções. Tantas mais teremos quanto mais o Estado for proativo e quiser alargar o núcleo das relações internacionais económico-fiscais. Recapitulando: 1 - Para averiguar da sujeição a imposto, os Estados utilizam dois elementos de conexão residência e fonte. Cada Estado determina as suas regras próprias quanto à ativação da residência e da fonte. 2 - Se existir mobilidade dos agentes económicos e/ou dos fatores de produção, acontece potencialidade elevada de serem ativadas várias legislações fiscais de sujeição, determinando residência ou fonte. 23 Percebemos agora por que é que também esta área é uma área científica especializada. Outro semestre não chegaria para dominar o direito internacional fiscal; não basta decorar o conteúdo das convenções. Atenção: estas CDTs condicionam a aplicação nacional da lei fiscal. Podemos ter uma norma fiscal a dizer que vamos tributar o rendimento X da pessoa Y (a norma nacional diz que o Estado tem direito a tributar aquele rendimento daquela pessoa), mas, pela convenção que o Estado tem com o país do lado ou de outro canto do mundo, na negociação bilateral, para eliminar a dupla tributação, o Estado abdica de tributar. Portanto, ainda que haja uma internacionalmente o Estado assume o compromisso de, naquela situação concreta, não efetivar a tributação. Muda tudo. A construção e aplicação da norma nacional fica condicionada, alterada. Nota: quando procuramos identificar a fonte de direito fiscal que influencia a aplicação do nosso direito fiscal nacional a fonte é a convenção para eliminar a tributação específica. Se temos uma situação com o Japão, tem-se que, em primeiro caso, a nossa fonte interna é a convenção PortugalJapão. Não é, no caso do Japão, a convenção Portugal-Brasil; essa nada me interessa. As convenções bilaterais são diferentes: posso ter acordado uma coisa com o Brasil e outra com o Japão. Uma negociação internacional é feita de equilíbrios. Podemos ter uma preocupação PortugalJapão mais com os rendimentos de capital, e Portugal-Brasil mais com os rendimentos profissionais. Isto faz com que na negociação haja especificidades próprias daquela negociação. Tal provocará necessariamente desigualdade, mas é uma desigualdade negociada. É diferente Portugal negociar com os EUA e com as Ilhas Maurícias (e temos CDTs com os dois). Os EUA querem uma coisa, têm mais poder, menos curvatura do que nós, e naturalmente aparece a ideia de uma distinção de tratamento. Todavia, para tentar criar um espaço comum e atenção a RCP não usar a expressão uniformizado a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos) tem, já desde os anos 60, um modelo de convenção que inspira as negociações bilaterais. Este modelo de convenção da OCDE contém a estrutura normativa usual, com as opções recomendadas pela OCDE, que os Estados devem incorporar nas suas convenções concretas. São recomendações. Também a ONU tem um modelo de convenção semelhante, mas com algumas alterações para favorecer os países em desenvolvimento. Mas isto ainda complica: o modelo de convenção da OCDE, além do normativo que aconselha com as opções determinadas naquele modelo, tem ainda aprovado em apenso um conjunto daquilo que é chamado de comentários aos artigos, onde os Estados foram acordando interpretações aos artigos, à tal proposta de normativo do modelo de convenção por ex., quer sobre o que se entende pelo conceito de direção efetiva, quer sobre o que se deve entender por sociedade transparente e as implicações para a dupla tributação. Há um grande grau de complexidade que pode haver. O modelo de convenção, que é soft law (e não hard law, como as convenções aprovadas e absorvidas no nosso OJ) apresenta esta dupla vertente: orientação na organização dos poderes tributários reconhecidos (organização dos artigos e dos conteúdos desses artigos, mera recomendação não vinculativa que pode oscilar nas convenções individuais), e simultaneamente inclui um conjunto de comentários aos artigos que ajuda à sua interpretação (dos artigos do modelo de convenção). Há uma grande discussão doutrinária e jurisprudencial quanto ao valor desses comentários se são efetivamente vinculativos para a AT ou não, em que medida têm ou não impacto. Ou seja, também no internacional fiscal, a par da hard law (CDT específicas), também existe soft law. Exemplo dessa soft law (não único) é a questão do modelo de convenção da OCDE para eliminar a dupla tributação, que contém não apenas corpo normativo indicativo do conteúdo e das opções efetivamente tomadas pelos Estados na distribuição do poder tributário, como também contém comentários que ajudam a interpretar as opções normativas desse modelo de convenção. Questão suplementar: porque se compreende que há impacto negativo nesta ideia de mera bilateralidade e de criação da tal discriminação, está a discutir-se (não será amanh construção de convenções multilaterais para tentar evitar a dupla tributação, o que resolveria parte do problema da diferenciação de tratamento. O exemplo mais desenvolvido disso, que está à espera de ser ratificado por muitos Estados, é, no quadro da OCDE e na sequência de um megaprojeto que ocupou os últimos anos da BEPS a criação deu uma organização multilateral para alterar as CDTs bilaterais todas de uma só vez, em bloco, para combater a fraude e evasão fiscal, e o planeamento fiscal agressivo. Veja-se que, quanto mais mobilidade os agentes tiverem para escolher a jurisdição, tendo uma rede de acordos bilaterais diversificados, significa que quem tem mobilidade vai estudar os acordos e deslocalizar-se para certa jurisdição para ficar com aquele acordo. É o que normalmente se apelida de treaty shopping. Uma das formas de combater isto é ter uma visão multilateral. De alguma maneira, o treaty shopping fica impossibilitado face a uma harmonização das opções consideradas. 24 Nota: esta convenção pretende introduzir alterações em certos aspetos, e que todos os membros da OCDE adotem isto. A ideia é alterar em bloco, mas não o total, apenas parcelas. Nota 2: BEPS quer dizer base erosion profit shifting. O que significa isto? Erosão das bases de tributação, diminuição das mesmas. O profit shifting significa uma deslocalização dos lucros empresariais para jurisdições fiscalmente relevantes. Isto acaba na redução das receitas fiscais dos Estados. Houve um projeto, culminado em 2016, em que se promoveram certo tipo de alterações em aspetos específicos de tributação internacional. Nota 3: há que perceber que o modelo do internacional fiscal, que é um modelo de cooperação baseado em acordos bilaterais, é insuficiente para fazer face às especificidades do hoje (evasão e fraude fiscal), e é necessário, mais do que multilateralidade para RCP a questão da globalidade. Talvez esta seja uma questão para os trisnetos de RCP, mas há a ideia de um direito global fiscal, que passa por uma ideia de harmonização, se não uniformização das regras fiscais (face ao hoje, isto não é exequível). O problema da evasão e da fraude fiscal acontece essencialmente porque os sistemas fiscais são diferentes, indo os agentes económicos à procura dos sistemas fiscais que lhes são vantajosos. Se não houver diferença, acaba a questão do elemento fiscal como catalisador da competividade, daí ser vantajoso ponderar uma lógica de globalidade. Nota 4: há a possibilidade, altamente condenada internacionalmente, mas feita persistentemente pelos EUA, que é a questão de, mesmo que tenha negociado internacionalmente um tratado, criar uma norma interna completamente contrária a esse compromisso internacional, norma essa que derrogará a norma internacional. Connosco não funciona (v. art.º 8º da CRP); podemos até ter a norma interna, que ela não suplanta a internacional. Exemplo: há uma legislação norte-americana que impõe deveres de comunicação internacionais, e impõe-nos unilateralmente aos agentes económicos. Isto existe e é aplicado. 25 Nota 5: ainda que vejamos os poderes a tomar certas opções, tal não significa que seja o caminho mais vantajoso. Enquanto juristas, devemos questionar certos aspetos. O facto de algo ser o natural e o normal é o adequado? O que pode ser feito? RCP acha que não nos devemos demitir da responsabilidade. Isso tem de ser pensado, estruturado e integrado. 28 FEV 2019 Sumário: Fontes do direito fiscal (continuação). I-3.b) Fontes do direito fiscal (continuação) Estamos a analisar as fontes do direito fiscal, ou seja, estamos a identificar quais os instrumentos normativos que temos de ter em atenção quando estamos perante um caso de direito fiscal. Apesar de aquilo que vamos trabalhar ao longo do semestre ser essencialmente direito fiscal nacional, ainda assim, temos de ter consciência de que este direito fiscal nacional, quer nos instrumentos normativos identificados, quer nos conteúdos previstos, também é influenciado e condicionado por fontes normativas da UE e por fontes normativas internacionais. Portanto, o que fizemos até ao momento foi determinar que existe um direito fiscal da UE, que significa, em primeira linha, TFUE (normas abrangentes que explicam e determinam que a matéria fiscal também faz parte do processo de integração, dando-nos uma resposta quanto ao procedimento de aprovação), e, do ponto de vista de norma concreta de regime fiscal, diretivas e regulamentos (harmonização positiva), mais jurisprudência do TJUE (harmonização negativa). RCP volta a frisar: o que estamos a identificar são instrumentos normativos. Dentro de cada um dos instrumentos normativos, temos também conteúdos veja-se a separação. Identificámos os instrumentos. E os conteúdos? Os regulamentos atuam sobretudo no âmbito dos impostos indiretos (sobre o consumo), impostos sobre o consumo esses que também têm diretivas, sendo que as diretivas são claramente a opção assumida no âmbito dos impostos diretos (sobre o rendimento). Vimos que as diretivas da UE, em termos de tributação do rendimento, atuam sobretudo no âmbito da tributação das pessoas coletivas (sociedades) dividendos, juros, fusões, cisões. Outras matérias suplementares podem ver a luz do dia no direito fiscal da UE, mas há a discussão se são verdadeira fonte de direito, porque não têm caráter vinculativo: soft law, comunicações da Comissão que até podem ser importantes (por ex.: tributação das empresas). Ponto 1: ao falarmos de fontes, estamos a identificar instrumentos, mas a cada tipo normativo corresponde um conteúdo, em termos de regime construído. Identificámos o direito fiscal da UE como um direito que influencia o direito interno e a que, por isso, precisamos de ter atenção. Há formas jurídicas, fontes, mas cada forma tem um conteúdo próprio, dentro da temática de cada tipo de imposto. Depois analisámos que, na nossa Constituição, temos também um conjunto de normas que trabalham sobre a temática fiscal, a que a doutrina normalmente apelida Constituição fiscal. O núcleo duro desta está nos arts. 103º, 104º e 165º, i). Estes três artigos contêm princípios norteadores do imposto, que desenvolveremos ao longo do semestre. Temos um texto constitucional com um conjunto de conteúdos importantes no âmbito fiscal. A fonte é a Constituição. Identificámos que também é muito importante o direito internacional fiscal. Percebemos que o internacional fiscal surge como uma imperiosidade quando pensamos na globalização, na mobilidade e na tecnologia, porque estas situações levam a que ocorra deslocalização das bases de tributação, que dá origem a plurilocalização. E, havendo plurilocalização, a tendência é, como consequência, a dupla tributação jurídica internacional, i.e., o mesmo sujeito passivo e o mesmo rendimento serem tributados duas vezes. Ora, quer por razões de justiça, quer por razões económicas de não entrave ao crescimento e desenvolvimento das operações plurilocalizadas, tem o direito a necessidade de resolver essas situações. Daí que a primeira fonte do internacional fiscal sejam as convenções para evitar e eliminar a dupla tributação (CDTs). Este instrumento normativo tem de estar na mente do legislador fiscal. Se tiver uma situação plurilocalizada, cuidado: não posso aplicar a norma nacional sem mais. Tenho de procurar saber se existe ou não um CDT para saber como resolvo a situação, uma vez que a norma fiscal nacional cederá em face do conteúdo do CDT. Mas estas convenções, que são ainda bilaterais, significam que o Estado está na necessidade de construir uma rede de CDTs; está a nascer uma lógica de multilateralidade para certas situações em concreto. Isto é hard law. Existem, ainda assim, certos instrumentos de soft law no âmbito internacional. O exemplo mais importante, em face desta visão bilateral e desta rede de convenções, foi perceber se não havia qualquer instrumento que pudesse servir de suporte a estas convenções. Há o modelo de convenção da OCDE sobre as CDTs. Este modelo é composto quer por um conjunto de articulados (com conteúdos tributários, determinação de competências tributárias consoante os tipos de rendimento), mas também é texto corrido com comentários. Tem um aspeto normativo, que influencia a organização e a tomada de opções no âmbito dos CDT bilaterais, e tem um conjunto de considerações tomadas pelos Estados quanto às interpretações daquilo que é tido por regra nos artigos. Também existe um conjunto de construção doutrinal de uma organização internacional sobre estas matérias do internacional fiscal. Falámos na questão de ser vinculativo ou não; dissemos que a maioria da jurisprudência e dos autores não tem atendido aos comentários como algo vinculativo. Vimos que a dupla tributação assentava na existência de dois elementos de conexão territorial que os Estados assumiam como determinantes: residência e fonte. Para aferir a sujeição a um imposto num determinado território, teremos sempre de encontrar uma ligação entre o indivíduo ou pessoa coletiva e aquele território. Essa ligação é feita pela residência e pela fonte. Como vimos, não aparece aqui a nacionalidade. Ela não é o critério escolhido para aferir da ligação territorial, e, portanto, da ligação ao imposto tirando EUA e Filipinas, os outros países do mundo olham à residência e à fonte (e mesmo os EUA estão a ponderar deixar a nacionalidade de lado). Quando pensamos em dupla tributação, pensamos num Estado (que se diz ser o Estado da residência) e noutro (que se diz ser o Estado da fonte). Quer o Estado da residência, quer o Estado da fonte 26 querem tributar o mesmo sujeito e o mesmo rendimento. Temos uma situação de dupla tributação jurídica internacional. Isto pressupõe uma unidade: só pode haver uma residência e só pode haver uma fonte. Todavia, porque as normas fiscais que determinam a residência são muito semelhantes no mundo todo, há um espaço crescente com a mobilidade e a tecnologia ainda mais para haver dupla residência, ou seja, um indivíduo ou uma empresa ser residente em dois sítios. Isto não pode ocorrer. As convenções também resolvem este problema de dupla residência, dizendo qual é o território que tem a ligação mais forte, e onde, portanto deve ter primazia como Estado da residência. Exemplo: um piloto de aviões comerciais que trabalha para a SATA, pela lei fiscal portuguesa como tem um contrato de trabalho com a SATA, que é portuguesa é considerado residente fiscal, podendo viver, por exemplo, nas Canárias e deslocando-se para cumprir com o seu trabalho. Há uma regra fiscal portuguesa que diz que, se os pilotos a 31 de dezembro têm contrato com uma empresa nacional, são cá residentes. A consequência é serem tributados pela totalidade dos seus rendimentos. Qual é o Estado que tem efetivamente competência? Há que ir ao CDT Portugal-Espanha e verificar se existe uma norma que resolve esta situação. E ela existe; essa norma diz, com um conjunto de critérios, qual o Estado prevalente, a que deve ser dada primazia na tributação. Resolvemos aqui o problema da dupla residência através de um instrumento internacional. Se só Portugal tributava, ou só as Canárias, tínhamos o problema resolvido; mas se os dois tributavam, seria necessário ir a uma norma suplementar para resolver o problema, uma norma de método de eliminação da dupla tributação. É que em certas circunstâncias, tanto o Estado da fonte como o da residência são reconhecidos como competentes para tributar. Mas se se reconhece os dois, temos dupla tributação na mesma temos de resolver. Existe uma norma interna das convenções que diz que o Estado da residência deve eliminar a dupla tributação. Como o faz? Dependendo do CDT, de uma de duas formas: Hipótese 1 isenta aqueles rendimentos obtidos no estrangeiro de serem tributados, e, ao isentar, resolve, porque não os inclui na declaração de rendimento anual e por isso não são considerados para efeitos de tributação. 27 Hipótese 2 inclui, não isenta, mas no cálculo do imposto final permite que se deduza o imposto pago no estrangeiro. Nota: a dupla residência dá origem a dupla tributação. Qual é o conceito de dupla tributação (jurídica internacional que vimos)? O mesmo sujeito passivo ser tributado duas vezes sobre o mesmo rendimento. Quando é que isto pode acontecer? Em uma de duas situações. A situação mais comum é quando existe um Estado da residência e existe um Estado da fonte, e ambos se assumem como Estado com competência fiscal que tributam o mesmo sujeito pelo mesmo rendimento. Mas também pode acontecer porque existem dois Estados que se assumem como Estados da residência o mesmo sujeito e mesmo rendimento são, também aqui, tributados duas vezes, mas com elementos de conexão diferenciados. No primeiro caso, residência e fonte; neste caso, residência. Nota 2: pelos critérios nacionais que definem a residência porque RCP é móvel e está a localizarse e a agir em várias jurisdições pode ativar normas fiscais de residência em mais do que um Estado. Se ativa normas de residência em mais do que um Estado, é tributada como residente nesses dois Estados. O que seria injusto, pois seria uma pessoa com o mesmo rendimento a ser tributada duas vezes. Quando falamos em residência, falamos em residência fiscal. Imagine-se que RCP tem poços de petróleo, é milionária e globetrotter. Tem uma casa no Dubai, em Quioto, nas Canárias, em Paris, em Londres, em Boston, em Vancouver. Tem estas casas todas; tem uma ligação com todos estes territórios. Onde será tributada? Depende das normas fiscais. É a norma fiscal de cada uma das jurisdições que diz se é ou não assumida como residente fiscal no território. E não basta ter uma casa; ou pode bastar o Estado é que decide o que entende como relevante do ponto de vista fiscal. RCP pode ter casas nos vários sítios, ou não ter e viver em hotéis, ou ter casas arrendadas não interessa o título de propriedade, vale a substância sobre a forma. O que releva é o que a norma fiscal determina. Como RCP passa por várias jurisdições, pode calhar dentro da esfera de uma norma fiscal de residência. Calhando, tem de perceber se há outro Estado em que pode ser considerada fiscalmente residente ou não. Qual é a consequência de RCP ser considerada fiscalmente residente? Torna-se sujeito passivo de imposto. Em que medida? Internacionalmente aceita-se que RCP seja tributada pela totalidade do rendimento obtido, independentemente da origem worldwide income. Ou seja, independentemente de ter obtido aquele rendimento no estado da residência ou de tê-lo obtido todo fora, é, por regra, tributada pela totalidade. Se RCP tem residência fiscal em dois Estados, wow tudo é tributado duplamente. Não bate certo. Tem de haver uma norma internacional a dizer qual dos Estados da residência deve ter prevalência, e deve ser só ele a tributar. Atenção: quando falamos em dupla residência, demos exemplos de pessoas singulares, mas ela também pode ocorrer com pessoas coletivas. Posso ter uma empresa com sede estatutária em Portugal, mas gestão efetiva (atos de gestão qualificada) no Vietname. O CDT ajuda a resolver. já, há apenas que ficar com a ideia de que existe esta figura. Esta é uma ideia de internacional fiscal. Nota: as empresas podem ir para o estrangeiro e criar PJ própria lá específica (filial) ou podem ir para o estrangeiro atuar sem personalidade jurídica própria (através do estabelecimento estável, que é uma ficção). Mas não fiquemos com a ideia de que a fonte é só o estabelecimento estável isso é para o rendimento das empresas. Há outros critérios. Fonte tem a ver com onde é pago o rendimento. Posso não ter uma atividade económica continuada, mas ser-me pago um rendimento em dado território. E o território a partir do qual é pago será fonte. E fonte será também onde está um imóvel. Se tenho uma casa, o local onde está essa casa também é fonte. Imagine-se que tenho a casa arrendada. E se acontece uma operação de consumo, o local onde esse consumo ocorre é fonte (usando aqui todas as bases de tributação). Há espaço para haver dupla fonte? Sim. Também em certas legislações pode haver coincidência de normas a dizer que a pessoa tem fonte naquele território, e também ter no outro. Isto pode tendencialmente ocorrer, mas também há normas para determinar o que se entende por fonte do rendimento. E, portanto, resolve-se parte do problema dessa forma. Na questão da fonte, há uma figura que trabalharemos com um pouco mais de prioridade quando chegarmos ao IRC a figura do estabelecimento estável. Isto é importante para os rendimentos empresariais, porque existem várias formas jurídicas que uma pessoa coletiva pode assumir. Mesmo quando há uma intervenção internacional ou seja, uma deslocalização e um começo de ação no estrangeiro por parte de uma empresa, ela pode estar lá fisicamente ou digitalmente. E mesmo fisicamente, pode estar lá com uma filial (filha da sociedade-mãe, empresa especificamente criada lá com a forma jurídica que nesse território é permitida), ou assumir uma forma jurídica sem personalidade própria, sem autonomia jurídica, o estabelecimento estável (uma sucursal, um armazém). E, portanto, o que acontece? Se estivermos perante rendimentos empresariais, só há tributação se houver estabelecimento estável. Para Há a possibilidade de várias serem as jurisdições a quando falamos do digital, onde há cada vez mais uma diluição dos espaços envolvidos e uma multiplicação desses mesmos espaços. Que jurisdição é a fonte? A tese de doutoramento de RCP foi, em parte, sobre isso. Há uns anos atrás, RCP dizia que o local onde o consumidor digital / o local onde intermediário financeiro está são elementos preponderantes na construção de valor, que têm de ser assumidos como relevantes para a questão da determinação da fonte. Assim, a determinação da fonte pode ser um exercício muito simples e imediato em realidades normais. Quanto mais plurilocalização e 28 digitalização envolvermos, maiores são dificuldades e as situações de dupla fonte. as Nota: as CDTs são bilaterais, o que pode não permitir eliminar a dupla tributação, no limite. E pode ocorrer, infelizmente, mesmo numa relação bilateral. Quanto mais plurilocalização existir, mais provável será não conseguir eliminá-la. Veja-se que há dois métodos, duas formas. Ou isentando, ou não isentando, permito a dedução do imposto pago no estrangeiro é esta a versão simplificada. Imagine-se que há um Estado a dizer que é fonte um Estado a dizer que é residência. Tradicionalmente, a regra é que é o Estado da fonte vai tributar quando esse rendimento é pago, através da retenção na fonte. Paga-se 100, e por retenção na fonte há que suportar 5. Numa versão simplificada, no ano seguinte, imaginando que RCP tem um rendimento total de 1000, calculou todo o imposto (sobre a totalidade dos 1000) e tem uma coleta de 200. É permitido que à coleta vá retirar 5, pagando apenas 195. O que já pagou na fonte quando recebeu foi eliminado do imposto devido. isento, vai ser tributado, mas depois, quando tivermos o valor do imposto a pagar (coleta), é permitida a dedução do imposto que foi pago na fonte. E então, à coleta, retira-se o valor do imposto pago lá fora, pagando-se os 195. Numa perspetiva, atua-se sobre o rendimento e desconta-se ao rendimento total o obtido no estrangeiro; na dedução, o rendimento é o total, não se atua sobre ele, e o que se faz é ir à coleta, depois de calculado o imposto devido, e determinar a dedução do que foi pago no estrangeiro. Nota 1: é no estado de residência que se faz a declaração de rendimentos total, com a radiografia completa dos rendimentos obtidos e da possibilidade de fazer a dedução. Não há retenção na fonte naquele momento, há um cálculo específico anual que permite calcular esses valores. Nota 2: na dupla residência, o contribuinte tem de dirigir à AT de um dos Estados, dar nota da situação de dupla residência e os dois Estados entre si, de acordo com a norma internacional que aprovaram determinam qual o estado da residência. I-3.b)-ii. - Dinâmica interna (continuação) Entramos depois no âmbito das fontes internas. Aqui, temos, em primeira linha, a lei e o DL (tal como identificamos no âmbito genérico do direito). Mas atenção: apesar de lei e DL poderem ter o mesmo valor hierárquico, no âmbito fiscal, há espaço para a lei poder estar acima do DL. Tem tudo que ver com o art.º 103º, 2. da CRP, que gera o princípio da legalidade fiscal em termos de conteúdo, onde os elementos essenciais do imposto (sujeição [=incidência], taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes). O que é que o Estado da residência tem de fazer para eliminar a dupla tributação? Uma de duas coisas. Ou isenta e o rendimento total do worldwide income é 1000, e, como tenho uma isenção do rendimento sobre o qual incide o imposto, o que acontece é que aos 1000 se tira 100, o que dá 900, e sobre esses 900 é que depois se calcula o rendimento; ou então o legislador diz: não está 29 Estas quatro matérias têm necessariamente que ser aprovadas por lei da AR, exceto se olhando ao 165º, 1, i) da CRP houver autorização, mas a lei tem de balizar muito bem estes quatro elementos essenciais. Há o mesmo valor, mas é preciso ter em atenção estes aspetos dos elementos essenciais e ao princípio da legalidade fiscal. Abordemos agora o patamar dos regulamentos fiscais. Isto é importante para termos a noção de que eles são um elemento fundamental do sistema fiscal. Aqui há que apelar aos nossos conhecimentos de DA no que toca aos regulamentos de execução e regulamentos independentes. Um ato normativo muito importante neste domínio hierárquico é a chamada Lei Geral Tributária (LGT), que utilizaremos muitas vezes aliás, já começámos a fazê-lo. Ela tenta ser uma espécie de lei de bases no âmbito da tributação, determinando um conjunto de regras que têm de ser observadas na relação jurídica fiscal, no início, no período de vida, na extinção. Trabalha sobre princípios, sobre conteúdos e sobre procedimentos, ainda que não seja autónoma. Mas não é autossuficiente. Por isso é que precisamos do CIRS, do CIRC, do CIVA, do CIEC para os impostos em particular e seu regime jurídico, tal como precisamos do EBF para determinar regras fundamentais e identificar certos benefícios fiscais concretos em determinadas matérias, tal como precisamos do chamado CPPT (Código do Procedimento e Processo Tributário) com o conjunto de normas administrativas e judiciais que norteiam a relação no caso de haver conflito fiscal. É ponto assente que a LGT é a base normativa em termos de início infraconstitucional, infra-UE, infrainternacional. Identificaremos a questão dos (i) regulamentos fiscais, dando alguns exemplos de diplomas importantes com esta forma jurídica. A seguir para RCP isto é muito importante - falaremos das (ii) resoluções administrativas. Não são classicamente fonte de direito, pois vinculam apenas a AT. Contudo, face à importância que na antecipação de conflito e na promoção do cumprimento devido (compliance), assumem um papel preponderante. 1 REGULAMENTOS FISCAIS Qual a necessidade dos regulamentos? A ideia é que, conforme vamos descendo na hierarquia normativa, vamos encontrando normas cada vez mais técnicas, mais específicas, mais densificadas. E os regulamentos podem ser de dois tipos: -Regulamentos independentes*; -Regulamentos de execução. Há uma grande discussão doutrinária acerca do que isto significa. Quando falamos em regulamentos independentes* vêm criar algo. Quando falamos em regulamentos de execução, falamos de um normativo que densifica/desenvolve um ato legal prévio e que se vai circunscrever àquele ato, densificando-o. Há uma lógica fechada aqui, que não está nos regulamentos independentes, onde há um espaço muito mais aberto de criatividade, onde se colocam questões de margem de livre apreciação e de conceitos indeterminados. Tudo tem a ver com quem tem competência naquela matéria para regulamentar. No âmbito fiscal, * os regulamentos são todos de execução. Não há regulamentos independentes em direito fiscal. Porquê? Princípio da legalidade fiscal. Este é o primeiro aspeto importante. Depois: o que é o regulamento de execução fiscal? Pode ter duas formas: a) portarias e b) decretos regulamentares. Note-se que as portarias são regulamentos. As portarias e decretos regulamentares existem no fiscal como regulamentos de execução. Exemplo 1: a arbitragem fiscal foi aprovada por um DL. Mas, na sequência, foi aprovada uma portaria, chamada uma portaria de vinculação, onde a AT se vinculou a este regime de arbitragem. Há um ato 30 legislativo, que depois será executado também por uma portaria, que se chama uma portaria de vinculação. Exemplo 2: recorde-se a contribuição para o setor bancário. Há quem diga que é imposto, há quem diga que é contribuição financeira. Exemplo 3: a densificação foi feita por portaria também. Menos usuais são os decretos regulamentares, mas ainda assim são importantes vejam-se as amortizações. A regulamentação fiscal das amortizações é feita por decreto regulamentar. existem outras, como a c) resolução do Conselho de Ministros. É também um regulamento e tem espaço para existir, no âmbito fiscal, na delimitação da luta contra a fraude e evasão fiscais. As formas de combater a evasão e a fraude são determinadas por resolução do CM. Em algumas situações encontramos d) despachos normativos pouco comuns. Um exemplo são as declarações periódicas para reembolso do IVA. 2 RESOLUÇÕES ADMINISTRATIVAS Chegamos então à base da pirâmide as resoluções administrativas. Veja-se que esta não é efetivamente, na forma tradicional, uma fonte de direito tal e qual é estudada na introdução, porque só vincula a AF é circunscrito o seu poder vinculativo (chamado direito circular). Porém, no âmbito fiscal, é extraordinariamente importante por forma a garantir segurança e certeza jurídicas fiscais. Aqui RCP destaca dois casos que são muito relevantes. Há um manancial de interpretações internas à Administração tributária. É muito, e vem de anos e anos atrás. E muito disto perdura, não é só para o próprio ano. Quando falamos em resoluções administrativas, não são duas ou três: são muitas realidades específicas consoante o tipo de imposto, 31 e microtemas dentro desse tipo de imposto. Esta informação não é vinculativa para os contribuintes, mas é vinculativa para a AT. Dá espaço para compreender como a AT faz as suas interpretações da lei fiscal, tentando antecipar conflitos e promover um cumprimento adequado. Há graus de complexidade acrescidos: não só implica, muitas vezes, recurso a conceitos de outros ramos de direito (e aí vincula a interpretação dada no outro ramo do direito), mas igualmente utiliza várias realidades e cruzamento de competências, o que pode dar grandes dores de cabeça. Uma das formas que temos de antecipar conflitos e perceber como cumprir de acordo com o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira é olhar para estas resoluções administrativas. Têm de ficar claras a quantidade e a importância delas. Nota: num ano, é possível ter 100 ou 10 resoluções administrativas; depende. Este é um trabalho interno da Adm. Tributária e Aduaneira. Mas também há um papel importante da jurisprudência tributária em verificar se as interpretações fazem ou não sentido, são corretas ou erradas. Posso não concordar com a AT e entrar em litígio; em última instância, isto é decidido em tribunal (seja ele arbitral ou fiscal). E a jurisprudência não deve ser menosprezada. A mais importante jurisprudência no domínio fiscal é a do STA (topo da hierarquia especializada no tributário) e o CAD (tribunais arbitrais). Não nos devemos esquecer de que nem todas as causas são suscetíveis de recurso de uma instância para a outra. Além do STA, os TCA (tribunais centrais administrativos sul e norte) podem ter jurisprudência relevante no âmbito fiscal. Nota: sempre que tivermos um caso à nossa frente (válido em todos os ramos do direito), a primeira valorização que devemos ter é a lei, e a interpretação intrassistemática (espírito da lei para aquela norma em concreto e também o espírito do sistema, contrapondo com normas que podem ser paralelas e mostrar a diferenciação do legislador nas opções tomadas). Partimos da lei. Obviamente que o bom jurista acumula a esta primeira análise (extraordinariamente essencial), no caso fiscal, resoluções administrativas sobre a matéria e jurisprudência que possa existir e doutrina que ocorra sobre a matéria. Existindo conflito, se a nossa interpretação da lei é contrária ao da Adm. Tributária, podemos (e devemos) levá-la em diante. é importante ao jurista ter um manancial da argumentação contrária, para destruí-la antecipadamente. Um exercício de interpretação complexo envolve a norma em concreto, a relação da norma com as que lhe são paralelas para perceber o espírito e a opção nítida do legislador fiscal, cumulando com a interpretação da administração fiscal, com a interpretação que os tribunais fazem (STA, TCA e CAD) e doutrina. Mas isto sempre com a base legal. E no caso fiscal, a base legal é inultrapassável. Há um acumular de elementos interpretativos, mas nunca desvalorizando a lei. Na interpretação intrassistemática, podemos ter uma norma nacional, relacioná-la com as normas paralelas nacionais e ter normas de UE ou internacionais envolvidas. O emaranhado pode ser densificado. Veja-se a quantidade de resoluções administrativas que estão em causa, e acumule-se a densidade que oferecem. É grande a importância que estas resoluções administrativas incorporam para o direito fiscal. Dentro desta matéria, RCP destaca dois instrumentos concretos no âmbito das legislações administrativas que o legislador promove um exclusivamente interno e que promove uma harmonização que possa ter valia para o contribuinte, e outro de que o contribuinte pode lançar mão para prevenir litígios e saber com o que pode efetivamente contar. a análise diferenciada do caso concreto pode dar origem a várias posições dentro da ATA sobre o mesmo tema, podem surgir problemas. Note-se que, em DA, passámos em revista a forma como a AP se organiza. Dentro da administração direta, há serviços. Temos várias hierarquias. E os serviços podem ser descentralizados. Parte dessa descentralização é regional. Mesmo dentro da regional, pode haver desconcentração. Em Lisboa, existem vários bairros fiscais, vários serviços. A forma como a organização está feita, e como vai interpretar o direito e aplicar no caso concreto, pode dar azo a interpretações díspares. Há necessidade de garantir que essa uniformização/unidade é construída, daí que vários âmbitos jurídicos próprios tenham estes instrumentos. No âmbito fiscal, há as orientações genéricas. Há que ter em atenção esta figura e o enquadramento que tem. O 68º-A diz que apesar de existirem estes instrumentos, deve haver a preocupação de a AT unificar ou uniformizar essa informação. Este 68º-A e agora vemos um exemplo concreto de que a LGT precisa de mais normas legislativas de suporte, não sendo autónoma compatibiliza-se com o CPPT (Código de Procedimento e Processo Tributário), art.º 55º. O 55º do CPPT vai esclarecer o 68º-A da LGT. Há uma compatibilização. E aliás, no nº 2, reforça-se o que já tínhamos visto na LGT. Não falamos de contribuintes, quem é vinculado é exclusivamente a AT. Mas há que ficar claro como a legislação se complementa, e como podemos ter de ir de um lado para o outro. Existem: Orientações genéricas; Informações vinculativas. LGT 68º-A este artigo diz-nos, em grande medida, o que acabámos de ver sobre o que significam resoluções administrativas no âmbito fiscal. Temos aqui duas realidades: existem vários instrumentos a que a administração está vinculada. Todavia, porque Segundo ponto: voltando ao 68º-A da LGT, veja-se agora como também é importante ter em consideração o 68º-A, 2. O que é que nos diz? Este número é muito curioso. Dissemos que as orientações genéricas, que fazem parte deste direito circular, só vinculam a AT. Os contribuintes não estão vinculados. Neste nº 2, porem, reconhece-se que os contribuintes vão assumir, como tendência de aplicação e cumprimento devido, a interpretação que a AT tenha feito através das orientações genéricas. Isto faz-nos perguntar: são ou não fonte de direito? Se o contribuinte usa essas 32 interpretações para estabelecer o seu plano de cumprimento fiscal, a AT não pode mudar sem mais nem menos. Se naquele momento a interpretação era feita de certa forma, deve ser mantida. Há uma espécie de abertura à qualificação como fonte normativa. Se a administração trocar as voltas, não Nota: uma coisa que RCP diz sempre é: sempre que trabalharmos numa norma concreta fiscal a aplicar, nunca devemos ficar no nº 1. Nunca se deve confiar no nº 1; há que ler o artigo todo. protegido, de certa forma, o contribuinte, o que não bate certo com não estar vinculado o contribuinte. Atendendo à importância que estes atos têm, o legislador fiscal criou esta figura mista, intermédia, sui generis. Há que proteger o contribuinte que confiou que a orientação da AT era a devida para ter um cumprimento com a lei. O que é a informação vinculativa? Tendo em atenção a complexidade da norma fiscal, e, muitas vezes, a dificuldade que o contribuinte tem em saber qual o comportamento adequado para cumprir os deveres fiscais, o legislador criou esta figura das informações vinculativas, que mais não é um pedido feito pelo contribuinte concreto face à sua dúvida, dúvida essa que coloca à AF (é feita uma pergunta), a AF analisa a situação, emite a tal informação vinculativa e transmite ao contribuinte. Aspeto suplementar: olhe-se ao nº 4 do 68º-A. Há pouco RCP indicou a importância da jurisprudência fiscal. Também aqui o legislador reflete essa relevância, impondo uma obrigação (não é pode, mas deve). A AT está persistentemente a atualizar a sua interpretação da lei fiscal de acordo com a jurisprudência fiscal. O objetivo é criar uma ideia de unidade, um sistema fluido, harmónico, onde os conceitos são entendidos de forma igual / maneira transversal. Já isto deixa antever as dificuldades de interpretar as normas fiscais. Querse que haja sempre um andamento paralelo entre o que os tribunais decidem e o que a administração fiscal interpreta. Nota: que elemento essencial do imposto está aqui a ser salvaguardado? As garantias do contribuinte. Está a funcionar aqui essa preocupação, daí isto ser feito por lei (LGT). O que vimos a propósito do elenco das orientações genéricas, e da sua consulta online, também é determinado no art.º 56º do CPPT, onde se diz mesmo que há uma base de dados permanentemente atualizada contendo as orientações genéricas. O 68º-A da LGT também é complementado no 56º do CPPT, quanto à divulgação da informação em permanência e do acesso pelo contribuinte a essa informação. Um instrumento muito importante é o que vem disposto na LGT, art.º 68º. É isto a que o legislador chama informações vinculativas. 33 Assim, o conceito de informação vinculativa é: instrumento à disposição do contribuinte em caso de dúvida de como agir/cumprir a sua obrigação fiscal. Antes de cumprir, pergunta à AT o que fazer naquele posse. Nota suplementar 1: esta informação vinculativa qualquer uma só vincula o caso concreto. Só é válida para aquela situação em concreto. O sr. B pode ter exatamente a mesma situação do sr. A, mas a AT só está vinculada para o caso do sr. A. Mas claro, há uma preocupação com uniformizar (embora isto possa ocorrer). Precisamente porque se entende a necessidade de uniformização, há obrigação legal de conversão das informações vinculativas em circular administrativa isto está no 68º-A, 3. sempre que a informação vinculativa tenha sido decidida no mesmo sentido em 3 decisões concretas. Nota: o 68º trabalha a figura das informações vinculativas. Diz quando se pode fazer o pedido, se se tem de pagar, qual o prazo de decisão da AT (questões procedimentais). Todavia, o que estamos a dizer é já um segundo passo: no caso de haver 3 informações vinculativas sobre 3 situações em concreto paralelas, decididas no mesmo sentido, o 68º-A, 3. obriga a que a Administração converta essas três informações vinculativas numa orientação genérica sendo que depois se colocam todas as questões das orientações genéricas que vimos atrás. Nota 2: o contribuinte pode opor-se, mas por que é que os contribuintes fogem dos litígios com a AT? Time is money. Muitas vezes, o agente económico não quer aborrecer-se e cumpre mesmo discordando. Olhe-se ao 68º, 14. Duas coisas: a primeira realidade é que é a Administração que fica vinculada, naquele caso concreto e só para aquele caso concreto. Só pode afastar a informação vinculativa se houver uma decisão judicial a dizer: não é válido neste caso concreto. Nota/dúvida: nas informações, atende-se ao art.º 68º, 14., mesmo quando a circular é mais favorável ao contribuinte. 1 MAR 2019 Sumário: Especificidades regionais e locais das fontes. É preciso ter em atenção que este artigo determina as questões procedimentais quem tem o poder de pedir a informação vinculativa, pode ter caráter de urgência ou não, o pagamento é diferenciado consoante esse caráter, os valores, o prazo máximo de decisão e a forma como a administração tem de notificar quem requereu essa informação vinculativa. Este é um artigo que tem o instrumento e o conjunto de procedimentos para fazer o pedido efetivo por parte da Administração tributária e aduaneira. Cada vez mais na AT há uma tentativa de uniformização. Daí que seja importante a identificação da existência deste instrumento, que só vincula a administração e simultaneamente diz desde que haja três decisões iguais sobre a mesma situação, isto deve ser transformada em orientação genérica para ser aplicado por toda a administração. Nota: há pouco falámos da residência e de que a lei nacional fala do que é residência. Uma das figuras nas normas nacionais é a da habitação permanente. O legislador não define. Isto pode dar azo a diferenças. A informação vinculativa surge da necessidade de o contribuinte saber como é que, na situação concreta, deve proceder ao cumprimento dos deveres fiscais. A pergunta que o contribuinte faz para obter essa informação pode partir da necessidade de não saber conjugar as várias normas fiscais ou estar incluída no mesmo conceito. Atenção: no 68º, 1., tem de haver a descrição dos factos. Temos de saber se a situação é qualificada tributariamente. Como vimos ontem, os dois instrumentos que temos de ter em consideração no fiscal quando pensamos em resoluções administrativas como meio para antecipar conflitos, promover o cumprimento voluntário e garantir certeza e segurança jurídicas são as orientações genéricas e as informações vinculativas. Para o prático fiscal, as informações vinculativas são de muita importância, pois permitem, em casos complexos, antecipar a posição da administração tributária. 3 ESPECIFICIDADES REGIONAIS E LOCAIS DAS FONTES Faremos agora uma breve referência para o facto de, no fiscal, haver algumas especificidades regionais e locais quanto às fontes de direito fiscal. Em finanças públicas, na fase final, fizemos uma breve identificação de que havia finanças regionais e locais, ou seja, normas financeiras específicas para as RA e para as autarquias locais. No quadro dessas especificidades, encontramos poderes tributários específicos de cada uma delas, o que dará origem à existência de certas fontes que podem ser específicas das RA e das autarquias. 34 (1) Há que ter em atenção que a possibilidade de as regiões autónomas (isto em relação às RA em concreto, não às autarquias) terem impostos exclusivos à sua região é reconhecida, mas que, na prática, até ao momento, nem Madeira nem Açores aproveitaram essa possibilidade. Não existem impostos específicos das RA. Todavia, se olharmos à Lei das Finanças Regionais (LFR) art.º 59º vemos que há a possibilidade de existir uma adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais. Parte dessa adaptação, que é permitida, pode passar por diminuir taxas de imposto nacional. Por isso é que os residentes das RA têm IRS, IRC e IVA mais baixos do que o continente. Está no âmbito das suas competências a possibilidade de reduzir e adaptar o seu sistema fiscal à sua especificidade regional portanto, existem normas nacionais fiscais que são adaptadas em face da especificidade regional. Um tipo dessas normas passa, precisamente, pela diminuição das taxas de imposto, designadamente IRS, IRC, IVA e alguns IECs. São visíveis alguns benefícios fiscais temporários condicionados para aquela RA em concreto. Permitiu-se, por enquanto num modelo algo diferente do original a existência da antiga zona franca da Madeira, atual Centro Internacional de Negócios. Também há uma zona franca dos Açores, em Santa Maria. Quem estiver situado nesse território circunscrito tem um tratamento fiscal mais vantajoso do que o regime normal. Há uma adaptação das normas fiscais nacionais pelas regiões autónomas. Por isso, a par de lei e DL, temos decretos legislativos regionais e decretos regulamentares regionais. Se estivermos a falar de residentes na RA Açores ou RA Madeira, pode haver a necessidade de procurar diplomas regionais contendo adaptação das normas regionais. Nota: as zonas francas são formas de atração de investimento, para as empresas ali se localizarem. Veja-se que a Madeira não é a zona franca. No território da RA Madeira, há um outro território circunscrito apelidado de Centro Internacional de Negócios. Quem ali estiver fisicamente localizado tem acesso às vantagens. O problema disto são os P.O. Boxes, os apartados, as caixinhas. Não estar lá 35 ninguém e ser só uma caixa onde está a correspondência, que vai para a sede, onde está localizada a atividade substantiva, sendo a zona franca aproveitada só para fins fiscais. (2) No âmbito local, olhe-se à Lei das Finanças Locais (LFL). Alguns artigos preveem poder tributário próprio das autarquias locais. Em relação ao município, atenda-se ao 18º da LFL, que prevê a derrama municipal, que é um imposto que as empresas pagam sobre o seu lucro tributável e que é para os municípios. Quem decide a taxa da derrama municipal é o próprio município. Depois, quanto a poderes tributários, há que ter em atenção que é possível os municípios escolherem conceder benefícios fiscais, mas não podem criar impostos próprios, como as RA. O que podem é criar taxas As freguesias têm também algum poder em termos de receita de impostos e taxas e podem, como os municípios, criar taxas específicas, o que faz com que os atos normativos criadores sejam fonte de direito fiscal. Esta é a lógica que complementa a nossa pirâmide: especificidades regionais especificidades locais. Nas regionais, não existe qualquer imposto exclusivamente regional (embora seja permitido), apenas uma adaptação do sistema fiscal nacional à especificidade regional (designadamente através de taxas mais reduzidas e regimes fiscais próprios). Nas autarquias locais, há espaço para os municípios criarem a derrama e decidirem a taxa dessa derrama, que é receita sua, e podem criar taxas e tem alguma receita fiscal. Freguesias só podem criar taxas e têm acesso a alguma receita fiscal. Assim, se quisermos ter em atenção as fontes do direito fiscal, em primeira linha, temos de nos socorrer das fontes normativas. Aqui temos fontes europeias (UE), fontes internacionais e fontes internas. Esta será sempre a base para determinação do regime fiscal aplicável. Porém, não esquecer que também um espaço importante deve ser conferido à jurisprudência fiscal para auxiliar a interpretação destas normas fiscais. Já sabemos que a jurisprudência fiscal, em Portugal, tem dois tipos: ou é a jurisprudência judicial tradicional produzida pelos tribunais especializados tributários (1ª instância, TAF, STA); ou é a jurisprudência arbitral (tribunais arbitrais do CAD). Trabalhámos o DL 10/2011 como exemplo da introdução de um elemento tradicionalmente privado no domínio fiscal. A jurisprudência arbitral também é, hoje, muito relevante para auxiliar na interpretação do quadro normativo fiscal. Há que, igualmente, ter em atenção a importância do Tribunal Constitucional (TC). Também no domínio fiscal o TC tem peso significativo, como veremos. O TC tem feito a sua intervenção na ordem tributária sobretudo na distinção entre tributos (impostos e contribuições financeiras), nos limites à dedutibilidade dos gastos em IRC (nota: o gasto pode ou não ser tido como relevante para deduzir no lucro da pessoa coletiva ou não; o TC tem intervindo aqui), na área das presunções em termos de fixação de matéria tributável e teve um grande impacto na jurisprudência da crise houve uma análise de opções normativas dos OE vistas à lupa pelo TC de modo integrado para dizer se a opção seria ou não contrária à CRP. Ainda que tenha havido muita análise de outras medidas de redução da despesa, a tendência e a leitura integrada dos vários acórdãos deu mote para se afirmar que o TC defendeu apostar no aumento da receita fiscal em detrimento de uma redução da despesa. Isso tem um impacto na forma como o legislador desenha a norma fiscal; há ênfase para o lado da tributação em detrimento de uma redução da despesa. Quando pensamos em fontes de direito fiscal, há que recordar tudo o que vimos a propósito da nossa pirâmide. Falamos de uma tipologia alargada, de várias fontes. Para além das fontes normativas (podemos ter soft law e hard law) temos também o impacto da jurisprudência, seja ela judicial, arbitral ou constitucional. Quando nos questionamos onde vamos buscar o direito fiscal, a base será sempre a norma fiscal que pode ser UE, internacional e nacional, tendo impacto na forma como interpretamos estas normas e na forma como elas são construídas a jurisprudência seja nacional ou UE. Nota: o TC procede anualmente a um conjunto de recomendações ao Governo. Essas recomendações também existem no âmbito fiscal, mas são só isso recomendações. De resto, há competências no caso concreto, que têm a ver com a aplicação na norma e se os serviços tiveram a interpretação adequada ou não. Não há o impacto que têm o CAD, o STA e os TCA. I-3.c) Interpretação, integração e aplicação da lei fiscal: aspetos fundamentais Se falamos em direito fiscal e, portanto, de uma ciência que estuda os impostos - depois de identificarmos as fontes e toda a dimensão que isto representa, é também essencial ter consciência se existe ou não alguma especificidade quanto à interpretação, integração de lacunas e aplicação desta lei fiscal. Como juristas a começar a estudar um novo âmbito, uma nova área jurídica, vamos socorrer-nos obviamente do que sabemos e conhecemos, e vamos apreendendo e melhorando em termos de regras de interpretação, integração e aplicação. Em qualquer ramo de direito específico, temos de perguntar-nos se existe alguma especificidade a ser considerada. Em seguida, não recordaremos os conhecimentos básicos já adquiridos, mas identificaremos aspetos que sejam de mais-valia e devam ser considerados no âmbito fiscal. I-3.c)-i. Interpretação Em relação à interpretação, olhemos à LGT. O art.º 11º, 1. não nos dá qualquer novidade; remete para as regras gerais de interpretação jurídica. 36 Todavia, há aqui quatro questões que, para RCP, faz sentido enfatizar. (i) Olhe-se ao 11º, 2. Há o reconhecimento da importância da importação de conceitos de outros ramos do direito e uma remissão para o valor desses conceitos no seu habitat normal. Se o legislador fiscal usar a terminologia swap (contrato financeiro derivado), vamos buscar ao âmbito financeiro o significado disto (não o que para o fiscal significa swap). Há uma absorção da forma comos os conceitos são interpretados naquele ramo do direito, o que faz com que o fiscalista possa ter de procurar fora do âmbito fiscal. (ii) Outra questão, a do realismo económico, vem prevista no nº 3. O que está aqui a transmitir-se é que tem de haver sempre a prevalência da substância sobre a forma. No fiscal, a forma pouco interessa. O que interessa é a realidade efetivamente assumida pelo facto. Vejamos que, por isso, não é de estranhar o que vem expresso no art.º 10º da LGT. Não se quer saber da origem do rendimento; se há rendimento que interessa como base de tributação, está abrangido pela sujeição, independentemente da ilicitude da obtenção desse rendimento. Isto decorre do que vimos no 11º, 3.: substância sobre a forma. Nota: estamos a demonstrar como todo este esquema está revelado na nossa legislação, para pensarmos este ramo de direito. (iii) Em igual medida, o 11º, 3. está reproduzido no espírito do 38º da LGT a chamada cláusula geral anti-abuso. O que o 38º, 2. nos diz é: não quero saber se a pessoa arranjou uma artificialidade para fugir ao imposto se eu, AT; descobrir a artificialidade, desconsiderarei a forma e olharei para a substância. Negarei valor à forma e tributarei como logo inicialmente se devia ter tributado. 37 Quando procuramos identificar especificidades ao nível da interpretação, já vimos no 11º, 1. que não há a criação de regras totalmente diferentes/divergentes das regras tradicionais. Há uma remissão para as regras do CC, mas com algumas anotações. Em primeiro lugar, vimos que o nº 2 é o reconhecimento da necessidade de olhar para os conceitos que nascem de outros ramos de direito com os conteúdos desses ramos de direito. Vimos, depois, o realismo económico (11º, 3.) se tivermos um confronto entre substância e forma, no direito fiscal, é sempre a substância que prevalece. Ex: 10º da LGT o facto de haver ilicitude na obtenção de rendimentos em nada retira a possibilidade de tributação desses rendimentos. dificuldades que tivemos para distinguir analogia de interpretação extensiva. Na incidência, por exemplo, não está prevista uma não possibilidade. De seguida, olhámos para o 38º, 2. - cláusula geral anti-abuso. Nela, no caso de alguém ter criado artificialmente um facto para ser menos tributado e afastar a tributação normal, sendo descoberto, a administração tributária ou o tribunal vai desconsiderar a forma e aplicar a substância (regime normal). Para RCP, a possibilidade de interpretações extensivas pode ser problemática para as garantias dos contribuintes. Há um acórdão muito estranho de um TCA que nega este artigo dos EBF, dizendo que não é possível, por causa das garantias dos contribuintes. Mas também é estranho um acórdão dizer o contrário da lei, para RCP. Qual é o 4º aspeto? Não fiquemos com a ideia de que os benefícios fiscais estão todos no EBF. Pode havê-los em normas avulsas de outra legislação, nos códigos do imposto especificamente considerado e haver outros diplomas contendo benefícios fiscais para além do próprio estatuto por exemplo, o Código Fiscal do Investimento (que analisámos a propósito dos contratos fiscais). (iv) Recordar e reforçar o que vimos a propósito das resoluções administrativas e a sua importância para a interpretação daí devermos dominar as orientações genéricas e as informações vinculativas. I-3.c)-ii. Integração Em relação à integração de lacunas, temos uma especificidade que vem do nº 4º do 11º da LGT (v. supra). Estão aqui abrangidas as lacunas do art.º 165º, 1. i) incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes elementos essenciais do imposto. A regra no fiscal é que a analogia é permitida, exceto se estiver em causa um elemento essencial do imposto. Quanto à interpretação extensiva, nada é dito na LGT, mas, indo ao EBF art.º 10º - é dito expressamente que não há interpretação analógica, mas há interpretação extensiva quanto aos benefícios fiscais. Note-se que isto é só quanto aos benefícios fiscais. Por que é que RCP distinguiu normas avulsas? É que há diplomas que regulam coisas que nada têm a ver com o fiscal. Não são diplomas fiscais, têm outro âmbito, mas contêm uma norma fiscal. Exemplo: as IPSS instituições particulares de solidariedade social, nas suas aquisições, têm, em certa medida, de pagar IVA e não têm possibilidade de ver-lhes devolvido essa IVA. Pagam e suportam. Todavia, existe uma norma, que foi revogada e depois repristinada e continua ainda em vigor que diz que, se as IPSS tiverem despesas na reconstrução das suas instalações com finalidades sociais, o IVA cobrado nessas obras pode uma parte dele ser devolvido. Esta é uma norma avulsa de um diploma que nada tem a ver com o aspeto fiscal. Isto dá-nos, mais uma vez, a dimensão da complexidade que o fiscal pode ter. Não sabemos onde está tudo; por vezes, temos surpresas. RCP recomenda estarmos atentos. Isto para não falar nas mudanças persistentes. Nota: os benefícios fiscais são um dos elementos essenciais do imposto. Isto traz à colação as 38 O que é que agora temos de analisar? A lei fiscal no tempo e a lei fiscal no espaço. Nota: a RCP não interessa a história dos acórdãos, e sim a construção que o TC faz do princípio da retroatividade fiscal. Interessa-nos o que significa, para o TC haver uma lei fiscal retroativa; o que é que, para o TC, representa retroatividade, assim como o que significa um novo conceito chamado retrospetividade, e como é que o princípio da não retroatividade fiscal passa a ser interpretado. I-3.c)-iii. Aplicação da lei fiscal no espaço Atendamos, agora, à aplicação da lei fiscal no espaço. O que é que aqui releva? Que especificidade existe para aplicação da lei fiscal no espaço? Quando queremos aplicar a lei fiscal no espaço tendo em atenção o elemento geográfico, espaço o que temos de específico? Há um princípio da territorialidade fiscal a lei fiscal só se aplica no território do Estado que a criou. Todavia, para ativar a aplicação do princípio da territorialidade, o que é preciso? A nossa lei fiscal é ativada pelos elementos de conexão, que são: Fonte; Residência. Quando pensamos em aplicação da lei fiscal no espaço, há sempre a ideia do princípio da territorialidade fiscal, sendo que a conexão ao território, do ponto de vista fiscal, é aferida por uma de duas formas: residência e fonte. Se o elemento de conexão for a residência, uma vez que a residência dá origem a uma obrigação fiscal ilimitada (worldwide income), tal significa que mesmo os rendimentos obtidos fora do território são considerados para efeitos de tributação interna. 39 Note-se que na residência se mantém o princípio da territorialidade, pois a minha residência é naquele território, mas a amplitude da minha obrigação tributária é mais vasta e abrange os rendimentos obtidos fora do território, o que dá azo ao que trabalhámos: uma possibilidade de dupla tributação e a necessidade de a resolver, havendo recurso aos CDTs convenções para eliminar e evitar a dupla tributação. Quando aplicamos a lei fiscal no espaço, há ou não dupla tributação ou CDT para ser aplicado? É uma questão que se coloca. 7 MAR 2019 Sumário: Aplicação da lei fiscal no tempo. I-3.c) Interpretação, integração e aplicação da lei fiscal: aspetos fundamentais (continuação) Vamos hoje terminar o bloco inicial sobre direito fiscal, avançando depois para a temática do imposto conceito, distinção face a outros tributos e subsequente matéria. Aquilo que nos falta ver a propósito destes aspetos iniciais é a aplicação da lei no tempo. O que encontrámos de específico na interpretação? É certo que se aplicam as regras normais, mas há um reconhecimento de conceitos de outras áreas, e há uma prevalência da substância sobre a forma (realismo económico). Isto será útil para interpretar muitas normas fiscais e compreender o porquê dessas opções. E, na integração, está proibida a analogia dentro dos elementos essenciais do imposto. de propriedade e o dever de contribuir para o erário público aquilo que as normas fiscais também procuram daí que haja o princípio da legalidade fiscal, com os elementos essenciais a serem protegidos e a terem de passar pelo órgão de representação parlamentar. Daí que se tenha esta regra da proibição da analogia nos elementos essenciais, que revela uma preocupação em garantir um equilíbrio entre este direito e este dever. Por que é que o legislador teve a necessidade de, no âmbito do direito fiscal, dizer que os elementos essenciais do imposto não podem ser objeto de analogia? A necessidade de proteger o contribuinte, que será imprescindível para garantir a estabilidade, tem por detrás o facto de o imposto ir contra o quê? O imposto vai contra que direito do cidadão? O facto de o imposto ser uma subtração do património do contribuinte leva a que haja uma necessidade de salvaguarda tão elevada e profunda. É um retirar de parte do património. A pessoa não quer desfazer-se, mas o Estado precisa, e é o preço a pagar pela sociedade. O que está em análise é o imposto ser uma subtração ao património do contribuinte. Não se pretendendo que o nosso Estado seja totalitário ou autoritário e sim um Estado de direito há uma necessidade de criar equilíbrio entre os direitos e as garantias desses direitos. O Estado passa a estar habilitado a exigir o contributo, porém tem de garantir que esse retirar está equilibrado com as finalidades e a proteção devida a esse direito de propriedade. Lembrando os limites quantitativos do imposto, um dos que vimos foi a questão da capacidade contributiva. Mas se pensarmos na perspetiva do imposto como uma subtração à propriedade do contribuinte, o que acontece se o Estado for para lá daquilo que é tido e considerado como aceitável? Confisco ir para lá daquilo que é devido. Significa que o equilíbrio entre o direito de propriedade e o direito ao imposto para financiamento da ação pública está em profundo desequilíbrio, atingiu um âmago dos direitos do contribuinte que não é suposto ser atingido. Ou seja, não podemos deixar de atender ao facto de o direito de propriedade ser a base do imposto; e, sendo o equilíbrio entre o direito Nota: um elemento não essencial do imposto é, por exemplo, a liquidação. O que é liquidar? Determinar. Liquidar o imposto significa, na prática, saber quanto é que aquela pessoa em concreto deve, isto é, determinar quanto é o imposto devido, sendo que, depois de liquidar, ainda há que pagar. É a mesma realidade, mas com sujeitos diferenciados. A liquidação é um elemento do imposto, a cobrança é outro elemento do imposto. Ainda temos de identificar especificidades no domínio da aplicação. Temos especificidades no domínio da aplicação no tempo e no espaço. No espaço, que especificidades temos? Há o princípio da territorialidade fiscal, que significa que as normas tributárias se aplicam apenas aos factos ocorridos no território de um determinado Estado. Há um condicionamento do poder tributário portanto, da soberania tributária ao território físico. Porém, onde estão as maiores especificidades? Os elementos de conexão escolhidos são a fonte e a residência e, no âmbito da residência, o que ocorre é a criação de uma obrigação fiscal ilimitada. O Estado está habilitado a tributar todos os rendimentos obtidos pelos seus residentes (não estamos a falar necessariamente de nacionais), tenham eles sido obtidos dentro do território ou fora. A fonte está habilitada a tributar apenas (tem uma obrigação fiscal limitada) os rendimentos obtidos no seu território. Mas vimos que, precisamente por esta especificidade de criar uma lógica de ligação territorial, pode haver espaço à ocorrência de dupla tributação jurídica internacional. Quando aplicamos a lei fiscal no espaço, temos de passar pelas convenções para evitar e eliminar a dupla tributação (CDTs). Assim, a aplicação da lei fiscal no espaço pode implicar a existência, consulta e consequente aplicação de uma convenção. 40 Apenas uma referência suplementar: e se não existir convenção para evitar e eliminar a dupla tributação? A questão é, se houver um problema de dupla tributação jurídica internacional, qual deverá ser o primeiro impulso? Procurar se existe ou não uma CDT. Havendo, é esse o recurso a utilizar, pois ditará quais as regras para a competência tributária. Todavia, como as CDTs são negociadas e são tratados bilaterais, pode ocorrer que com dado Estado não haja uma CDT. A pergunta é: quid juris? Há interesse, para os Estado que querem atrair e manter capital e ser atrativos. Mesmo que não haja CDTs, os Estados podem aprovar unilateralmente normas fiscais que resolvem ou pelo menos tentam atenuar a dupla tributação. Se não existir CDT (e só se não existir), então procura-se, na legislação interna, se existe ou não uma norma unilateral do Estado que resolva a situação. No caso português, isto existe. Olhe-se ao 81º do CIRS. Remete-se para o que se passa na convenção; mas, não havendo, aplica-se o artigo, permitindo-se uma eliminação da dupla tributação unilateralmente. Ora, isto é importante. E será importante para quando falarmos em fraude, evasão e planeamento fiscal. Há interesse aos Estados em garantir competividade dos seus sistemas fiscais. Um problema de dupla tributação tem impacto económico e social nefasto; não permite desenvolver as relações económicas de maneira devida. A reação inteligente do agente Assim, também há vantagem para os Estados em desenvolver normas internas que resolvam situações internacionais. Há uma distinção que pode parecer pouco relevante entre direito internacional fiscal e direito fiscal internacional. A norma do 81º é um exemplo de uma norma de fiscal internacional: é uma norma interna e unilateral que procura resolver um problema onde há plurilocalização conexão com vários territórios, dando azo a várias possibilidades de tributação do mesmo sujeito e do mesmo facto tributário. 41 I-3.c)-iv. Aplicação da lei fiscal no tempo Quanto à aplicação no tempo, há especificidades? O nosso ponto de partida é o 103º, 3. da CRP. Determina a proibição da retroatividade fiscal. Estamos a tentar apurar o que é retroatividade fiscal. Já percebemos que só o 103º, 3. da CRP não chega; precisamos da jurisprudência do TC. O que estamos aqui a procurar saber é, do ponto de vista do TC, o que é que é retroatividade fiscal. Assuma-se que o conceito base que conhecemos de retroatividade é haver uma situação que está no passado, à qual se aplica uma norma que não existia no momento em que ocorreu a situação. É este o nosso conceito de retroatividade. Qual é a especificidade do fiscal? Se RCP recebeu uma herança, um X de dinheiro, for à bolsa comprar ações e passado algum tempo vender as ações, teve um ganho. E quando vendeu as ações, vendeu-as porque achava que não seriam tributadas, por haver uma norma que a isentava. E RCP passou a estar a ser tributada. E passou a sabê-lo já depois do facto consumado. A nova norma é retroativa? Exemplo: RCP foi à livraria comprar um livro; comprou-o; não pagou IVA; e, passado um mês, sai uma norma que diz que tem de pagar IVA sobre a compra e aplica-se às compras nos últimos 6 meses. A norma é retroativa. Exemplo 2: RCP tinha dinheiro a mais, lançou os dados na bolsa, obteve uma mais-valia dessa venda. Na altura dessa venda não havia tributação; 6 meses depois, sai uma lei a dizer que as maisvalias daquele ano passam a ser tributadas. Esta nova norma é retroativa? Nos dois casos que demos, o TC considera que o caso do livro é retroativo, mas o caso das mais-valias (ações e alienações e do ganho da alienação), não é retroativo, mas meramente retrospetivo. Por ser meramente retrospetivo, o 103º da CRP não proíbe, pelo que pode acontecer. Vamos especificar mais um pouco, mas a nossa visão pode esbarrar com esta especificidade no âmbito fiscal. O início é o 103º, 3. não podem ter natureza retroativa. O que significa ter natureza retroativa no âmbito da lei fiscal? A resposta é: depende do tipo de imposto. É verdade que retroatividade é e será sempre lei nova aplicada a facto passado; não estamos a inventar nada de novo, esse princípio também se aplica no domínio fiscal. O que o TC diz é que o 103º, 3. da CRP proíbe a chamada retroatividade autêntica, ou seja, norma nova aplicada a facto consumado. Todavia, se olharmos para os tipos de impostos existentes, verificamos que temos dois tipos: O caso das mais-valias foi um caso concretamente visível e analisado pelo TC, tendo dado azo a toda esta transformação na interpretação. O que se passava? A 1 de janeiro, havia uma norma fiscal de isenção de certas mais-valias. Em junho do mesmo ano, veio uma norma fiscal a dizer que há uma sujeição sem isenção. Termina a isenção e passa a mais-valia a ser tributada; revoga-se a norma anterior, criando um novo regime. Neste esquema, imagine-se RCP a vender as ações em agosto; não tem problema nenhum, pois já sabe que está sujeita. Nem se coloca uma questão de retroatividade ou retrospetividade, pois nenhum facto consumado há na nossa cabeça a que se aplique a lei nova. Porém, imagine-se que RCP tinha vendido as ações em fevereiro. Assim, as ações foram vendidas quando achava que estavam isentas, e vem em junho uma norma a dizer que estão sujeitas e não isentas, aplicando-se a todas as operações ocorridas desde 1 de janeiro. Tipo 1 - facto tributário ocorre num só momento, e extingue-se nesse momento ex.: IVA. Para o TC, à partida, isto não tem de representar uma retroatividade. Isto é apenas uma retrospetividade. Sendo retrospetividade ou, como alguns lhe chamam, retroatividade não autêntica não há inconstitucionalidade. Tipo 2 formação sucessiva criado/gerado ao longo de um período temporal alargado ex.: IRS. O que é que o TC nos vai dizer? Para os impostos em que o facto gerador ocorre num único momento, não é difícil apurar a existência ou inexistência de retroatividade. Ou no momento em que facto ocorre temos uma lei a sujeitar ou a isentar ou a não sujeitar ou não isentar, ou uma lei que permite deduzir 10 ou 20. Mas diferente deve ser o raciocínio quando estamos perante impostos de formação sucessiva. Neste caso, os impostos são criados entre 1 de janeiro e 31 de dezembro, sendo que o legislador olha para o momento final desse período para estabilizar as regras fiscais. Portanto, apenas a 31 de dezembro é que se considera que o facto gerador está cristalizado. Logo, diz-nos o TC que tudo o que se passar neste período de alteração, de transformação não significa que seja classificado automaticamente como retroatividade autêntica, podendo ser qualificado como retrospetividade. Sendo qualificado como retrospetividade, não é retroativo; logo, não é proibido constitucionalmente. Nota: olhe-se ao CIRC, art.º 8º, nº 9. Para o legislador, o imposto sobre o rendimento só está consumado a 31 de dezembro o último dia do facto gerador. Por isso é que o TC tem a visão alargada de formação sucessiva. O facto vai ocorrendo ao longo do ano, terminando normalmente a 31 de dezembro sendo que o TC insiste que, por existir esta norma, o que interessa é o regime a 31/12, e não o regime anterior. Logo, pela construção do TC, esta norma de junho aplicandose a 1 de janeiro não é retroativa, não violando o 103º, 3. da CRP. Qualifica-se como mera retrospetividade, sendo permitida constitucionalmente. Nota: RCP é altamente crítica da posição do TC. 42 Quando é que isto aconteceu? Aconteceu numa altura em que o Governo estava apertado de contas públicas, em combate contra falta de receita e aumento elevado de despesa, com pressão UE e com necessidade desesperada de aumentar o erário público. Por isso, eliminou a tal norma de isenção e ativou a sujeição. E o TC foi ainda que não o tenha escrito nos acórdãos sensível a isso. Muitas vezes, a interpretação pode ser uma faca de dois gumes. Na jurisprudência da crise, o TC não foi tão aceitável. Note-se que a maioria dos juízes do TC tinha sido nomeada pelo partido que estava no governo (PS). Este tipo de jurisprudência criativa (RCP chama-lhe assim porque, na sua visão, há aqui retroatividade, ao contrário do que diz o TC) faz-nos compreender que as águas da separação de poderes, os limites das atuações e a justificação para aceitação legislativa são adaptáveis, têm oscilações. É importante enquanto juristas sabermos interpretar estas normas e conhecermos o porquê de tudo. construção do TC, retroativa fiscalmente. Ela será meramente retrospetiva, não contrariando a proibição constitucional da retroatividade fiscal. Todavia, mesmo que estejamos perante uma retrospetividade, ela, para ser válida / estar conforme à Constituição (mas não tem a ver com retroatividade, e sim princípios de segurança jurídica), tem de passar um teste. A existência de retroatividade assenta em quatro elementos: (i) Criação de expetativas o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de continuidade; Nota: esta jurisprudência foi assumida daí para a frente; mantém-se. Qual é o patamar seguinte? Apesar de podermos com isto dizer que esta norma nova se aplica atrás não é, nas palavras do TC, retroativa mas antes retrospetiva e, portanto, admissível em termos constitucionais (não contraria o princípio constitucional da não retroatividade fiscal), o TC, mesmo nos casos de retrospetividade, exige que seja feito um teste a quatro elementos para aferir, ainda assim, da viabilidade da medida. Patamar 1 o texto constitucional diz-nos que há uma proibição da retroatividade fiscal. Patamar 2 o conceito de retroatividade fiscal tem de ser desdobrado, na construção do TC, em retroatividade autêntica e em retrospetividade. A retrospetividade só surge a propósito de impostos de formação sucessiva (sobre o rendimento, são continuados). No caso de se estar num imposto de formação sucessiva em que ocorra uma alteração legislativa durante o ano fiscal que altere o tipo de tributação naquele ano fiscal, tal norma não significa que seja, na 43 (ii) Devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; (iii) Devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de estadual; (iv) É ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. 103º, 3. da CRP proibição da retroatividade fiscal. O que é que a CRP proíbe quando se fala em retroatividade fiscal? Retroatividade autêntica ou absoluta. O que significa isso? Lei nova não se aplica a facto passado. Todavia, quando falamos de impostos de formação sucessiva, o conceito de lei nova a facto passado só é visível no último dia do período de tributação regra geral, 31 de dezembro, o que faz com que todas as alterações para trás não sejam consideradas retroativas, mas antes retrospetivas. Todavia, mesmo que a retrospetividade não viole o princípio da retroatividade constitucional, tal não significa que ela seja sempre de admitir. Caso patamar 5 a retrospetividade viole o princípio da confiança, ela não é admissível, e deve ser afastada ou seja, na prática, a norma dita retrospetiva não pode vigorar na OJ. Estes quatro requisitos são cumulativos; têm de estar verificados. Se estiverem todos verificados há uma retrospetividade indevida. O que está em causa é a proteção do princípio da confiança. Veja-se que, sendo os quatro critérios cumulativos, mesmo que os três primeiros se verifiquem na esfera jurídica do contribuinte, se o interesse público o exigir, há uma sobreposição. Ou seja, se houver a necessidade imperiosa de receita e a estabilidade das finanças públicas o exigir, há uma cedência. Por isso é muito difícil assumir que o interesse público se verifique. Ele dificulta muito uma situação de retrospetividade. Quando é que há necessidade de os critérios sejam cumulativos? Para que haja tutela dos contribuintes. Para que a norma nova seja inconstitucional. Significa isto que se algum dos critérios não for cumprido, não há tutela da confiança constitucionalmente imposta, e a norma pode subsistir. Como é que RCP sabe que há ou não proteção da confiança? Passar o teste dos 4 elementos. Tem de ser criada uma expetativa pela atuação do legislador numa lógica de continuidade, elas têm de ser legitimas, justificadas e fundadas, os privados têm de ter decidido tendo por base a assunção da continuidade, e não pode haver interesse público que se sobreponha a estes interesses do contribuinte. Caso este teste seja positivo os quatro verificandose a norma retrospetiva não pode vigorar, porque viola o princípio da confiança. Não estamos na questão da retroatividade, ela já foi. Falamos do princípio da confiança. Se não se verificar o teste, um dos critérios falha e é muito provável o interesse público falhar - a norma retrospetiva mantém-se na OJ e é aplicada. Isto porque a confiança não está tutelada constitucionalmente. O que está em causa? Saber se uma norma retrospetiva pode ou não manter-se na OJ. Já vimos que, pelo princípio da não retroatividade fiscal, ela mantém-se. Não constitui retroatividade, logo não se viola esse princípio. Para não deixar uma porta aberta, o TC determina que, se o contribuinte tiver expetativas legítimas, justificadas, fundadas, tiver decidido com base nelas e na continuidade do regime e não existir um interesse público que se sobreponha à sua visão individual, deve a Constituição proteger o contribuinte e afastar a norma retrospetiva. 44 Pelo contrário, se os quatro critérios não se verificarem, o que acontece? A tutela da confiança não é constitucionalmente protegida, e, portanto, a norma retrospetiva mantém-se no OJ. Na prática, a tributação efetiva-se. Nota: o que acabámos de ver não está em qualquer norma. A jurisprudência do TC determina a admissibilidade da retrospetividade para o caso dos impostos de formação sucessiva, sendo isto admitido porque não há violação do princípio da não retroatividade fiscal. Todavia, mesmo que haja admissão da retrospetividade, há que passar o teste do princípio da confiança. Se nesse teste se verificarem cumulativamente os 4 requisitos, há proteção do contribuinte, e a norma retrospetiva tem de abandonar a OJ. Mas se falhar um critério, a norma mantém-se. RCP volta a frisar: a única norma jurídica aqui é o 103º, 3. Esta é uma jurisprudência criativa. Nota: não há qualquer norma na interpretação do TC que diga que isto só vigora quando é favorável/desfavorável ao contribuinte. Não há nada disto no fiscal; é uma proibição da retroatividade absoluta, ao contrário do que acontece no direito penal. Todavia, é possível encontrar alguns autores a defender a possibilidade de normas retroativas no caso de combate à fraude e evasão fiscal. Mas isto é só posição doutrinária não há norma a permitir nem jurisprudência a dizer que seja válido. Isto é válido igualmente para a interpretação. Poder-se-ia ter a noção de que a interpretação da lei fiscal está ancorada em, no caso de haver incerteza, ter-se um in dubio pro contribuinte. Não existe. E também não existe um in dubio pro fisco. Acórdão 617/2012 (Inês) Houve um agravamento da taxa de tributação aplicável aos encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e relacionados com 45 viaturas ligeiras ou mistas, motos ou motociclos, sendo que tal agravamento, por força da retroação de efeitos prevista no artigo 5.º, n.º 1, da referida lei, é aplicável aos encargos e despesas já realizados pelos contribuintes no período de 1 de janeiro de 2008 até à data de início de vigência da lei. O tribunal recorrido recusou a aplicação da norma do 5º, 1. por violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal consagrado no 103º, 3. da Constituição. Esta norma constitucional dispõe que «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei». contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar -se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei. Acórdão 85/2010 (Inês) Remissão 128/2009. para a jurisprudência do acórdão Para que o Estado possa cobrar um imposto, ele terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito. No Acórdão n.º 287/90, de 30 de outubro, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da proteção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus atores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras. A lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado. -se, tutelados apenas à luz do princípio da confiança enquanto decorrência do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição. Com a alteração constitucional não se visou explicitar uma simples refração do princípio geral da proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda a atividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a existência de um perigo abstrato de grave violação daquela confiança. O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos procedeu à distinção entre o tratamento que deveria De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: a) A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer -se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). Os dois critérios enunciados são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta estadual; por último, é ainda necessário que não 46 ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. público que prevalecessem sobre o valor da segurança jurídica, as normas retroativas seriam intoleráveis e, consequentemente, constitucionalmente ilegítimas Retroatividade própria ou autêntica: aplicação de lei nova a factos anteriores à entrada em vigor da lei nova. Uma vez expresso no texto da Constituição a proibição da retroatividade em matéria fiscal, o Tribunal passou a ler esta proibição já não numa dimensão subjetiva (dependendo, em concreto, do contexto dos sujeitos da relação tributária resultante da aplicação da lei) mas antes numa dimensão objetiva. Diz o Tribunal, a este propósito, que à proibição expressa da retroatividade da lei fiscal de objetividade e autovinculação do Estado pelo Acórdão 128/2009 (Inês) Da proibição da retroatividade da lei fiscal: Foi na revisão constitucional de 1997 que o legislador constituinte tomou a opção de consagrar, no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, o princípio geral de proibição de cobrança, pelo Estado, de impostos retroativos. Explicitou -se, aqui, diz a doutrina, algo que já decorria do princípio da proteção de confiança e da ideia de Estado de direito nos termos do artigo 2.º da CRP. Decorre deste preceito constitucional que qualquer norma fiscal desfavorável (não se entrando aqui na questão de saber se normas fiscais favoráveis podem, e em que medida, ser retroativas) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroativa, sendo a expressão «retroatividade» usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável. consagrado que está o princípio geral de irretroatividade da lei fiscal, a mera natureza retroativa de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pela Constituição, qualquer que tenha sido, em concreto, a conduta da administração fiscal ou do particular tributado. Por outras palavras, o juízo de inconstitucionalidade decorre apenas da mera análise dos dados normativos, não dependendo, em nenhum momento, da averiguação de quaisquer elementos circunstanciais que resultem da condição, em concreto, de uma certa relação jurídico-tributária. Como se disse já, a retroatividade proibida no nº 3 do artigo 103º da Constituição é a retroatividade própria ou autêntica. Ou seja, proíbe-se a retroatividade que se traduz na aplicação de lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova). As decisões do Tribunal, até 1997, assentavam no seguinte argumento: uma lei fiscal seria inconstitucional (por violação do princípio da confiança) apenas quando imposta a retroatividade frustrem as expectativas fundadas dos Tribunal que a retroatividade das leis fiscais seria constitucionalmente legítima sempre que não ferisse confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela afetados; ou que não trai[sse], de forma arbitrária e injustificada, as expectativas juridicamente tuteladas e criadas na esfera jurídica dos cidadãos ao abrigo das disposições vigentes à data da ocorrência dos necessariamente fluida, levaram a que, em diversos arestos, o Tribunal viesse dar como boas leis fiscais retroativas. Noutros casos, ao invés, o Tribunal entendeu que, por inexistirem razões de interesse 47 II. TEORIA GERAL DO IMPOSTO Depois de detetados estes aspetos nucleares como analisar o imposto (olhámos para a forma como devemos tratar o imposto), vamos passar para o estudo da figura especificamente considerada. Vamos tentar estabelecer aquilo que conhecemos como teoria geral do imposto. Vamos tentar sistematizar um conjunto de conceitos que já fomos identificando nas finanças públicas e que já fomos abordando ao longo destas semanas. No fundo, vamos tentar arrumar esta matéria e densificar. Não vai ser um capítulo em que apareça tudo de novo. Mais uma vez, vamos pegar em aspetos já trabalhados e densificá-los. Vamos reconfigurar a nossa abordagem em termos de fundamento e funções do imposto, recapitular as classificações do imposto. I-1. O imposto Nota: a extrafiscalidade não significa que a função fiscal seja afastada; elas podem ser cumuladas. Toda esta realidade, como vimos, evidencia uma ideia de para que serve o imposto e caracteriza o imposto em termos da sua composição. Os elementos da capacidade contributiva e unilateralidade e são os elementos que vão ser os distintivos do imposto com outros tributos. I-2. O imposto como um tipo de tributo: conceito e diferenciação dos outros tributos Imposto vs. Taxa vs. Contribuição Financeira. Ainda a figura da Contribuição Especial Vamos olhar para a relação jurídica fiscal e depois para a fraude e a evasão. Passamos à questão do imposto o conceito. Há que recordar imposto como prestação, elemento objetivo. Esta prestação é patrimonial, coerciva, definitiva e unilateral. É exigida pelo Estado a quem detém capacidade contributiva. A capacidade contributiva é aferida tendo em conta as bases de tributação rendimento, património e consumo. Esta prestação é necessária (elemento finalístico) para, por um lado, garantir receita para a intervenção pública (arrecadação de receita) mas também pode ser usada como instrumento de política económica e/ou social. Já por qui é importante fixar que a finalidade do imposto vai para lá da mera arrecadação de receita. Ou seja, o imposto serve, em primeira linha, para obter receita, mas também é um dos instrumentos ao dispor do poder público para cumprir com a sua função. Recorde-se o que vimos em finanças públicas acerca das funções da atividade financeira do Estado. Assentava em arrecadação da receita, mas também redistribuição e estabilização macroeconómica. Assim, qualquer instrumento de finanças públicas e um imposto é um desses instrumentos serve para cumprir com essas funções: arrecadar ou modelar. Se for para arrecadar, temos um imposto fiscal, cujo objetivo primeiro/principal é arrecadação de receita. Se, por outro lado, uma das normas que compõem aquele imposto tiver carater extrafiscal, significa que o objetivo primeiro será modelação de comportamentos. 48 Identificámos a existência do imposto, a taxa e as contribuições financeiras. Qual é a base legal que justifica esta tripartição dos tributos? Onde é que o legislador apresenta a existência destes tributos? CRP, art.º 165º, i). e LGT, 3º, 2. este último número distingue impostos das taxas e das demais contribuições financeiras. Por que é que há necessidade de distinguir? Vejase o 3º da LGT. Há regras próprias para a criação de taxas e contribuições financeiras. Note-se que nem as taxas, nem as contribuições financeiras têm este regime aprovado em Portugal. A única coisa que existe é o regime das taxas locais (municípios), onde há um regime próprio. Quanto às contribuições financeiras, a única coisa que existe são diplomas aprovando contribuições. Temos normas avulsas específicas para cada tipo de contribuição. A diferença do imposto para as contribuições financeiras e para a taxa vai estar ancorada nestes dois elementos. A unilateralidade é total no imposto, e o princípio norteador do imposto é o princípio da capacidade contributiva. Pelo contrário, as taxas são marcadas, aparentemente, pela bilateralidade, e regidas pelo chamado princípio da equivalência. Estas contribuições financeiras vão ter uma bilateralidade difusa (de grupo / setorial) e há aqui o princípio da equivalência. Veja-se que tudo isto é obrigatório. Se não forem cumpridas voluntariamente, são coercivas. Uma vez verificada uma taxa ser devida, ela é devida; se não for paga, há execução, e o mesmo com a contribuição financeira. É verdade que este é o desenho simplificado, porque configurar, na prática, o que é taxa pode ser mais difícil do que aparenta. A base para começar a compreender o que é taxa está na LGT art.º 4º, 2., que determina os tipos de taxa existentes. Todavia, se é verdade que daqui a ideia de sinalagma resulta (pago e obtenho algo em troca, 49 seja material ou imaterial), o facto é que a potencialidade pode estar presente numa taxa. A questão da voluntariedade não tem de ser assumida como característica inevitável da taxa, assim como o benefício pode também não estar presente. O que é que RCP está a dizer? Quando pensamos na taxa, por oposição ao imposto, pensamos no pagamento de uma quantia para receber algo em troca. Ao dizer isto, o que se está a assumir? Tendencialmente, assume-se que há uma ideia de voluntariedade (só pago o que quero); efetividade (recebo efetivamente alguma coisa em troca no pagamento); benefício (porque não sou tonto, vou receber um benefício). Porém, se começarmos a escamotear a configuração das taxas hoje, e por que é que o Estado cobra taxas, percebemos que isto não é bem verdade ou melhor, não é sempre verdade. Caso 1 um processo judicial que não foi da iniciativa de RCP, mas em que RCP é arguida, correndo as taxas de justiça por conta de RCP. Isto é uma taxa. Caso 2 propinas. O número 1 milhão inscreveu-se e pagou as propinas, mas nunca veio às aulas, nunca fez um exame, e às tantas desistiu. Pagou uma taxa pela potencialidade para aproveitar o serviço de educação. O dinheiro não vai ser reembolsado. Se RCP tiver uma casa de férias, e não vai lá nunca porque não tem tempo, continua a ter de pagar todas as taxas, incluindo, por exemplo, a do saneamento, apesar de nem utilizar. Mesmo sem precisar de ativar o serviço. E tem de o fazer. Isto significa que, quando uma taxa é paga, pode ocorrer uma ideia de mera potencialidade, afastando a ideia de efetividade. Tal como a questão da obrigatoriedade também pode aparecer na figura da taxa. Somos obrigados a ter cartão de cidadão; e somos obrigados a pagar uma taxa para o ter. Imagine-se que RCP tem um cão. É preciso ir à junta de freguesia pagar uma taxa para a sua existência. Isto para demonstrar que, quando temos de ter a noção do que é uma taxa ainda que a ideia base seja bilateralidade nem sempre tais características têm de estar presentes. Pode haver lugar a exigência de taxas que contrariem esta dinâmica. Esse é o aspeto que RCP queria fazer passar. taxa, o valor da taxa ser aferido por esses elementos (os custos envolvidos). Se pensarmos, tudo tem um custo. A taxa tem as vertentes do 4º, 2. da LGT; implicaria receber sempre a coisa em troca? Pode haver apenas a possibilidade de ter a coisa em troca, mesmo não a recebendo efetivamente. Isto é uma tentativa de desmistificar o conceito de taxa, por oposição à figura do imposto. O valor da taxa é apurado tendo uma relação direta entre o que é prestado e o custo envolvido nessa prestação. Pelo contrário, na equivalência de benefício, havendo benefício, a taxa pode estar ligada a um benefício obtido pelo contribuinte, devendo o valor da taxa ser calculado tendo em conta o benefício gerado. São dois modelos completamente diferentes. Outro aspeto relevante, que tem a ver com a ideia de equivalência: equivalência significa uma correspondência entre o que pagamos e o que obtemos. Quando se fala na equivalência, podemos ter um de dois tipos de equivalência. Podemos adotar: Quando pensamos no princípio da equivalência como princípio norteador da taxa, estamos a dizer que o valor da taxa deve ser determinado ou atendendo ao custo, ou atendendo ao benefício. >>> Equivalência de custo. >>> Equivalência de benefício Na equivalência de custo, não havendo lugar a um benefício (e já vimos que pode haver taxas sem benefício), o valor da taxa deve ser determinado tendo em conta o custo provocado pela atuação pública ou seja, o valor da taxa é determinado atendendo àquilo que custa intervir para satisfazer aquilo para que a taxa serve. Imagine-se, todavia, que se fôssemos pelo custo poderíamos chegar ao ponto em que uma licença poderia representar, imagineafastar a possibilidade de aceder a algo. E se seguirmos o critério do benefício, sem mais, poderíamos chegar a um problema: como quantificar o benefício individual? Um benefício 000 000 para outra pessoa. Por isso, a equivalência tem de ser integrada com a proporcionalidade. Pense-se nas taxas moderadoras. Se forem de acordo com o princípio da equivalência na sua vertente custo, o que poderia acontecer em última instância? Muitos cidadãos poderão ficar excluídos, e o objetivo da taxa não é esse. A equivalência tem de ser interligada com a lógica da proporcionalidade. Isto é importante para a determinação do valor da taxa. Exemplo, equivalência de custo: RCP quer uma licença de caça e faz o pedido. Um funcionário analisa a situação. Teve de haver uma impressão de um papel com o comprovativo da licença, outro papel de comprovativo do pagamento da taxa, a sala, etc. Tudo nesta vida, infelizmente, tem um custo. Há um conjunto de fatores que são os custos, os gastos existentes para a obtenção daquele produto ou a prestação daquele serviço. Todos os valores são considerados. Portanto, uma das vias de implementação do princípio da equivalência, não havendo benefício, e tendo em atenção os custos exigidos para a prática pública decorrente daquela 08 MAR 2019 Sumário: Imposto, taxa e contribuição financeira (continuação). I-2. O imposto como um tipo de tributo: conceito e diferenciação dos outros tributos Imposto vs. Taxa vs. Contribuição Financeira. 50 Ainda a figura (continuação) da Contribuição Especial Verificámos que o apuramento de valor da taxa era feito tendo em atenção o princípio da equivalência e identificámos que esta equivalência poderia ter uma de duas formas: equivalência custo e equivalência benefício, dependendo dessa maneira a construção/identificação do preço/valor da taxa efetivado. acesso que não se pretende elitista aos serviços, ao domínio público em causa. Por isso, também na quantificação da taxa deve ser atendido o princípio da proporcionalidade. Equivalência também está ligada a proporcionalidade, ou seja, tem de haver algo minimamente proporcional. Se não houver correspondência entre aquilo que é prestado e aquilo que é pago como taxa, o que acontece na prática? Deve haver uma requalificação da taxa como imposto. Se passar a ser requalificada como imposto, tem de se atender a que princípio? Capacidade contributiva, reajustando o seu valor. O que se está a dizer? Ainda que a equivalência seja o princípio norteador da taxa e é tenha-se em atenção que também a questão da proporcionalidade tem de ser atendida e, se não existir proporcionalidade, não há espaço para aquela taxa ser efetiva. A parte que não for proporcional será imposto. Pensar as taxas implica pensar a equivalência, mas ligando-a à questão da proporcionalidade. E essa ligação pode dar espaço a reconversão de valores que não estejam de acordo com essas circunstâncias. Como RCP disse, não temos em Portugal um regime geral das taxas, como deveríamos ter (a CRP assim o determina). O que temos é um regime geral das taxas das autarquias locais (um tipo específico de taxas), que está aprovado na lei 53-E/2006, e que pode ser útil para passar em revista o diploma, porque nele encontramos estas preocupações, sobretudo a questão da equivalência (no art.º 4º) como princípio norteador. 51 Também há no valor da taxa aspetos extrafiscais , extratributários . Ou seja, a tal modelação de comportamentos também na questão da taxa pode ser tida em consideração e estar presente. Portanto, verifica-se neste regime geral das taxas das autarquias locais que pode haver a introdução de valores superiores aos tidos como adequados, cumprindo a equivalência e a proporcionalidade, para desincentivar determinado comportamento. Isto é importante para termos a noção de que o imposto e, neste caso, a taxa são também assumidos como instrumento de intervenção e ação pública. Eles efetivamente têm a função primeira e central de arrecadar receita, mas também podem ter finalidades diferentes. Quando pensamos no imposto, estamos a pensar para o bem e para o mal, incentivo ou desincentivo. Na taxa devemos ter o mesmo pensamento. Sendo que neste diploma se fala especificamente no desincentivo. Nota: não é propriamente correto falar aqui em imposto. RCP não se recorda de uma expressão arrecadação de O outro tributo que encontrámos no âmbito da CRP e da LGT foi o das contribuições financeiras. De finanças públicas já ficámos com uma ideia da dificuldade que é definir contribuição financeira. Este tributo de terceiro género está a assumir crescentemente um papel. Quando a contribuição financeira começa a aparecer e se reconhece a sua existência, está a ter-se em consideração alguma névoa no processo, o que não ajuda à delimitação exata das fronteiras entre os vários tributos. Todavia, podemos tentar identificar alguns aspetos, face à prática existente do que é qualificado como contribuição financeira, que nos podem auxiliar. Nota: isto seria mais fácil se houvesse um regime geral das contribuições financeiras, que a CRP exige. RCP acha que o legislador tem receio de o fazer porque as fronteiras são difíceis de definir. Um critério que podemos usar para identificar a contribuição financeira é o das prestações presumidas. Isto vem de uma construção de raiz alemã. Parte-se da ideia de que há certas prestações que apenas podem presumivelmente ser concedidas a certos indivíduos ou grupos que apenas presumivelmente serão aproveitadas por esses grupos. Não há uma certeza efetiva de que terão o benefício, de que se aproveitarão de determinada prática, comportamento, serviço, etc. Desta forma, a ligação que existe entre a obtenção efetiva de um benefício na nossa esfera, uma prestação, não é nítida. Podemos estar na mera possibilidade, e não num efetivamente receber. O que é que RCP está a dizer? Há uma mera potencialidade. É presumível que RCP vá aceder àquele benefício, mas não tem a certeza. Não é um Além da questão do ser presumido, segunda característica: é muito difícil nestas contribuições estabelecer uma relação individualizada, coisa que existe na taxa se sempre em grupo, em conjunto. Não há uma facilidade em individualizar aquela potencialidade naquele indivíduo em concreto. O indivíduo pertence a um grupo, a um tipo de atividade. Há uma tendência e presume-se que vai ter determinado benefício. Nestas circunstâncias de fluidez, dá-se espaço para se criar estas contribuições. Nota: RCP assume que isto é insuficiente, mas é mesmo assim. Vamos tentar concretizar com exemplos. Pergunta: quando pago um imposto, o que tenho em troca? Pago individualmente, mas obtenho um benefício em grupo. É possível, só pelos impostos, compreender que pode haver uma ligação individual que dá origem a um aproveitamento em grupo. Mas estes dados trazidos agora são relevantes. O que estamos a fazer, na verdade, é circunscrever a um grupo e não à generalidade. Por isso, as contribuições financeiras distinguem-se do imposto ainda que se aproximem do imposto, por serem individuais mas terem uma lógica de grupo associada. Por outro lado, estamos a falar numa ideia de certos bens, certos serviços a circunscrever. Já não é um imposto geral, aproxima-se da taxa porque é mais individualizado, mas não é uma taxa porque não é -toespécie de lógica de bens de clube). É uma prestação presumida e, ao mesmo tempo, não conseguimos individualizar; há uma pertença a um grupo, com bens/serviços de clube. Isto tem dado espaço a que se tenha procurado dar exemplos do que, na prática, pode incorporar o cumprimento destas duas características: ser uma (i) prestação presumida e (ii) não individualizada, pertencente a um grupo. O primeiro caso habitualmente indicado são as taxas de regulação económica. O Estado pode assumir as vestes de empresário, produzindo bens/serviços e pondo-os no mercado. Este modelo empresarial não tende a existir já internacionalmente, por múltiplas razões. O que tende a existir é aquilo a que se chama um Estado regulador. Quando o Estado assume o seu primeiro papel em termos de regulação económica não é ser o prestador do serviço ou o produtor do bem, mas antes garantindo aos privados a estabilidade e a concorrência para o exercício da atividade económica, ele torna-se o chamado Estado regulador. E o Estado regulador tem várias vestes. O Estado legislador, ao legislar, também está a regular: está a estabelecer regras, barreiras de atuação. Mas, além de legislar (e aqui há uma discussão sobre ser um smart regulator), há a via da criação de entidades que têm de ser independentes que procurem salvaguardar a estabilidade de funcionamento do mercado. Estas entidades independentes que pertencem à Administração Pública (independente) são conhecidas como entidades reguladoras. 52 Existem dois tipos de entidades reguladoras / tipos de regulação: Regulação transversal / global do mercado; Regulação setorial (setor a setor de atividade). Na regulação transversal, no caso português, temos o exemplo da Autoridade da Concorrência. Ela olha para as regras da concorrência nacionais e UE e garante que elas são respeitadas pelos privados. A sua existência e ação está especificamente orientada para garantir a regulação do mercado; garantir que a lógica da concorrência funciona. Por outro lado, podem existir muitas outras entidades setoriais, tantas quantas o Estado quiser. No caso português, pense-se na eletricidade e na ERSE (entidade reguladora do setor energético), na ERC (entidade reguladora da comunicação). Estas entidades precisam de dinheiro para funcionar. Parte do financiamento pode ser via transferência do OE, é verdade; mas, para garantir a independência, é muito importante que as vias de financiamento sejam sobretudo muito assentes numa lógica interna, autónoma. Por isso, a estas entidades atribuíram-se as receitas obtidas com as chamadas taxas de regulação económica, em que os operadores específicos pagam X para que essa entidade desenvolva essa atividade e consiga garantir a regulação e estabilidade do setor. Estas verbas são usualmente consideradas como sendo um exemplo de contribuição financeira. Não são impostos porque não são pagos por todos, nem são pagos de acordo com a capacidade contributiva. Mas também não há uma verdadeira taxa, porque há uma lógica difusa no benefício que é obtido e na potencialidade. Há, portanto, uma preocupação de responsabilização dos agentes regulados, o que faz com se permita grupo, e com esse grupo a possibilidade de presunção do benefício. Porque se a entidade cumprir com a sua atividade, e cumprir bem, a tendência é o mercado funcionar às mil maravilhas e tudo ser fantástico, estando a lógica 53 salvaguardada. Não conseguimos encaixar no imposto nem na taxa, mas encaixamos nas contribuições financeiras. Nota: será que as contribuições para a Segurança Social são contribuições financeiras? Há doutrina que diz que sim, e há doutrina que diz que não. O que é que está em causa? Quando estamos perante o sistema contributivo aquele em que pago para poder ter uma proteção social quando precisar dela isto implica o pagamento de uma taxa social única (TSU). Esta taxa social única é composta de duas partes: parcela 1 quotização; parcela 2 contribuição. A quotização é do trabalhador (é a parte que o trabalhador paga do seu vencimento); a contribuição é do empregador. s, tivermos uma incapacidade, parentalidade, ficarmos desempregados, etc. A forma como o sistema está pensado para o trabalhador por conta de outrem faznos pensar numa taxa. Porém, o caso complica-se porque a forma como o sistema previdencial é gerido, quanto ao seu financiamento, introduz distorções nesta relação de bilateralidade individualizada entre aquilo que pagamos e aquilo que obtemos. RCP não teria qualquer problema se o sistema fosse gerido em chamado regime de capitalização, onde aplicado numa conta individualizada e que estaria à espera quando RCP precisasse de ir buscar, havendo relação direta entre aquilo que paga e aquilo que vai obter. Só que este regime de gestão financeira não é o regime prioritário no sistema de segurança social. Apesar de existir uma parte que tem esta preocupação, o regime base de gestão é o de repartição pago, entra no somatório das disponibilidades do sistema e este automaticamente atribui aos continuará a contribuir e a financiar os beneficiários daquela altura (que há de vir). Ou seja, é atenuada muitíssimo a relação direta entre o que pagamos e aquilo que obtemos. O que há é um registo de contabilidade, um registo informático. Entre aquilo que pagamos e o que obtemos, a individualização não está tão demonstrada. Qual é a natureza jurídica de cada uma delas? É que não se pode olhar para a TSU sem mais. Onde não parece suscitar dúvidas é na parcela da TSU que é composta pela contribuição do empregador. Ele paga porque a lei exige que pague como consequência de uma relação de trabalho, e ele não vai, à partida, ter qualquer benefício daquele pagamento. O que acontece? Unilateralidade. Logo, será um imposto. Na quotização é que podemos discutir se ela é imposto, se é taxa, se é contribuição financeira. Se pensarmos na forma como o sistema de segurança social está construído, RCP diria que a quotização é uma taxa. Porquê? Pagamos para mais tarde, quando precisarmos, virmos a ter a proteção. Este mais tarde pode ser muito mais tarde na velhice Assim, podemos dizer que é ou um imposto, ou uma contribuição financeira. Depende da posição que tomarmos. Existe doutrina que coloca no imposto porque não tenho a certeza de quanto vou ter, se vou ter, e pago porque tenho de pagar. Mas se atendermos a uma ideia de grupo e de presunção e à ideia de que, cada vez que há um desconto mensal, eu tenho a minha esfera jurídica robustecida com um direito legalmente protegido. Como pertenço ao grupo dos que pagam, e ainda que não haja direta individualização, digo que há uma contribuição financeira. Assim, tudo depende de como interpretar a volatilidade desta questão. Mesmo na questão das quotizações para a Segurança Social não está cristalizada a classificação. E RCP tem muitas dúvidas. Muita doutrina que acha que estamos perante um imposto também não lhes chama propriamente imposto, e fala em parafiscalidade. Face a este reconhecimento de alguma especificidade, então há doutrina que deita tudo fora e encaixa as quotizações na contribuição financeira. 54 Cada vez mais é difícil dizermos com a certeza e a convicção tantas que já não bate certo com a característica clássica que norteava a figura quando ela foi criada. 14 MAR 2019 Constitucionalmente, é dito é reconhecido pelo TC é que o que está constitucionalmente salvaguardado é um direito à pensão, não a um quantitativo específico da pensão. Posso estar a descontar a Sumário: Teoria geral do imposto (continuação). 800, e isto não é inconstitucional. Há que recordar que o que estamos a fazer é apropriarmopara isso, convém apreender as suas características e, face ao modelo que tem sido utilizado no fiscal, parte desse processo implica confrontarmos a figura tes taxa (tradicional) e, cada vez mais utilizada, a figura da contribuição financeira. Há uma liquidez. Não há uma pureza de conceção aqui subjacente. Isso faz com que haja dificuldade nas categorias jurídicas muitas vezes em causa. Por isso é que continua a haver litígios, e continuará sempre a haver. Imposto >>> unilateralidade [benefício indireto] Contribuição financeira >>> difusa/grupo -----[presumida] bilateralidade Taxa >>> bilateralidade / individualização Imposto >>> capacidade contributiva Contribuição financeira >>> equivalência Taxa >>> equivalência Mas o valor da quotização é apurado em função de quê? Do rendimento que temos. Isto não bate certo com a ideia da equivalência. RCP não assume a quotização como uma taxa; olha-a como imposto parafiscal, mas reconhece que há espaço para assumir que é uma contribuição financeira. RCP não consegue entrar na contribuição financeira de cabeça, porque ainda há elementos a ligar ao imposto. 55 Estamos, portanto, a apelar à apropriação da caracterização da figura imposto. Além de termos identificado os elementos compósitos desta figura, aprofundámo-la, distinguindo-a das taxas e das contribuições financeiras. Neste exercício, ficou patente que, ainda que os nossos quadros mentais devam fazer a identificação do padrão, tal não significa que não haja um espaço para uma fluidez nas distinções. Cada vez mais essa fluidez está em cima da mesa e, portanto, quando queremos distinguir as três figuras, podemos ter casos em que ficam circunscritas no padrão. Assim, as características fundamentais ficam enquadradas. Mas também podemos ter casos de difícil caracterização. Daí que distinguir taxa de contribuição financeira ou contribuição financeira de imposto pode ser dúbio e suscitar muitas questões. I-2. O imposto como um tipo de tributo: conceito e diferenciação dos outros tributos Imposto vs. Taxa vs. Contribuição Financeira. Ainda a figura da Contribuição Especial (continuação) Olhe-se ao art.º 4º da LGT. Veja-se o nº 3. Dissemos que a Constituição distinguia imposto, taxa e contribuição financeira. Mas aqui o legislador fala de contribuições especiais. Temos aqui uma nova categoria de que o legislador constitucional se esqueceu? A resposta é não. Apesar de se falar no art.º 4º, 3. em contribuições especiais, as categorias de tributos continuam a ser: imposto, taxa e por determinação legal, na figura impostos. Assim o primeiro aspeto é: apesar de o legislador introduzir o Estado não fez isto. O que fez foi reconhecer a criação de valor e dizer que sobre esta vantagem será requerida uma participação nos custos públicos, mas exigindo isso só quando o valor for concretizado. Imagine-se que só acontece em 2019; então, só no momento em que há a venda/alienação é que tal contribuição é efetivada. figura é encaixada pela lei na figura imposto. Qual é o passo seguinte? Quando apelamos à figura das contribuições especiais, de que estamos a falar? O legislador português inspirou-se numa figura anglo-saxónica, que são certos tributos exigidos a alguns contribuintes por uma situação que os abrangeu especificamente. Já aqui se vê uma certa crítica: alguns em situação específica, o que normalmente levaria a uma qualificação diferente. O Estado intervém na sociedade através, por exemplo, de obras públicas. Dessas obras públicas pensadas com uma estrutura geral e abstrata para atingir toda a comunidade e não certos grupos de indivíduos pode resultar um benefício para grupos de contribuintes em especial. Então, exige o Estado que haja uma participação desses contribuintes beneficiados na despesa pública. É como que uma forma de incorporar uma externalidade; são as chamadas contribuições por melhoria. Exemplo: a ponte Vasco da Gama. Ela foi construída na ligação das duas margens. Os terrenos e imóveis envolventes tiveram uma valorização, sendo que a ponte não foi feita para os proprietários daqueles terrenos ou imóveis. Então, exige o Estado que esses proprietários que foram beneficiados por aquele efeito positivo da construção da ponte contribuam para o erário público pelos benefícios em si causados. Aconteceu isto também com a Expo. Como é que o legislador fez isto? Não foi a casa de cada um dos contribuintes a exigir que pagasse X. Determinou-se um regime. Se e quando fosse alienada a propriedade, obtendo as mais-valias vindas da valorização do imóvel, a ideia era que contribuíssem para o erário público com aquele ganho obtido. Há um diferimento da contribuição para o momento da realização. O que estamos a dizer? Há um momento em que houve a construção de uma ponte, a qual valorizou uma propriedade. Esta valorização ocorreu como externalidade; foi uma consequência não desejada. Isto faz com que haja uma valorização individual de dada propriedade. O que poderia acontecer de forma mais imediata? O Estado enviar uma carta aos proprietários, que teriam de pagar automaticamente X de contribuição especial (no caso, por melhoria), participando eles também na partilha de gastos. Mas Imagine-se que há uma casa construída na década de 1980. Fazemos obra, modernizamos e tornamos o espaço muito mais apetecível. É óbvio que o espaço fica valorizado. Independentemente de ter havido ação pública, a nossa própria ação como proprietários pode valorizar o imóvel. Mas não estamos a falar disso: nas contribuições especiais por melhoria, o que estamos a dizer é que há um investimento público grandioso que implica um aumento exponencial do valor das propriedades. Este aumento, que não teve gasto algum da parte do proprietário, faz com que se legitime a exigência da participação nos gastos públicos. Estamos a falar de duas realidades distintas: a valorização dos bens pode ocorrer sem ação pública. Mas pode ocorrer pela ação pública específica uma valorização da propriedade de um ou vários contribuintes; e, se houver essa ligação, pode o Estado, através da figura das contribuições especiais designadamente, a contribuição por melhoria exigir uma participação do contribuinte nos gastos públicos que ocorreram e deram origem àquela valorização. Podemos criticar a opção que o legislador assumiu ao qualificar as contribuições especiais como impostos. Verifica-se uma lógica de bilateralização, mais próxima até da lógica difusa das contribuições financeiras. O que estas contribuições especiais pretendem é cristalizar o que se passou no momento em que, de uma ação pública, ocorre uma valorização da esfera privada. E isto tendo em conta que a valorização pode ocorrer com obras no imóvel pelo proprietário. Há um diploma próprio com um regime próprio que obedece a regras próprias; não se confunde com a valorização pelo proprietário. Mas qual é a crítica que se pode fazer, para RCP? Olhar para a figura como imposto, suscitando a legalidade fiscal e a capacidade contributiva quando esta figura está subjacente a um benefício. RCP acha que não tem muito sentido um encaixe da figura no imposto. A LGT qualifica-a como imposto, quando na sua génese o que encontramos é uma 56 lógica de benefício e não de capacidade contributiva. Onde está um argumento a favor da capacidade contributiva? Só se operacionaliza esta tributação no momento em que haja a realização. Assim, só quando há a obtenção do valor representativo desta mais-valia é que temos na nossa esfera jurídica a concretização daquele valor obtido da ação pública. Por isso é que há uma necessidade de diferir o prazo de concretização e pagamento devido da contribuição especial para o momento da realização daquele benefício. O que podemos questionar é o legislador ter incluído isto na figura do imposto. Nota: o imposto tem a maior proteção, e a taxa a menor. Se algo que é qualificado como imposto é uma taxa, não há grande problema, mas se um imposto for qualificado como taxa, poderá haver problemas. De um ponto de vista substantivo, pouco importa que o legislador utilize certa designação. Todavia, há que atender a que, neste caso específico, ao contrário de outras circunstâncias, o art.º 4º, 3. expressamente faz uma qualificação. E há a questão da capacidade contributiva. É mais um caso que demonstra que, muitas vezes, podemos estar perante situações que não encaixam no padrão. Ligando às finanças públicas e ao início do semestre, verificámos que o imposto tem limites quantitativos, para além de limites qualitativos, e a forma como a gestão política exige que se tenha em atenção a qualificação e a mensagem que passa para a opinião pública (falámos da anestesia fiscal de tirar o máximo de penas sem que o ganso gritasse muito), tudo isto auxilia e complexifica o exercício de ponderar se estamos perante uma coisa ou outro. Muito mais estará interessado o Estado em não chamar imposto, mas sim contribuição, pois dá a ideia de que não é para todos e sim só para alguns. Lembre-se que nos OE desde o período da crise quais as figuras tributárias maioritariamente criadas, com mais significado em termos de quantidade: as contribuições financeiras. Quais é que são muito importantes no erário público? Setor energético, bancário, farmacêutico. Estas três representam milhões. Há que tentar que haja uma equidade na partilha dos gastos públicos. Em simultâneo, temos uma opção por figuras setoriais, no sentido de não sobrecarregar mais os impostos. Por isso, a forma tende a não ser relevante, mas atenção: ela pode ser atendida. Não é por acaso que as contribuições são aprovadas em OE. Segundo a CRP, o regime geral das contribuições tem de ser aprovado pela AR, mas não as contribuições em si. Mas elas têm sido aprovadas pela AR; se houvesse um problema de qualificação, estariam salvaguardadas mesmo que fossem, na realidade, impostos. 57 Há que acrescentar que, além de existirem as contribuições especiais por melhoria (betterment tax), também podem existir contribuições especiais por maior desgaste (ou despesa), ligadas a externalidades negativas. O caso mais visível não existe em Portugal. Pensemos nos megacamiões e no desgaste suplementar que provocam nas vias públicas quando circulam; ele faz com que devam participar no gasto nas vias públicas. Assim, pode ser criada uma contribuição especial por maior despesa ou maior desgaste nestas circunstâncias. Nota: a questão ambiental, porém, tende a ter um tratamento especializado. Existe um princípio internacionalmente reconhecido de direito do ambiente: o princípio do poluidor-pagador. Este princípio faz com que se ative a necessidade de uma responsabilização por parte daquele que polui. Isto faz com que, internacionalmente (mas a competência fiscal é interna ao Estado), os Estados tenham desenvolvido um quadro. Há um ramo específico do direito fiscal que trabalha sobre esta tributação ambiental; assim, há um conjunto de tributos ambientais (nuns Estados são mais, noutros menos) que tenta dar corpo à lógica do poluidorpagador. Assim, não há que qualificar logo estas figuras no âmbito das contribuições especiais. Muitas delas são taxas e outras são impostos ambientais. Um exemplo conhecido do nosso quotidiano é o dos sacos de plástico. Aliás, é exemplo também de extrafiscalidade: o tributo é criado para obtenção de receita, mas o primeiro objetivo desses tributos tende a ser a responsabilização ambiental e o combate ao impacto nefasto no ambiente. Assim, os tributos ambientais não têm necessariamente de ser contribuições especiais. Nota 2: quando aprendemos a pensar o fiscal, estamos muitas vezes preocupados com o imposto em especial, e, dentro dele, com a norma concreta. Fazemos uma análise da medida fiscal, que até pode ser um conjunto de normas. Falámos numa medida para tributar mais pesadamente os megacamiões. Do ponto de vista do criador, tudo bate certo: temos um objetivo concretizado pelas medidas 1, 2 e 3. A abordagem pode ser olhar para a medida e fazer um destaque do resto do sistema. Porém, como sabemos que os contribuintes, enquanto agentes económicos e sociais são reativos a este tipo de medidas por isso é que dizemos que os impostos podem ter o objetivo de modelar comportamentos, e, mesmo que não o tenham, acabam por implicar na tomada de decisão pelos agentes é importante termos uma abordagem integrada do sistema fiscal como um todo. Albano Santos fala no sistema fiscal como uma constelação de estrelas. No fundo, o que se está a dizer é que é um conjunto integrado. Não deve ser individualizado; tem de estar em ligação. Como é que ela é feita? Através do que é conhecido por política fiscal, em que o decisor, com poder político, legislativo, executivo tem de olhar para o sistema e conseguir casar cada uma das opções individualmente consideradas. Elas têm de bater certo. Isto exige o que é conhecido como análise custo-benefício. Raramente uma medida é uma winwin situation; raramente uma medida implica apenas benefícios. Pode implicar também custos, que têm de ser identificados e ponderados com os benefícios identificado um benefício maior do que o custo, ou o contrário. Ao ponderarmos o impacto da medida, a análise económica do direito também deve ser considerada e, por isso, esta análise custobenefício é fundamental. A legística é uma ciência que trabalha sobre a forma como a norma jurídica incorporada na lei deve seguir de um ponto de vista procedimental e substantivo. Esta área do saber é imensamente estudada (nem tanto em Portugal, mas mesmo aqui na faculdade tivemos ativo um observatório de legística). Esta matéria deve auxiliar à construção do direito. Há procedimentos identificados como adequados, e regras de avaliação de impacto, que é o que nos interessa. O que quer isto dizer? Que cada diploma que se aprova deve incorporar uma análise do seu impacto. Pede uma análise custo-benefício. Há um conjunto de critérios qualitativos e quantitativos a ser analisados: o impacto orçamental da medida, a promoção da igualdade de género e da inclusão, etc. No caso português, cada diploma aprovado tem apenso um estudo legislativo sobre a medida (mas para RCP as coisas não se fazem como se deviam fazer). Isto significa que há no âmbito interno a preocupação de esta visão simplificada e integrada casarem, e fazer-se esta análise custo-benefício. Tal não significa que os resultados sejam efetivados. O interesse político pode condicionar tudo. O que muitas vezes verificamos é que a política deturpa a construção deste tipo de raciocínio. Na prática, as medidas são feitas de forma simplificada e não tendo em atenção a análise custo-benefício no corpo do sistema fiscal. Há que ver o que significa política fiscal e o que é expectável que ela inclua. No caso dos camiões, um estudo deveria provar por A+B a existência um desgaste suplementar acentuado. A externalidade deveria ser incorporada no sistema, estando demonstrado este aspeto. Todavia, isso significa que, no fiscal, a questão da igualdade fiscal não é bem um princípio absoluto. Tal como aprendemos nas outras áreas do direito, mais do que a igualdade, o direito pretende a equidade. Ao estabelecer o valor equidade, o que é que naturalmente estamos a permitir que o legislador faça? Uma análise diferenciada. E isto pode levar a desigualdade. Assim, pensar o fiscal não significa que todos sejamos e devamos ser iguais. Todos somos iguais se estivermos em situações equiparadas; mas se não estivermos, deveremos ter tratamento diferenciado. Na questão dos camiões, estando comprovado um desgaste suplementar, há a possibilidade de tratar a situação de forma diferenciada, do ponto de vista fiscal. O direito à saúde é um direito fundamental, mas não um direito político civil e sim um direito social. Não podemos ir contra o direito à liberdade, e isso não depende do OE. Mas o direito à saúde e à habitação exigem uma intervenção pública, o que dará origem às finanças públicas. Logo aí já há um condicionamento. Assim, há uma necessidade de solidariedade fiscal: todos temos de participar nos gastos públicos. Todos temos o dever de contribuir para o erário público com os nossos impostos. A forma como participamos é que pode ser diferenciada, em função da capacidade contributiva. Muitas vezes, as contribuições sociais não são impostos: têm inerente a questão do gasto acentuado. O conceito de solidariedade fiscal é que dá azo ao conceito de capacidade contributiva como expressão da equidade: todos têm o dever de pagar impostos na medida da sua capacidade contributiva. Assim, solidariedade é algo que está profundamente integrado com equidade (que permite diferenciação de tratamento). Outra questão subjacente, ainda mais interessante, é: face à DUDH, ou à CEDH, ou à CRP, tendemos a pensar num circuito fechado. Mas hoje em dia está a ser operada uma transformação daquilo que deve ser o direito protegido, alargado. Será que a mobilidade, o direito ao esquecimento ou silêncio 58 digital são direitos fundamentais? O quadro de direitos em causa, e, portanto, de valores protegidos, oscila. Onde é que RCP quer chegar com isto? Se a mobilidade é importante, podemos fazer um pacote de medidas fiscais que suporte esta questão. Mas isso tem de ser pensado com a integração do sistema e o impacto nos custos e benefícios. Pode uma prestação de serviços de transporte ter a mesma proteção e dignidade que a minha necessidade de ser móvel no território nacional completo? Terá o mesmo grau de dignidade e o mesmo tipo de comportamento, assumindo que há custos que demonstram o desgaste suplementar destes meios de transporte, que vai condicionar a utilização das vias por todos os outros? A equação fica mais complexa; há que casar com o resto. Imagine-se um sistema de ação pública e todo o corpo normativo existente, e o facto de se saber que o imposto tem implicação na decisão do agente, sendo um dos instrumentos à disposição, podendo deitar por terra ou valorizar decisões que não têm implicações fiscais (ou não pretendem ter ligação fiscal). O Estado não se limita a intervir do ponto de vista fiscal; havendo mais intervenção pública, há que coordenar e olhar às implicações de rede, à complexidade que deve ser atendida. Nota: quando pensamos a intervenção fiscal como instrumento de ação pública, isso impactará em todas as decisões com que aquela medida fiscal estiver ligada: mobilidade, proteção de dados, até na equidade na sociedade. Está em discussão internacionalmente uma tributação específica para os GAFA (gigantes tecnológicos). Nos modelos de negócio e criação de valor estão em transformação; estes quatro transformam a cada dia a criação de valor e a criação de rendimento associado. Parte dessa criação de valor não é tributada; eles não participam no esforço de consolidação das contas públicas e na ação pública subsequente. Então, surge a questão da tributação dos GAFA como uma forma de criar um equilíbrio, com normas específicas, numa ideia de solidariedade social e de tornar mais responsável a utilização dos dados por estas entidades, o que se liga também a uma questão democrática, e está relacionado com os avanços e recuos da sociedade. A big picture é assustadora; as fake news são apenas uma ponta do icebergue. O elemento fiscal tem incorporada uma visão mais complexa, e que pode ter impacto no processo. 59 15 MAR 2019 Sumário: Teoria geral do imposto (continuação). I-2. O imposto como um tipo de tributo: conceito e diferenciação dos outros tributos Imposto vs. Taxa vs. Contribuição Financeira. Ainda a figura da Contribuição Especial (continuação) ACTC 307/99 ACTC 354/98 Lei 30/2003 DL 167-A/2005 DL 107/2010 Case study (audiovisual) O que é que ressalta de relevante da leitura feita, que nos auxilia a criar a identificação de mais elementos que ajudam a parametrizar a distinção entre imposto e outros tributos? uma circunscrição segundo a qual só aqueles que utilizassem o serviço fossem tributados, haveria a lógica de bilateralidade mas, aqui, a ideia do sinalagma não está relacionada com a utilização do serviço de radiodifusão. Qual foi a forma jurídica para a criação da taxa de radiodifusão? Foi por DL. Se foi qualificado como imposto e não como taxa, o que é que isso significa? Fere o princípio da legalidade fiscal, por não ter sido uma lei da AR. Assim, se há uma requalificação do tributo, tenderá a ter que se atender se as regras desses tributos (e os princípios) passam a ser os observados nomeadamente a questão da legalidade fiscal (no taxation without representation) e a questão de ser por DL e não por lei da AR. O que aconteceu de seguida? Foi aprovada a lei 30/2003. A questão da isenção é importante? Não há uma relação direta entre o consumo de energia elétrica e a utilização daquele serviço. A contribuição para o audiovisual é qualificável como quê? Há que fazer uma interpretação sistemática, evolutiva, tendo em conta as alterações feitas ao regime. Olhe-se à lei 30/2003. O que é que diz o art.º 1º, 2.? Do ponto de vista das finanças públicas, isto significa uma consignação de receita específica a certa despesa. Este é um dado relevante que pode ser usado para fundamentar uma posição. Nota: também na taxa há a questão de não obstar a uma utilização dos bens de domínio público ou de acesso ao serviço público pela ausência de capacidade contributiva (ou melhor, capacidade monetária), também a taxa, quando se determina o seu valor, pode e deve ter isso em consideração. Também tem de existir uma justiça na taxa; não se 000 000 quando o custo-benefício não o justifica; e, mesmo quando justifica, não se pode cobrar demasiado ao ponto de pôr em causa a democratização do serviço. Nota 2: como se compatibiliza o 4º, 2. com a ideia de que seria um imposto? Se é um imposto, há o princípio da capacidade contributiva, e não o da equivalência. A questão da isenção estará relacionada com a capacidade contributiva ou a equivalência? Nota 3: um elemento legal pode ter vários espaços de interpretação. Depois, veja-se o art.º 1º, 3. Dentro do serviço público de radiodifusão, há uma especificidade para a questão da televisão. No art.º 2 -se que a contribuição para o audiovisual tem em atenção as necessidades globais de financiamento do serviço nacional de radiodifusão e televisão, devendo respeitar os princípios da transparência e da proporcionalidade. Ajusta-se o montante à necessidade de financiamento. Isto pode ser usado como argumento para puxar em parte para o lado da taxa. Por outro lado, este art.º 2º, 1. também de se relacionar com o art.º 3º, 1. a contribuição para o audiovisual constitui o correspetivo do serviço público de radiodifusão e televisão, assentando num princípio geral de equivalência. Mas o nº 2 diz que a contribuição incide sobre o fornecimento de energia elétrica para uso doméstico (aqui já favorece a posição do imposto e não da taxa). Seja como for, ao não se mencionar capacidade contributiva, parecemos estar mais próximos da taxa, apesar de algumas figuras que nos permitam uma aproximação ao imposto. O que é essencial é que se entenda que o facto de o valor da taxa/contribuição ser determinado tem em atenção a necessidade de não excluir da utilização do serviço público de radiodifusão quem possa não ter disponibilidade financeira para pagar e aceder a esse serviço pode ser uma das características eminentes da taxa não temos de passá-la automaticamente para a caracterização do imposto. Para RCP, é essencial entender isto. Não temos de dizer que é capacidade contributiva; é algo diferente. Também a taxa, através da determinação do seu valor pela proporcionalidade, pode continuar a ser taxa e revelar o princípio da equivalência. Nota: face ao tipo de valor em causa, há proporcionalidade associada. Fazendo contas pela ideia de custo, claramente o valor seria muito superior. Por isso é que o legislador sente necessidade das indemnizações compensatórias; tem noção de que o financiamento só pela via das contribuições não chega. Para RCP, o que existe é uma ligação entre o compromisso de quem tendencialmente, por ter energia elétrica e um consumo mais elevado de energia elétrica, poderá revelar uma maior utilização deste serviço público. Mais uma vez se assume uma ideia de potencialidade. Uma coisa seria pagar na 60 medida em que se utiliza o serviço (por moedas ou contabilização online), é aí a bilateralidade é indiscutível. Mas o que verificamos é que não é a verdadeira utilização do serviço, mas a potencialidade de utilização do serviço que é cobrada. É cobrado X a quem consome energia elétrica, porque é deste consumo de energia elétrica que se obtém acesso ao serviço. A palavra-chave é potencialidade. RCP admite que isto é discutível e que não é resposta única; mas faz reconhecer que a potencialidade pode ser característica da taxa. Não temos de obter efetivamente o objetivo ou resultado da ação pública para ter de pagar uma taxa. Será que RCP concorda com esta construção? Aí talvez responderia que não, argumentando com a pureza dos princípios. Mas tem havido uma liquidez total dos conceitos envolvidos. Quando olhamos para estas figuras, vemos elementos que nos podem ajudar a pender para uma ou outra qualificação, não havendo uma resposta efetivamente certa. É algo casuístico, e aquilo que é valorizado por uns pode não ser tao valorizado por outros. E o somatório dos vários elementos pode fazer valorizar um lado e não o outro. Consciente disto, o legislador tomou as precauções devidas: aprovou a contribuição para o mas colocou o princípio da equivalência a imperar, dando um pouco a nota de que quer continuar com o regime inicial da taxa de radiodifusão, embora reconhecendo que a proporcionalidade tem de temperar essa equivalência e, também, que a potencialidade deve estar implicada. Se quisermos destruir isto tudo, podemos dizer que, apesar de haver a forma e o legislador ter indicado que o princípio norteador geral é o da equivalência, o facto é que não havendo uma relação sinalagmática entre o consumo de energia e a utilização do serviço de radiodifusão, a figura é mais identificada com o imposto do que com a taxa ou contribuição financeira. Assim, não há uma resposta líquida e imediata. Olhando para o texto normativo em si, o que identificamos? Temos, sobretudo, uma prevalência da figura taxa. O legislador quis dar uma tendência de utilização direta, de um sinalagma. Todavia, se formos ao âmago, há uma ideia de não ser necessariamente real que quem consome energia elétrica terá acesso e usufruirá da prestação do serviço público de radiodifusão. O que RCP acha mais importante é que, se olharmos para o art.º 3º, 2. do diploma original de 2003, vemos que a contribuição incide sobre consumo de energia elétrica para uso doméstico (para alguns). Quando, em 2005, houve uma alteração legislativa, a contribuição passou a ser 61 para todos (os consumidores de energia elétrica). Este poderia ser um argumento a favor do imposto. Mas, em 2010, cria-se um art.º 4º, 2. novo, que, no final, isenta do pagamento da contribuição para o audiovisual os consumidores não domésticos de energia elétrica (volta-se atrás aí) cuja atividade se inclua numa das descritas. Aqueles que consumirem energia elétrica num âmbito não doméstico e tiverem contadores específicos que permitam a individualização/separação inequívoca da utilização (económica ou não económica) ficam de fora, o que permite criar uma maior bilateralidade, afastando a lógica do imposto. Os avanços e recuos do legislador mostram que (i) a classificação é um pouco periclitante e (ii) tem a ver com a lógica de precisar ou não de arrecadar receita. A relação jurídica fiscal está sempre em tensão. O Estado quer garantir um cumprimento voluntário. Esta tentativa de apaziguamento é sempre feita de muitos exercícios micro e macro. Quando a atividade económica vê que há algo a incidir sobre Mas qual é a maioria do nosso tecido empresarial? Pequenas, médias e microempresas. Tudo tem impacto. O facto de o Estado chamar taxa, imposto ou contribuição tem um valor por detrás. Há um papel da linguagem jurídica que é fundamental para surgir como auxiliar da decisão e da mensagem política. É triste, mas é verdade, para RCP: o embrulho conta, e os políticos querem uma linguagem que se adapte a estas maleabilidade e estas preocupações. Claro que, por detrás destas alterações, se procura argumentação consentânea com qualificação para a taxa e não como imposto. Daí a história das isenções: apesar de a base não permitir uma bilateralidade inequívoca, todo o resto do regime é consentâneo com essa ideia de bilateralidade. Nota: RCP reconhece que a exclusão talvez devesse ser mais ampla. Nota 2: a questão do valor da taxa está ligada a uma lógica de proporcionalidade, a via taxa é insuficiente daí ser uma via, associada à via genérica do OE. I-3. Fundamento do imposto Nem sempre o imposto foi encarado como justificado da mesma forma. A origem do imposto remonta praticamente à origem do Homem em sociedade. Na Antiguidade e, sobretudo, na Idade Média o imposto era visto de uma forma autoritária. Ou seja, o imposto era algo inquestionável. Era imposto por quem tinha propriedade, e tinha, consequentemente, poder como forma de garantir a quem não tinha propriedade e poder uma proteção física (segurança). Esta ideia do senhor feudal com o poder, dando proteção aos outros, tem como consequência a imposição de um tributo, um imposto. Os impostos mais importantes eram os impostos sobre o património. Quando Montesquieu e Adam Smith (séculos XVIII e XIX) intervêm e criam uma dinâmica diferente na distribuição da riqueza e na organização do poder político, no formato como a sociedade e o poder político responsável pela organização da sociedade e forma como o poder económico se relaciona com a maneira como o poder político deve ser operacionalizado, percebese que o imposto não pode ser uma coisa puramente autoritária. Ainda que mantenha o caráter obrigatório e coercivo, tem de estar ligado a um consentimento. evolutivo de algo autoritário, mais parecido com um preço (em que há a lógica da aceitação) para hoje passar a ser visto numa ideia de solidariedade. Daí haver cada vez mais a expressão de cada um pagar a sua fair share. Isto é fundamental para as grandes fortunas e a atividade económica, o que está relacionado com os contribuintes não móveis. 21 MAR 2019 Sumário: Fundamento e objetivos do imposto; Principais classificações; sistematização dos princípios; etapas do imposto. I-3. Fundamento do imposto (continuação) Assim, a par destas transformações, o imposto é cada vez mais visto como algo que necessita de consentimento. Daí a importância do poder parlamentar no imposto (no taxation without representation). Aí deu-se o passo subsequente para se ver o imposto não apenas como o preço a pagar por uma sociedade organizada (não obstante esta ideia ser verdadeira); o imposto passa a ser visto como uma forma própria da organização social, como algo solidário. O que está em cima da mesa é pensar o imposto numa conceção solidária, não numa conceção autoritária ligada apenas ao poder impositivo; não pensar o imposto apenas como um prémio de seguro/segurança em que o Estado nos assegura, mas sim como um elemento de solidariedade. Quanto à questão do fundamento do imposto, na aula passada, foi importante identificarmos o autoritarismo (o imposto nasceu como figura autoritária), passando para a conceção de imposto como preço a pagar pela segurança apresentada pelo poder político. Hoje já não estamos nesse domínio; estamos numa fase em que se olha para o imposto como tendo o seu fundamento numa ideia de solidariedade fiscal. Quando pensamos em solidariedade fiscal, estamos a apelar à existência de um dever fundamental de pagar impostos; à ideia de um dever de cidadania fiscal, associado à capacidade contributiva. Há, portanto, uma lógica de equidade. Quem tem contribui, e fá-lo na medida do que pode efetivamente contribuir. Quem pode mais contribui mais, nesta ideia de solidariedade e equidade. Hoje, o imposto tem agregada uma conceção de solidariedade daí que se fale em dever fundamental de pagar o imposto como consequência de uma lógica de cidadania ativa e responsável, mas introduzindo a necessidade da capacidade contributiva: pago, mas pago na medida do que posso. Quem pode pagar mais, paga mais; quem pode pagar menos, paga menos; quem não pode pagar, não paga e não deixa de ter acesso à atividade pública. Assim, o imposto teve um caráter É isso que fundamenta o imposto. Se fizermos, porém, uma análise de avaliação do fator equitativo nas sociedades contemporâneas, muitos são os estudos que demonstram que existe uma desproporção entre a equidade nas sociedades. Há um fosso equitativo dentro das sociedades contemporâneas. Quem tornou isto um boom foi T. Piketty, com ; falou na desigualdade persistente na sociedade, e trabalhou o papel do imposto em combater as desigualdades 62 (quando pode, simultaneamente, promovê. Há o relatório da Oxfam (ONG), que trata da questão da desigualdade. Estamos a falar dos dois tipos de desigualdade: entre norte e sul (países desenvolvidos e subdesenvolvidos) e em sociedades ditas desenvolvidas. O imposto hoje assume-se como um instrumento que tenta combater esta lógica de desigualdade, através da redistribuição. Essa ideia de redistribuição assenta numa lógica de solidariedade e capacidade contributiva. Por isso, quando olhamos para a legislação fiscal e encontramos a lógica da capacidade contributiva, a progressividade no imposto, estas regras fiscais são demonstrativas desta preocupação inerente ao fundamento do imposto. Há a ideia da solidariedade fiscal como base/fundamento do imposto. I-4. Objetivos do imposto Em Finanças Públicas detetámos que a atividade financeira, segundo Musgrave, representaria três funções. Ora, o imposto é instrumento da atividade financeira, pelo que é normal que estas três funções também sejam encontradas no imposto. A função primeira do imposto é a dita fiscal arrecadação de receitas, prevista no art.º 5º, 1. da LGT à atividade pública. Continuando a leitura, porém, lemos solidariedade do imposto; justifica-se uma função social do imposto, uma lógica de redistribuição que encaixa com a atividade financeira ser redistributiva. No art.º 7º da LGT, acrescentam-se mais fatores. O nº 1 o nº 2 dão a entender a existência de funções 63 económicas para o imposto; também o imposto tem de ter em atenção o seu impacto económico, e, além disso, tem de projetar estes valores de emprego, poupança, investimento socialmente relevante, competitividade e internacionalização. Assim, pela análise destas duas funções acumuladas à função financeira do imposto (social e económica), compreendemos que o legislador assume como realmente relevante a extrafiscalidade. Assim, além da função primeira (fiscal arrecadação de receitas para fazer face à atividade financeira), também o imposto tem função social e função económica, sendo essas funções o que podemos apelidar de função extrafiscal. Falamos do impacto extrafiscal do imposto; a modelação de comportamentos. É isto que está aqui a ser revelado. Não é só uma construção doutrinal; isto é revelado e absorvido pela legislação fiscal. O imposto também tem de ser visto, portanto, como um instrumento de política pública. Quando o Estado como é que posso intervir para ter o objetivo B, tendo os instrumentos isso, faz sentido pensar o imposto como normas reveladoras do imposto como um instrumento de atividade pública. O Estado quer atingir objetivos usando o imposto como ferramenta. Esta realidade da extrafiscalidade seja no impacto social, seja no económico faz-nos suscitar uma questão muito relevante quando pensamos no imposto. Um dos princípios fundamentais que se diz dever nortear o imposto é o princípio da neutralidade fiscal. O que significa isto? Significa que, em teoria, o imposto não deve nunca ser assumido como a razão que justifica uma opção de um cidadão. Ou seja, de acordo com a neutralidade fiscal, na sua visão absoluta, o imposto tem de ser neutral; e um imposto será neutral se não influenciar o comportamento. Isto até pode ser colocado para discussão num plano teórico, mas se, como acabámos de ver, o legislador defende que o imposto tem uma função financeira mas também pode ter funções extrafiscais (e tê-las-á, naturalmente), o imposto irá necessariamente influenciar comportamentos. Há, portanto, aqui, uma quebra da neutralidade. Não devemos encarar o princípio da neutralidade fiscal como um princípio absoluto, mas apenas como uma indicação relativa, contextualizada. Deve ser interpretado da seguinte maneira: o imposto não deve ser utilizado para, regra geral, influenciar comportamentos; todavia, a partir do momento em que passa a ser utilizado para, além de arrecadar receita, modelar comportamentos, a neutralidade está afastada, e não deve ser afastada esta possibilidade. Há uma lógica de neutralidade relativa e não absoluta, e que por vezes só é encontrada em regras muito concretas e específicas nos códigos impositivos. Não é algo que norteie todo o sistema fiscal, pois as próprias funções afastam isso, mas não pode ser esquecido. E faz sentido ser usado para justificar dadas opções do legislador em termos micro e concretas. Exemplo: fusões e cisões das empresas. A gestão societária pode levar a tomar decisões de marketing e publicidade, para captar mais consumidores, mas também pode implicar decisões de fundo, de reestruturação das empresas. Ela pode consistir em despedimentos ou contratações dentro da própria empresa; mas também pode, como forma de ganhar quota de mercado, implicar que uma empresa adquira uma empresa concorrente, absorvendo-a (fusão) para criar mais impacto no mercado. Ou a empresa pode achar que há divergências internas e faz sentido dividir-se (cisão). Estas questões podem surgir ao longo da vida de uma determinada sociedade. No ano económico em que ocorre uma fusão, há uma empresa com um lucro de 100 e a nova empresa fica com 200 e tem uma megatributação? Estes processos podem ter vários custos associados. Pelo efeito fiscal, o que poderia acontecer? O gestor pode não querer a fusão porque isto suscitaria muitos gastos fiscais que anulam as vantagens. O legislador fiscal criou um regime específico para os casos de fusão de sociedades, criando normas fiscais que tentam afastar este impacto fiscal nefasto. Há uma regra específica para contabilizar o lucro a ser tributado, no ano em que há fusão, para que o imposto não seja o elemento que faz o agente económico que decida a fusão ou não fusão das sociedades. Não estamos a falar do sistema fiscal como um todo ser neutral; estamos a falar de um imposto em especial (IRC), de uma situação em concreto que ocorre na vida das empresas e num ano concreto da sua existência. Aí há regras específicas que tentam criar uma neutralidade fiscal para a fusão. Quando falamos nas funções do imposto, vemos que a função principal é a financeira; mas o legislador reconhece as funções extrafiscais (social e económica). Isto pode ter um impacto fiscal na neutralidade fiscal vista de forma absoluta, por isso, ao referir estas especificidades, pensamos em neutralidade fiscal como uma forma relativa e circunscrita a regras específicas e a regimes microfiscais específicos - como no exemplo das sociedades em processo de fusão, cisão e extinção). Assim, existe um regime fiscal específico para tentar garantir a neutralidade fiscal no caso de fusão societária. É uma forma de mostrar que o imposto continua a assumir o princípio da neutralidade fiscal como algo fundamental, mas não em todo o sistema apenas em aspetos circunscritos do imposto. I-5. Principais classificações de impostos: diferentes objetos e diferentes funções 1 BASES DE TRIBUTAÇÃO São várias as classificações. A primeira classificação importante, que já conhecemos, é a que nos apresenta as três bases de tributação: Impostos sobre o rendimento; Impostos sobre o património; Impostos sobre o consumo. Dependendo da base de tributação, teremos impostos diferenciados, e, consequentemente, regras diferenciadas. 1-A IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO Já sabemos que o que se entende por rendimento é tudo aquilo que acresce ao nosso património, sendo que, em Portugal, o que é adotado é a chamada teoria do rendimento acréscimo (significa isto mesmo), não sendo necessária a ideia de repetição. De acordo com a teoria da fonte, já teríamos de fora muitos outros rendimentos, que não se tenderiam a repetir. Em Portugal, ainda que só tenha aquele rendimento uma vez na vida, ele pode ser tributado; segundo a teoria da fonte, ele não poderia ser tributado. 64 Mas há um desvio à teoria do rendimento acréscimo em Portugal. Se jogarmos ao Euromilhões e ganharmos, de acordo com a teoria do rendimento acréscimo, esse valor é rendimento? Sim, e deveria ser, supostamente, tributado em sede de IRS. Mas não o é. Será tributado em sede de imposto do selo, que é um imposto não sobre o rendimento, e sim sobre o património. Há um desvio concetual aqui. Há a mesma questão nas heranças. O que há é o imposto do selo. É algo que também está fora da tributação do imposto sobre o rendimento. 1-B IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO O património tem a ver com uma lógica de plus e menos; ativo e passivo. Tudo o que está na minha esfera jurídica tende a ser património. O património líquido é a diferença entre ativos e passivos. Já dissemos que poderia ter existido a opção pelo imposto global sobre o património (imposto sobre a fortuna). Portugal não tem isto; França, por exemplo tem (o BE costuma apresentar propostas neste sentido). Discute-se se deve ou não ser introduzido um imposto sobre a fortuna; em Portugal, porém, não existe essa opção. O que existe é a tributação de aspetos patrimoniais a propriedade de imóveis (IMI por termos a propriedade, temos capacidade contributiva e dever de contribuição), IUC, imposto de selo (revelamos capacidade contributiva por um ato sobre uma propriedade nossa). Há impostos que tributam microaspetos do património; não temos um imposto global. 1-C IMPOSTOS SOBRE O CONSUMO Consumo é entendido como a utilização do rendimento e do património na aquisição de bens e serviços. Sobre esse ato de aquisição incide a tributação daí falarmos em imposto sobre o consumo. No caso português, existem o IVA e os IECs (impostos especiais sobre o consumo). 2 IMPOSTOS DIRETOS E INDIRETOS Esta classificação não tem definição ou uma apresentação na LGT, nem na CRP. Ela nasce, pelo contrário, na LOE. É uma classificação legal orçamental. Quando falamos de tributação direta, referimo-nos a rendimento e património; quando falamos de impostos sobre o consumo, falamos de impostos indiretos. 3 IMPOSTOS REAIS E PESSOAIS Quando qualificamos um imposto como real, estamos a dizer que irá atingir a matéria coletável sem atender às circunstâncias pessoais, económicas ou sociais do obrigado. Pelo contrário, quando pensamos em impostos pessoais, pensamos em impostos cujo cálculo da matéria tributável e a tributação atende às circunstâncias pessoais, sociais e económicas do obrigado fiscal. 000 ou sobre o consumo, independentemente da nossa situação individual. Pelo contrário, se formos tributados pelo rendimento, fazemos uma declaração de rendimento e é perguntado se somos solteiros, casados, que despesas tivemos, etc. circunstâncias individuais (temos um imposto pessoal). A forma como a norma jurídica é construída nos impostos reais e pessoais é diferente. Nos impostos pessoais, há uma personalização da situação do contribuinte; nos impostos reais, eles são completamente cegos à individualidade daquele contribuinte em concreto. Não significa isto dizer que os impostos reais são injustos. Ainda assim, na construção dos impostos reais, eles ainda assim podem ter em atenção elementos económicos e sociais. Não são elementos económicos e socais 65 individualizados do contribuinte a pagar em concreto, porém. Quando os bens de primeira necessidade estão encaixados na taxa reduzida, tem-se que o IVA não é um imposto real, mas, ao admitir isto, está a ter em atenção aspetos de justiça social. Não quer dizer que um imposto real, em regra, seja injusto. Um imposto pessoal tem muito mais atenção à capacidade contributiva e à realidade individual, tendo um grau de equidade maior; mas isso não quer dizer que um imposto real não tenha atenção à justiça e à equidade. 4 - IMPOSTOS PRINCIPAIS E ACESSÓRIOS Os impostos principais são devidos com independência de qualquer outro imposto existente. Temos a base de tributação, regras de incidências, regras específicas, aplica-se, ponto final. Há aqui total independência existem por si e não precisam de outros para existirem ou serem determinados. O contrário é poderem existir impostos cuja existência e determinação dependem de outros impostos ou para existirem, ou para serem calculados. Dentro dos impostos acessórios, existem dois subtipos adicionais e adicionamentos. tributação, ela servirá para calcular o adicionamento. Assim, existe adicionamento independentemente de existir imposto principal. Exemplo: existe a chamada derrama municipal. No art.º 14º da LFL (nota: RCP recomenda colocar este artigo na legislação), vemos que uma das receitas fiscais das autarquias é a derrama. A derrama é um valor de imposto calculado sobre o lucro tributável das empresas que tenham residência naquele município ou seja, a derrama municipal é um adicionamento, pois é calculada sobre o IRC, mas não sobre o valor do IRC devido, e sim sobre uma parte da matéria coletável do IRC, que é o lucro tributado. Exemplo 2: 1º, o IRC implica determinação da matéria coletável; 2º, vai-se à matéria tributável determinar a taxa do IRC; 3º, determina-se a coleta; 4º, à coleta deduzem-se certas despesas; 5º, chegamos ao IRC a pagar. Se a derrama fosse um adicional, o que se faria? Apurar-se-ia qual o valor do IRC a pagar e pagar-se-ia a taxa que a autarquia dizia ser necessário pagar. No final, tendo de pagar IRC, aplica-se a taxa da derrama e temos a derrama a pagar. O que é o que o adicionamento faz? Não olhamos ao valor do imposto, e sim mais atrás, à matéria coletável. É sobre esse valor que se aplica a taxa da derrama. O adicional implica sempre um imposto principal efetivo que seja pago; mas, se estiver perante um adicionamento, pode não haver imposto principal a pagar, e ainda assim ter adicionamento a pagar. >>> Adicional este imposto é calculado tendo por base o valor de um imposto principal. >>> Adicionamento ao contrário, implica que o seu cálculo é feito tendo por base a matéria coletável do imposto principal. No caso do adicional, se este é calculado tendo por base o imposto a pagar X, o que significa isto? Que o adicional só existe se existir imposto efetivo a pagar X. Se o imposto não existir, o adicional não é devido. Nota: se a empresa tiver muitos prejuízos, pode não ter matéria coletável sequer para ser tributada em IRC; mas, como tem lucro tributável, será tributada em derrama. Ao contrário, no adicionamento, no final do cálculo, o imposto principal pode não existir e não ser devido, mas, por haver matéria tributável ou base de Nota 2: no caso da derrama municipal, a base de tributação é o lucro tributável. Portanto, havendo lucro tributável, aplica-se a taxa dada pelo município e temos o valor da derrama pagar. Um contribuinte 66 que tenha de pagar derrama municipal pode não ter de pagar IRC. Pode dar-se o caso de ter muitos prejuízos fiscais (embora hoje existam algumas limitações a isto); não havendo matéria tributável, não há maneria de pagar IRC, mas paga-se derrama na mesma, pois há lucro tributável (=/= lucro contabilístico). Em tempos, a derrama já foi sobre o IRC; agora, é sobre o lucro tributável, pois isto gera mais receitas, garantindo uma autonomia de financiamento dos municípios, para o Estado não transferir mais dinheiro para os municípios. Podemos questionar, para RCP, a justiça desta medida há quem questione, montes de vezes vai a tribunal. Enquanto que, nos impostos fiscais, há uma ideia de que servem para arrecadar receita, ponto, tem-se que, nos impostos parafiscais, ainda que sirvam para arrecadar receita (ex.: quotizações da Segurança Social), há: Lógica difusa (aproximação contribuições financeiras); às Consignação (também há aqui aproximação às contribuições financeiras); Afastamento da generalidade e abstração que os impostos têm a si associadas. 5 IMPOSTOS FISCAIS E EXTRAFISCAIS 7 IMPOSTOS DE QUOTA FIXA E QUOTA VARIÁVEL Impostos fiscais receita. a função primeira é a obtenção de Impsotos extrafiscais a função primeira é a modelação de comportamentos (sociais ou económicos). 6 IMPOSTOS FISCAIS E PARAFISCAIS Nota: alguns autores falam de impostos parafiscais como contribuições financeiras; não assumem, portanto, esta classificação. Quota fixa - Como o próprio nome indica, o legislador opta por determinar um montante concreto do imposto a pagar. Se a contribuição para o audiovisual for um imposto, ela tem quota fixa (X euros); Quota variável o apuramento do imposto é feito tendo em atenção a aplicação de uma taxa à matéria coletável. Têm taxa no seu regime; uma taxa concreta a aplicar a uma matéria coletável para apurar o valor do imposto devido. Todavia, é necessário fazer mais uma subdivisão dentro dos impostos de quota variável. Existem, assim: A diferença aqui é qual? Impostos fiscais têm como objetivo primeiro a obtenção de receita; Impostos parafiscais ainda que continue a ser este o objetivo (obtenção de receita), têm consignação associada e especificidades que fazem afastá-los dos outros impostos. Impostos proporcionais imposto é proporcional; cuja taxa de Impostos progressivos imposto é progressiva; cuja taxa de Impostos regressivos imposto é regressiva. cuja taxa de Esta classificação baseia-se na taxa de imposto. 67 Os impostos regressivos não existem no ativo. Têm taxa regressiva. Quanto maior a matéria coletável, menor a taxa de imposto. Isto significa que, quando mais se tem, menos imposto se paga. Isto é completamente contrário à capacidade contributiva, e à equidade por ela revelada. Não significa que não possa haver discussão sobre o efeito regressivo de certos impostos. Pelo contrário, quando falamos num imposto progressivo (com taxa progressiva), estamos a dizer que, quanto maior for a matéria tributável, maior será a taxa de imposto. Quando falamos em imposto proporcional, existe uma única taxa de imposto, que é aplicada indistintamente à matéria coletável. Significa igualmente que, quanto maior matéria coletável existe, mais imposto é pago mas não é progressivo. Nota: primeiro falamos no conceito abstrato; só depois no exemplo concreto. Exemplo de taxa progressiva: IRS. No art.º 68º do CIRS, vemos a forma como o imposto progressivo é determinado. Há dois cálculos a fazer. Há uma coluna contendo rendimentos, e uma coluna contendo a taxa aplicável. Há uma variação consoante o montante do rendimento apelidado de coletável. Olhe-se à coluna da taxa normal: ela vai aumentando conforme aumenta o rendimento coletável. O conceito de progressividade da taxa está aqui revelado. Por que é que o legislador coloca nesta tabela uma taxa normal e uma taxa média? Esmiucemos esta temática. Imagine-se que o rendimento coletável é 000. Olhamos para a coluna do rendimento coletável; onde o encaixamos? No primeiro escalão 051). Aplica-se a taxa normal de 14,5%. Todavia, imagine-se que o rendimento sujeito a 000. O que fazemos? Para ser uma verdadeira taxa progressiva por escalões, se 000, o que deveríamos fazer para ser verdadeiramente progressivo, atendendo que cada montante de rendimento tem uma taxa associada? Tendo só a taxa normal, encaixaríamos o remanescente em cada escalão e aplicaríamos a taxa normal, progressivamente (os primeiros X euros no escalão A a certa taxa, os seguintes Y euros já no escalão B a uma taxa mais elevada, etc., e chegaríamos a um somatório, que seria o valor do imposto a pagar). O que está em causa, na primeira linha, é perceber como é que calculamos um imposto progressivo. Posto isto, o legislador criou a tabela média. Por forma a só terem de ser feitas duas operações, o que se faz? Imagine-se que o rendimento é de 000. 25 000; uma parcela tem taxa de 35%. Mas não é a 000 (escalão imediatamente anterior), aplica-se a taxa média de 18%. Ao 000, aplica-se a taxa normal de 35%. 68 Leia-se o art.º 68º, 2. Quando o rendimento é mais do que o primeiro escalão, é dividido em duas partes há duas operações a fazer. Uma das partes é igual ao limite do maior dos escalões que nele couber, à qual se aplica a taxa da coluna B correspondente a esse escalão. A outra parte é igual ao excedente, a que se aplica a taxa da coluna A correspondente ao escalão imediatamente superior. Sei que terei de aplicar duas taxas a dois valores distintos: a um aplica-se a taxa média, a outro a taxa normal. Qual é a primeira preocupação? Saber qual 000. Onde é que eles encaixam na totalidade? Isto significa que 000 que vai ter uma taxa de 35%. O truque é ver onde encaixar, e aí ver a taxa normal. Mas não se aplica 35% a tudo. Há que ir ao escalão imediatamente anterior, e a esse valor 261) aplicar a taxa dos 000. Estes vão ser tributados a 35%. A taxa média da coluna B é, então, aplicada ao valor mais significativo; o remanescente estará na taxa normal. Nota: falámos da igualdade fiscal na perspetiva da equidade revelada na capacidade contributiva. Mas a capacidade contributiva também suscita a igualdade no imposto e perante o imposto. O que quer isto dizer? Se estivermos em situações idênticas, devemos ser tratados da mesma forma. Porém, a diferença também deve ter de ser revelada. Todos os contribuintes devem estar perante o imposto sem diferenças, mas isso não pode significar que, no imposto especificamente daquele contribuinte, não possa haver diferenças atendendo às especificidades. Numa taxa verdadeiramente progressiva, e atendendo à nossa real capacidade contributiva (mas numa lógica progressiva), os primeiros X euros têm de ser tributados da mesma forma que os X euros de alguém que só recebe aquilo. O excedente é aquilo que tive a mais em relação àquela pessoa; é tributado de outra maneira. Na ligação com os outros contribuintes, temos de ter um tratamento equiparado face aos valores em causa. Naquilo que estamos acima dos outros, temos de ser tributados mais pesadamente, mas apenas naquilo em que estamos acima dos outros. Caso contrário, poderia haver uma lógica de efeito substituição. Isso poderia ser aplicável aqui, no fator trabalho se pagamos tanto, pode não compensar trabalhar, substituindose por tempo de lazer. Ou então, há mais trabalho para ter um rendimento líquido adequado às expetativas. Numa relação perante o imposto e no imposto com uma lógica o mais neutral possível, a progressividade deve ser vista desta forma efetiva. 69 E há a questão do limite à tributação em certos momentos da História, até foi debatida a questão de haver um limite de 50%. Não faria sentido, assim, 000. Nota 2: Portugal ainda está aquém da média de tributação, mesmo com estes valores. Quando falamos em escalões, falamos em números e limites. Vai sempre haver um limite, sob pena do efeito substituição, e sob pena de fraude, evasão ou planeamento fiscal agressivo. Há questões de aceitação pela sociedade, cumprimento voluntário ou não, endividamento público, questões intergeracionais (menos impostos e mais dívida pública prejudica as gerações vindouras), etc. Nota: há a questão da fatura social. As pessoas não têm bem noção do que recebem do Estado. Há, também, a questão do universal basic income (rendimento básico universal) que possibilitasse a quem quiser escolher uma carreira profissional, sem a corda ao pescoço, tendo aquele suplemento. Este exercício que fizemos para saber o que significa uma verdadeira taxa de imposto progressiva fica já arrumada; mas voltaremos a estas questões mais tarde. 22 MAR 2019 Sumário: Princípios. I-6. Alguns dos princípios fundamentais orientadores do imposto 1 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FISCAL O primeiro princípio para que alertaremos como sendo estruturante é o princípio da solidariedade fiscal. Faz sentido integrarmos como norteador do imposto este princípio, que apela à existência de um dever fundamental de pagar impostos. E há a questão de isto implicar uma solidariedade geracional, que está conectada com a questão da (boa) utilização da receita fiscal arrecadada. Aquilo que legitima a cobrança do imposto (a exigência dele) tem necessariamente que ver e também não apenas com a norma legal, mas a existência dessa norma também é legitimada pela boa utilização dos recursos arrecadados pela via do imposto. RCP está a introduzir o raciocínio: Receita fiscal <-> Montante necessário de financiamento efetivo para o montante específico despesa pública Quanto melhor o Estado aplicar a receita fiscal, maior legitimidade terá para a exigir/arrecadar. <-> Alternativa de receita (creditícia). Como é que ligamos isto coma questão geracional? Há que atender a que, na aplicação destes recursos fiscais e na existência da solidariedade do imposto, tem de entrar a preocupação com a arrecadação efetiva da receita necessária para aquele momento em concreto, não fazendo depender de receitas vindouras (gerações futuras) o impacto no financiamento público. Falámos nisto a propósito da questão da ligação da solidariedade com a obtenção efetiva de receita fiscal e a possibilidade de o legislador a reduzir e apostar antes numa receita creditícia, reduzindo no imediato a carga tributária e transferindo o financiamento da atividade pública para gerações vindouras. Assim, o montante da arrecadação deve ser o necessário para fazer funcionar a despesa pública naquele período. Isto deve ser feito depender o menos possível da receita creditícia, que constitui um imposto diferido. A ideia de solidariedade fiscal é de dever de pagar impostos face ao imposto. Não nos podemos eximir porque não nos apetece ou razões que não são intrínsecas ao interesse público passar às gerações vindouras o custo da atividade que está a ocorrer agora. Quando falamos em solidariedade fiscal, o primeiro impacto é a necessidade de todos contribuirmos, isto na medida da possibilidade, o que faz com que não tenha capacidade contributiva não contribua, mas possa ter os benefícios; ou que quem tenha pouca capacidade contribua na medida dessa capacidade, mantendo o acesso aos benefícios. Há uma lógica de solidariedade entre os contribuintes: dever fundamental de pagar/contribuir (universalidade), numa lógica de solidariedade ligada à ideia de capacidade contributiva e ao princípio da equidade fiscal. 2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FISCAL Significa que a atividade tributária está submetida à lei. Em que medida? Vimos que este princípio está consagrado na Constituição (165º, 1., i)) e 103º, 2. Dizemos que o princípio da legalidade fiscal tem uma dupla componente: componente formal e material. (i) Todavia, há que introduzir um plus: a segunda perspetiva a ser tida em consideração quando trabalhos sobre esta ideia de solidariedade fiscal é equacionar a questão geracional. Aqui, o que tem se de dizer é que o momento de imposto projetado na relação com o montante da despesa pública não deve esquecer que, se não houver o efetivo financiamento atual, e se recorrer a receita creditícia para compensar uma redução da carga tributária imediata (por motivos eleitoralistas ou por não se querer aumentar uma carga já próxima do limite), temos um problema intergeracional, o qual não pode ser descurado quando olhamos para a solidariedade fiscal. Componente formal princípio da supremacia de lei ou reserva de lei para a criação impositiva. O que se está aqui a dizer? Tem de ser a AR, ou DL devidamente autorizado ou balizado, a criar o imposto. No taxation without representation; há uma ideia de autoconsentimento. O imposto é objeto de um autoconsentimento. Pagamos impostos porque consentimos em pagá-los, democraticamente. Quem elegemos é que faz a criação do imposto. 70 (ii) Componente material olhe-se ao 103º, 2.: aquilo que tem de ser efetivamente criado por lei são os elementos essenciais (incidência, taxa, garantias dos contribuintes e benefícios fiscais). Nota: o conceito indeterminado é mais circunscrito; a margem de livre apreciação é mais ampla. Do ponto de vista material ou substancial, o que o princípio da legalidade fiscal exige é que incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes sejam criados por lei da AR. É uma lógica de reserva de conteúdo. Há algum direito que ressalte automaticamente para a utilização livre de discricionariedade e margem de livre aplicação? O que é que o imposto contraria na esfera jurídica privada? Qual é o direito contrariado pelo imposto? Propriedade. Para o direito de propriedade ser afetado, o que tem de vir para cima? A solidariedade fiscal, mas esta redução tem de ter garantias. Elas são essenciais nos quatro elementos essenciais da CRP. O contribuinte tem de saber com que pode efetivamente contar. Nota: há que atender a que, de acordo com o texto constitucional, liquidação e cobrança não são matérias que tenham de ser objeto de tratamento por lei da AR. Porquê? Porque não consta do 103º, 22. da CRP que tenham o conteúdo que precisa efetivamente de ser aprovado por lei da AR. Por que é que isto é importante? Olhe-se para a LGT, art.º 8º, 2., a). Note-se que a LGT não tem valor reforçado. Já em 2001 o TC se pronunciou sobre esta matéria. Veja-se o acórdão 63/01: a liquidação e a cobrança não devem estar abrangidas pela matéria de conteúdo. Mas a afirmação muda de figura se a norma de liquidação e cobrança (uma ou outra) afetar as garantias dos contribuintes. Aí, ainda que possa ser na etapa de liquidação ou na etapa de cobrança, como tem impacto nas garantias dos contribuintes, a mudança tem de acontecer por via de lei da AR. Há uma pergunta suplementar que ainda temos de fazer a propósito das bases do princípio da legalidade. Será que este princípio da legalidade fiscal permite a utilização de conceitos indeterminados e admite poder discricionário ou margem de livre apreciação? Será que pode haver normas fiscais admitindo poderes discricionários ou margem de livre apreciação? Haverá limitações impostas pelo princípio da legalidade fiscal? Não há justificação para negar a utilização de conceitos indeterminados no direito fiscal. A questão é: há alguma limitação a essa utilização? 71 Lembremos o raciocínio a propósito da aplicação da lei fiscal no tempo, com a retroatividade e a retrospetividade. Na retrospetividade, chocava-nos a ideia de não sabermos com que contar. Aqui, o princípio é o mesmo. Quando se atinge o direito de propriedade, há que garantir que o impacto provocado tem de estar circunscrito e tem de ter por trás um espaço de segurança e certeza jurídica. Isto vai contra o quê? O princípio do Estado de direito. Isto acaba por encarrilar, e vai sendo escamoteado e aplicado com circunscrições. Num Estado de direito, mesmo que sejam boas as intenções e mesmo que adequados sejam os mecanismos, o que é que o legislador procura sempre fazer? Criar balizas, limites de atuação. O que é que aqui se está a focar, a tentar perceber? Se, em face do princípio da legalidade fiscal, faz sentido assumir que não há problema algum, nunca, em aceitar a introdução de conceitos indeterminados ou margem de livre apreciação nas normas fiscais ou, se pelo contrário, se para assegurar a certeza ou segurança jurídica, ou o facto de por vezes haver abusos, não fará sentido como forma de garantia que nos quatro elementos essenciais não possa haver conceitos indeterminados ou margem de livre apreciação, mas fora ela possa acontecer? Ou seja, ainda que, do ponto de vista normativo, e na ratio legis, esteja uma posição adequada para a utilização de conceitos indeterminados ou para conferir margem de livre apreciação, atendendo à preocupação do autoconsentimento e ao princípio suplementar da segurança e certeza jurídicas, quanto aos quatro elementos essenciais balizados pela CRP, não deverá existir a introdução nos quatro elementos essenciais de conceitos indeterminados e margem de livre apreciação. Esta é a posição sufragada pelo TC. Ac. 756/95, de 20/12, e o acórdão 70/2004, de 07 daquela determinação, ainda que possa haver certos juízos. Estes acórdãos dizem que há possibilidade de se admitir um certo grau de indeterminação quando não são definições em remodelação dos elementos essenciais do imposto com mas não se aceitam normas que atribuam à Administração poder arbitrário de concretização quanto aos elementos essenciais. Aí têm de haver necessariamente tratamento fiscal completo. Nota: poderia haver uma argumentação com suporte no princípio da plena concorrência, não só salvaguardado por lei nacional como também pelo TFUE. A alteração significativa do mercado é um conceito com balizas legais e sobretudo jurisprudenciais europeias e nacionais agregadas, que faz com que não haja uma tendencial discricionariedade tão elevada. Há um certo grau de indeterminação, mas não para a definição ou regulamentação destes quatro elementos essenciais aí tem de haver completo tratamento legal. Já havíamos visto, mas densificámos aprofundadamente o princípio da legalidade. definido. Se olharmos para o CIVA, veja-se o art.º 11º. O que diz este artigo? O ministro das Finanças pode aqui retirar um benefício fiscal. Está aqui um elemento essencial. mais 28 MAR 2019 Olhemos à LGT, art.º 51º, 9., nº 3, alínea i). Sumário: Princípios (continuação); momentos do imposto. E veja-se ainda a figura dos contratos fiscais 37º da LGT. E mesmo o 36º, 5. da LGT. Há espaço aqui para adaptações, personalizações. I-6. Alguns dos princípios fundamentais orientadores do imposto (continuação) Aquilo que a interpretação do 103º da CRP, conjugada com a maioria doutrinária e sobretudo com os acórdãos do TC é que elementos essenciais não têm espaço para consagração de conceitos indeterminados, ou para margem de livre apreciação. Contudo, exemplos existem na legislação, ainda que circunscritos, onde, a propósito desses elementos, se admite espaço de discricionariedade. Por exemplo, em relação aos contratos fiscais, a norma do 37º transformou se, tendo de se ligar com o Código Fiscal do Investimento. De um ponto de vista crítico, o 36º, 5. e o 37º lidam integradamente com o CFI, e os critérios estabelecidos nos arts. 2º e segs. já tendem a salvaguardar a questão da legalidade fiscal. Neste caso concreto, RCP diria que há um espaço de discricionariedade natural à aplicação em concreto 3 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA E CERTEZA JURÍDICAS Quanto ao princípio da segurança e certeza jurídicas, já trabalhámos sobre esta temática a propósito da aplicação da lei fiscal no tempo. O que está em causa, em primeira linha, é uma rejeição do arbítrio e, simultaneamente, a exigência de transparência nas normas fiscais. Quanto à lei fiscal, este princípio tem reflexo na regra da não retroatividade fiscal (103º); devemos remeter para o que significa retroatividade fiscal. Há que ter em atenção que o princípio constitucional é um 72 princípio absoluto: proibição total da retroatividade fiscal. Quanto a este princípio e a regra que o revela, há que notar que temos de a conjugar com o tipo de imposto, sendo que a distinção fundamental é entre imposto de formação sucessiva ou imposto como ato de formação única, pois o TC (que dá conteúdo ao princípio e o densifica) interpreta que, no caso dos impostos de formação sucessiva, pode haver algo que, à partida, seria assumido como retroatividade, mas que, na verdade, não é mais do que retrospetividade. Essa retrospetividade é permitida, caso não se verifique a violação do teste da confiança (com os seus quatro níveis). Assim, o princípio da certeza e segurança jurídicas fiscal determina, em termos de norma fiscal, uma proteção do contribuinte, garantindo que não ocorra retroatividade. Contudo, o conceito de retroatividade fiscal depende, também, de construção jurisprudencial do TC. E, nesse caso, está em causa a distinção entre retroatividade da lei fiscal e retrospetividade da lei fiscal, sendo que esta distinção apenas faz sentido quando identificamos normas que digam respeito a impostos de formação sucessiva. Em relação a impostos como ato de formação única, não se coloca esta necessidade distinção. Nos impostos de formação sucessiva, pode haver espaço para normas fiscais retrospetivas (=/= retroativas), mas, mesmo no caso da retrospetividade, exige o TC que o teste da proteção da confiança seja feito. E se houver espaço para admitir que as expetativas são legítimas e devem ser protegidas, a retrospetividade não deve ocorrer. Nota: como vimos, quando uma norma é retrospetiva, ela só se pode manter na OJ se pelo menos um dos quatro elementos que vimos falhar. Criticámos muito a questão do interesse público, que dá azo a retrospetividade em quase todos os casos. vimos a propósito de informações vinculativas e das próprias orientações genéricas. E existe um direito de assistência ao contribuinte 59º, 3. LGT - onde se verifica que o contribuinte deve ser auxiliado pela Administração ao cumprimento voluntário caso queira esse apoio. Todos estes exemplos são reveladores de uma preocupação de a Administração, na relação jurídica fiscal, dar suporte e ficar vinculada às opiniões que emite quanto a esse suporte ao contribuinte, para que este saiba com o que pode efetivamente contar. 4 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO OU DA PROPORCIONALIDADE FISCAL Esta é, também, uma lógica da proteção do contribuinte. Isto está intimamente ligado com o princípio do não confisco. O princípio orientador do imposto é a capacidade contributiva; O princípio da equivalência, onde está subjacente uma proporcionalidade, surge também como distintivo. A parte desproporcional deveria ser caracterizada como imposto. Apesar de no imposto o fundamental ser a capacidade contributiva, a proporcionalidade também deve ser atendida. A propósito da questão da segurança e certeza jurídicas, há que ter a ideia de que este princípio também deve ser visível em termos da relação jurídica fiscal entre o contribuinte e a Adm. Tributária. Ele é revelado pela proibição da retroatividade; aí olhamos para a relação com a norma jurídica fiscal. Mas esta segurança e certeza também têm de estar patentes na relação contribuinte-administração fiscal. Isso é visível em muitos artigos do nosso ordenamento fiscal. Pensese no direito à consulta e na vinculação que a Administração tem a essa consulta. Recordemos, neste contexto, as informações vinculativas: a Administração diz que neste caso se deve fazer X, e fica vinculada na sua esfera jurídica. As normas que 73 O Estado poder decidir quanto de imposto quer do cidadão enfrenta aspetos limitativos a essa pretensão de obter receita fiscal. Falámos da possibilidade de existirem limites qualitativos, além dos quantitativos. O primeiro elemento limitador do quantum de imposto a obter é a própria capacidade contributiva. Mas recorde-se a curva de Laffer. Esta evidencia não apenas a questão da capacidade contributiva, mas também uma forma de reação a níveis elevados de tributação lembremos o problema da fraude e da evasão. Isto, precisamente, dá a entender que o Estado não pode ou melhor, não deve ir buscar todas as receitas aos privados. Esta ideia nasce de uma proibição do excesso, de proporcionalidade fiscal, de haver limites à tributação. Quando relacionámos receita e despesa, vimos que a receita está legitimada pela despesa; e só deve haver receita pública na medida da necessidade de despesa. Ora, isto aplica-se na questão do imposto. Tem de haver um condicionamento, não se pode ir a todo o rendimento, todo o consumo e tributar penosamente. Tem de haver uma ideia de necessidade daquele tributo e uma adequação dos meios daquele tributo, sendo que, numa análise custo-benefício, os benefícios da tributação devem ser superiores aos seus impactos negativos. Se esta ideia de proibição do excesso / proporcionalidade fiscal não for atendida, onde vamos parar? À questão do confisco estamos a pensar numa lógica de retirar aquilo que é indevido, para além do que é permitido / legítimo retirar. Este princípio do não confisco não tem consagração expressa em qualquer norma, mas, quer em termos jurisprudenciais, quer em própria construção do TEDH. No TEDH, esta questão fiscal é muito trabalhada, tendo em atenção que nenhum artigo na convenção existe que diga que o Estado não pode provocar situações de confisco. Há, porém, protocolos, e estas temáticas têm sido recuperadas. Não é de somenos importância a questão dos limites à tributação proporcionalidade fiscal, ligada a uma ideia de confisco, do ponto de vista fiscal, é também algo a ter em consideração. 5 PRINCÍPIO DA IGUALDADE Outro princípio a enfatizar é a questão da igualdade fiscal. Apesar de o princípio da igualdade fiscal não estar expressamente previsto na CRP, o princípio geral constitucional da igualdade também deve ser reportado à dinâmica fiscal. Portanto, o 13º da CRP deve ser tido como relevante e considerado a base concretizadora do princípio da igualdade fiscal. Mas importante do que a igualdade é, porém, a equidade fiscal. Também no domínio fiscal importa tratar o igual como igual e o diferente como diferente. A própria construção de benefícios fiscais é reveladora disso: os benefícios fiscais diferenciam; são uma quebra à igualdade fiscal. A igualdade fiscal é muito relevante em dois domínios/sentidos: Igualdade formal tributação - universalidade da pagar impostos. Igualdade material: é o que nos interessa sobretudo, a ideia da capacidade contributiva. Há uma ideia de equidade, que permite diferenciar o que é diferente; aqui, temos a capacidade contributiva como elemento máximo norteador. 6 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA A capacidade contributiva está prevista no 4º, 1. da LGT, e simboliza a possibilidade de se poder efetivamente contribuir, ser objeto de tributação. Esta ideia de capacidade contributiva tem uma dupla componente: tanto revela uma ideia de justiça como também revela uma ideia (muito cara aos economistas) de eficácia. De que valeria à administração concretização de um objetivo, é um esforço inglório. Usar-se-iam instrumentos da máquina administrativa e da máquina legal em favor de uma impossibilidade. Note-se que esta lógica de capacidade contributiva está incorporada em regras específicas do imposto. Quando determinamos que há impostos sobre o rendimento, património e consumo, estamos a evidenciar a existência de capacidade contributiva. Quando identificamos normas com taxas progressivas, estamos também a revelar este princípio da capacidade contributiva. 74 Assim, apesar de estarmos a identificar princípios (e aqueles que são os princípios norteadores e fundamentais do imposto), todos eles estão revelados em regras fiscais. RCP volta a frisar: não significa que os princípios e, neste caso, a questão da equidade tenha de ser absoluta, plena em todas as circunstâncias. Há, muitas vezes, conflitos entre princípios. O que acontece aí? Há um que prevalece. Na questão da equidade, as normas que concedem benefícios fiscais a certos contribuintes ou certas bases de tributação, está em causa afastar-se o princípio da equidade fiscal. Quem tem capacidade contributiva deveria ser tributado na sua medida, mas pode haver um valor ou mais que suplante essa questão da capacidade contributiva e há uma redução do que o sujeito tem de tributar. Os princípios fiscais não têm de ser absolutos. Uma exceção é, porém, a não retroatividade: essa é absoluta, não pode nunca haver uma norma fiscal retroativa (para o TC, pode haver uma norma fiscal retrospetiva, mas isso não é retroatividade autêntica). Já temos pilares fortes para perceber as normas fiscais, mas temos agora de perceber que o imposto é fruto de um procedimento e de um processo. É fruto de vários momentos e de várias etapas. Em cada etapa há objetivos e conceitos específicos. A nossa preocupação será determinar as várias etapas por que o imposto passa (como figura genérica, mas isto estará visível nos impostos em especial). Vamos identificar quais são essas etapas e, simultaneamente, qual é o tipo de legislação que teremos de procurar para respondermos às perguntas em cada etapa. O primeiro objetivo é ter a noção de qual é procedimento para a determinação do imposto, quais as fases subjacentes; o segundo objetivo é ficar bem claro o tipo de terminologia que devemos utilizar para nos referirmos a cada uma das etapas especificamente, e, simultaneamente, quais são os tipos de normas jurídicas que estão subjacentes a cada uma das etapas. Este quadro é transponível para qualquer imposto; a lógica é comum a todos os códigos de impostos em especial. ESQUEMA ENORME INÊS Nota: já sabemos o que é retroatividade fiscal e o que é retrospetividade. E a anterioridade fiscal? Em Portugal, não temos a consagração e o reconhecimento desta ideia de anterioridade fiscal. Mas o Brasil tem. A Constituição brasileira diz que as alterações feitas à norma fiscal a meio do ano fiscal não são passíveis de ser aplicadas a esse ano de alteração. Só entram em vigor e só têm aplicação no início do ano fiscal seguinte; a aplicação da norma fiscal alterada só inicia a sua vigência a 1 de janeiro. Esta lógica da anterioridade fiscal dá muito mais certeza e segurança; em Portugal não temos isto. Pela interpretação que o TC faz, ficamos com A primeira pergunta que devemos fazer é: (i) o que gera tributação? Temos o facto económico esse facto é ou não gerador de tributação? Depois, queremos perceber (ii) quem é que está sujeito a tributação. Mas também é importante, depois disto, saber (iii) quanto é objeto de tributação. I-7. Os momentos do pressupostos objetivos e determinação do quantum cumprimento 75 imposto: dos subjetivos à e ao devido Isto faz com que depois tenhamos de (iv) concretizar. Se temos norma que são abstratas, queremos, em relação a um facto concreto, uma pessoa em concreto e um valor concreto, saber quanto é que temos de pagar. Uma vez feita a concretização, cumprimento da obrigação fiscal. há o (iv) O imposto passa pela identificação de normas que são abstratas; passa por um momento de concretização efetiva face a um rendimento específico, a um sujeito específico e a um valor concreto, e passa por um momento em que há que implica o que se pode chamar a a) fixação do pressuposto objetivo do imposto, o que faz com o b) fixação do pressuposto subjetivo do imposto c) fixação do quantum de sujeição. Quando pensamos na a) fixação do pressuposto objetivo, estamos a pensar em: A1) Aspeto material - tem a ver com o quid a base de tributação. Temos um rendimento, um bem ou ato. A2) Aspeto espacial a questão da aplicação da lei no espaço, haver ou não ligação com mais de uma jurisdição fiscal. Aqui falamos na residência, na fonte, etc. Podem ser ativados regras internacionais de tratados. A3) Aspeto temporal, em que há a ideia da fixação pela lei do momento em que há o facto gerador. Isto será visível quando trabalharmos com o IRS e IRC. quando é que passamos a estar sujeitos a tributação? Qual é o momento que releva para efeitos tributários? O espaço temporal é relevante, e temos normas que nos dão essa resposta; A4) Aspeto quantitativo-valorativo pensemos no apuramento daquilo que é tido como rendimento bruto ou ilíquido. sujeição; temos o momento em que se ativa o facto gerador; e temos a determinação do valor que está sujeito a tributação. A resposta aos aspetos objetivo e subjetivo (facto gerador e sujeito passivo) encontra-se nas chamadas [N1] normas de incidência/sujeição. Estas dizem-nos quem e o quê está sujeito; os códigos começam sempre com normas de incidência. O apuramento do imposto a pagar iniciase sempre com normas de incidência. Porém, logo aqui na determinação do facto gerador e do sujeito passivo - ainda que estes sejam os primeiros tipos de normas em causa temos de, após identificar estas normas ir à procura das chamadas [N2] normas de isenção. Lembremo-nos do ovo estrelado. O primeiro tipo de normas corresponde àquelas que nos dizem o que está sujeito e o que não está sujeito. A frigideira, o que está fora do ovo estrelado, é a não sujeição. As normas de incidência estabelecem um perímetro onde a norma fiscal atua; onde existe facto gerador, onde existe sujeito passivo de imposto. Assim, a primeira distinção é entre o que não tem nada a ver com o fiscal/tributação e o que vai ser objeto de tributação. Mas outro tipo de normas pode vir a ser ativada subsequentemente (pressupõe-se sempre a existência de sujeição a imposto) as normas de isenção, que são a gema do ovo, estando dentro da clara. Pode haver situações em que, apesar de haver um facto gerador ou um sujeito passivo, há características que levam o legislador fiscal a determinar que não serão efetivamente tributados totalmente ou parcelarmente. RCP frisa: isto implica sempre sujeição a imposto não podemos estar isentos se não estivermos sujeitos. Tem de haver sujeição; após a sujeição, pode haver norma fiscal que isente ou aquilo que gerou a sujeição, ou o sujeito passivo. Dizemos, assim, que as normas de isenção podem ser de dois tipos: Normas de isenção reais têm a ver com o rendimento, o património ou o consumo, que deixam de ser efetivamente tributados. Temos aspetos que têm a ver com a identificação da base de tributação; temos o local onde ocorre esse facto económico a ser relevante de determinar para efeito de aplicação das normas adequadas e da Normas de isenção pessoais têm a ver com a qualidade do sujeito passivo (não com a base de tributação ou o facto gerador). 76 Quando procuramos fixar o quantum de sujeição, temos de encontrar [N4] normas que fixam taxas do imposto e [N3+N5] normas que preveem deduções ao valor objeto de tributação. Exemplo 1: RCP publicou livros e são-lhe devidos direitos de autor. Estes direitos qualificam-se (no quadro do art.º 3º do CIRS) como rendimento sujeito a tributação. Há uma norma de incidência que diz que os rendimentos obtidos com os direitos de autor estão sujeitos a tributação. Mas, no EBF (art.º 58º), é dito que os rendimentos derivados de direitos de autor só vão ser tributados em 50%; não se fala do autor, e sim do tipo de rendimento, dizendo-se que uma parte daquele rendimento não será objeto de tributação. Exemplo 2: por outro lado, no CIRC, existe uma norma art.º 10º - que diz que as IPSS (terceiro setor setor da economia social) estão isentas de IRC. Não se está a falar nos rendimentos que elas obtiveram, e sim na qualidade daquele sujeito passivo. Porque é IPSS, está isento não será objeto de tributação. Assim, as normas de isenção podem ser ativadas ou para o facto gerador, ou para o sujeito passivo. Todas as normas de isenção implicam a existência de uma norma de incidência; só vamos à norma de isenção depois de detetarmos que estamos na clara do ovo no âmbito de incidência, sujeição do imposto. A isenção, normalmente quando for real, não tem de implicar uma isenção a 100% / total. Ela pode ser uma isenção parcial. Vimos o caso do 58º do EBF, em que 50% dos rendimentos não são tributados (os outros 50% são-no, portanto). Aqui, diz-se que 50% dos rendimentos estão isentos e 50% estão sujeitos. Quando olhamos para o que gera a tributação, identificámos aspeto material, espacial e temporal, mas também falámos numa vertente qualitativa ou valorativa. Olhe-se à base de tributação rendimento; tem a ver com o que se chama rendimento bruto ou ilíquido. Porém, convém ter em atenção que, apesar de a norma de incidência determinar um quantum que vai ser objeto de tributação (está sujeito), tal não significa que não possa haver redução do valor que é efetivamente objeto de tributação. Até agora, qual é a nossa versão simplificada de como chegar ao imposto a pagar? Temos de saber a taxa do imposto e a matéria coletável. A norma de 000, a norma que fixa a taxa do imposto que diz que é 10% e o imposto a egar àquilo a que se chama matéria coletável aquilo a que a taxa do imposto é aplicável tem-se que a matéria coletável pode ser: Igual ao rendimento bruto (aplicamos a taxa do imposto e obtemos o valor). Um rendimento líquido, sobre o qual se aplicará a taxa do imposto (muitas vezes, e sobretudo em relação ao rendimento, temos isto). Se nada fosse dito, poderíamos ter incidência e não isenção no rendimento da sra. Clotilde e na sra. 000; a norma diz Porém, aquilo a que se tem de ter atenção no rendimento (não sempre, mas em muitos casos) é que ao rendimento ilíquido o legislador permite que sejam deduzidas certas despesas que foram necessárias para a obtenção daquele rendimento. Imagine- 77 os 50%); mas, para escrever aquele livro, comprou um computador, utilizou eletricidade, comprou 15 livros de investigação, pagou uma base de dados com acesso a revistas científicas, etc. Assim, RCP teve um conjunto de despesas a expressão correta é gastos necessárias para poder produzir aquele rendimento. O legislador, atendendo à existência desses gastos, cria normas onde lhes atende e permite a sua dedução, total ou parcial. Existem [N3] normas que fixam a dedução passível de ser feita ao rendimento ilíquido/bruto, que fazem com que a norma que determina a taxa de imposto não se aplique ao rendimento bruto, mas antes ao rendimento líquido. Nota: qual é a lógica das deduções parciais? Prevêse que todo o gasto seja fiscalmente relevante ou assume-se como fiscalmente relevante apenas uma parcela do gasto. Podemos ter comprado o computador e a base de dados, somando ao tod 2 000, mas o legislador, na norma de dedução, só 000 sejam considerados. Uma primeira norma no quantum são as que permitem deduzir gastos fiscalmente relevantes para a determinação do rendimento. No caso do IRS, são normas de dedução específicas; no IRC, são normas de apuramento do lucro tributável. Assim, depois de apurado o valor bruto, pode acontecer que automaticamente se passe para a determinação da norma que indica a taxa de imposto. Mas há, também, a possibilidade de o legislador, antes da aplicação da taxa de imposto, permitir a dedução de certos gastos aos rendimentos brutos. Essas normas de dedução aos rendimentos brutos podem conter deduções totais ou deduções parciais tudo depende do que o legislador determinar como relevante fiscalmente. Feitas estas deduções ao rendimento bruto, obtemos o rendimento líquido. A esse rendimento líquido poderá ser aplicada a taxa do imposto, que surge numa norma específica, como o 68º do CIRS, onde se aplica a taxa específica àquele rendimento coletável. É por isso que o legislador fala em matéria coletável ou rendimento coletável, que pode ou não ser igual a rendimento bruto (não tem necessariamente de o ser). Desta forma, uma vez aplicadas as normas de deduções aos rendimentos ilíquidos, procuramos a norma que fixa a taxa de imposto. Determinada a norma que fixa a taxa do imposto, podem ainda existir [N4] normas que preveem deduções à coleta apurada. Pensemos na vertente objetiva (rendimento). Há um rendimento bruto, que é objeto de sujeição e não isenção. A este rendimento bruto, vamos deduzir certos gastos fiscalmente relevantes, obtendo, por consequência, o rendimento líquido. Ao rendimento líquido, que se tenderá a apelidar de matéria coletável (não significa que seja assim exatamente, mas é esta a versão simplificada por agora), aplicamos a taxa do imposto, taxa essa associada a uma norma que determina o seu valor. Da aplicação da taxa à matéria coletável obtemos o que se apelida de coleta. Significa isto que pode existir outro tipo de normas que preveem deduções à coleta. Assim, existem mais gastos fiscalmente relevantes que vão ser deduzidos e há normas que dizem quais são esses gastos e em que medida podem ser deduzidos, na totalidade ou em parte. E daqui obtém-se o imposto a pagar. Temos uma norma de incidência. Há que verificar se existe alguma isenção. Se existir e ela for total, apesar de estar sujeito, estou isento e não há tributação. Não havendo norma de incidência ou sendo ela parcial, o que fica sujeito e não isento avança para efetivar a tributação. Devemos procurar se existe para aquele caso concreto uma norma que determine que certos gastos tidos para a obtenção daquele rendimento podem ser deduzidos. Assim, teremos normas que permitem (ou não), total ou parcialmente, retirar/deduzir gastos que o legislador considera como relevantes e que têm de baixar o valor do rendimento obtido a ser efetivamente tributado. Depois dessas normas, há que verificar a norma que se aplica no caso e que determina a taxa do imposto. Ao rendimento líquido, que tenderá a ser a matéria coletável, aplica-se a taxa de imposto e obtém-se a coleta. Nesta coleta temos de apurar se existem normas que preveem a dedução de certos gastos fiscalmente relevantes, que não são os mesmos que ocorreram a propósito do apuramento do rendimento líquido. São outros; não há aqui duplicação. Há gastos que, diz o legislador, são para ser atendidos na etapa do imposto a pagar. São gastos diferentes; RCP reitera: não há duplicação da mesma natureza de gastos. Alguns têm de ser deduzidos à base de 78 tributação (rendimento, no caso); outros têm de ser deduzidos à coleta, diz o legislador. Da dedução destes gastos à coleta tenderá a haver a determinação do imposto a pagar. Na composição da norma, é dito expressamente que há dedução ao rendimento bruto/ilíquido; nas outras normas, é dito expressamente que há gastos a serem deduzidos à coleta. Olhe-se ao art.º 25º, 1. do CIRS. E olhe-se também ao 78º, 1. Falanorma fiscal determina a que é que se vai proceder a dedução: no momento identificado, faz-se essa dedução. efetivamente àquele agregado familiar, tendo em conta a sua efetiva capacidade contributiva. Não é um juízo seco ou linear. Quando o TC analisa esta questão, faz estas ponderações. Houve uma alteração em que o legislador determinou que, entre os 18 e 25 anos, não se podia ser beneficiário de RSI. A norma foi julgada inconstitucional. No juízo de inconstitucionalidade, a justificação foi não ter sido criada ou apresentada uma norma que garantisse uma proteção efetiva daquela franja da população. Como não havia uma norma de proteção social alternativa, a revogação foi declarada inconstitucional. Nota 3: se as deduções estiverem no rendimento líquido, o que acontece à matéria coletável? Reduzse, e o imposto a pagar será muito menor. Por isso, o legislador prefere a existência de muitas mais deduções à coleta. Nota: Quando o legislador prevê normas de uma diferença entre gasto real e gasto fiscalmente relevante. Porquê? Poderiam estar incluídas despesas não relevantes; esta é uma forma de combater mecanismos fraudulentos de utilização indevida das deduções, de querer reduzir artificialmente a carga tributária. Mas há outra razão: o Estado precisa de receita. Se olharmos à sequência de alterações normativas, a tendência tem sido clara. Nota 2: olhe-se ao 104º, 1. da CRP. A interpretação de RCP da parte final deste artigo fá-la avançar para a afirmação de que não poderá o legislador revogar as normas das deduções à coleta, pura e simplesmente (falamos das despesas familiares há, também, pagamentos por conta e retenções na fonte, como veremos). São normas que permitem este grau de personalização; mas ele também é atribuído pela taxa de imposto e pela progressividade dessa mesma taxa. Não havendo resposta imediata, RCP seria mais a favor de não haver uma anulação direta dessa possibilidade. Mas isto depende. Podemos não conseguir deduzir estas despesas, mas o Estado passa a garantir em tempo útil os serviços de saúde adequados, ou passa a garantir um acesso inequívoco a um ensino público de qualidade. Não é possível o TC fazer um juízo isolado de uma redução drástica daquilo que é o montante dedutível, contrariando a CRP; há que ter mais normas em consideração. E se se acaba com as deduções à coleta, mas aumentam-se as específicas? Não há, ou não deve haver, para RCP, uma afirmação escorreita/seca. Tudo depende da existência de normas que compensem dentro do próprio imposto e daquilo que é garantido 79 Tudo isto significa que há necessidade concretizar. Há normas que dizem o que é tributado, quem e como; mas quando há a necessidade de personalizar e aqui pensamos no indivíduo / sujeito passivo em concreto passamos para algo de que já falámos: a etapa da liquidação de imposto (lato sensu). Portanto, além das normas de incidência, as normas de isenção, às normas de dedução, as normas da taxa do imposto, as outras normas de dedução, vamos encontrar aquilo a que se chama [N6] normas de liquidação. Ou seja, há que determinar como é que há o apuramento efetivo do imposto a pagar. Essas são as normas de liquidação. Tradicionalmente, a doutrina gosta de distinguir, dentro das normas de liquidação, as: Normas de lançamento têm a ver com a aplicação das normas de incidência e de isenção. Normas de liquidação stricto sensu as normas da taxa e das deduções. são tributação (rendimento, no caso); outros têm de ser deduzidos à coleta, diz o legislador. Da dedução destes gastos à coleta tenderá a haver a determinação do imposto a pagar. Na composição da norma, é dito expressamente que há dedução ao rendimento bruto/ilíquido; nas outras normas, é dito expressamente que há gastos a serem deduzidos à coleta. Olhe-se ao art.º 25º, 1. do CIRS. E olhe-se também ao 78º, 1. Falanorma fiscal determina a que é que se vai proceder a dedução: no momento identificado, faz-se essa dedução. efetivamente àquele agregado familiar, tendo em conta a sua efetiva capacidade contributiva. Não é um juízo seco ou linear. Quando o TC analisa esta questão, faz estas ponderações. Houve uma alteração em que o legislador determinou que, entre os 18 e 25 anos, não se podia ser beneficiário de RSI. A norma foi julgada inconstitucional. No juízo de inconstitucionalidade, a justificação foi não ter sido criada ou apresentada uma norma que garantisse uma proteção efetiva daquela franja da população. Como não havia uma norma de proteção social alternativa, a revogação foi declarada inconstitucional. Nota 3: se as deduções estiverem no rendimento líquido, o que acontece à matéria coletável? Reduzse, e o imposto a pagar será muito menor. Por isso, o legislador prefere a existência de muitas mais deduções à coleta. Nota: Quando o legislador prevê normas de uma diferença entre gasto real e gasto fiscalmente relevante. Porquê? Poderiam estar incluídas despesas não relevantes; esta é uma forma de combater mecanismos fraudulentos de utilização indevida das deduções, de querer reduzir artificialmente a carga tributária. Mas há outra razão: o Estado precisa de receita. Se olharmos à sequência de alterações normativas, a tendência tem sido clara. Nota 2: olhe-se ao 104º, 1. da CRP. A interpretação de RCP da parte final deste artigo fá-la avançar para a afirmação de que não poderá o legislador revogar as normas das deduções à coleta, pura e simplesmente (falamos das despesas familiares há, também, pagamentos por conta e retenções na fonte, como veremos). São normas que permitem este grau de personalização; mas ele também é atribuído pela taxa de imposto e pela progressividade dessa mesma taxa. Não havendo resposta imediata, RCP seria mais a favor de não haver uma anulação direta dessa possibilidade. Mas isto depende. Podemos não conseguir deduzir estas despesas, mas o Estado passa a garantir em tempo útil os serviços de saúde adequados, ou passa a garantir um acesso inequívoco a um ensino público de qualidade. Não é possível o TC fazer um juízo isolado de uma redução drástica daquilo que é o montante dedutível, contrariando a CRP; há que ter mais normas em consideração. E se se acaba com as deduções à coleta, mas aumentam-se as específicas? Não há, ou não deve haver, para RCP, uma afirmação escorreita/seca. Tudo depende da existência de normas que compensem dentro do próprio imposto e daquilo que é garantido 79 Tudo isto significa que há necessidade concretizar. Há normas que dizem o que é tributado, quem e como; mas quando há a necessidade de personalizar e aqui pensamos no indivíduo / sujeito passivo em concreto passamos para algo de que já falámos: a etapa da liquidação de imposto (lato sensu). Portanto, além das normas de incidência, as normas de isenção, às normas de dedução, as normas da taxa do imposto, as outras normas de dedução, vamos encontrar aquilo a que se chama [N6] normas de liquidação. Ou seja, há que determinar como é que há o apuramento efetivo do imposto a pagar. Essas são as normas de liquidação. Tradicionalmente, a doutrina gosta de distinguir, dentro das normas de liquidação, as: Normas de lançamento têm a ver com a aplicação das normas de incidência e de isenção. Normas de liquidação stricto sensu as normas da taxa e das deduções. são O importante é que estamos a falar de liquidação do imposto. Vemos como é que, no caso concreto, o imposto vai ser apurado. Não falámos nas normas que dizem como é que a administração fiscal calcula o imposto. Podemos ter normas que geram uma obrigação de autoliquidação ou normas que geram heteroliquidação. O legislador pode entender que quem está em melhores circunstâncias para liquidar o imposto é o próprio contribuinte e não a máquina fiscal, criando uma regra de autoliquidação (ex.: IRC), ou pode determinar que é a própria máquina administrativa que deve liquidar o imposto (ex.: IRS). O facto de um imposto ser heteroliquidável (ser a própria máquina administrar a liquidar) não significa que não exista colaboração por parte do sujeito passivo. Pense-se nas obrigações declarativas; pense-se na declaração de rendimentos no IRS, que é necessário transmitir à máquina administrativa para que ela possa liquidar o imposto. Uma vez liquidado o imposto, há que pagar o imposto devido. Quando se fala em cumprir, fala-se no pagamento do imposto aquilo que é devido como comportamento por parte do sujeito passivo mas também podemos dizer que é altura de cobrar o imposto a mesma coisa, mas vista na perspetiva da administração tributária. O pagamento pode decorrer de duas formas: Nota: quando há um litígio entre A e B a propósito de uma dúvida, A vai a tribunal para que lhe seja reconhecido o direito. Supostamente, tudo correndo bem, após a sentença, o que acontece? Quem ficou obrigado paga. Mas pode acontecer que ele não pague. Aí, será necessário executar a sentença. Nasce, então uma etapa 2 com uma lógica executiva. Executa-se a dívida liquidação de imposto é título executivo. O que significa? A administração tributária não precisa de ir reconhecer o seu direito; executa a dívida. Há que ter atenção a que, nas várias normas de cobrança, existe uma que diz que o ato de liquidação é título executivo. Todavia, estas etapas do imposto ainda podem implicar a resposta a duas questões uma do lado da AT, outra do lado do contribuinte: Questão 1 - a AT pergunta: o cumprimento foi adequado? Questão 2 o contribuinte diz: não concordo com a liquidação feita pela AT, o que faço? Voluntariamente; Coercivamente existem ferramentas à disposição da administração tributária para executar a dívida fiscal (atenção à terminologia). Logo, existem [N7] normas de cobrança. Elas tanto vão ser para a cobrança voluntária como para a cobrança coerciva. Isto vem expressamente no 78º do CPPT (Código de Procedimento e Processo Tributários). E há uma norma que diz que (tenha a liquidação sido hetero ou ato) o ato de liquidação é título executivo. O contribuinte pode não concordar com a liquidação adicional e com a não adicional. Pode não se tratar de um incumprimento, mas sim de um cumprimento; ainda assim, a AT fica a pensar se foi realmente pago o devido (por exemplo, se a autoliquidação foi bem feita). A resposta à pergunta da AT passa pelos poderes de fiscalização tributária. A AT pode proceder a atos de fiscalização. É importante, por isso, identificar [N8] normas de fiscalização. Um exemplo é o 63º da LGT, que fala de poderes de inspeção: a AT pode dirigir-se a uma empresa (aos 80 serviços de contabilidade ou departamento financeiro) e pedir para fazer uma inspeção a toda a documentação, para que possa ser feito um exercício de perceber se o que foi declarado/liquidado bate certo. Destas inspeções pode nascer a identificação de discordâncias, dando origem a atos de liquidação adicional, representando o facto de ter de se pagar mais imposto do que aquele que se pagou inicialmente. Este ato de concordar ou não pode basear-se numa discrepância muito simples (pode até, pura e simplesmente, faltar documentação), mas pode haver coisas muito complicadas. Há os chamados preços de transferência, de que falaremos a propósito do IRC. Existe uma regra que diz que, se as empresas pertencerem todas ao mesmo grupo empresarial, ainda que haja essa pertença económica, elas, do ponto de vista fiscal, elas têm de ser tratadas como entidades separadas; como se fossem completamente independentes. Isto tem como consequência que, no caso de existirem operações intragrupo (ou seja, entre as empresas desse grupo A, B, C e D por ex., uma compra à outra matéria-prima), a ideia de serem entidades separadas faz com que o preço das operações intragrupo tenha de ser o mesmo que o preço de mercado. Não pode haver manipulação de preços. Muita gente discorda disto, em face da natureza do grupo e dos ganhos que pode haver aqui; mas a regra fiscal é como é. Numa inspeção, a AT pode aumentar os gastos, o que significa que se reduz o lucro. O que é que a AT vai fazer aqui? Uma liquidação adicional, corrigindo o lucro tributável (que foi indevidamente reduzido) e dizendo que há que pagar mais imposto. Isto parece simples, mas não é. Como se apura o preço de mercado? Por vezes, há concorrência e não é difícil. Mas há muitas circunstâncias ligadas ao contrato em concreto que podem significar que é impossível encontrar o preço de mercado. E aí há um litígio aberto entre AT e contribuinte por causa de um ato de liquidação adicional, em que o contribuinte não concorda com a liquidação feita pela AT. Escritórios de advogados e consultoras têm departamentos só para isto; é algo difícil e chato, que pode ter por detrás questões muito complexas. Imagine-se que o grupo empresarial é internacional; ainda aumenta a complexidade. E é algo que pode aparecer logo ou a posteriori; daí a necessidade de mecanismos capazes de antecipar conflitos e solucioná-los (por exemplo, as informações vinculativas). Um exemplo de contratos fiscais para além dos benefícios fiscais são acordos prévios de preços de transferência, em que a AT se senta à mesa com o contribuinte e deixa contratualizado os valores que devem ou não ser considerados para efeitos de operações intragrupo. 81 O que estamos aqui a transmitir? O grau de complexidade pode implicar a antecipação dos atos de liquidação, com base nas normas de incidência e isenção, taxa de imposto e deduções (vertente abstrata prévia à liquidação / concretização efetiva). 29 MAR 2019 Sumário: Momentos do imposto (continuação). I-7. Os momentos do pressupostos objetivos e determinação do quantum cumprimento (continuação) imposto: dos subjetivos à e ao devido Temos de partir de [N1] normas de incidência (que podem ser reais ou pessoais) e sujeição, e temos de apurar da existência ou não de [N2] normas de isenção (que podem ser reais ou pessoais). Depois, avançamos para as normas que fixam deduções para apuramento da matéria coletável, à taxa de imposto e à coleta. Seguem-se [N6] normas de liquidação; sabemos que elas podem ter uma remissão para casos de autoliquidação (onde é o próprio sujeito passivo a liquidar o imposto) ou os heteroliquidação (são os próprios serviços da administração tributária a liquidar). Tudo isto é finalizado com as chamadas [N7] normas de cobrança, onde temos de saber que há uma previsão geral que assume que o pagamento deve ser voluntário mas, no caso de não ser voluntário, existem mecanismos de execução fiscal. Pode tudo parar aqui, cumpridas as obrigações devidas, e extinguir-se a RJ subjacente; mas podem existir [N8] normas de fiscalização a Administração tem espaço para se interrogar sobre a adequação do cumprimento fiscal. Ela pode apurar se há ou não há adequação. Não havendo, o que acontece? Procede-se a uma correção, que é normalmente feita através de um ato de liquidação adicional. Contudo, se olharmos para este último tipo de normas que reconhecem, concedem e depois regulamentam um comportamento da administração fiscal que tem o poder de investigar se está certo, e, não estando certo, corrigir o cumprimento da norma fiscal, isto é apenas o lado da administração. E hoje há sempre uma preocupação com o equilíbrio das duas presenças. Podem dar-se poderes aos poderes públicos, mas também têm de se conceder garantias aos particulares. Também são, portanto, muito importantes as [N9] normas procedimentais e processuais e [N10] normas sancionatórias. Estas normas permitem pedir revisão, reclamação, impugnação, recurso de atos tributários. Será aqui, através destas normas procedimentais ou processuais, e através do balizamento feito pelas sanções (para um lado e para outro) que o contribuinte, se não concordar, pode reagir. Estamos a verificar que este núcleo (até [N5], inclusive) é o que podemos assumir como [I] substância do imposto. É nas normas de incidência, de isenção e naquelas que se calcula o que pode ou não ser deduzido e qual a taxa do imposto que temos o sumo, o núcleo duro do direito tributário. Estou sujeito a quê, quando, como? Qual é a minha obrigação fiscal principal? Quanto é que tenho de pagar de imposto? Isso está aqui. Para concretizar esta substância, existem as normas de liquidação e cobrança [N6]+[N7]. Elas existem para aplicar ao caso concreto e saber como é que, no caso concreto, as normas substanciais vão ser verificadas e como é que têm de ser concretizadas. eiro conjunto de normas; a forma como concretizamos essa obrigação que sobre nós nasce diz respeito ao segundo grupo de normas. Normalmente, os códigos dos impostos em especial (CIRS, CIRC, CIVA, etc.) trabalham sobre a [II] concretização. Mas, se estamos perante um sistema, isso significa que temos de criar normas/espaços que deem [III] garantias. Numa relação jurídica, as garantias sãono para os dois lados; também no âmbito fiscal isso acontece. Assim, como instrumento usado pela administração tributária para ter a certeza de que o que é suposto ser cumprido foi cumprido, criou-se o espaço das normas de fiscalização, que permite que a administração tributária reverifique as situações concretas. No caso de se apurarem discordâncias/discrepâncias, há o poder subsequente de corrigi-las. Isto dá espaço a que se identifiquem sanções para quem desrespeitou / não cumpriu as normas (não só as normas do sumo como a lógica da concretização). Por isso existem o direito fiscal penal e o direito fiscal contraordenacional; temos crimes fiscais e temos meras contraordenações. Este bloco está pensado para garantir o direito da autoridade tributária a cobrar o que é legalmente devido. Contudo, numa relação jurídica no âmbito de um Estado de direito, ambas as partes têm de ter proteção. Portanto, também na relação fiscal tem de existir espaço para uma reação do sujeito passivo (quem tem de pagar), que pode não concordar com a administração tributária na interpretação e aplicação que faz da lei. Tem de ter espaço para reagir. Na dinâmica do direito público, essa reação pode ocorrer em dois níveis: Nível procedimental, em que o contribuinte e procedimentais à disposição, e a AT Mas daí pode haver manutenção, ou ir-se diretamente para a: Nível da reação jurisdicional não esquecer aqui os dois campos. Há jurisdição tributária especializada, mas há também possibilidade de arbitragem. Estas normas (procedimentais e processuais, sancionatórias) são normas de garantia do lado do contribuinte; estes ficam a saber como podem reagir se não concordarem com algo. Assim, pensar o imposto vai um pouco além da determinação do valor devido. Esse é o espaço fundamental; o primeiro em que pensamos quando abordamos o imposto. Porém, também temos de conjugar a reação da AT (de verificação ou 82 reverificação) e a reação do contribuinte (normas procedimentais e processuais, sanções). Até agora falámos apenas de sanções do lado do contribuinte: crimes fiscais e contraordenações. Mas, no caso de ter ocorrido uma liquidação indevida, o Estado tem de devolver o valor que indevidamente tinha na sua esfera. Além da devolução, há uma sanção personificada no espaço fiscal com a figura dos juros compensatórios. Também o Estado os deve; é uma sanção que tem sobre si, por fazer o que não devia ter feito. Nota: o 75º e segs. do CIRS têm a ver com a liquidação e saber como a AT vai liquidar o imposto (IRS é um dos casos de heteroliquidação). O 97º e segs. pressupõem já ter ocorrido o ato de liquidação (está apurado o imposto devido) e dizem quando e de que forma é preciso pagar. Nota 2: uma realidade é, tendo ocorrido retenções na fonte (pagamentos por conta do imposto a pagar no final, antecipados), há que considerar isto no pagamento do imposto final, deduzindo-o. Pode ocorrer que tenha pago mais do que devia pagar; o Estado reembolsa aí; isto é normal, pode acontecer, é legal. Outra coisa que é o que dizíamos é ter sido emitido um ato de liquidação de um imposto, depois de pagar (para não entrar em mora), reclama, concluindoSão indevidos; e não são comparáveis com um reembolso derivado de pagamento antecipado do imposto. Os indevidos podem vir a ser devolvidos com juros (os outros não). Que diplomas contêm estas normas? Os dois primeiros blocos de normas ([N1]-[N5] e [N6]+[N7], normalmente, estão unidos num código específico consoante o tipo de imposto CIRS, CIRC, CIVA, CIECs. Quando se fala em código, temos de ter o código aliado ao imposto específico. O regime jurídico desse imposto, regra geral, está contido num diploma próprio. Assim, estas normas substantivas e de concretização estão nos vários códigos. 83 Tal não significa que não se tenha, por vezes, de compatibilizar isto com a LGT. Pode haver situações em que é preciso compatibilizar o diploma específico do imposto com a LGT, mesmo nestes domínios. É muito provável que, sobre as normas de isenção e sobre algumas das normas que fixam deduções à coleta tenha de se ir buscar o EBF. O que é que RCP quer dizer com isto? O ponto de partida para a determinação das normas substantivas cálculo do imposto é feito de acordo com o código do imposto em especial que estiver em causa (se é o IRS, vamos ao CIRS, e é lá que encontramos 90% do regime). Isso não significa que não tenhamos por vezes de ir à LGT, mas, sobretudo, em relação às isenções (leia-se benefícios fiscais, em que as isenções são um tipo) às deduções (outro tipo de benefícios fiscais) haja que ir ao EBF pois a norma não estará no CIRS, e sim no EBF (exemplo: 50% do rendimento de direitos de autor ser isento não está no CIRS, e sim no EBF). Por vezes, isto ainda se torna mais complicado, pois, além do estatuto, existem diplomas avulsos que preveem normas especiais em face das normas do Código inclusivamente, podem existir contratos fiscais. E o que está contratualizado vale sobre a regra geral. Ou seja, ainda que, nas várias etapas, a central parta de um código (legislação específica sobre aquele imposto em concreto), tal não significa que ali esteja 100% do que é para aplicar. Temos de atender com grande ênfase àquilo que são os benefícios fiscais e que são derrogações ao regime geral, criando regimes especiais. Isso pode estar no EBF, mas também pode estar em diplomas avulsos ou, inclusivamente, em contratos fiscais. Nota: vejamos um caso de diploma avulso. As IPSS, quando adquirem bens e serviços, estão, em regra, sujeitas a IVA, como qualquer outra pessoa (não sempre, mas em geral). No início dos anos 90, porém, foi aprovada uma lei misturando várias matérias; num dos artigos, criava-se a regra de permitir às IPSS que pudessem ir buscar parte do IVA que lhes tinha sido exigido se fosse para financiar obras nas suas instalações. A norma foi revogada algures nos anos 2000; desapareceu. Em 2011, foi repristinada, mas o diploma não foi todo republicado; diz-se apenas que se repristinava o artigo. Pegar no fio condutor e descobrir as coisas pode, portanto, não ser simples. Este é um caso de uma norma fiscal que prevê um benefício fiscal, e está escondida e perdida. Assim, por vezes, é difícil apanhar a especificidade completa. Nunca fiquemos a ideia de que nos devemos bastar com a análise do código do imposto em especial; é, às vezes, necessário ir mais além. Nota 2: veja-se o 2º, 2. do EBF. O benefício fiscal surge em vários momentos do cálculo do imposto. Há que ter em atenção aos benefícios fiscais em vários momentos do processo. Normalmente, , é logo nas normas de isenção, nas deduções à coleta, nas deduções à matéria coletável e à taxa de imposto que o benefício fiscal pode aparecer. Mas o conceito de benefício fiscal é vasto, e pode aparecer em qualquer das etapas de determinação do imposto. Será que pode aparecer até nas normas de liquidação e cobrança? Imagine-se que o contribuinte tem de pagar 3 cêntimos; isto resultou do apuramento. Existe uma norma a dizer que, nestes casos, como o custo-benefício não é significativo, este dinheiro não é devido. Isto não é uma norma que seja interpretada como um benefício fiscal (houve sujeição, não isenção, liquidação efetiva), mas, na concretização, resulta que não se paga. Algo que não é benefício fiscal, mas tem um efeito semelhante são as normas de isenção de declaração. Podemos estar sujeitos, isentos, etc. mas estarmos isentos de declaração de rendimentos, apesar de os recebermos. O que existe aqui? Note-se que a obrigação acessória é que é objeto da isenção, não a obrigação essencial. Se o contribuinte não declara, como é que isto funciona? Na retenção na fonte nos bancos, é o que acontece. Nota 3: olhe-se ao 2º, 1. do EBF. Tradicionalmente, a leitura que se faz deste número é que tem a ver com o cálculo da obrigação principal. Veremos que o objeto da relação jurídica fiscal é duplo. Muitas vezes, pensamos que temos o dever de cobrar o imposto; a nossa obrigação fiscal é o pagamento do imposto. Mas essa é apenas a obrigação principal. Associadas a isto existem obrigações auxiliares ou acessórias (do cumprimento da obrigação principal). Quando se pensa em benefício fiscal, pensa-se na primeira obrigação a principal, que vai fazer reduzir ou eliminar o imposto a que estamos sujeitos. Por isso, quando há espaços para atuar no campo das obrigações acessórias ou auxiliares, não podemos dizer, com rigor, que sejam verdadeiros benefícios fiscais. é a obrigação principal. Sobre quem impende a obrigação? Sobre o contribuinte. É ele que tem de pagar o imposto. Todavia, lembremo-nos de que era cada vez mais difícil à administração fiscal, sozinha, dizer quanto é que os contribuintes teriam de pagar. Por isso, tem-se reforçado a ideia de que a AT precisa de instrumentos para concretizar / dar corpo à obrigação principal. Por isso, a RJ fiscal, para além da obrigação fiscal, tem obrigações auxiliares ou acessórias ao pagamento do imposto. O exemplo mais simples são as obrigações declarativas. Quando se tem de, todos os anos, declarar os rendimentos que recebemos, estamos a cumprir com uma obrigação acessórias, e há normas fiscais a dizer que temos de declarar. Portanto, a obrigação tem esta dupla natureza. Efetivamente, há uma natureza quantitativa (montante a ser pago) e uma natureza qualitativa (auxílio à determinação do quantitativo a ser pago). Sobre quem impendem estas obrigações? Sobre o sujeito passivo da RJ fiscal. Sobre o sujeito ativo, o que acontece? Existe um direito - a receber o imposto devido e a receber tudo o que legalmente for cominado como obrigação acessória, informação que deva ser feita chegar. mas não deixemos de ter em atenção que esta ideia de mais ou menos não retira a ideia das garantias. Há garantias do lado do sujeito ativo, mas também temos garantias do lado do sujeito passivo. Há a questão das informações vinculativas. Falamos de garantias do lado do contribuinte, mas a obrigação, subdividida, recai sobre o sujeito passivo, não sobre o ativo (embora este tenha obrigações, como o dever de colaboração). Nota 5: as normas de liquidação e cobrança estão ou não sujeitas ao princípio da legalidade? O que se reforça? Como o conceito de benefício fiscal não encaixa, temos mais uma argumentação para dizer que, como não é benefício fiscal, não é elemento essencial do imposto, pelo que não está abrangido pelo princípio da legalidade fiscal. 4 ABR 2019 Sumário: Momentos do imposto (continuação); relação jurídica fiscal. Nota 4: RJ fiscal, quanto ao objeto, olha para a relação contribuinte-administração e diz: o objeto é o imposto e o pagamento/cobrança do imposto. Esta 84 I-7. Os momentos do pressupostos objetivos e determinação do quantum cumprimento (continuação) imposto: dos subjetivos à e ao devido Onde é que arranjamos o regime a aplicar ao nosso esquema de normas? Cada imposto tem um código associado, que é onde devemos ir. Tem um conjunto de normas, tratando da matéria substantiva e da aplicação prática. Mas há, também, um espaço para a LGT, que pode aparecer a complementar. O conjunto, sobretudo, implica uma análise do EBF (sobretudo nas normas de dedução, taxa e deduções à coleta). E, além do EBF, temos legislação avulsa contendo normas especiais em relação a certos impostos. Portanto, além dos códigos, devemos ter em atenção o EBF e, possivelmente, mais legislação que possa existir, caso a caso, consoante a matéria. Isto torna o nosso exercício de análise muito complexo. Há que ter a noção de onde estas matérias estão tratadas. Na fiscalização, temos LGT como base para determinar algumas normas genérica sobre a matéria; temos algumas normas do código do imposto que estivemos a tratar (pode conter esse tratamento e podemos ter legislação especial, designadamente o Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária. Mas note-se que também nos códigos podem existir normas que interessam para esta etapa; muitas vezes, aplicar a regra fiscal implica análise integrada de vários diplomas. Quanto às normas do procedimento e do processo, é verdade que podem existir algumas regras genéricas na LGT, mas o grosso/núcleo está naquilo que conhecemos como o CPPT Código do Procedimento e Processo Tributários. Há um código que organiza especificamente estas normas de relação administração/contribuinte, explicando como é que o contribuinte se pode dirigir à justiça tributária e reagir. Não se esqueça a questão do regime da arbitragem fiscal, que é complementar. Se a via de reação judicial não for a tradicional (TAF), se estivermos no âmbito da possibilidade de recorrer aos tribunais arbitrais fiscais, temos um regime próprio, com uma jurisdição específica. Há aqui uma orientação. Atualmente, o CPPT está em mudança. Nalguns casos, o CPPT tem de ser lido e conjugado com o CPTA e com a parte administrativa. Mas há a autonomia do direito fiscal, de que falámos: isso justifica um procedimento e um processo 85 específicos; por isso, o CPPT surge como núcleo duro. Quando pensamos nas normas sancionatórias no âmbito fiscal, devemos pensar no CPPT como útil, mas há o Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), o qual contém a identificação do que é uma infração e a sanção associada a essa infração. Embora no âmbito fiscal também existam crimes fiscais, são muito poucos os casos para os quais o legislador tipificou o crime fiscal. Regra geral, o que existe é uma contraordenação com sanções suplementares. Temos, portanto, casos de crimes fiscais, mas a regra é a existência de contraordenação. Exemplo: olhe-se ao 105º do RGIT e compare-se com o 114º do mesmo diploma. Estamos a falar do mesmo facto, mas os valores quantitativos envolvidos são diferentes. É essa diferença de valores quantitativos que altera a qualificação como crime ou contraordenação. No 105º, temos o abuso de confiança, aplicado a situações em que não é entregue à AT a prestação tributária (não é pago o imposto devido), mas quando a prestação tem um 000, não temos abuso de confiança, não temos crime fiscal; olha-se ao 114º e o que temos é uma contraordenação. Apesar de tudo, pode dizer-se que existem: Direito penal fiscal com base em crime fiscal; Direito contraordenacional, relacionado com outras práticas indevidas. Nota: há múltiplos casos em que existe qualificação como crime e a identificação de pena associada, às vezes grave, e isto não estar no CP. Por exemplo, a responsabilidade criminal de titulares de cargos políticos não está no CP. Há um diploma próprio. A ideia chave é casar a identificação das fases do imposto com diplomas-chave. Nunca se fique com a ideia que identificar o diploma-chave em dada matéria significa que ele tem toda a regulamentação daquele aspeto. Pode ser necessário integrar o diploma concreto com diplomas suplementares. Mas é necessário perceber que em cada etapa temos diplomas específicos associados, que são onde devemos iniciar a nossa pesquisa. Note-se que a questão da legalidade se aplica no primeiro bloco de matérias (A), mas não só. Apenas na fase da liquidação e da cobrança é que não é assim. Mesmo na fiscalização, tem de estar presente o princípio da legalidade. Assim: I - Antes de mais, é preciso identificar as várias fases da determinação do imposto, tendo noção da longevidade e multiplicidade de etapas por onde a RJ fiscal passa. II - Depois de identificadas as etapas e a sua sequência, identificar quais os atos normativos a que devemos recorrer em cada etapa, que terá o conteúdo normativo regulador dessa etapa do imposto. Temos de saber onde nos dirigimos quando precisamos da resposta concreta. RCP volta a frisar: quando analisámos o IRS e o IRC, olhamos ao primeiro bloco; existem blocos suplementares. Os litígios contribuinte/AT podem ocorrer em todos os blocos. Naturalmente, haverá sempre uma preocupação cimeira com as normas de sujeição, isenção e apuramento da matéria coletável, da taxa, da coleta e, por fim, do imposto a pagar. Nota: a terminologia é importante; apropriemo-nos dos vocábulos adequados. I-8. A relação jurídica fiscal: aspetos mais relevantes 86 Trataremos este tema (que aborrece RCP) de forma simplificada, e apelando aos conhecimentos de Direito das Obrigações. Reproduziremos, em muito, aquilo que já estudámos sobre a lógica da relação jurídica obrigacional. acessórias ou auxiliares, necessárias para garantir o cumprimento da obrigação principal. Passaremos em revista oito temas: Em relação à obrigação principal (pagamento do imposto), há que ter em atenção 4 aspetos: (i) (ii) Qual é a obrigação que está subjacente a uma relação jurídica fiscal; Quais são os sujeitos da RJ fiscal; (iii) Quando é que a RJ se constitui; (iv) Como é que a RJ fiscal se pode modificar durante a sua existência; (v) Como é que a RJ fiscal se extingue; (vi) O que acontece quando incumprimento das obrigações; (vii) Quais são as garantias da obrigação fiscal para a adm. fiscal e quais são as garantias para os contribuintes? há É uma obrigação legal recorde-se o princípio da legalidade aqui; Não depende da vontade das partes olhese ao 36º, 2. da LGT (os elementos essenciais da RJ tributária não podem ser alterados por vontade das partes; todavia, recorde-se a intromissão no direito fiscal de elementos que são normalmente associados à autonomia privada, designadamente os contratos fiscais, sendo que, ainda assim, há algum lastro legal de garantia); Indisponibilidade do crédito tributário muito importante, está no 30º, 2. LGT. Uma vez existindo a obrigação, a AT não pode prescindir dela. Isto tem sido muitas vezes usado pela AT para negar a possibilidade 1 IDENTIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO OBRIGAÇÕES SUBJACENTE(S) À RJ FISCAL / O núcleo duro a chamada obrigação principal é o pagamento do imposto. A minha obrigação enquanto sujeito passivo de uma RJ fiscal é pagar o imposto. Porém, além desta obrigação fiscal, temos de considerar também a existência de obrigações 87 Quando algo corre mal na gestão dos negócios e a insolvência é iminente, isto pode ser importante. Se pensarmos do ponto de vista do que deve o direito fazer perante uma situação em que um negócio económico corre mal e pode extinguir-se, temos logo uma preocupação com os credores. Existindo credores, como é que podem ser protegidos? A versão simplificada é construir um conjunto de garantias legais que permitam proteger a esfera jurídica destes credores. Mas tem-se consciência (versão amplificada) que os impactos nefastos de uma insolvência vão muito além, por vezes, do impacto imediato na esfera jurídica dos credores: perdem-se postos de trabalho, perde-se competitividade económica, põe-se a corda na garganta em muitas áreas subsequentes da cadeia de criação de valor económico. Daí que o direito desenvolva um conjunto de respostas que pretende perceber se, no momento em que é apurado o facto de que o negócio funciona bem não poderá, ainda assim, haver espaço para uma revitalização/melhoria. Há, assim, um conjunto de instrumentos jurídicos que são criados e têm por objetivo quase conceder uma segunda oportunidade àquele negócio, tentando ultrapassar o espaço negativo. Há alguns instrumentos jurídicos que existem para tentar essa revitalização; dentro desses instrumentos, temos várias medidas que podem ser programadas e que são legalmente previstas. Uma delas é a renegociação das dívidas regra geral, significa ocesso de renegociar a dívida, quando se identificam os credores principais, o Estado está no quadro desses credores especificamente, a Segurança Social e a AT. E isso foi muito visível na altura da intervenção da troika, em que houve a criação de mais mecanismos para a renovação empresarial (pushup). A AT frequentemente invoca a indisponibilidade do crédito tributário; hoje em dia, exige-se a unanimidade entre os credores, e a AT bloqueia. Quando bloqueia, a reestruturação não pode ser feita e avança-se para a insolvência. Estes processos são muito complicados de gerir. A invocação persistente pela AT da indisponibilidade do crédito tributário está identificada como castrador destes processos de revitalização e reestruturação. Há que fazer uma análise crítica a isto. A indisponibilidade do crédito tributário não permite agilizar estes processos de renovação empresarial. Todavia, há ainda coisas que para RCP são estranhas. Não é incomum encontrar (não só em Portugal), de X em X anos, o aparecimento de amnistias fiscais o chamado Regime Extraordinário de Regularização Tributária, onde se permite que rendimentos não previamente declarados sejam declarados, havendo perdão de uma parcela de imposto que devia ter sido pago e não o foi. Diz-se ao contribui Literalmente beneficia-se o infrator, para RCP. O que está aqui em causa é a AT reconhecer que há dívidas fiscais que, em parte, não são cumpridas; o justo fica prejudicado porque os incumpridores têm a sua via de acesso aqui. Isto acontece quando o Estado precisa muito de dinheiro, mas é uma carta aberta a branqueamento de capitais, financiamento de terrorismo e escravatura ainda hoje existente, diamantes de sangue, etc. Este lado negro da economia circula à procura destes regimes, reintroduzindo o dinheiro na esfera normal do fluxo financeiro e assim lavando-o. Por isso, apesar de haver a regra da indisponibilidade do crédito tributário, há estas lógicas de reestruturação da dívida tributária, que a RCP não parecem muito compagináveis com as lógicas envolvidas. Nota: recordemo-nos das finanças públicas e do peso que os impostos lá têm. Esta medida é assumida por sucessivos governos; é receita que entra e dinheiro que passa a ser legítimo circular na economia. Esta questão está relacionada com a fraude, evasão e o planeamento fiscal: quando aprendemos, ouvimos, lemos falar da globalização, normalmente olhamos para o fenómeno como uma caracterização sociológica da sociedade em que vivemos. A questão é que, quando olhamos para o fenómeno (social e económico) globalização e aqui o próprio conceito, do ponto de vista histórico, é complexo e denso. Quando começamos a escamotear como se caracteriza a globalização e que impacto é que tem no direito, os problemas começam a surgir. Pensemos em certas características da globalização e que têm impacto nas regras fiscais e na forma como o cumprimento fiscal pode ser conseguido. Há implicações na forma como o direito é construído e aplicado. O exercício agora consiste em perceber que fenómenos caracterizadores da globalização têm impacto no fiscal e nos dão resposta. Se fizermos um exercício by heart do que é que a globalização contém em si que pode impactar na construção das normas fiscais e na sua aplicação, RCP diria, em 2019, que o mais importante são a) mobilidade, b) tecnologia e c) enfraquecimento do poder público. Os aspetos a) e b), quando utilizados pelo contribuinte, podem fazer com que deixe de haver obrigação fiscal ou podem fazer com que ela não seja cumprida. Se formos um trabalhador, o nosso cumprimento fiscal, por via de regra, havendo um contrato de trabalho, o cumprimento fiscal é quase garantido, obrigatório (não é que não haja espaços de fraude, mas esta é a regra geral). O contribuinte, para não declarar, implica que também que o seu empregador não queira cumprir e declarar. Se formos um trabalhador independente com contabilidade organizada, há muito mais espaço para declarar ou não declarar, e introduzir gastos/despesas que podem não estar ligados àquela atividade. Se formos detentores de certos rendimentos que queremos aplicar para retirar ganhos, gerando aquilo a que se chama rendimentos de capital, 88 temos espaço para uma maior criatividade ainda. Podemos jogar na bolsa, e nem sequer jogar no PSI20, indo investir na NASDAQ ou onde quisermos. A tecnologia hoje permite estar aqui e aplicar onde quisermos inclusive, num banco nas ilhas Caimão. O capital desloca-se muito facilmente, numa sucessão de cliques. RCP não necessita de agarrar numa mala de dinheiro para isto. Os trabalhadores do conhecimento, com as novas tecnologias, podem estar a viver onde lhes apetece, e onde a tributação é mais vantajosa (por ex., no Dubai não existe tributação sobre o rendimento pessoal). Isto é possível porque há mobilidade e tecnologia, e faz com que, na aplicação das normas do direito fiscal, muitas vezes, não se consiga o cumprimento da obrigação fiscal. Também faz com que, quando são criadas as normas fiscais, porque os Estados estão sempre em concorrência para captação de investimento, criem normas fiscalmente mais apelativas para que, no confronto uns com os outros, sejam mais interessantes e atraiam capital, rendimento, investimento e dinamização da economia. Isto é encontrado na legislação fiscal em múltiplos microrregimes, não só em Portugal como no mundo todo há países que vivem da tributação nula ou residual. Também há países com nível de tributação médio, mas com microrregimes que dão vantagens curiosas: na Irlanda, o IRC tem uma taxa pouco acima de 12%, quando a média na UE é de quase 30%. Ou seja, as características da mobilidade e da tecnologia, utilizadas pelos contribuintes, e associadas a uma lógica de limitação do poder políticos pelas suas fronteiras territoriais (o que não acontece no mundo digital). Se RCP for móvel, a AT até pode sancionar, mas se RCP se deslocalizar, a obrigação fiscal não é cumprida. Há aqui espaço para um desequilíbrio entre os sujeitos do imposto. Estamos habituados a pensar a RJ fiscal no modelo tradicional, em que a AT está no topo, com muito mais poderes do que o contribuinte. Isto é verdade em relação a alguns, mas não a todos. Estes fatores fazem reequilibrar e às vezes até fazer pender em favor de certos contribuintes. Quando se discutem na UE propostas de tributação dos GAFA, está a assumir-se esta subversão as tecnológicas não estão a pagar a sua fair share; não estão a contribuir na medida da sua capacidade contributiva, mesmo que cumpram as normas legais das jurisdições em que estão. A mobilidade faz com que possam usar deslocalizações e presenças nos vários territórios para conseguirem ganhos fiscais significativos. Nota 2: ingenuamente, as mentes cumpridoras que olham para o direito como um criador de comandos que resultam em ações dos indivíduos fazem custar acreditar que existe um universo à parte de 89 incumpridores, que fazem do incumprimento o seu modo de vida. A economia paralela e o seu peso é geradora de muito dinheiro. Isto está fora dos radares, quer derivado de profissões perfeitamente legais (em que o problema é simplesmente não haver declaração mia do crime, como a extorsão. Dependendo das regiões, pode haver diferente tipo de atividades envolvidas. Uma das práticas do mundo obscuro administrações fiscais começaram a criar normas que significam que, quando são detetadas manifestações de riqueza que não batem certo com as declarações de rendimentos, fazem soar uma campainha. Percebendo esta lógica, foram criadas normas jurídicas pelo mundo inteiro onde os intermediários financeiros (bancos, seguradoras, etc.), ao terem fluxos volumosos não justificados, avisadas. O mecanismo jurídico foi criando campainhas para detetar situações jurídicas, o que cria um problema como é que se gasta o dinheiro ganho no mundo obscuro? Queremos comprar carros, fazer voltas ao mundo em 1ª classe, etc. Se começarmos a gastar, podem soar as campainhas. Então, há um interesse em fazer entrar o dinheiro São desenvolvidos mecanismos para fazer esta passagem: arranjam-se entidades fictícias com legitimidade na sua profissão (aqui é que surge o termo money laundering), etc. a isto é que se chama branqueamento de capitais. Face a isto, o que se pode ter do ponto de vista do direito? Tentar detetar os mecanismos e travar, e depois sancionar. O penal tem uma dupla faceta: sancionar, mas, simultaneamente, prevenir. Não queremos que isto seja estimulado. Também pode acontecer a situação em que o Estado se aproveita os tais regimes que vimos. Se alguém arranjou dinheiro de diamantes de sangue, quando há um regime de regularização, a pessoa pode dizer que recebeu do estrangeiro X milhões, passando a declarar, entrando no sistema financeiro, em contas bancários, são legitimamente declarados e introduzem-se na esfera da economia normal. Uma das formas que a própria UE tem para tentar perceber estas cadeias de combate à corrupção e branqueamento de capitais foi a aprovação, em 2015, da diretiva do beneficiário efetivo. Este é um conceito muito usado no direito fiscal, em que se exige que todas as entidades coletivas associações, fundações, etc. a declaração de quem é o beneficiário último das instituições, quem é o fim da cadeia/linha (beneficiário efetivo), para acabar com os testas de ferro. É o fim da inocência. A obrigação é executiva e autointitulada a sua execução não está dependente de outra pronúncia; a liquidação constitui o próprio título executivo. Quando pensamos em obrigações acessórias, pensamos em obrigações necessárias para cumprir a obrigação principal. Quando falamos em RJ fiscal, temos o objeto central a chamada obrigação principal, de pagamento do imposto mas associado a esta há um conjunto de obrigações acessórias ou deveres auxiliares, que existem para auxiliar o cumprimento da obrigação principal. Olhe-se ao 30º, 1., b) da LGT faladireito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição visível no 31º da LGT. No nº 2, diz-se que são obrigações acessórias as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto. Assim, estas obrigações acessórias tanto podem ter uma natureza declarativa (declarações de rendimentos, por exemplo) como uma natureza de contabilidade escrita (deixar bem expresso o que entra e o que sai, fluxos de entrada e saída de coisas materiais e imateriais) e de prestar informações (se a AT pedir uma informação, o contribuinte tem o dever de responder). Nota: a maioria das empresas está obrigada a registar mais e menos. No T, há o mais ou o menos. Cada ato ocorrido na atividade económica tem de ter um reflexo contabilístico no (+) ou no (-). Tudo isto está regulamentado: há um direito da contabilidade. Há regras específicas de cada país, mas há uma incorporação, sobretudo, de standards internacionais. Há a conta 1, a conta 1.1, a venda pode corresponder ao 1.1.1., etc. 2 SUJEITOS DA OBRIGAÇÃO FISCAL Quando pensamos em sujeitos da obrigação fiscal, olhamos para o 18º da LGT e verificamos que temos dois lados: o sujeito ativo (nº 1) e o sujeito passivo (nº 3). O sujeito ativo é o credor do imposto a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias (plural; pressupõe-se obrigação principal e acessórias), quer diretamente, quer através de representante. Regra geral, o credor do imposto é o Estado. Nota 1: não tem de ser quem emana a norma tributária que tem o poder tributário. Falámos da derrama: quem criou o tributo foi o Estado central, mas o sujeito ativo da RJ fiscal é o município. Quem criou não tem necessariamente de ser o ente com o poder tributário, portanto. Nota 2: o sujeito ativo da RJ fiscal não tem de ser quem liquida e cobra o imposto. Isto significa que podem existir casos, como o da derrama municipal, em que a derrama é feita pelo contribuinte, e quem cobra é o estado central. O que se está aqui a enfatizar é não ter de haver uma coincidência entre quem liquida e cobra, e quem é o sujeito ativo. A derrama é apurada em função do IRC (lucro tributável), liquidada pelo contribuinte e cobrada pela AT (no âmbito do IRC). Quem é o sujeito ativo da derrama? É o município, apesar de a gestão ser feita pelo Estado central. À partida, poderíamos pensar que o credor do imposto tinha sido ele mesmo a criar o imposto e seria ele a calcular e a aplicar. O que estamos a dizer é: isso pode acontecer e acontece muitas vezes, mas não é necessário. Pode não haver coincidência entre o sujeito ativo e quem criou o imposto, quem o liquida e quem o cobra. Pode haver terceiros envolvidos na RJ fiscal que são auxiliares, estando ali apenas para garantir que o tributo é efetivamente cobrado e vai chegar ao credor devido. O sujeito ativo da derrama é o município. Quem criou a derrama? A AR, pela LFL. Quem liquida a derrama? No âmbito do IRC, temos autoliquidação. E quem cobra? Não é o município, e sim o Estado central através da AT, aquando da cobrança do IRC. Nota: quem criou a derrama foi o Estado central; mas quem é que define a taxa da derrama? É o município. E este é um elemento essencial (ainda que balizado).. Pode estar repartido o poder de 90 criação, sendo, no entanto, óbvio que a AR criou a figura. Aproveita-se a máquina administrativo fiscal do Estado central para cobrar o imposto devido. Quando pensamos em sujeito passivo, há que olhar ao 18º, 3.: são três as figuras que surgem legalmente como designando a figura do sujeito sujeição, que vimos nas várias etapas. Do lado passivo, falamos de quem é o cumpridor da prestação tributária. Mas isto pode ter três formas: (a) Contribuinte direto; (b) Substituto; (c) Responsável. O (a) contribuinte direto refere-se a sobre quem a norma de incidência recai. Tem de ter personalidade tributária e capacidade tributária para exercer essa personalidade. No caso de haver incapacidade (16º, 3.), deve haver representação legal também aqui no âmbito fiscal. Além da representação legal, também há a possibilidade de representação voluntária o chamado mandato fiscal, nos atos não pessoais. Exemplo: pense-se num menor que tem património; tem personalidade e capacidade contributiva, mas não tem capacidade tributária de exercício. Quando olhamos para o 18º, 3. sempre prevalecer a substância sobre a forma é a questão do realismo económico que vimos identificada na LGT. Isto significa que, mesmo que não haja personalidade jurídica, pode haver personalidade tributária. Exemplo: aprenderemos em Societário que, no Código das Sociedades Comerciais, é dito que, quando uma sociedade não está registada, ela não tem personalidade. Uma sociedade só passa a existir após a existência de registo. Que consequência retiramos daqui? A pessoa só vai ser tributada após o registo. Se entretanto obtiver rendimentos, eles não vão ser objeto de tributação? Errado. Vale a substância sobre a forma. Se há 91 capacidade contributiva, pode haver tributação. Olhe-se ao 2º, 1., b) do CIRC, conjugado com o 2º, 2. Esta realidade está aqui salvaguardar: incluem-se como sujeitos passivos de IRC certas entidades desprovidas de personalidade jurídica. O 18º, 3. da LGT fala em contribuinte direto; e falase, também, em (b) substituto. Aqui há uma RJ fiscal triangular, onde, além do sujeito passivo e do sujeito passivo contribuinte direto, existe um sujeito passivo substituto, visto pelo legislador fiscal como um intermediário no cumprimento da obrigação fiscal do contribuinte direto. Através do mecanismo da retenção na fonte (20º, 2. da LGT), o substituto, antes de pagar o que deve ao contribuinte, retém a parcela que legalmente é devida por imposto. Quando se fala em substituição tributária, fala-se numa RJ triangular onde, além do sujeito ativo e do sujeito passivo contribuinte direto, existe o sujeito passivo substituto. Este substituto é um intermediário entre o sujeito ativo e o contribuinte direto. Que faz ele? Através da retenção na fonte (20º, 3. da LGT), fica com o valor do imposto legalmente devido ao contribuinte e entrega-o em nome do contribuinte ao Estado. O substituto nenhuma obrigação principal tem; apenas tem uma obrigação acessória, por conta do substituído (contribuinte direto). Por que é este mecanismo existe? Por um lado, o sujeito ativo tem mais certezas de que vai receber, numa ideia de garantia do cumprimento. Por outro lado, através dos mecanismos de retenção na fonte, o Estado tende a antecipar o momento em que obtém a receita fiscal. Em vez de esperar por uma declaração de rendimento feita no ano seguinte ao facto gerador (os impostos sobre o rendimento são de formação contínua, como vimos), tem-se que, no próprio momento em que é colocado à disposição o valor, o Estado recebe muito pouco tempo depois o imposto que lhe é devido, pois o sujeito passivo substituto retém por conta do sujeito passivo contribuinte e transfere para o Estado logo no momento em que faz o pagamento. Há que fazer um aprimoramento. A retenção na fonte pode ter duas naturezas, que resultam da análise do 28º da LGT: Substituição definitiva; tributária com natureza pagar no final, sendo consequentemente determinado se aquela retenção fiscal salda a dívida ou, pelo contrário, ainda implica maior cumprimento. Substituição tributária com natureza por conta. Uma RJ fiscal triangular, com Estado, contribuinte e substituto e onde existe a imposição legal para uma substituição tributária, há três sub-relações jurídicas fiscais geradas: Olhe-se ao 28º, 2.; e olhe-se, também, o nº 3 para os outros casos, em que a retenção é definitiva e não por conta. Quando estamos perante uma >>> retenção na fonte definitiva, significa que o substituto, quando retém e entrega ao Estado o imposto retido, faz com que o substituído nada mais tenha a fazer naquela RJ fiscal. Isto é importante, designadamente, para a eliminação de obrigações acessórias. Fala-se em retenção com natureza definitiva porque tudo fica arrumado e nada mais há a fazer. Identificamos aqui uma situação onde o substituto retém o valor devido pelo contribuinte e entregue ao Estado. Esta retenção e esta entrega determinam a inexistência de mais obrigações para a esfera do contribuinte. A norma de sujeição sem isenção dava direito ao entregando-os ao Estado; a RJ fiscal em relação àquele valor fica resolvida. Quando é invocada a >>> natureza por conta do imposto a pagar a final (expressão do 28º, 2.), isto significa que a retenção feita pelo substituto é provisória. Ela é feita antecipadamente por conta do imposto que mais à frente vai ser determinado e terá de ser pago. Quando estamos perante uma retenção com natureza por conta, isto é, por conta do imposto a pagar a final. Nestas circunstâncias, o mecanismo é o mesmo. O SJ passivo substituto, ao pagar, retém o valor devido legalmente e entrega-o ao Estado. Isto salda a obrigação acessória do substituto face ao sujeito ativo da RJ, mas não salda a relação jurídica fiscal entre o substituído (contribuinte) e o sujeito ativo (Estado), significando que, algures no tempo, vai ter de ser apurado o valor do imposto a Relação jurídica fiscal principal entre o contribuinte e o Estado. É aqui que existe uma norma de sujeição e não isenção, que determina que o contribuinte deve pagar X; Norma de cobrança diz que o pagamento do valor devido é feito por um terceiro ao sujeito ativo. Mas para que o terceiro passe o dinheiro devido pelo contribuinte ao Estado, tem de haver uma relação entre eles que justifique que o substituto tenha de pagar / colocar à disposição um valor. Assim, o direito fiscal usa uma relação contratual (não necessariamente trabalho), aproveitando uma relação jurídica prévia entre dois sujeitos económicos. Um é devedor do outro; há um fluxo que representa capacidade contributiva na esfera jurídica do contribuinte. Por ser revelador de capacidade contributiva, tem norma de sujeição e não isenção. Em vez de se esperar que o declaração, há a antecipação da receção daquele montante. Quando o devedor for obrigado a aplicar a norma a dizer o que é devido de 10 pode ter uma de duas naturezas: natureza definitiva (uma vez operacionalizada a transferência, está feito o que tinha de ser feito; o legislador tem mesmo de dizer que a natureza é definitiva) ou natureza por conta o Estado. Mas há ainda dizer outra vez se recebeu e declarou X e Y, se o Estado já recebeu o que tinha a receber? Pensemos no IRS. O período fiscal é de 1 de janeiro a 31 de dezembro. Somos tributados pelo que recebemos 92 efetivamente neste período. Mas podemos receber em diferentes alturas. No fim, há que declarar para que a AT receba o imposto. ter além de reter e entregar. A continuação da RJ fiscal é entre o contribuinte e o Estado; é esta a RJ substantiva. Há um conjunto de despesas que são consideradas fiscalmente relevantes e que reduzem o montante do rendimento sobre o qual pagamos imposto. O valor de imposto devido pode ser um de três: Dependendo da natureza da retenção, há consequências diferentes para o não cumprimento. nada há a pagar; Positivo; Negativo. Se for positivo, o que significa? Temos imposto a pagar, mesmo já tendo pago antecipadamente. O que pagámos antecipadamente é deduzido, pois já foi pago, mas ainda assim pode haver imposto a pagar. Se o valor apurado for negativo, podemos ter uma de duas coisas: aquilo que retivemos anteriormente valor? Se sim, tem que haver reembolso da diferença. Se não é superior a isto, e se o valor só é negativo porque houve muitas despesas familiares, então não somos objetos de reembolso, mas também não vamos pagar mais nada. O Estado não nos reembolsa por termos milhares de euros em despesa; só reembolsa se pagámos antecipadamente mais do que devíamos. 5 ABR 2019 Sumário: Relação jurídica fiscal (continuação). Recuperemos o que dissemos acerca da RJ fiscal. Detetámos qual era o seu objeto; vimos que são dois: obrigação principal (pagamento do imposto) e obrigações acessórias. Identificámos os sujeitos dessa RJ fiscal, verificando que, nos termos do 18º da LGT, temos o sujeito ativo o Estado, normalmente que é credor do imposto; e temos o sujeito passivo que está vinculado ao cumprimento da prestação tributária. Nos termos do 18º, 3., esta relação pode existir por uma de três vertentes: Como contribuinte direto; Como substituto tributário; Como responsável. Nota 1: também o substituto é sujeito passivo da RJ fiscal. Nota 2: a substituição tributária é operacionalizada através do mecanismo da retenção na fonte. Nota 3: a retenção na fonte pode ter uma de duas naturezas: por conta ou definitiva. Se tiver natureza definitiva, do cumprimento da entrega do imposto retido cessa a relação jurídica fiscal sobre aquele rendimento em especial; se o legislador disser que tem natureza por conta do imposto a pagar a final, então, ainda que o valor seja retido e entregue ao Estado como imposto devido, esse valor ainda vai ser considerado adiante para apuramento do imposto devido no final por aquele sujeito passivo contribuinte. Mas o substituto nenhum problema vai 93 No instituto da substituição tributária, vimos que se gera uma obrigação fiscal triangular, assente em 3 tipos de RJ. Existe o mecanismo da retenção na fonte como o mecanismo sobre o qual a substituição é operacionalizada. Vimos como funcionava esta retenção na fonte, mas verificámos que, apesar de funcionar sempre do mesmo modo, o valor obtido com a retenção pode dar origem a a) uma retenção com natureza definitiva ou b) uma retenção com natureza por conta. No primeiro caso, o que existe é uma resolução da relação jurídica quanto àquele tipo de rendimento quando há retenção: há cumprimento, e extingue-se a RJ fiscal em relação àquilo. Se, pelo contrário, a RJ for com natureza por conta do imposto a pagar, então, nesse caso, subsistem outras obrigações acessórias para além da mera retenção e pagamento do imposto retido. Há o facto de o Estado precisar de ter em atenção os pagamentos antecipados quando se apura o valor do imposto a pagar a final. Nota: há alguma diferença entre contribuinte e devedor da obrigação? A obrigação central da RJ fiscal é pagar o imposto, significando que sobre quem recair a sujeição e não isenção é o devedor do imposto. Este pagamento do imposto será sempre feito pelo contribuinte. Mas este facto não significa que tenha de ser o contribuinte a efetuar a transferência do valor devido para o Estado (pode ser ou pode não ser). O substituto fica com o dinheiro que é devido pelo imposto a pagar e retém esse valor; mas de quem é o dinheiro? Do contribuinte (substituído). O que faz o substituto? Entrega ao Estado (é um intermediário). A norma de sujeição e não isenção, porém, recai sobre o contribuinte, que é o substituído. Nota 2: além de pagar o imposto expressamente, podem existir obrigações suplementares. Estas podem recair sobre o contribuinte ou sobre o substituto. Nota 3: olhando ao 18º, 3., o substituto é a pessoa que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária. Pode haver contribuinte direto, substituto ou responsável. Nota 4: fala-se em contribuinte direto, mas não se surgir terceiros que, pelas suas circunstâncias económicas e localização económica na relação que dá origem ao rendimento, são utilizados pelo Estado/AT como substitutos da própria AT, indo, portanto, arrecadar/recolher/liquidar em seu nome. Nota 6: no que toca à retenção com natureza por conta, olhe-se ao 78º, 3. do CIRS. À coleta podemos deduzir um conjunto de despesas que fazemos fazendo e nos são permitidas (nº 1). Diz o nº 2 que, além do conjunto de despesas do número anterior, deduzimos o que já pagámos antecipadamente por conta do imposto a pagar. E olhe-se ao nº 3: apenas as despesas pagas antecipadamente por conta do imposto a pagar a final, quando superiores ao imposto devido, conferem direito ao reembolso da diferença. Nota 7: nem todos os tipos de despesa dão origem ao reembolso. O que o faz é o que pagámos antecipadamente e acima do que deveríamos ter pago. Se a diferença dá resultado negativo porque tivemos muitas outras despesas, não pagamos, mas também não recebemos. Exemplo: todos os meses, em vez de recebermos o vencimento bruto, recebemos o líquido. Desconta-se X por conta do imposto a pagar; o somatório de tudo isto é deduzido no imposto a pagar. Todavia, não confundamos substituição tributária / retenção na fonte com repercussão legal. Retenção na fonte =/= Repercussão legal A repercussão legal acontece no IVA; o que temos no IVA não é retenção na fonte, e sim repercussão legal. Quem suporta o IVA é o consumidor final, mas o sujeito passivo do IVA não é ele, e sim o agente económico. Nota 5: a obrigação de pagar o imposto nasce de uma norma de sujeição e não isenção, que recai sempre sobre o contribuinte. Tal não significa que numa RJ fiscal entre contribuinte e AT não possam 94 adquirente entrega os 100 e entrega ainda mais 6 de IVA. O vendedor fica com os 100, e fica com os 6, que vai entregar ao Estado. O legislador diz ao permitir que os 6 que entregaste por conta do IVA possa ser deduzido das tuas contas; posso até ter de te devolver esse valor, para tu não agentes económicos que não forem consumidores finais podem estar sujeitos à tributação (preço + de encontro de contas. Isto não acontece na venda ao consumidor final. Se a venda é feita por 206, com 6 por conta do IVA, o consumidor paga 206 e esta é a sua despesa total, não podendo fazer absolutamente mais nada (embora haja agora uma ou outra exceção). Nota: a obrigação não é pessoal; é uma obrigação objetiva, que incide sobre atos ou bens, e sobre quem pratica esses atos ou presta esses bens. O sujeito passivo do imposto é o agente económico desencadeador do facto gerador. Mas esse agente económico, por ter a possibilidade de deduzir o valor de IVA previamente suportado por si na aquisição dos bens ou serviços, não é quem suporta o imposto. Quem o faz é o fim da cadeia, quem já não pode deduzir o consumidor. Ainda assim, o sujeito passivo contribuinte é o agente económico. A repercussão legal ocorre, portanto, quando quem suporta o imposto não é o sujeito passivo. Sobre cada agente económico, no IVA, incide a obrigação de cobrar IVA. Em cada etapa em que há um plus com a venda, tem-se que a venda assenta no preço + IVA. O que é que faz quem vendeu? Recebe o preço (é a sua remuneração daquela alienação) e recebe o IVA (embora o IVA não seja para si, recebe-o e transfere-o para o Estado). Ao contrário do que acontece com o consumidor final, estas pessoas, no processo, porque são agentes económicos, têm (cada uma delas) a possibilidade de deduzir o IVA suportado. Isto significa que, na prática, o que o legislador está a querer garantir é que, apesar de terem efetivamente de entregar o preço daquilo que adquirem mais o IVA, como depois vão poder deduzir essa despesa, eles não têm despesa; era como se houvesse aqui um encontro de contas depois deduzes, por isso não tens de suportar o imposto Quando há uma transação, alguém adquire e alguém aliena. Quem aliena pretende um valor: adquire dá os 100. Legalmente, porém, quem vende está obrigado a, além dos 100, cobrar o IVA. O 95 O 18º, 3. da LGT apresenta-nos ainda uma terceira figura: o responsável. À luz do 18º, 3., o legislador diz-nos que também aquele que vier a ser chamado a cumprir com o pagamento do imposto por incumprimento do contribuinte (sujeito passivo originário) deve ser qualificado como sujeito passivo. O que implica isto? No caso de existir uma norma que estabeleça uma responsabilidade fiscal havendo, portanto, uma partilha de responsabilidade o responsável é sujeito passivo. Significa isto que A pode não ser sujeito passivo da relação fiscal no seu início, mas, algures no tempo de vida daquela relação fiscal, pode transformar-se em sujeito passivo, se for o responsável. Pessoalmente, RCP acha isto um disparate. O responsável, na verdade, é um garante do cumprimento da obrigação de pagar o imposto (é uma das formas de garantia desta obrigação). O que temos não é um sujeito passivo da obrigação; ele só é chamado a intervir no caso de o sujeito passivo não cumprir. Na perspetiva de RCP, faria mais sentido falar apenas em contribuinte direto ou substituto, e a questão do responsável surgir apenas nas garantias. Porém, ainda que, do ponto de vista da conceção, o responsável seja um garante da obrigação, o legislador decidiu que o responsável é também sujeito passivo da RJ fiscal. RCP torna a frisar: o responsável não tem de aparecer na RJ logo de início; pode aparecer a posterior. No caso de responsabilidade subsidiária, não esquecer que pode haver o benefício da excussão. Assim, quando procuramos identificar os sujeitos da RJ fiscal, olhamos ao 18º da LGT: há sujeito ativo (credor do imposto regra geral, o Estado) e sujeito passivo (à luz do que o legislador entende, pode haver uma de várias circunstâncias: a) contribuinte, sobre quem recai a norma de sujeição e não isenção; b) substituto, se o legislador dizer que, no caso, há substituição tributária, que opera por retenção na fonte; c) responsável fiscal). Veja-se que a natureza da retenção na fonte é estabelecida legalmente as normas definem se é definitiva ou por conta, não havendo qualquer critério doutrinário para definir isto. O que há é critério legal. Atenda-se ao 22º da LGT, sobre a responsabilidade tributária. Na prática, há vários artigos que acabam por definir quando é que há ou não responsabilidade; mas pode haver definições concretas em impostos em especial. Nota: não há aqui voluntariedade; a pessoa é responsável por força da lei, não tem escolha. Há dois tipos de responsabilidade fiscal: Responsabilidade subsidiária responsável só é chamado cumulativamente: o quando o Não há cumprimento pelo devedor principal; o O devedor principal não tem bens para cumprir com a obrigação. Responsabilidade solidária basta o incumprimento para ser ativada, independentemente de o devedor principal ter ou não os bens para cumprir. 3 CONSTITUIÇÃO DA OBRIGAÇÃO FISCAL A relação jurídica fiscal constitui-se com o facto gerador. Isto implica a adoção de uma teoria: a teoria do efeito declarativo, que está prevista no 36º, 1. da LGT.: a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário. Assim, o nascimento da RJ fiscal ocorre com o facto gerador ou facto tributário (diferente léxico para a mesma realidade). A primeira pergunta a fazer é: qual o facto gerador? O facto gerador varia de imposto para imposto. Quando é que ocorre o facto gerador no âmbito do IRC ou do IRS? Há impostos com um momento 96 único imediato de formação e há impostos formados em várias etapas, vários momentos do tempo. Para efeitos dos impostos sobre o rendimento, o legislador fiscal diz que o facto gerador ocorre a 31 de dezembro; porém, no âmbito do IVA, já não olhamos a 31 de dezembro, e sim ao momento em que ocorre a aquisição. Nota: se a relação é contínua, há necessidade de não cristalizar. Nota 2: é preciso perceber o que é facto gerador e distingui-lo do facto económico que revela uma capacidade contributiva. Há tipos de impostos onde o ato económico coincide com o facto gerador (ex.: no momento da compra, pumba); mas também há impostos onde o ato económico não coincide com o facto gerador. Nos impostos sobre o rendimento, por se ter convencionado que estes são impostos pessoais e não meramente reais e, portanto, por se ter em atenção o facto de as circunstâncias individuais do contribuinte deverem ser consideradas para efeitos de apuramento do valor do imposto a pagar no final de tudo, decidiu-se que há um período, que também foi ficcionado, em que a sucessão de atos económicos dá origem ao que vai ser a base da tributação. Convencionou-se que o período é idêntico ao ano civil: 1 de janeiro a 31 de dezembro. Ao se convencionar isto, permitindo esta lógica de longevidade, assumindo-se esta ideia de continuidade por forma a garantir uma lógica de personalização do imposto, o facto económico que cria a capacidade contributiva não tem necessariamente de coincidir com o momento em que se fecha a determinação do círculo dos montantes que devem ser atendidos para efeitos de liquidação do apuramento devido. Por isso, na prática, o que isto implicaria seria que até 31 de dezembro não se pagaria absolutamente nada. Até esse momento, nada deveria haver da relação jurídica. Mas há o equilíbrio das receitas, o combate à fraude e à evasão. São construídos instrumentos que procuram das duas uma: ou (a) antecipar a receita devida (por conta), ou, para simplificar e para tornar o sistema mais funcional em certos momentos, (b) ficcionar factos geradores fechados com factos económicos, o que pode originar retenções na fonte com natureza definitiva. Temos aqui quase como uma dupla natureza a coexistir. Um exemplo está no 71º, 1. do CIRS: estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo Y. Neste tipo de rendimentos, não há uma espera pelo dia 31 de dezembro nem pela declaração em março ou junho do ano seguinte. No momento em que os rendimentos são obtidos, ficciona-se (diz-se que se ficciona porque o legislador fala em 31/12) 97 que aquele momento coincide com o momento do dever de cumprir a obrigação fiscal. Assim, na pureza das teorias, se a obrigação do legislador é que a obrigação fiscal nasce com o facto gerador/tributário, dependendo do imposto, depende do momento. Nos impostos de formação única, há coincidência completa entre o ato económico e o facto gerador; nos impostos de formação sucessiva, como foi ficcionado que o momento final (facto gerador) ocorre a 31/12, sendo que o período de tributação é de 1/1 a 31/12, o que acontece? O status do contribuinte a 31/12 é o considerado para efeitos das obrigações a contribuir, pelo que, na pureza das coisas, diríamos que até 31/12 nada é preciso fazer. Todavia, porque há uma necessidade contrabalançar necessidades financeiras, introduz-se neste esquema momentos fracionados, onde não há uma total coincidência entre o facto gerador e o facto económico ou melhor, nos factos ficcionados, ocorre esta coincidência, que não bate certo com o idealizado com o legislador. Estas disrupções são introduzidas contrabalançado os princípios e interesses em causa. 11 ABR 2019 (Inês) Sumário: Relação jurídica fiscal (continuação) I-8. A relação jurídica fiscal: aspetos mais relevantes (continuação) 4 MODIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO FISCAL A regra, se olharmos para o art.º 29º da LGT, assenta na ideia de que, uma vez nascida numa esfera jurídica uma dada obrigação, essa obrigação permanece nessa esfera do início ao fim. Todavia, o legislador ainda assim admite a possibilidade de alterações durante a existência da relação, salvo os casos previstos na lei. Existem situações onde o legislador permite que haja a possibilidade de modificação na relação jurídica fiscal. Normalmente, o que se verifica é uma modificação do sujeito passivo do imposto. O caso paradigmático, no 29º, 2., trata-se da sucessão. Por morte do sujeito passivo originário, há uma modificação do sujeito passivo original, passando o sujeito passivo a ser o herdeiro. Quando há transferência do status do de cujos para os herdeiros, transferem-se direitos e obrigações. Isso acontece no âmbito fiscal: havendo uma modificação do sujeito passivo por morte do sujeito passivo original, a responsabilidade dos sucessores não ultrapassa a força da herança. A reforçar a ideia do nº 1 está o nº 3 do artigo 29º, mais uma vez salvo os casos previstos na lei. Um caso que pode ocorrer está no art.º 41º, 2. da LGT sub-rogação. Nesta situação, não há uma modificação do sujeito passivo, mas uma alteração do lado do sujeito ativo. Há um terceiro que, devidamente autorizado, cumpre o pagamento do imposto por conta do sujeito passivo, e a AT cedelhe o seu espaço de credor. Fica esse terceiro na posição da AT, transferindo-se para ele os direitos desta. Como está expresso neste artigo, já tem de ter decorrido o prazo para o pagamento tributário. Tem de haver uma autorização pelo devedor, ou pelo menos a prova do interesse legitimo na subrogação. Por outro lado, tem de haver p requerimento da declaração de autorização da subrogação do órgão competente. Para o Estado, a questão da sub-rogação interessa porque o dinheiro vai entrar nos cofres. Há reconhecimento de que a relação jurídica original não é com esse terceiro, se o terceiro satisfaz a obrigação, o terceiro é protegido e fica numa situação perante o sujeito original que dá continuidade. O objetivo é permitir que o Estado satisfaça o seu crédito, ainda que depois haja proteção daquele que fica com a dúvida efetiva. A lei 103/2003, de 5 de dezembro, apresenta outro exemplo de alteração. Este regime gera aquilo que é apelidado de titularização ou cessão de créditos para titularização, que vai na senda da lógica da subrogação, embora seja um regime especial. Neste âmbito, o Estado, porque precisa de aumentar a liquidez, vai vender os seus créditos de imposto. Esses créditos, que são alienados pelo Estado a terceiros, vão ser transformados em títulos de créditos e obrigações, para poderem ser vendidos. Cria-se assim uma cadeia de dependência. Aqui, o Estado vende os seus créditos, que são transformados em obrigações, e essas obrigações podem ser alienadas. Todavia, esta figura é um pouco estranha. Se formos ler o regime legal, não encontramos nenhuma norma que diga que há alteração do sujeito ativo da relação jurídica fiscal. O certo é que se fica com uma ideia da complexidade da questão: o Estado vê satisfeito o seu credito, porque o dinheiro entra nos seus cofres, e portanto deixa de poder exigir a satisfação de um credito, passando para as mãos de um terceiro, mas esse terceiro pode continuar a vender é uma cadeia. Talvez por ser um limbo, é uma figura que não tem sido muito utilizada. De vez em quando o Estado lembra-se dela e utiliza-a. O facto é que esta figura existe, e quando pensamos nas formas como a relação jurídica fiscal pode ser transformada, conseguimos perceber que, como o sujeito ativo tem um conjunto de garantias e privilégios diferente dos credores normais, a questão é saber se se transmite tudo ou não. Na subrogação, dir-se-ia que sim. Neste exemplo da titularização, não há acordo: o Estado tem dividas no montante X com o devedor 1, 2, 3 e 4, aliena a um ou mais terceiros ficam na posição de credores, a obrigação é vendida múltiplas vezes, e o que acontece? O estado continua ou não a ser sujeito ativo? Estes sujeitos não são sujeitos públicos, mas podem ser sujeitos ativos? A logica da transformação da relação jurídica fiscal do lado do sujeito ativo deixa, assim, muitos pontos em aberto. O que há aqui é a necessidade de o estado fazer entrar nos seus cofres públicos receita. E tem formas de agilizar a obtenção dessa receita. Já vimos que a questão da substituição tributária cumpre igualmente uma preocupação que o estado tem em antecipar a obtenção de receita. Este é outro mecanismo que o estado tem. Quanto à subrogação, é mais difícil fazer este raciocínio, pois é necessário o acordo entre as três partes. 5 EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO FISCAL Quando é que acontece cumprimento da obrigação tributária? 5-A Pagamento 98 Quando há pagamento. O pagamento pode acontecer fruto de um cumprimento voluntário ou fruto de um cumprimento coercivo. A obrigação principal (pagar o imposto) é cumprida quando há o pagamento do valor devido. 5-B Dação em cumprimento Por outro lado, temos a extinção em casos de dação em cumprimento, em que alguém toma o lugar do devedor (artigo 40º 2 da LGT). Curiosamente, aqui, o devedor deixa de ser sujeito passivo, passando a ser responsável fiscal vai ser um garante. Se o primeiro não cumprir, ele vai ter de ser chamado a cumprir. Tem de haver consentimento da entidade (do credor) para a dação. Temos de trabalhar a dação em cumprimento com os artigos 87º e 201º do CPPT. 5-C Caducidade do direito à liquidação A terceira forma de extinção é a caducidade do direito à liquidação. A caducidade, no direito fiscal, é quanto ao direito a liquidar (a AT poder liquidar determinado quantum de imposto devido apurar, em concreto, o quantum de imposto). Esta caducidade está prevista no artigo 45º da LGT. O prazo geral é de 4 anos, e é preciso notificação. Não devemos confundir caducidade do direito à liquidação com caducidade do direito de reporte. Enquanto a primeira é vista pelo lado do sujeito ativo (o Estado só pode liquidar e notificar a liquidação no espaço de 4 anos), há uma situação de caducidade quanto ao direito, do lado do contribuinte, de reportar prejuízos. Se olharmos para o artigo 52º do CIRC, vamos encontrar a figura da dedução de prejuízos. Em relação a esta coloca-se a questão da caducidade do direito de reporte. Vamos aprender no IRC que a matéria coletável é igual ao lucro tributável menos prejuízos fiscais. Significa isto que, no caso de existirem prejuízos por parte das empresas, elas podem reduzir esses prejuízos para reduzir o valor da matéria coletável e reduzir o imposto a pagar. Todavia, pode acontecer que, no ano 1, haja um prejuízo de 100, no ano 2 um prejuízo de 50 e no ano 3 um ganho de 200. O que é que o legislador permite? Imaginando que estamos no ano 3, e sendo os 200 o lucro tributado, 99 o legislador diz que, apesar dos lucros, nos anos anteriores houve perdas, que vão ter de ser compensadas. É justo/adequado que, no ano em que haja ganhos, deduzir prejuízos que existiram no passado. Se não houver mais nada, permite-se deduzir os 50 e os 100 dos anos anteriores. A possibilidade de ir aos anos anteriores e deduzir os prejuízos denomina-se reporte. Trazemos o que temos nos anos anteriores para o ano atual. O legislador dá prazos para fazer o reporte; não podemos fazer o reporte de prejuízos que tivemos há 50 anos. Findo o prazo, caduca o direito. 5-D Prescrição da prestação tributária Uma outra forma de extinção é a prescrição da prestação tributária. Não podemos confundir prescrição com caducidade. A caducidade opera no momento da liquidação, a prescrição remete para a própria prestação tributaria. O artigo 48º da LGT determina a prescrição das dividas tributárias no prazo de 8 anos para os impostos periódicos/de formação sucessiva contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (31 de dezembro); para os impostos de formação/obrigação única, a partir do momento em que o facto ocorreu. Esta prescrição do direito à cobrança, que é diferente da questão da liquidação, tem legalmente a possibilidade de interrupção e suspensão do prazo, nos termos do art.º 49º da LGT. Esta prescrição tem ainda que ter conhecimento oficioso, nos termos do art.º 175º do CPPT. 5-E Compensação Além desta prescrição, ainda podemos falar de compensação. Olhando para o art.º 40º, 2. da LGT, vemos que a compensação é prevista como uma das possibilidades que o legislador pode oferecer para extinção da obrigação fiscal. Na compensação, quem deve o imposto tornar-se credor do credor do imposto. Quem deve o imposto transforma-se em credor do credor do imposto. O devedor do imposto, por várias razoes, fica também como credor do credor do imposto. Os arts. 89º e 90º do CPPT referem as duas possibilidades de compensação no âmbito fiscal. O art.º 89º prevê os casos de compensação obrigatória, ou seja, há uma compensação por iniciativa da AT, e os casos são reembolso, revisão oficiosa, reclamação e impugnação judicial. O art.º 90º apresenta os casos facultativos de compensação, que podem ocorrer por iniciativa do contribuinte. Isto tem ainda de ser conjugado com o art.º 90º-A do CPPT, segundo o qual a compensação pode ocorrer com créditos não tributários. 6 INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO FISCAL Se eu tenho de pagar o imposto e não o faço, o que acontece? Depende: De estar perante uma não entrega de um pagamento de um imposto a pagar antecipadamente. Aqui há obrigação legal de entregar imposto antecipadamente e não o fiz. De não entregar um imposto retido ou a reter no âmbito da substituição tributária. De todos os outros casos em que o imposto deveria ter sido entregue e não foi. 6-A Incumprimento por não pagamento do imposto que tinha de ser pago antecipadamente Em certos casos, o legislador exige que sejam feitos três pagamentos por conta do imposto a pagar no final. No IRS acontece para os detentores de rendimentos de categoria B (profissionais ou empresariais), no IRC é genérico. O legislador diz que sabe que o contribuinte só pagará o imposto final quando houver liquidação e cobrança, mas como precisa de dinheiro tem de pagar antecipadamente, por conta. O que é que acontece se eu tiver de pagar antecipadamente e não o fizer? Há várias consequências. A primeira consequência é o pagamento de juros compensatórios art.º 35º, 1. da LGT: aqui, é devida a quantia do imposto a pagar mais os juros compensatórios. Além de ter a penalização de ter de pagar juros compensatórios, também estou perante uma infração fiscal. Temos de complementar a LGT com o REGIT, que vai dar a infração correspondente. O art.º 114º, 5., f) do RGIT dá a entender que a falta de pagamento total ou parcial leva a uma contraordenação fiscal. Assim, se eu tinha de pagar antecipadamente e não o fiz, há juros compensatórios e contraordenação fiscal. 6-B - Incumprimento por não entrega de um imposto retido ou a reter no âmbito da substituição tributária Estamos aqui numa situação de substituição tributária. Isto significa que vamos ter três consequências. a primeira é que são devidos juros compensatórios art.º 35º, 1. da LGT O REGIT qualifica o caso concreto como correspondendo a uma infração tributária é esta a segunda consequência. Em relação a esta circunstância em concreto, não podemos apontar só um artigo, porque vai depender do valor que devia ter sido entregue. Pode ser crime ou pode ser contraordenação. Se não houver entrega à AT total ou parcialmente uma prestação tributaria de valor confiança, que é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias artigo 105º do REGIT. este artigo, caindo no âmbito do artigo 114º do REGIT. Nos casos em que o legislador qualifica como crime, salvaguarda-se a posição do primeiro obrigado (obrigado ao pagamento do imposto). Temos, neste caso, de acrescentar uma terceira consequência, que é a ativação da responsabilidade em caso de substituição tributária. Aqui entra o 28º da LGT. Já tínhamos ido a este artigo para determinar que a retenção na fonte pode ter ou natureza definitiva ou natureza por conta. Essa distinção é essencial para apuramento do ipo de responsabilidade e de quem é efetivamente responsável. Antes de distinguirmos a natureza da distinção, o artigo 28º obriga-nos a uma anterior separação. A responsabilidade é diferente consoante quem devia ter retido reteve, mas não entregou ao Estado, e quem devia ter retido não reteve sequer. O art.º 28º, 1. diz-nos, por exemplo, que, se a entidade empregador tem de reter 20% do vencimento por conta do IRS a pagar e tem de entregar esse valor, se a entidade reteve mas não entregou, o único responsável é a entidade empregadora, e que os empregadores não têm qualquer responsabilidade destas circunstâncias. O 100 substituído fica desonerado. Os nº 2 e 3 vão aplicarse nos casos em que não houve retenção nem entrega. Nesses casos, as consequências divergem consoante a natureza da retenção na fonte: Se a retenção na fonte tiver natureza por conta, há uma consequência. O 28º, 2. diz que o substituído tem responsabilidade originaria, e que o substituto tem responsabilidade subsidiaria. O substituto, apesar de ser repensável subsidiariamente, e impende sobre si o pagamento dos juros compensatórios. Há aqui uma dupla compensação. O substituído (por exemplo, o trabalhador face à entidade empregadora) é responsável, e é à sua esfera patrimonial que se vai buscar o dinheiro para cumprir a obrigação devida. No entanto, o substituo tem uma obrigação que não cumpriu, e por isso o legislador diz que é ele o responsável por pagar os juros compensatórios. Se a retenção na fonte tiver natureza definitiva, há outra consequência. Diz o 28º, 3. que o substituído é responsável subsidiário e o substituto é responsável originário. 12 ABR 2019 Sumário: Relação jurídica fiscal (continuação). I-8. A relação jurídica fiscal: aspetos mais relevantes (continuação) Nota: na última aula, podemos acrescentar a confusão. Estivemos a analisar as consequências do incumprimento da obrigação fiscal. Vimos o caso em que havia um incumprimento por não entrega de imposto que tinha de ser pago antecipadamente a consequência passava por juros compensatórios e contraordenação. Depois, vimos casos de substituição tributária em que imposto retido (ou que deveria ter sido retido) não foi entregue, tendo como 101 consequência juros compensatórios e infração tributária, que pode ser crime ou contraordenação atendendo ao montante, e ativação da responsabilidade. Vimos que a responsabilidade, no âmbito da substituição tributária, dependia de o imposto ter sido retido ou não (se foi retido mas não entregue, o substituto era o único responsável). Já no caso de o imposto não ter sido sequer retido, depende o agente responsável, tendo em conta a natureza jurídica da retenção: se for retenção por conta, o primeiro responsável é o contribuinte (substituído); havendo apenas responsabilidade subsidiária, o responsável é o substituto; no caso de a natureza ser definitiva, o substituto é o primeiro responsável, sendo o substituído responsável subsidiariamente. Quando analisamos este terceiro tipo de incumprimento, estamos a verificar o que acontece quando tínhamos de pagar o imposto no dia X, chegamos ao dia Y e não aconteceu. O que se passa? Há juros de mora (LGT) e há execução fiscal (CPPT). 6-C - Incumprimento por incumprimento do prazo legal Verificamos assim que, relativamente ao incumprimento da obrigação principal, há sempre juros. Tende a existir, em certos casos, uma infração. O terceiro caso de consequências contra o incumprimento da obrigação principal ocorre nas demais situações em que não estamos perante substituição ou pagamento por conta antecipado. Estamos a pensar numa lógica de haver um prazo legal um dia máximo para entregar o imposto devido. Se entramos em incumprimento, o que acontece? A primeira consequência está no art.º 44º da LGT. Ficam ativados juros de mora. Nos casos anteriores, falámos em juros compensatórios. Aqui, a consequência é diferente, sendo ativados juros de mora. Há uma discussão doutrinária sobre a natureza destes juros: sanção, indemnização ou medida compulsória. E há uma segunda consequência: além dos juros de mora (44º LGT), há a extração de certidão de dívida pelos serviços da Adm. Tributária. Esta extração está prevista no 88º do CPPT. Em face desta extração, o que acontece? É instaurado um processo de execução fiscal. Atendase ao 88º, 2 do CPPT e conjugue-se com o 162º a 164º do CPPT. Nota: pode haver um espaço que ainda permite que o incumpridor peça para se tornar cumpridor, requerendo pagamento em prestações. O que é que isto significa? Temos efetivamente um if/then, mas há espaços temporais que depende dos serviços darem vazão ou não aos processos. Nesse período temporal, apesar de já se estar em execução, existe a legitimidade para pedir pagamento em prestações, e há um regime específico para isso. Incumprimento das obrigações acessórias Vamos assumir que há um atraso na liquidação, gerado por causa imputável ao contribuinte (os dados não foram transmitidos, a declaração não foi entregue, por exemplo). O art.º 35º, 1. da LGT torna a prever que a primeira consequência é o pagamento de juros compensatórios. O RGIT, no art.º 116º, apresenta uma contraordenação por falta ou atraso de entrega da declaração. Isto é importante para mostrar que, mesmo nos casos das obrigações acessórias, o sistema fiscal está construído para, no caso de não serem cumpridas, haver uma sanção associada ao incumprimento. Quando pensamos em incumprimento, não é só o Estado ir buscar à força o imposto. A resposta depende. Podemos falar de obrigação principal ou acessória. Dentro da principal, há 3 possibilidades. A resposta ao incumprimento depende da caracterização especifica do que foi cumprido. Temos a obrigação de declarar tudo o que ganhamos. Se não o fazemos, há fraude fiscal. O Estado, felizmente, não tem um polícia para cada cidadão. Portanto, o Estado confia no cidadão e confia que o cidadão vai cumprir. Parte do nosso sistema jurídico, incluindo o sistema fiscal, está assente no pressuposto do cumprimento. No 102 entanto, tem a noção de que esse cumprimento vai ser afastado ou noa vai ser atendido por todos. assim, cria mecanismos que tentam combater o incumprimento. Dentro dos mecanismos, podemos encontrar a questão da fiscalização, da inspeção. Dessas fiscalizações/inspeções pode resultar que o Estado deteta que foi declarado X, e entrou menos. Há aqui um problema. É só no momento em que fica a conhecer que o Estado vai desencadear todo processo de qualificação. Por vezes, o Estado confia nos whistleblowers. Igualmente, pode acontecer que o Estado fique a saber desses dados por via de transmissão de informação de outras administrações tributárias, que cada vez mais cooperam entre si. Ou então, o Estado pode começar a achar estranho que o que é declarado não bata certo com os níveis de riqueza (fortuna) manifestados. É óbvio que não será tendencialmente no momento da eventual necessidade de declaração que o Estado toma conhecimento de uma situação de fraude e de evasão e reage, mas existem mecanismos no sistema que podem levar a que o Estado, a posteriori, descubra o facto gerador e perceba que ele não foi dado a conhecer, ou foi dado a conhecer indevidamente (em valor mais reduzido). Não há um casamento entre o momento em que falha a declaração ou ela não é completa e o momento em que é detetado o verdadeiro incumprimento por detrás do ato. Há a privatização da gestão do imposto. Isto significa que o Estado depende de terceiros para obter as informações, para criar a liquidação, para cobrar, às vezes, o próprio tributo. Obviamente que, ao fazer esta abertura de dependência de terceiros, são criados riscos de perda de receita por incumprimentos. Portanto, o que vai depois acontecer é a utilização dos mecanismos criados no sistema para tentar compensar o tempo perdido e o incumprimento. Isto faz com que haja uma mancha significativa de incumprimento que não é conhecido, e que fica à margem. Por isso é que normalmente, qual é a potencialidade de ser descoberto. Há um risco elevado ou não? O agente pode preferir correr o risco e ter os ganhos imediatos, e o Estado pode nunca vir a saber. Porém, a tendência contemporânea, relativamente à questão da evasão e da fraude, é criar barreiras que impeçam os contribuintes de não darem a conhecer a sua real situação. Assim, o Estado, além de tentar que as suas inspeções sejam mais robustas e minuciosas, 103 também ativa muito o recurso a informações de terceiros introduzidos nos processos económicos e conscientes dos valores em causa inclusivamente, com a potencialidade de ultrapassar o sigilo bancário. Os intermediários financeiros também são usados pela AT para transferência de informação; e há a criação de coordenação entre as AT, com a questão da globalização, a mobilidade e a ultradeslocalização. Podem ser criados protocolos para que a transferência de informação seja automática. Há um conjunto de mecanismos, portanto, que auxiliam a criar este combate. Dentro do próprio Estado, há o cruzamento de informações entre as várias instituições públicas (difícil de alcançar). O sistema de informações da AT não é o mesmo que o da Segurança Social ou do SNS, etc. Algo onde se tem trabalhado é o cruzamento da informação interna dentro da AP. O RGPD é um problema para isto, porém a transferência de informação, mesmo intra-Estado, é dificultada. Mas é assim que se consegue descobrir estas situações, e através dos whistleblowers. Quando pensamos no incumprimento da obrigação fiscal, estes tipos de incumprimento contêm nuances. Por exemplo, vejamos a questão do imposto retido e não entregue. As entidades empregadoras têm a obrigação de, todos os meses, enviar uma declaração contendo as retenções que fizeram por conta do IRS dos seus trabalhadores. Imagine-se que somos entidade empregadora e contratualizámos trabalhadores, mas não declarámos que eles são nossos trabalhadores. Se eles não são conhecidos do sistema, o que acontece? Pode acontecer que haja uma inspeção de trabalho e se detete que não estão trabalhadores que deviam estar. O sistema está pensado para, uma vez se descobrirem as coisas, haver consequências. Infelizmente, porém, muitas coisas não são descobertas. Nota: o Estado não está tão preocupado com a violação da obrigação acessória quanto com a violação da obrigação fiscal. Nesse aspeto, está interessado em ver se há um caso de fraude ou não, verificando se avança ou não com o processo neste parâmetro, porque quer saldar efetivamente a dívida, mas quer sancionar o comportamento. Na fraude, atendendo ao 103º, 2., vemos que não são puníveis os factos previstos no tipo se a Isto ainda dificulta mais a questão. Numa análise custo-benefício, o Estado compreende que os gastos aplicados ao processo são superiores aos ganhos que resultariam à aplicação do check. Assim, o elemento económico também entra na equação, mesmo quando o comportamento preenche o tipo fraude. Nota: RCP separaria dois tipos de situações na obrigação principal. Há casos em que a) há uma norma especial no âmbito do incumprimento onde se prevê automaticamente a consequência (seria esse o caminho), mas tendo a noção de que, mesmo nesses casos, pode haver o conhecimento de factos que o fazem qualificar como uma realidade com uma cominação ainda ultraespecial. Ou seja, imagine-se que entregámos retivemos o dinheiro dos nossos funcionários e não entregámos. O Estado pretende, em primeira linha, ser ressarcido do que lhe era devido e não foi. O Estado tem direito ao montante que foi retido e não entregue, mais juros. Simultaneamente, o comportamento deve ser penalizado. Temos uma de duas normas específicas a aplicar, dependendo do montante: menos ou mais expressa que resolve imediatamente a situação: sabemos o que tem de ser feito. O Estado tem direito a receber, juntam-se juros compensatórios e o comportamento de quem reteve e não entregou tem uma sanção associada. Mas imagine-se que b) ganhámos 100 e não declaramos. Cumprimos aparentemente com as nossas obrigações, mas anos/meses depois isto é descoberto. Há, aí, mais casos a juntar. O certo é que, quando isto é descoberto, a primeira reação é o que não foi tributado passar a ser tributado. Há juros sobre o que devia ter sido entregue e não foi, também. Mas há ainda um problema: também o nosso comportamento é objeto de uma sanção. Temos de procurar a sua qualificação e aplicar. O raciocínio é sempre este: o primeiro objetivo do Estado é garantir que o que era devido entre nos cofres; se não entrou no tempo devido, há juros; mas isso só não chega, pelo que perguntamos se há alguma infração prevista para aquelas circunstâncias e qual. Isto complementa o direito de o Estado ser ressarcido; é um plus, vai correndo em paralelo e vai acrescentando. E ainda pode haver mais plus. Imagine-se a história do substituto, em que o substituto é responsável mas não cumpre uma vez demandado para cumprir. O que é que é ainda ativado para a obtenção daquele valor? A responsabilidade do substituído. 7 As garantias da obrigação fiscal são aquilo que está a proteger o lado do Estado, o lado do sujeito ativo. Há uma garantia comum, que é o património do devedor ele constitui a garantia geral dos créditos tributários. Isto vem expresso no 50º da LGT. Contudo, mais do que a garantia comum, interessa analisar as garantias especiais. Aqui há que fazer uma divisão. Garantia especial pessoal estamos a pensar no património de um terceiro que aparece a salvaguardar o cumprimento da obrigação. Aparece aqui a questão da responsabilidade (ela aprece como uma fiança legal à própria obrigação fiscal). A responsabilidade pode ser subsidiária ou solidária. Na subsidiária, há o benefício da excussão (esgotamento dos bens do responsável). Na solidária, findo o prazo do pagamento, escolhe-se qual dos responsáveis será aquele a pagar, independentemente de o devedor ter ou não património. E, ainda assim, existe direito de regresso. Garantias especiais reais coisas. sobre as A primeira e a mais importante garantia real é a prevista no 50º, 2., a) o privilégio creditório. Há uma preferência do credor em face de outros credores. O Estado/AT tem preferência face a outros credores. Mas isto tem limites temporais: não é ad aeternum. Veja-se o 736º do CC. É importante para o Estado garantir as garantias suplementares, para, uma vez terminado este privilégio creditório, poderem entrar novas garantias especiais a serem aplicadas. Há a hipoteca, sobre bens móveis sujeitos a registo ou bens imóveis; e o penhor, sobre bens móveis não sujeito a registo. Há ainda outros tipos de garantias que, em certos casos, podem ser invocados, caso do direito de retenção está no 50º, 2., c) da LGT. Há as providências cautelares, previstas (a sua regulação genérica) no 51º da LGT. E há ainda a possibilidade, de acordo com o 169º e 199º do CPPT, de prestação de caução, mas só em circunstâncias muito limitadas. GARANTIAS DA OBRIGAÇÃO FISCAL 104 Assim, o Estado tem ao seu dispor várias garantias que almejam a que o imposto que é devido seja efetivamente arrecadado. Tão importante quanto garantir que o Estado recebe o imposto que é devido é proteger o contribuinte. Mesmo que a RJ fiscal tenha como núcleo duro a obrigação de pagar o imposto e, portanto, ao sujeito ativo terem de ser oferecidas garantias capazes de sustentar a efetiva arrecadação da receita não menos importante é compreender que a posição do contribuinte também tem de estar garantida. Quando falamos em garantias da RJ fiscal, não devemos olhar apenas para as que suportam o sujeito ativo, e, portanto, a obrigação fiscal há que ter a consciência de que existe um conjunto de garantias que têm como função proteger o contribuinte. Isto tem especial valor quando o contribuinte é não móvel ou não tem à sua disposição os recursos legais, económicos e de prestação de serviços especializadas que permitam antecipar litígios com a AT. Em Portugal, não há o que se possa apelidar um estatuto do contribuinte. Seria mais vantajoso tê-lo, estando aí condensadas todas as garantias. Na prática, o que temos são garantias espalhadas pela legislação fiscal, o que pode fazer com que o contribuinte não saiba que tem aquela proteção. Também não temos em Portugal a figura do provedor do contribuinte (ombudsman). Já tivemos isto entre 1996 e 2002. Quem faz hoje este papel é a provedoria de justiça, onde também as matérias fiscais são de grande importância. 26 FEV 2019 Sumário: Relação jurídica fiscal (continuação). Direito de informação obrigação de fundamentação de todos os atos tributários (77º da LGT). Não há diferenciação face à regra dos atos administrativos, e um ato tributário é um ato administrativo. E há obrigação da participação do contribuinte na formação das decisões acerca dos seus deveres (60º da LGT), bem como a questão das informações vinculativas e orientações genéricas (68º e 68º-A da LGT) e a informação pública regular e sistemática acerca dos direitos e obrigações dos contribuintes). Direito de assistência no cumprimento nos deveres veja-se o 59º da LGT: há o dever de colaboração da administração no cumprimento dos deveres. E há o caso legalmente estabelecido do pagamento da prestações. O contribuinte tem o direito de assistência no cumprimento dos seus deveres. Direito de reparação das ilegalidades o 73º da LGT fala em presunções no âmbito do direito fiscal serem ilidíveis. E tem de haver acesso à justiça tributária, que é tanto a prevista nos tribunais administrativos e fiscais como a prevista na arbitragem tributária. Por outro lado, vejase o 30º, 1., c) da LGT há o direito, à dedução/restituição do imposto pago indevidamente, e os juros indemnizatórios referidos pelo 30º, 1., e) e o 43º, ambos da LGT, e o facto de haver limitação ao quantitativo de juros compensatórios devido pelo contribuinte (35º, 7.). Garantias procedimentais e processuais quando falamos em due process, falamos numa ideia de salvaguarda de direitos de forma legítima. Veja-se o 63º da LGT: há proteção nas ações de inspeção de que o contribuinte pode ser alvo. Há aqui balizas. 7 GARANTIAS DA OBRIGAÇÃO FISCAL (continuação) Por outro lado, há a possibilidade de reclamação ou recurso hierárquico das decisões da AT, tal como pode haver procedimento cautelar a favor do contribuinte. Analisámos as garantias do lado do sujeito ativo. Note-se que também há garantias do lado do sujeito passivo. Temos como exemplos desta ideia de garantias quatro níveis: Com que tem a ver o procedimento cautelar? Temos um processo principal e não queremos que a nossa casa seja destruída, e alguém diz que tem propriedade e vai destruir. Há que discutir 105 quem tem o direito. Será que, enquanto se discute, o outro pode destruir a casa? Podemos introduzir certos aspetos que limitam o espaço de ação naquele caso, de quem quer destruir com uma haver procedimentos cautelares a favor do contribuinte. Por outro lado, existem prazos para a AT cumprir, que são vistos como garantia procedimental e processual. Em termos de processo, existe mesmo um processo para a intimação para o comportamento. Imagine-se que a AT tinha de agir de dada forma e não o fez; podemos, por via judicial, fazer a AT agir. Isto nasce de uma figura administrativa: a condenação à prática do ato legalmente devido. Por outro lado, vimos a caducidade da liquidação e a prescrição da obrigação tributária. EM suma, o que retiramos que trate das garantias como um todo. O que vemos são artigos que procuram proteger a esfera jurídica do contribuinte espraiados pela legislação. Existem quer nos códigos específicos dos impostos, mas também na LGT e no CPPT. As garantias dos contribuintes têm vária natureza: não só procuram manter o contribuinte informado do que se passa a seu propósito no seio da AT, como temos garantias de o contribuinte ser auxiliado pela AT a cumprir os seus deveres, como garantias dos contribuintes para reparar ilegalidades na relação jurídica tributária, tal como a necessidade de proteção procedimental e processual para os contribuintes de forma a que haja um respeito do due process (procedimento/processo legítimo. Isto tem a ver com acesso à justiça e mecanismos concretizadores; limitações à atuação da AT, quer do ponto de vista de prazos, quer do ponto de vista de procedimentos, quer do ponto de vista de ações a tomar em reação aos contribuintes. Quando pensamos numa RJ fiscal, pensamos numa RJ obrigacional que bebe da RJ obrigacional tout court, mas com aspetos específicos também a ser considerados não só o lado ativo e o lado passivo. Há assunção de um natural desequilíbrio entre SJ ativo e SJ passivo; não estamos perante uma RJ entre privados, e sim no direito público. O imposto implica coercividade no caso de incumprimento. Há vários sujeitos a poderem intervir do lado passivo há o sujeito passivo em primeira linha, o contribuinte, mas existe a possibilidade de substituição tributária e responsabilidade. Temos uma tipologia de obrigações que vai para além do mero pagamento do imposto, podendo assumir formas acessórias ao cumprimento/pagamento do imposto. Temos várias formas de cumprir a obrigação, formas voluntárias ou formas obrigatórias impostas, no caso do pagamento voluntário não ocorrer. Temos consequências para o caso de incumprimento, que não passam apenas pelo pagamento da dívida, mas também pelo pagamento de juros e igualmente por infrações. E há a necessidade de ter em atenção que existem garantias para os dois tipos de sujeitos na RJ: garantias para o cumprimento do pagamento do imposto e garantias à esfera jurídica do sujeito passivo. I-9. Fraude fiscal e evasão fiscal Assumindo o imposto como parte de uma RJ, importa compreender que a vantagem para o Estado está em garantir um cumprimento voluntário e, portanto, vantagem haverá numa adesão dos contribuintes ao imposto. Todavia, porque há uma relação jurídica que implica uma lógica de obrigação, pode haver um espaço de incumprimento. Esse espaço pode ser qualificado como sendo fraude fiscal ou evasão fiscal. Estes dois comportamentos indevidos têm por objetivo eliminar ou reduzir a carga fiscal suportada. Mas atenção: o legislador tem a noção de que tem de dar espaço para os contribuintes poderem, por vezes, escolher várias práticas de forma legítima, podendo trazer como consequências reduções legítimas da carga. Aí não há fraude ou evasão, mas planeamento fiscal legítimo. A forma como o contribuinte se coloca perante a norma fiscal cumprir ou não cumprir, ou cumprir reduzindo a carga tributária pode ser variada. Se o contribuinte apenas utilizar as opções que o legislador fiscal lhe coloca à frente, e permite a escolha para ter um abaixamento/redução do imposto a pagar, está a praticar-se algo legítimo conhecido por planeamento fiscal. Se temos uma taxa de IRC de 26%, mas deslocalizando o negócio para o interior do país a taxa é reduzida para 20%, é legítimo. O contribuinte apenas tem de decidir se fica no litoral ou se desloca para o interior, tendo por consequência uma vantagem fiscal. O comportamento é legítimo; nada há a apontar. O problema surge quando o legislador não prevê a escolha, e o contribuinte fá-lo de forma ilegítima ou até ilegal. Se não declaramos os rendimentos que obtivemos ou só declararmos parte deles, não declarando o remanescente, estaremos a ir contra uma norma fiscal segundo a qual temos de declarar todo o rendimento (no caso dos residentes, o 106 worldwide income). Não declarar é uma violação expressa de uma norma legal; é cometida fraude fiscal. E se não quisermos ser apanhados, com a consequência nefasta da fraude fiscal, decidindo nós não violar a norma e sim arranjar uma forma artificial de dar a volta à situação de facto, alterando a sua qualificação e dando origem a um regime fiscal mais vantajoso? Nessa circunstância, não há uma violação explícita/expressa de uma norma fiscal, portanto não há fraude; o que há é o que se conhece por evasão fiscal. A evasão fiscal caracteriza-se por o contribuinte rejeitar a norma fiscal que lhe era aplicada, criando um artifício que vai ativar uma outra norma fiscal que não deveria ser aplicada, mas, perante esse artifício, passa a ser aplicada e é mais vantajosa. Temos aqui uma relação entre uma norma de cobertura e uma norma evadida. A situação previa que a norma A fosse aplicada. Com a norma A, a tributação seria muito pesada, mas aplicando a norma B a tributação seria muito vantajosa mas a qualificação dos factos não permite entrar na norma B. Assim, criamos uma modificação para que a norma A (norma evadida) seja afastada e seja ativada a norma B (norma de cobertura). Com isso há um ganho fiscal. Exemplo 1: imagine-se que temos um imóvel e o vamos vender. Como a tributação das mais-valias é muito pesada, criamos uma sociedade com o comprador onde ele entra com dinheiro e nós com o imóvel. Passado algum tempo, a sociedade dissolve-se, distribuem-se os bens, nós ficamos com o dinheiro e o comprador com o imóvel. Evitámos a tributação das mais-valias; não negámos. Isto viola o espírito; visa evitar a tributação. Não é ilegal, mas será lícito? A evasão funciona neste parâmetro. Recorde-se a questão dos preços de transferência. Se manipularmos os preços das operações intragrupo para tornar as coisas mais vantajosas, também cometemos evasão. Exemplo 2: trabalhamos em Portugal, vivemos cá mas achamos que a tributação portuguesa é muito aborrecida. Deslocamos a residência para Espanha; mudamos de país, arranjamos casa e trabalho em Espanha. Aí não há problema; escolhemos legitimamente mudar. Mas há problema se deslocalizamos a residência para Espanha e continua tudo em Portugal. Aí, temos um problema de evasão o objetivo era apenas reduzir a tributação. Isto ainda é mais problemático quando o sítio para o qual deslocalizamos a residência (que pode ser de um indivíduo ou uma pessoa coletiva) é 107 um paraíso fiscal, onde não há tributação ou ela é muito reduzida (nominal). Aí, o regime fiscal é muito obscuro e não há transparência. Ainda mais complicada é a questão. E tudo isto ainda fica mais complicado quando se começam a introduzir várias jurisdições e vários bocados de jurisdições fiscais mais vantajosas. Imagine-se que RCP escreve um livro, tendo direitos de autor. No Japão decidem publicar o livro. Em vez de celebrar um contrato editorial com a editora japonesa, que daria azo à existência de rendimentos qualificados como royalties, RCP contratualiza com a editora um contrato de alienação; não cede, mas aliena os direitos de autor. O contrato tem duas cláusulas: é exatamente o ter direito de autor, e, portanto, criámos um artificio para ter uma norma que mais vantajosamente é tributada, no âmbito de um acordo para eliminar a dupla tributação. Isto é mais complicado sendo uma Google ou uma Apple, em que, em vez de uma operação direta entre dois Estados, colocamos uma empresa detentora de propriedade intelectual nas Bermudas (paraíso fiscal). A empresa das Bermudas não passa para o RU, e sim para a Irlanda, onde a tributação daqueles rendimentos não é muito vantajosa, e vai ainda à Holanda onde as tributações das holdings são muito mais vantajosas, passando depois ainda outra vez acabando finalmente no Reino Unido. Para que serve isto? Os esquemas de evasão podem ser muito simples e muito complicados; podem implicar uma jurisdição ou muitas jurisdições. Podem implicar múltiplas normas ou não; o grau de complexidade varia de extremos. É cada vez mais difícil dizer o que é que é verdadeiramente evasão fiscal. O facto é que há complexidade crescente, e isto tornar muito difícil conseguirmos dizer o que é evasão fiscal. Há uma grande discussão sobre isto. A expressão mais correta, hoje em dia, é até planeamento fiscal agressivo, que é diferente do planeamento fiscal. Há quem diga que são realidades diferentes; RCP acha que são a mesma coisa. Apesar de se falar nisto, não há uma definição nem na jurisprudência do TJUE, nem em comunicações da Comissão, nem em diretivas, nem no relatório BEPS. Existem ideias, elementos que auxiliam a qualificar um comportamento do contribuinte como sendo planeamento fiscal agressivo, mas não há certezas. Não se tem a certeza sobre se o se está a fazer é legítimo ou não, do lado das empresas; e há muitos litígios, naturalmente. Veremos as formas de combate desenvolvidas pela AT. Da análise de jurisprudência do TJUE, das comunicações da Comissão, da análise de diretivas que implicam o conceito de planeamento fiscal agressivo, da análise de diretivas, do regime nacional, de trabalhos da OCDE não há definição de planeamento fiscal agressivo ou evasão fiscal. O que há é ideia de um comportamento que é indevido, utilizando um esquema artificial para criar uma vantagem fiscal. O que seja um esquema artificial depende do caso concreto; note-se que não é preciso que o único objetivo desse esquema seja a redução do imposto. Pode haver alguma substância no esquema, sendo apenas um dos vários impactos a redução da carga tributária. Em 2018, foi lançado pela Comissão Europeia um relatório (não comunicação, diretiva ou regulamento) onde foram estudado e identificado um conjunto de elementos económicos que, no comportamento das multinacionais, tenderá a auxiliar o reconhecimento de uma prática como sendo de planeamento fiscal agressivo. Prendem-se, sobretudo, com manipulação dos dados de pagamentos de juros, royalties e preços de transferências. São três áreas dominantes onde as práticas indiciam um planeamento fiscal agressivo. Mas atenção: isto é indicativo. Geralmente, pede-se um conjunto de critérios, que é complicado demonstrar. Grande parte da litigiosidade contemporânea assenta nisto. É cada vez mais uma discussão que não se prende com uma única jurisdição; normalmente, não se prende numa única jurisdição. Nota: o planeamento pode ocorrer em três níveis diferentes. Fala-se numa deslocalização para da base tributária para um país de baixa tributação, mas também pode constituir um rearranjo internacional dos fluxos económicos para evitar a tributação (há uma ideia de alterar os fluxos para outros que dão origem a uma norma mais vantajosa), mas também pode consistir numa redução da base de tributação via dupla dedução e/ou dupla não tributação (onde só é permitido que isto acontece duas vezes; o Estado não quer que o mesmo gasto seja deduzido duas vezes). E há as operações financeiras híbridas: imagine-se que uma sociedade de advogados é uma chamada sociedade transparente; considere-se que são tributados os sócios e não a sociedade. A realidade que em Portugal é tida por transparente pode ser opaca noutra legislação, sendo preciso olhar para essa instituição. Isso pode dar azo a duplas deduções. Podendo aí ser deduzido duas vezes o mesmo facto, e pode haver origem a dupla não tributação. Há um conjunto de esquemas e artificialidade embutida que torna as coisas mais difíceis, mais ainda quando estamos perante grupos multinacionais. Imagine-se uma sociedade-trampolim. O pagador deve dinheiro a um credor; o que se faz? Cria-se uma sociedade num sítio e outra noutro. Tudo tem a ver com a escolha dos regimes fiscais mais vantajosos. Imagine-se que o pagador, em vez de pagar a X, paga a Y, num Estado que até tem uma tributação normal, parecendo tudo legitimo. Mas há contrato com outra sociedade que dá origem a pagamento de comissões, que está, por sua vez, ligada com a outra. Following the money, há um rasto. As sociedades conectoras trampolim fazem passar, dando conexão com áreas mais vantajosas. Tudo isto é legal; será legítimo? Possivelmente não. Nota: uma entidade e um esquema construído para planeamento fiscal não tem apenas o impacto da redução fiscal; o TJUE tende a aceitar que o ganho fiscal pode ser um de vários aspetos económicos a serem considerados, e não o exclusivo, e não o importante. O objetivo, vimos, era o ganho fiscal: mas começou a perceber-se a complexidade dos esquemas criados, o facto de alguns esquemas terem por detrás uma certa complexidade. Pode haver ganhos económicas, mas tem de haver ganho fiscal. Imaginem-se as sociedades-veículo. Nota: a sanção para o planeamento fiscal agressivo criminalização. I-9.-a. Combate à fraude Na fraude, tem de haver: 108 Boa inspeção tributária; Boa rede de troca de informações entre as várias administrações tributárias. A consequência é a criminalização da fraude. Algo que no fiscal se tende a utilizar também muito é se deve ou não haver levantamento do siglo bancário, sendo que as contas bancárias tenderão a ser uma radiografia das opções do contribuinte, tendendo a haver um conjunto de informações que poderá ajudar a provar a existência de fraude. No 63º-B da LGT, há a questão do levantamento do segredo bancário. O que se discute internacionalmente é como fazer esse levantamento. Pode a administração tributária ir diretamente à conta bancária ou pedir a terceiro essa autorização? Temos um confronto entre interesses constitucionais. desconsiderando o facto de terem sido criados gastos artificiais para reduzir o lucro a ser tributado. Imagine-se uma operação intragrupo em que o preço é diferente do de mercado. O que acontece? Imagine-se que o preço de mercado é de 10, mas B compra a A, que é do seu grupo, porque A ficciona que o preço será de 20. Por que é que B tem interesse em que seja 20 e não 10? Porque tem mais gastos. O que é que isso vai significar para o imposto a pagar? Uma redução. No âmbito do IRC, para as empresas tributadas de acordo com o lucro, temos: Lucro contabilístico +- variações patrimoniais +correções fiscais IRC: MC = Lt - Pf E veja-se o 64º do CIRC, onde há uma correção ao valor da transferência de direitos reais sobre imóveis. Se é declarado que a casa foi comprada por 100 mas na realidade foi por 200, pode fazer-se a correção desse valor. Quando chegamos à evasão, a criminalização não ocorre. Como é que fazemos então? O meio tradicional encontrado para combater a evasão/planeamento fiscal agressivo é através de medidas antiabuso. Que medidas são estas? São normas que têm a finalidade de desconsiderar os efeitos fiscais vantajosos e impor a tributação-regra a que devia ter ocorrido, e não ocorreu porque houve uma manipulação dos dados. Vimos que a evasão consiste em contornar as regras para aplicar algo mais vantajoso; o que fazemos como consequência é desconsiderar o ganho e aplicar a norma inicialmente aplicável. As normas antiabuso podem ser de dois tipos: gerais ou especiais. As especiais são de mais fácil aplicação: significam que já foi detetada a prática abusiva concreta. Se já sabemos isso, então temos a norma concreta para aquela situação em concreto. Um exemplo são os preços de transferência. Há uma norma no CIRC (art.º 63º) que diz o seguinte: quando for detetado que os preços intragrupo são diferentes do preço de mercado, o que acontece? A administração tributária, ao detetar, vai corrigir o lucro (aumentando-o nessa medida), assim 109 Quanto menor for o lucro contabilístico, menor será o lucro fiscal, e menor será a matéria coletável e o imposto a pagar. Interessa à empresa ter mais gastos para reduzir o valor do imposto. O que acontece? Imagine-se que temos Estados diferentes. A AT procura anular a vantagem, corrigindo o lucro tributável, aumentando-o, pondo 10 e não 20. Quando é descoberto, há que anular a vantagem, anulando os gastos que foram tidos superiormente e não deveriam ter acontecido. Há que ter em consideração o valor de mercado, baixando os gastos. Nota: poderá dizer-se que o crime compensa, se a sanção é só esta? Por isso é que as inspeções e a troca de informações são muito importantes. A Google e a Apple não pagam impostos significativos legalmente. É legítimo? Isto tem a ver com a fair share. Se arranjamos uma forma artificial de reduzir a carga fiscal, será isto legítimo, ético, moral? Estas questões estão em cima da mesa hoje em dia no internacional, com consequência nas interpretações mais acérrimas do que seja ou não evasão. Nota 2: há normas fiscais diferentes nos ordenamentos fiscais, e os agentes vão aproveitando. Por isso, tem de haver uma mudança radical em termos de ética e cumprimento fiscal. Estes mecanismos tem um impacto nefasto muito grande; há uma penalização continuada dos contribuintes contribuidores, criando uma violação do princípio da equidade fiscal entre contribuintes. Aqueles que não têm outra forma que não cumprir são os verdadeiramente penalizados, pois o Estado continua a depender da receita fiscal como primeira e grande receita. Se há uma grande redução, não obtendo a receita efetiva, penalizam-se aqueles que cumprem. Há um caso de justiça e iniquidade a surgir como decorrência de um incumprimento da fair share. Se todos cumpríssemos na medida da capacidade contributiva, os que pagam não teriam de pagar tantos impostos. É o Estado um bom aplicador das receitas que legitime e crie a convicção do dever de cumprir? É precisa uma grande mudança da mentalidade intrínseca (como no aspeto ambiental). Não basta uma norma antiabuso para conseguir a resolução do problema. E o que é exigido uma cláusula geral antiabuso provar? Não estamos perante ilicitude. Como é que provamos? Isso é extraordinariamente complicado. Nota: se B tem mais gastos, A aumenta o seu lucro e não lhe é vantajoso? Isto acontece geralmente em Estados que têm regimes diferentes; a tributação de A, naquele caso, será muito reduzida e a vantagem estará garantida no cômputo geral. 2 MAI 2019 Sumário: Fraude e evasão (continuação); IRS. I-9. Fraude fiscal e evasão fiscal (continuação) Recorde-se o contexto da evasão fiscal. Estamos a estudar direito fiscal portanto, direito que versa sobre os impostos. Compreendemos o que é o imposto na contraposição com os outros tipos de tributos. Compreendemos quais as características específicas das regras que regulam e interpretam a forma como se deve aplicar estas normas fiscais. Identificámos esta figura tributária o imposto como fazendo. Caracterizámos essa relação, que compreendemos ser uma relação entre alguém que deve e alguém que paga. Esse alguém que deve pode cumprir ou não cumprir; já vimos quais as consequências do incumprimento. Todavia, quando analisamos a questão da fraude, da evasão e do planeamento fiscal agressivo, estamos a procurar compreender que, por detrás de alguns tipos de incumprimento, existe uma motivação de redução ou até eliminação da carga tributária. Identificámos a figura da fraude como uma violação direta e frontal da lei; identificámos a evasão como um contornar da regra fiscal que seria aplicável, criando artificialmente factos conducentes à aplicação de uma norma fiscal mais vantajosa, e compreendemos que o planeamento fiscal legítimo assenta numa seleção do contribuinte legal de opções que as normas fiscais colocam ao contribuinte. A preocupação não está, neste domínio, no âmbito do planeamento fiscal legítimo (opções que o legislador coloca ao contribuinte para escolher entre ser mais ou menos tributado de forma legítima); antes, as preocupações estão centradas no comportamento do contribuinte evasivo ou fraudulento. O grande problema destas práticas é que reduzem, em grande medida, a receita fiscal arrecadada. Para o Estado significa perda de receita; isto é grave quando vemos que o imposto é a receita fiscal mais significativa (ligando com a questão das finanças públicas). Por outro lado, há um segundo nível de impacto destes comportamentos indevidos: o quadro da justiça, da equidade da RJ fiscal. Eles provocam um desequilíbrio indevido, injusto entre contribuintes cumpridores e não cumpridores. Se o Estado tem necessidade da receita e não a vai obter no âmbito da verdadeira capacidade contributiva, então vai reforçar a tributação daqueles que são cumpridores. Portanto, há uma quebra da equidade. Daí que RCP volta a frisar pensar fraude e evasão / planeamento fiscal agressivo deve significar não apenas uma crítica à quebra de receitas fiscais e, portanto, uma quebra nas receitas públicas, algo que não é desejado pelo Estado mas igualmente deve ser analisado também pela perspetiva de relação entre contribuintes, colocando em desvantagem os cumpridores face aos 110 incumpridores. Isto é visível no facto de o Estado ir sufocar os cumpridores por causa dos não cumpridores. Esta mensagem é importante: normalmente há muita tendência para analisar as temáticas da fraude e da evasão na perspetiva do Estado: deixa de arrecadar a receita, fica penalizado. Mas estes comportamentos não penalizam apenas o Estado; penalizam também os contribuintes cumpridores. Não só porque a capacidade contributiva fica afetada, mas também porque o incumprimento fiscal significa que, como o Estado precisa e não arrecada, sobrecarrega os contribuintes cumpridores com mais tributação. Não significa que se criem mais impostos; podem manter-se os mesmos e aumentar o nível de tributação (mas também podem criar-se novos impostos). Compreendemos, então, que há uma necessidade de combater estas realidades. Já vimos que, em relação à fraude, em primeira linha, a forma de combater é apostar numa fiscalização robusta. Os serviços de fiscalização da AT têm de ser suficientemente eficientes e eficazes para detetar estas práticas indevidas. Claro que só isto não chega. Este espaço de inspeção/fiscalização tem de ser complementado com troca de informações. Ou seja, a AT e Aduaneira portuguesa precisa de ter uma forma de aceder à informação robusta, que não dependa apenas da inspeção. Por isso é que os bancos têm obrigações de transmissão de informação à AT; por isso é que os consumidores, pedindo fatura, estão a auxiliar o Estado a obter informação das transações. Verificamos que a AT procura, junto de outros agentes económicos, obter as informações que permitem confirmar ou não se aquilo que é declarado está a bater certo com o que é real. Além destas trocas de informações além das obtidas por agentes económicos pensamos, sobretudo, no âmbito internacional de mobilidade dos agentes económicos, numa troca de informações entre administrações fiscais de vários países. As AT dos vários países enviam informação sobre contribuintes que têm elementos de conexão (que estudámos a propósito da aplicação da lei fiscal no espaço) com vários territórios. Isto pode ser feito com pedido de uma AT a outra, ou pode acontecer de forma automática, tendo já acontecido antes um acordo entre ATs para transmitir automaticamente informação fiscal relevante. 111 Atualmente, há a ideia de que as ATs devem interagir entre si, trocando informações para poderem combater a fraude e a evasão. Outro mecanismo de combate que existe é o chamado levantamento do sigilo bancário. Pode a AT dirigir-se ao banco e permitir a consulta dos movimentos e dos saldos das contas bancárias de outros contribuintes. Ninguém internacionalmente. tirando os paraísos fiscais defende que deve haver o levantamento do sigilo bancário que é uma importa arma de combate à fraude e vasão. O que se pode juridicamente discutir é se a AT, para aceder à conta bancária, deve fazê-lo automaticamente, por sua iniciativa, ou se deve recorrer a um terceiro independentemente, justificando a sua necessidade, e esse terceiro juiz, árbitro, etc. autorize o acesso às contas. A tendência internacional é que a AT possa, automaticamente e por si só, aceder às contas bancárias. É a tendência atual, que pode ser criticada do ponto de vista dos direitos fundamentais nomeadamente, reserva da intimidade da vida privada. No nosso OJ, isto está regulado pelo 63º-B da LGT. Há aqui um regime misto, em que pode haver acesso ou garantir que um terceiro independente possa ou deve ser chamado a pronunciar-se sobre essa questão. Outra área usada para combater é a chamada lista (negra) dos paraísos fiscais. Tanto Portugal como a UE em si, enquanto entidade e instituição, têm listas negras de países que são considerados paraísos fiscais e que, se houver uma localização/conexão de um contribuinte europeu/nacional, pode dar azo à ativação de regas fiscais penalizadoras. A temática dos paraísos fiscais é muito complicada: na fraude e na evasão analisamos o comportamento do contribuinte, mas nos paraísos fiscais olhamos não para o comportamento do contribuinte, e sim para o comportamento do Estado. Um dos aspetos fundamentais na classificação dos impostos era a distinção entre impostos fiscais e impostos extrafiscais. Essa classificação torna a aparecer agora para revelar a ideia de que o imposto pode ser utilizado como instrumento de política pública ou seja, o Estado pode utilizar o imposto como forma de atração de investimento, criando regimes fiscais mais vantajosos dos que estão à volta para trazer investimento. O problema não está nesse poder, que todos os Estados de todo o mundo têm. O problema é quando esta prática que se chama concorrência fiscal se torna prejudicial, tornando-se apelativa a comportamentos fraudulentos ou evasivos. O facto de existirem normas fiscais diferenciadas, mais vantajosas, atrai os contribuintes, que podem usar estas diferenças para criar esquemas artificiais que criem vantagens para a sua esfera jurídica. É óbvio que quando o Estado tem poder tributário criar e reger o seu sistema fiscal dentro desse poder, está poder tributar ou não tributar, mais ou menos. Isto é completamente da responsabilidade dos poderes públicos de cada Estado. É normal que cada Estado tenha certas normas que não se repetem no país vizinho. Mas pensemos numa lógica comercial, de concorrência e direito internacional. Há interesse em concorrência muito agressiva entre os Estados? Para uns sim e para outros não. Quer criar-se um espaço de alguma paz e alguma harmonização. Não significa que todos os Estados que tributam empresas teriam 20-30%, mas há um padrão que está a ser balizado. Esta tendência tem a ver com a lógica da capacidade contributiva, o tipo de Estado, o tipo de direitos salvaguardados e o tipo de atividade pública em resumo, o gasto público para cada Estado concreto. Ora, percebe-se que quem faz uma opção por um Estado social de direito tem de ter cargas fiscais elevadas. Se começa a aparecer um Estado que prescinde nisso, até apostando em dumping social, práticas indevidas do ponto de vista dos trabalhadores, que não tem SNS digno, que não tem sistema educativo público. Pode usar os impostos como ferramenta para captar investimento, conseguindo receita e desenvolvimento dos serviços de outra maneira. O que se verifica é, então, uma lógica de luta. É normal haver concorrência fiscal, mas não é desejável que ela se torne prejudicial e que haja uma quebra muito elevada da neutralidade fiscal. Por isso, há uma necessidade criar um padrão de normas. Assim, procura combater-se estes Estados que são qualificados como paraísos fiscais. Claro que o direito fiscal internacional não significa que tenhamos um polícia com um cassetete para acertar nos Estados. Que mecanismos temos? Uma lista que afete a reputação do Estado do ponto de vista internacional; ou usar a lista para criar normas internas que criam regimes fiscais maus, de impacto negativo, para os contribuintes que se deslocalizam e vão para essas localizações tidas por paraísos fiscais. Por isso, quando se fala no combate à fraude e à evasão, é preciso atentar à lista negra número avultado de países considerados paraísos fiscais e que devem ser combatidos. No nosso sistema fiscal temos a portaria 150/2004, que tem um conjunto de 83 países considerados paraísos fiscais (exemplos: Antilhas Holandesas, Aruba, Bahamas, Bermudas, mas também Emirados Árabes Unidos que têm zero de tributação sobre o rendimento e Mónaco, Panamá, etc.). É preciso ter em atenção que, nesta lista, não aparecem só ilhas paradisíacas. Note-se que é importante ter em atenção que, atualmente, apesar de esta ser a lista do que é considerado paraíso fiscal, não existam certos países com sistemas fiscais ditos desenvolvidos e de acordo com os princípios-regra, que possam ter micro-regimes internamente que são considerados prejudiciais. Desde logo, temos como exemplo a Irlanda e o nível de tributação empresarial que vai abaixo dos 12,4%, quando a média europeia está acima dos 28%. Pense-se, também, na Holanda: o regime de tributação privilegiado das holdings, empresas que têm participações sociais que são, digamos, a empresa-mãe do grupo de empresas. E há o caso de Portugal, com a Zona Franca da Madeira, que já tem agora uma configuração muito mais penalizadora. Assim, apesar de termos uma lista de paraísos fiscais, há países que têm um sistema fiscal perfeitamente legítimo, têm normas contestadas do ponto de vista internacional. Um exemplo nosso que foi muito badalado nas notícias foi o regime do residente não habitual, que dá espaço para uma tributação privilegiada de certos residentes na UE que venham para Portugal e não tenham residido antes no período de 5 anos. Esta lógica de atração tem sido, sobretudo, de pensionistas do norte da Europa, que deixam para a altura da reforma a sua residência nos seus países e vêm para o sul da Europa. Qual é o problema? Se conjugarmos o regime fiscal nacional com o acordo de dupla tributação Portugal-Finlândia ou PortugalDinamarca, etc., quem tem a exclusiva competência para tributar é o Estado onde eles são residentes, que é Portugal, perdendo receita o Estado que paga as pensões. Portanto, isto serve para demonstrar como normas internas de países que até podem ter cargas fiscais elevadas tem por vezes, micro-regras que criar desvantagens relativas com a generalidade dos 112 países. Também estas normas micro são contraditadas pelos países, embora nenhuma regra exista a dizer que são proibidas, pois estamos no domínio do poder tributário cada Estado decide quando, como tributar. Os países unem-se para dificultar a vida aos paraísos fiscais. Tornam o seu nome negro, ficando a reputação do país afetada, o que pode ser penalizador para a atividade de investimento. Mas normalmente existem normas internas que penalizam quem se deslocaliza para estes territórios. No IRS português, se alguém se mudar para o Qatar, tem-se que, durante os 5 anos seguintes, o Estado português desconsidera essa mudança de residência e continua a tributar como residente, ou seja, pela totalidade dos rendimentos. Está a desconsiderar-se essa mudança ais para Muitas vezes, estas deslocalizações têm como único objetivo a redução da carga tributária continuamos com casa, conta bancária etc. em Portugal. O Estado continua a defender a sua tributação cá, querendo retirar esta ficção que foi criada pelo contribuinte. O que se verifica na prática é que, muitas vezes, isto é ficcionado não é substância, é forma. Mas permite-se a prova do contribuinte em contrário; por exemplo, imagine-se o caso de um piloto que vai mesmo trabalhar para o Qatar. A maior parte dos países têm estas normas, que permitem a atacar os paraísos fiscais. Há muitos países que são países em vias de desenvolvimento, e que, muitas vezes, estão dependentes ed efluxos de investimento e, inclusivamente auxílios internacionais. Tende-se aqui coartar e levar estes países a aderir a um sistema fiscal adequado; mas é legítimo ou não? Os Estados têm o seu poder tributário; é legítimo os outros Estados limitarem o seu poder tributário? É um problema da relação entre Estados. Isto tem impacto na própria tipologia das tributações nacionais. Se fizermos uma análise comparativa de tributação, os Estados desenvolvidos apostam mais nos impostos sobre o consumo; e, além dessa receita, o que vem a seguir? O correspondente ao fator trabalho. Não são as empresas, e sim os indivíduos. É justo? Isto coloca uma questão: porquê não penalizar mais o capital e a tributação das empresas, se queremos criar um sistema mais justo? Globalização e modalidade. O capital vota como os pés, já dizia Thibaut, e o capital escolhe uma jurisdição mais vantajosa. Sem capital, o que acontece à economia nacional? Reduz o crescimento e cria desemprego. Diminui o consumo, aumenta a pressão do Estado para subsídios de desemprego. 113 A equação da justiça fiscal é muito complicada de conseguir. O direito, apesar de impositivo, tem limitações em face dos poderes económicos. Há uma fragilidade do poder público face ao poder económico. Podemos dizer que vamos ser superjustos e tributar a 50% o capital, as empresas a 60%, os trabalhadores a 3%. Isto não funciona, porque o investimento/capital vai à procura dos sítios onde consegue ter mais resultados. Há um problema de forma, e há um problema de substância no sistema. A equação é difícil por estes fatores. Por isso é que, por vezes, o combate à fraude e à evasão fica-se pelas tendências. Sabe-se que tem de haver este combate, mas como é que se consegue sabendo que há diferenças de tratamento significativas entre países? Como explicamos que os GAFA, onde criam valor, sejam tributados quase nada e tenham lucros imensos? Utilizam vários esquemas internacionais para reduzir a carga tributária. Será que conseguimos bater na cabeça das Bermudas, da Irlanda, da Holanda, da Google? É difícil, o que não quer dizer que não possamos fazer alguma coisa. É uma questão de ética empresarial. Há muita doutrina a dizer que deve haver limites aos benefícios fiscais, não podendo/devendo ser contrariado o médio. Em que é que isto também se traduz do ponto de vista normativo? Já vimos o reforço dos poderes de inspeção, da troca de informações quer com agentes económicos, quer com outras ATs. Esta dinâmica de tentar combater estas práticas dos contribuintes de forma indevida tem uma representação muito forte naquilo que é tido como a principal arma de arremesso contra a evasão fiscal, que é a criação nos sistemas fiscais de cláusulas antiabuso. Ou seja, os sistemas fiscais procuram incorporar normas que tentam contrariar o comportamento abusivo dos agentes económicos. Neste domínio, há dois tipos de cláusulas antiabuso: Cláusulas especiais o sistema fiscal olhou para a realidade económica fáctica e identificou comportamentos específicos tomados como evasivos e que vão ser contrariados. Cláusulas gerais. A criatividade humana vai para lá do que o legislador ode prever de forma imediata; são abrangidas pelas clausula gerais tudo o que noa é abrangido pelas cláusulas especiais. Exemplo de cláusula especial antiabuso: os preços de transferência. O que estava em causa era um grupo de empresas ligadas entre si, nas suas operações intragrupo deverem respeitar um princípio internacional de neutralidade (que dá azo à arms length principle plena ocorrência), normativizado nos CDTs e nestas cláusulas especiais antiabuso no caso português, 103º do IRC o preço das transações tem de ser igual ao de mercado. Se for detetado que o preço não é igual ao de mercado, as ATs têm o poder de corrigir o lucro. Qual é a cláusula especial antiabuso? Aquela que diz que dentro das operações de grupo o preço tem de ser o de mercado ou a subnorma que diz que, no caso de não haver o cumprimento desta regra, as ATs podem corrigir o lucro, aumentando a tributação / o IRC a pagar, lançando uma nota de liquidação adicional. Falámos há pouco, no âmbito das pessoas singulares, para quem vá para um dos países constante da portaria. A portaria diz que, nos 5 anos seguintes, não se considera a transferência. É uma cláusula especial antiabuso no âmbito das pessoas singulares. Todavia, porque a criatividade dos agentes económicos pode ser superior e ir para além daquilo que a AT e que o legislador consegue determinar, olhemos ao 38º, 2. da LGT. Aqui encontramos a existência da cláusula geral antiabuso, onde não se determina um comportamento específico como sendo contrário e por isso devendo ser desconsiderado, mas se identifica um comportamento com determinadas características (que veremos agora) e que deve ser desconsiderado. FalaSão ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas. Assim: -Quando a AT identifique a existência de redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos, conseguida por meios artificiosos ou fraudulentos, ou abuso de forma jurídicas, sendo que a substância daqueles factos económicos levaria a outro tipo de tributação, qual é a consequência? Desconsidera-se o esquema artificial e ativa-se a tributação normal que era devida. Isto é genérico; não fala das operações intragrupo, de difícil prova para ser ativada pela AT. Tem de se mostrar a lógica de artificialidade e abuso das formas jurídicas, bem como a vantagem fiscal indevida. Muitas das operações que poderiam levar a aplicação disto estão muito bem estruturadas. Quando se usam a Holanda e a Irlanda, estes países não estão na lista negra; isto não é simples. A AT usou esta cláusula pela primeira vez por volta de 2010. O tribunal deu razão à lógica da AT; o contribuinte chamava-se Jerónimo Martins. Estranhamente a JM mudou a sua holding para a Holanda; votou com os pés. Houve a prova de ativação da cláusula geral antiabuso, detetou-se o comportamento indevido. A consequência não deveria ser ir atrás do Estado (Holanda)? O Estado tem poder tributário. Existem normas que pretendem resolver estas situações, mas a solução nem sempre é líquida. Em Portugal há exemplos de casos que permitem tentar combater as práticas ardilosas de redução da carga tributária. Falaremos de duas delas especificamente. Primeiro, falamos de métodos indiretos. Verificamos que toda a base de liquidação do imposto assenta numa lógica declarativa (de factos reais determinados pelo contribuinte). Todavia, pode o contribuinte não facultar esses factos e, com isso, tentar não ser tributado. A legislação nacional criou a possibilidade de a AT, devidamente autorizada para o efeito do ponto de vista legal, poder determinar a liquidação do montante do imposto a pagar de acordo com os chamados métodos indiretos. Assim, a AT não se apoia em factos declarados pelo contribuinte, e sim cria presunções de acordo com indicadores económicos medianos. 114 Tal como, derivado disto mesmo, se houver manifestações de fortuna que não sejam compatíveis com as declarações, se pode aplicar uma forma de liquidação alternativa. Quando a bota não bate com a perdigota, recorre-se a indicadores económicos que indiciam aquilo que indicia o que devia ser a base de tributação, que não foi declarada ou foi declarado indevidamente. Por outro lado - segunda realidade criou-se com o DL 29/2008, um regime de combate ao planeamento fiscal agressivo. Qual foi o objetivo? Se temos de combater a lógica evasiva de planeamento fiscal agressivo, e todas as armas que juntamos na nossa legislação não chegam e a troca de informações também não, então impomos uma obrigação aos consultores fiscais que criem esquemas de planeamento fiscal que informem a AT desses esquemas propostas para a AT decidir se eles são legítimos ou ilegítimos. Este diploma cria uma obrigação não para o contribuinte, mas para os consultores fiscais de se dirigirem à AT e fornecerem os dados dos esquemas de planeamento fiscal (redução da carga tributária) que propõem aos seus decisão teria sido diferente? Talvez; este um dilema do fiscal contemporâneo. O objetivo, neste momento, é que, para além de todos os elementos conceptuais, também tenhamos sido capazes de nos apropriar das dificuldades que implica a interpretação e consequente aplicação das normas fiscais. Isto é comum a todos os impostos. Assim, o objetivo neste momento é adquirir o mindset do fiscal, em que uma simples interpretação de normas fiscais pode não ser e muitas vezes não é ligeira, direta, plena e simples. Há que ter a noção de que, conforme os lados onde estivermos da barricada, há interpretações diferenciadas. Porque os interesses em jogo são vários e, por serem vários, os próprios conceitos e os normativos que incorporam esses conceitos, muitas vezes, geram desníveis. Não esqueçamos que o imposto é a receita orçamental mais significativa, e a pressão que isto coloca sobre a AT para interpretações mais rígidas das normas fiscais, crescentemente literais mas também crescentemente criativas, quando o objetivo é lutar contra esquemas fraudulentos, artificiais. abusivo, não pode ser feito. Deste diploma saíram 13 fichas, identificando 13 esquemas de planeamento fiscal agressivo. Anualmente existe um relatório feito pela AT sobre os resultados da atividade de cobrança e as orientações para o ano seguinte acerca das inspeções, que também contém normalmente no fiscal esquemas de planeamento alternativos identificados. O que significa isto? Está tudo a apalpar terreno. Não há um conceito expresso legal normativo do que seja planeamento fiscal agressivo/abusivo. Existem exemplos, que não fecham. Também o DL não define o que é planeamento fiscal agressivo; diz-se apenas que tem impactos nefastos. E há penalizações no caso de isto não ser cumprido? Houve um grande boom destes diplomas. E aplicam-se sanções? Exemplo: A cria uma empresa com a mãe (familiar). É árbitro internacional; mas, em vez de pôr na sua esfera jurídica, poe na esfera da empresa familiar, que não tem função alguma ativa. Daí diz que se paga ao árbitro, mas os membros da empresa são a mãe e o árbitro. Qual é vantagem? A empresa pode ter muito mais gastos que são reduzidos. É legítimo ou não? A AT considera que é planeamento fiscal agressivo e usou a clausula geral antiabuso, mas o tribunal decidiu que não, que seria legítimo. Se a pessoa tivesse ido para os tribunais judicias, a 115 Do lado do contribuinte, tenhamos a noção de que a RJ não é de igualdade. O imposto é coercivo, e haverá sempre desigualdade mas isto não significa ausência de garantias. O discurso de proteção das garantias do contribuinte é aquilo que tende a legitimar maior liberdade de ação e de seleção de regras de cumprimento fiscal. Aqui há uma forma de pensar a norma fiscal, e saber pensar de forma integrada. Há que conhecer o lado da AT e o lado do contribuinte, quer sejamos juízes, quer queiramos ir para a AT e chacinar todos os incumpridores, quer sejamos contribuintes. Parte integrante e fundamental do semestre tem a ver com conceitos e criação de mindset; saber pensar o imposto, e ter noção da integração das várias perspetivas, e que as normas interagem entre si de acordo com o impacto que lançam. Para se conseguir atuar e compreender a posição do lado que assumimos, temos de conscientemente ter a noção da complexidade do que é pensar o fiscal. Uma das críticas cimeiras às normas fiscais é a constante mutação. Temos de ter o mindset para que possamos perceber o que foi mudado e quais as consequências dessas mudanças. Identificar o capítulo das alterações no OE não interessa muito; há que perceber o impacto efetivo dessas mudanças. RCP volta a frisar: o nosso tópico tem sido predominantemente nacional, mas temos falado de aspetos normativos mas também principialistas do internacional, que dificultam a forma como as normas são aplicadas. No IRS, a primeira etapa passa pela (i) incidência. Aqui temos: Incidência pessoal quem está sujeito. Incidência real o que está sujeito (apuramento dos rendimentos brutos). PARTE II IMPOSTOS EM ESPECIAL Encontramos normas específicas a dizer quem é que está sujeito (incidência pessoal) e quem está sujeito (incidência real) e, subsequentemente, o que 1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES (IRS) Como é que as temáticas que abordámos se concretizam no imposto em especial? Vamos olhar para o imposto sobre o rendimento e tentar perceber as bases da sua construção. Tal como detetámos a existência de fases do imposto, é essencial em cada imposto que estudamos delimitar corretamente as suas fases. A cada fase corresponde um conjunto de norma específico e só a essas normas devemos recorrer. Se tivermos um problema de isenção, não vamos recorrer às normas de sujeição; se tivermos um problema de despesas, que devem ser atendidas na determinação do imposto, não vamos ligar apenas a uma questão de taxa de imposto. É essencial, em primeira linha, compreender as etapas de cada imposto e ligar a elas um conjunto de normas. Quando detetamos um problema, devemos identificar essas fases e o conjunto de normas aplicáveis. Podemos identificar: (i) Incidência (13º a 21º do CIRS; 1º-12º; 12º-A) (ii) Apuramento dos rendimentos líquidos (25º a 55º do CIRS); (iii) Apuramento do rendimento coletável (22; 71º; 72º); (iv) Apuramento da coleta (68º a 70º; 78; 78º-A a 88º); (v) Apuramento do imposto a pagar (78º, 2.; 98º a 102º). não esta isento, apesar de sujeito (recorde-se o ovo estrelado) A segunda etapa no IRS é o (ii) apuramento dos rendimentos líquidos. Na incidência real, procede-se ao apuramento dos rendimentos brutos. A passagem dos rendimentos brutos para os líquidos é feita através das deduções específicas. Estas deduções específicas são operações de dedução de certos valores aos rendimentos brutos; dessa dedução obtemos o resultado dos rendimentos líquidos. Isto significa que o início do IRS é feito com uma multiplicidade de rendimentos. Há vários tipos de rendimentos a considerar, devendo, para cada rendimento identificado aplicar regras específicas de deduções. Contudo, o que se chama ao imposto? Imposto sobre o rendimento singular, e agora estamos a falar em plural. Significa, portanto, que numa terceira fase há que agregar todos os rendimentos, ou quase todos, transformado a multiplicidade num somatório. Isso faz-se através do quê? Falamos do (iii) apuramento do rendimento coletável ( = matéria coletável). No IRS, o legislador usa a expressão Falamos de algo que é singular. Como é que isto é feito? Através da figura legal do englobamento, que tem a ver com o somatório dos rendimentos líquidos. Porém, isto complica, porque nem todos os rendimentos são englobáveis. Portanto, há certos rendimentos que o legislador diz não poderem ser englobados. Quando o legislador diz isso, significa 116 que vai ser tributado à parte, individualmente. Só se algo é objeto de englobamento é que vai constar do somatório em que se apura o rendimento coletável. Uma vez apurado o rendimento coletável, vamos para o (iv) apuramento da coleta. Como é que passamos de uma coisa para a outra? Aplicando a taxa de imposto. Nos rendimentos englobáveis, há um englobamento, aplicando-se a taxa e obtendo-se o apuramento da coleta; para os não englobáveis, isto feito à parte do somatório, sendo aplicável uma taxa específica de imposto. Uma vez apurada a coleta, o que queremos? O (v) apuramento do imposto a pagar. Como é que passamos de uma fase para a outra? Procedendo às deduções à coleta. Num primeiro aspeto de desenvolvimento, há aqui que reforçar: os rendimentos objeto de englobamento têm uma taxa; os não objeto de englobamento (não englobáveis) têm outras taxas. Ela não é a mesma. Numa segunda questão: o que constitui deduções à coleta? Há dois tipos: despesas tinham de ocorrer. A dedução específica está intimamente ligada com o tipo de rendimento obtido. Feitas essas deduções específicas, apurámos os rendimentos líquidos e verificamos se eles são todos objetos de englobamento. Os que não forem objeto de englobamento são tributados à parte. Se forem, soma-se tudo e ficamos com o nosso rendimento coletável, o valor total. Sobre esse valor total vamos aplicar a taxa do imposto, obtendo em consequência a coleta. Sobre a coleta, o legislador fiscal reconhece a necessidade de certas despesas, ligadas em concreto ao indivíduo (e ao seu agregado familiar) e não ao rendimento, que devem ser consideradas relevantes para reduzir o valor do imposto a pagar. Além dessas deduções individuais do contribuinte e do seu agregado, também aquilo que o contribuinte foi pagando antecipadamente por conta do IRS a pagar, que lhe foi sendo retido na fonte, o que teve de pagar por conta do imposto final, tem de ser considerado, e tem de haver uma redução ao montante devido (porque o Estado já cobrou aquilo). Note-se que dissemos que o IRS é um imposto pessoal, por oposição a um imposto real. Tem em atenção as circunstâncias individuais e pessoas do contribuinte. Onde verificamos isto? Na taxa de imposto (onde há diferenças, pois ela é progressiva); Nas deduções à coleta; Na incidência pessoal. Deduções pessoais e familiares; Deduções de imposto pago antecipadamente por conta do imposto a pagar a final. Há que saber se estamos ou não sujeitos e não isentos a IRS; há normas para o contribuinte em especial (incidência pessoal). Depois, há que saber se temos ou não rendimentos sujeitos e, se sujeitos, se não estão isentos (incidência real). Trabalhamos com vários rendimentos qualificados de forma diferente consoante a sua natureza. Atendendo à tipologia de rendimento que tivermos na nossa esfera jurídica, vai ser operacionalizada ou não uma dedução específica para aquele rendimento em concreto, cujo significado é para obter aquele rendimento se considera que certas 117 Na verdade, é importante perceber se o contribuinte é contribuinte, mas também se ele tem um agregado familiar. Isso pode alterar a taxa de imposto e as despesas que podem ser deduzidas. Que artigos nos dão respostas? Quanto à incidência pessoal, temos sempre de analisar os arts. 13º a 21º do CIRS. Quanto à incidência real, vamos aos arts. 1º a 12º (e há que acrescentar o 12º-A). As deduções específicas estão previstas nos arts. 25º a 55º. 118 O que é englobado ou não englobado está previsto no art.º 22º. E os não englobados têm o seu regime no 71º e no 72º. A taxa de imposto dos rendimentos englobados implica os arts. 68º a 70º. As deduções à coleta estão previstas no 78º, sendo que as primeiras estão previstas no 78º-A a 88º (+ v. 78º, 1.). As deduções por conta do imposto a pagar a final estão no 78º, 2., desenvolvido pelo 98º a 102º. Assim, dependendo de cada etapa e da questão que temos, devemos procurar a resposta no conjunto de artigos específico dessa etapa, e não andar a navegar de um lado para outro do Código. Não significa isto que o CIRS seja autossuficiente, podendo ter a necessidade de ser compatibilizado com outra legislação sobretudo, pensando no exemplo mais paradigmático, o EBF. Pode ter de ser aplicado um artigo do EBF com implicação no CIRS. 1 - INCIDÊNCIA 1A INCIDÊNCIA PESSOAL Na incidência pessoal, qual é a nossa primeira grande preocupação? Saber se o sujeito é ou não residente em território nacional. 1 O primeiro passo é apurar: Residência; Não residência. Se houver determinação da residência fiscal em Portugal, diz-nos o 15º, 1. que o sujeito está sujeito a tributação pela totalidade dos seus rendimentos, tenham eles sido obtidos em Portugal ou no estrangeiro é o worldwide income de que falámos a propósito da aplicação territorial do direito fiscal. Onde é que encontramos a determinação da residência? No 16º do CIRS. Se olharmos para este artigo, o nº 1 estabelece um critério quantitativo: é 119 residente quem permanece no território por mais de 183 dias no período do ano fiscal (esta é a regra geral). Se estão cumpridos aqueles dias, kaput; mas pode acontecer que estejamos cá menos de 183 dias e ainda assim possamos ser considerados residentes se, olhando ao 1º, b., disponhamos, num qualquer dia do período referido, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual. Assim, se tivermos permanecido o por menos de 183 dias, mas ainda assim tivermos ido aqui residência habitual, considere-se que houve residência habitual em Portugal. A consequência do apuramento da residência está prevista no 15º, 1., determinando que a sujeição é pela totalidade dos rendimentos obtidos, incluindo os que foram obtidos fora de Portugal. Se a pessoa é residente, aplica-se este artigo. Todos os rendimentos estão sujeitos a tributação. Porém, há que ter em atenção a existência de algumas regras especiais de residência. Estamos a referir-nos, por exemplo, ao 16º, 1., c) e aos pilotos e tripulantes de aeronaves ou navios. Estes podem estar cá apenas um dia; se têm contrato de trabalho com uma empresa residente em Portugal, são considerados residentes em Portugal naquele período fiscal. Por outro lado, olhe-se ao 16º, 6. são residentes as pessoas que se deslocalizem para um país constante da lista negra (como vimos atrás). Outro aspeto é a criação prevista no 8, 9, 10, 11. e 12. do art.º 16º - há uma norma especial para os residentes não habituais. Quem são estes residentes não habituais? Existe uma portaria que identifica um conjunto de profissões apelidadas de . Certo tipo de profissões como designer, professor universitário, gestor é encarado como produzindo um valor acrescentando, desenvolvendo o tecido económico e humano dos países. Face à mobilidade dos cérebros e ao brain drain (em certos Estados não desenvolvidos, há tendência para as grandes cabeças criadoras se deslocalizarem para Estados desenvolvidos um exemplo dramático foi o da Índia para os EUA). Criou-se um regime fiscal específico vantajoso para atrair os cérebros, os trabalhadores do conhecimento. Quem pertencer a essas profissões de, durante os 5 anos em que se desloque para Portugal par desenvolver a sua atividade, escolher tornar-se residente não habitual durante 10 anos. E assim, durante 10 anos, a pessoa vai ser tributada abaixo dos rendimentos habituais. Isto tem a ver com o apelo a certos tipos de profissionais; e cria um espaço de distanciamento face aos nacionais. Isto não é estranho face à postura internacional portuguesa em relação ao internacional. Foi criada uma norma especial o 12º-A que especificamente re-atrair os que se foram embora com a crise, criando uma exclusão de tributação portanto, uma não sujeição de 50% dos seus rendimentos de trabalho dependente. Parte do rendimento total é desconsiderado para efeitos de imposto. Estas pessoas têm de ter sido residentes em Portugal antes de 01/12/2015; há alguma restrição. 2 Uma vez apurado se o contribuinte é ou não residente, a segunda etapa é verificar a existência de agregado familiar. 1ª pergunta: és casado? 2º pergunta: tens filhos? Nota: as normas fiscais podem criar situações incoerentes. Mas isto tem a ver com a mentalidade do nosso país: temos um grau de subserviência grande face ao estrangeiro. Por que é que há esta ideia quando, lá fora, os trabalhadores portugueses são bem vistos? É uma mentalidade de séculos. Em termos de residência, ainda temos normas específicas que dão uma tributação mais vantajosa em RA - regiões autónomas (17º). E há que ter em atenção o 17º-A. Aqui a UE conseguiu modificar uma norma interna fiscal sem harmonização. Procurou garantir-se que, se somos residentes em outro EM da UE, e obtemos em Portugal pelo menos 90% da totalidade dos nossos rendimentos, entra, apesar de não sermos cá residentes, podemos escolher ser tributados como residentes. Qual é a vantagem? Acesso às deduções. Isto porque, se formos considerados não residentes, os arts. 18º e 15º, 2. do CIRS determinam que somos só tributados pelos rendimentos aqui obtidos, e não pela totalidade. Ora, os não residentes são um dos casos tributados à parte. O que significa que haverá, neste caso concreto, uma tributação pelo rendimento bruto. Se olharmos para o 72º do CIRS, verificamos que os rendimentos dos não residentes são tributados pelo seu valor bruto e são objeto de retenção na fonte. Há que apurar a existência de cônjuge e filhos (13º, 4.). O facto de existirem mais pessoas na realidade familiar, do ponto de vista fiscal, é irrelevante para a definição de agregado familiar. Mas não significa isto que seja fiscalmente irrelevante; um dos exemplos de deduções pessoais e familiares permitidas são as deduções com lares. Tal como também se pode deduzir por ascendentes que estejam na dependência económica: no entanto, os avós que viverem no agregado familiar não são considerados fiscalmente como pertencendo ao agregado familiar. E veja-se o 14º para unidos de facto: são considerados como cônjuge. Qual é a importância da definição do agregado familiar? Tem a ver com o apuramento dos rendimentos sujeitos e não isentos a tributação. Conforme a dimensão do agregado, haverá mais ou menos rendimentos considerados. O que queremos dizer com isto? a) Rendimentos dos cônjuges opção ou não pela tributação conjunta. Quando vamos determinar qual é o universo de rendimentos que vão estar sujeitos, há que ligar os rendimentos a um sujeito / contribuinte em concreto. A regra atual nem sempre foi assim (até 2014) é que cada contribuinte só está sujeito e tem de fazer a sua declaração de acordo com os seus próprios rendimentos. Mesmo que sejamos casados, a regra diz que temos os nossos rendimentos, que são tributados, e o nosso cônjuge tem os seus rendimentos, que são tributados separadamente. A 120 regra faz com que nos declaremos os rendimentos, e o cônjuge declare os seus. Em face da lógica de coesão e orçamento familiar, permite-se hoje que o contribuinte selecione que quer ser tributado conjuntamente. Um casado ou unido de facto pode optar por uma tributação conjunta, que será uma declaração dos nossos rendimentos e o do nosso cônjuge. Alarga-se o leque dos rendimentos integrados no apuramento do imposto. Só é apresentada uma declaração, se os cônjuges assim escolherem. b) Rendimentos dos dependentes. Por que é que o agregado familiar também é importante? Se os nossos filhos pertencerem ao nosso agregado familiar e tiverem rendimentos, esses rendimentos podem vir a ter de ser integrados na declaração conjunta. Porquê? Porque não podemos ter mais de uma declaração quanto aos filhos, se são dependentes. Se somos filhos, somos considerados ainda dependentes dos nossos pais. O que significa ser dependente? Quando chegamos à definição da taxa de imposto seja no final do ano, seja mensalmente quando fazemos as deduções familiares, os gastos que os pais tiveram são contabilizados para deduzir o imposto a pagar. Se isto acontece, então não podemos ter o próprio sujeito que recebeu os rendimentos a ser tributado à parte, autonomamente, com as suas despesas a reduzirem o imposto a pagar, e simultaneamente a ser despesa de um agregado familiar. Isso permitiria duas deduções. Então dependente e ganhas dinheiro, mas não tens autonomia para seres contribuintes por ti mesmo, então tudo o que ganhares deve ser declarado na contribuinte por ti mesmo, os teus pais já não te podem colocar como fazendo parte do agregado familiar, o que significa que não podem deduzir as 13º, 5. indica as situações em que o filho é assumido como dependente; o limite está nos 25 anos e não auferir valores mensais superiores à RMMG (remuneração mínima mensal garantida). Sumário: IRS (continuação). IRS (continuação) A propósito da incidência fiscal, falta referir a transparência. No 20º do CIRS temos uma norma onde se fala de sociedades transparentes, e onde se diz que, sendo qualificada uma sociedade como transparente quem é tributado diretamente são os seus sócios, daí que se fale em sociedades apesar de nos estarmos a referir ao CIRS. No fundo, se estivermos a falar de uma sociedade qualificada legalmente como transparente, tal significa que se vai desconsiderar a sociedade e o contribuinte não é a sociedade, mas sim o seu sócio e vai ser tributado em sede de IRS. Qual é a pergunta subjacente? O 20º não diz quem são essas sociedades. Diz apenas que há uma tributação direta dos sócios. Temos de conjugar o 20º do CIRS com o 6º do CIRC. O exemplo paradigmático destas sociedades transparentes são as chamadas sociedades de profissionais (ex.: sociedades de advogados). Na identificação do contribuinte de IRS, há que ter em atenção tudo o que falámos, nomeadamente a questão de estarmos perante uma sociedade qualificada legalmente como sociedade transparente. Se, nos termos do 6º do CIRC, estivermos perante uma sociedade transparente, qual é a consequência dada pelo 20º do CIRS? A tributação direta dos seus sócios. Quais os rendimentos que têm de ser alvo de análise de sujeição / não sujeição? Depende da situação agregado familiar; haver ou não cônjuges com tributação conjunta e dependentes que tenham ou não rendimentos. 3 MAI 2019 121 No esquema das várias etapas de cálculo do IRS, identificámos a necessidade de compreender que regras existem para a determinação do contribuinte residência, não residência com consequências na amplitude da obrigação fiscal (worldwide income ou apenas os rendimentos obtidos em território nacional). Havia que apurar da existência ou não existência de agregado familiar, e que para o conceito de agregado familiar, do ponto de vista fiscal, relevam apenas o cônjuge ou o unido de facto e os seus dependentes (o legislador apresenta aqui os filhos). Verificámos que esta etapa é fundamental para verificar quais os rendimentos que têm de ser abrangidos por aquele agregado familiar. 1B INCIDÊNCIA REAL A etapa seguinte por determinar, precisamente, quais os rendimentos sujeitos a tributação. RCP volta a frisar: nesta primeira etapa, não só estamos a falar em vários rendimentos (multiplicidade; estamos a categorizar o rendimento) como estamos a abordar a questão do rendimento bruto, sem qualquer desconto ou dedução. Verificámos que a resposta à questão da incidência real nos é apresentada nos arts. 1º a 12º. Olhando para o art.º 1º, verifica-se que são várias as categorias de rendimentos que o legislador identifica. Fala-se nas seguintes categorias: Categoria A dependente; Categoria B profissionais; Categoria E Categoria F Categoria G Categoria H rendimento do trabalho rendimentos empresariais e rendimentos de capitais; rendimentos prediais; incrementos patrimoniais; pensões. Nota: há alguns saltos nas designações porque algumas categorias foram extintas. Uma vez detetado o contribuinte e o seu agregado familiar, assim, a nossa preocupação, é olhar para os rendimentos obtidos por esse agregado familiar e qualificá-lo. A nossa preocupação passa por qualificar os rendimentos, portanto. RENDIMENTOS DE CATEGORIA A Os rendimentos de categoria A vêm expressos no art.º 2º, e o conceito base deste tipo de rendimentos assenta na existência de um contrato de trabalho e nas remunerações que são recebidas na decorrência desse contrato de trabalho. Está aqui a buscar-se um conceito de direito de trabalho laboral; e, portanto, estamos a cingir-nos a uma relação de chamado trabalho dependente. Quando é que há trabalho dependente? Quando o sujeito se insere numa hierarquia/sistema onde há espaço para receber instruções de certos superiores hierárquicos ou seja, temos uma lógica de direção e fiscalização do trabalho desenvolvido. Há uma ideia de subordinação. Não se fique com a ideai de que apenas quem tem um contrato de trabalho formal é que vê os seus rendimentos encaixar na categoria A. Teve-se consciência de abusos nas práticas laborais, de falos recibos verdes. Os falsos recibos verdes são encaixados como rendimentos de categoria A; olhese para o 2º, 1., 1., b) são encaixados os Ou seja, o que interessa é se há ou não autoridade, supervisão, posicionamento hierárquico numa lógica de dependência; a forma contratual não interessa (este é um caso de substância sobre a forma). Situações de pré-reforma são também encaixadas nesta categoria A, só passando a ser encaixados os pagamentos como verdadeiras pensões na categoria H quando se atingiu ai dade de reforma e há uma transformação do rendimento obtido. Aquilo que está subjacente ao art.º 2º - depois, no nº 2 e sobretudo no nº 3 é que tudo o que derivar do contrato de trabalho, daquela relação laboral deve ser encaixado como rendimento de categoria A. Não interessa se o recibo de vencimento diz que recebemos 100 de salário e 10 de prémio; não interessa se são 100 de salário e 1000 de bonificações. Chamemos o que chamarmos, a regra 122 é que tudo o que é recebido numa relação laboral dependente é considerado rendimento de categoria A. Mas há certos valores que o legislador assume como podendo não estar incorporados nesta lógica. Tome-se como exemplo o subsídio de refeição; olhe-se para o art.º 2º, 3., b), 2. Note-se que está exceder o limite legal estabelecido ou em que o exceda em 60 % sempre que o respetivo subsídio Imagine-se que o empregador paga 100 de subsídio de refeição e 1000 de vencimento. Se esta norma não existisse, o que faríamos? O rendimento de categoria A é 100. Mas o que resulta da norma não é isso. O que a norma diz é o seguinte: o subsídio de refeição não será considerado rendimento de categoria A e, portanto, não será tributado se cumprir com o limite legal estabelecido. Ou seja, há um diploma legal a estabelecer isto. Imagine-se que a lei diz que o subsídio de refeição é 90. O que o legislador está a dizer é que 90 não pode entrar para rendimento de categoria A, e apenas os 10 (o que excede). Qual é o rendimento de categoria A? É 1010. Assim, para certos rendimentos, apresenta-se legalmente um limite. Isto não quer dizer que o empregador decida pagar mais do que isso; ele pode fazê-lo. Mas a parte excedente do limite legal passa a estar incluído como rendimento de categoria A. Nota: imagine-se que pertencemos a um conselho de administração e não temos remuneração associada; somos administradores não executivos, não recebemos um vencimento, mas o conselho de administração reúne 2 vezes por mês e há que gastar aquele tempo e até deslocarmo-nos. A senha de presença é uma remuneração por aquele exercício localizado, circunscrito naquele espaço e tempo. Como não é salário, dir-se-ia que não é tributado, por não estar no âmbito da categoria B; mas tem de ser tributado, na verdade. Há outro aspeto que é importante ter em consideração sobre o que está ou não incluído. Há que ligar o art.º 2º com o 2º-A, onde se apresenta uma delimitação negativa do rendimento de categoria A. Certas remunerações decorrentes do contrato de trabalho não estão abrangidas pela tributação. O empregador, consciente do seu dever de criar um bom local de trabalho, apelativo, onde o trabalhador fica para lá da hora de funcionamento, cria uma creche para os seus colaboradores que têm 123 filhos possam levar os filhos para a creche e não tenham de se preocupar com ir e vir de um lado para o outro com creches privadas. O empregador oferece este serviço a todos os seus trabalhadores. É uma prestação em espécie, mas o Código pode encará-la como remuneração de trabalho; uma coisa não exclui a outra. Mas na questão dos fringe benefits, se o benefício é geral (para toda a comunidade dos colaboradores do empregador), não deve ser considerado como rendimento objeto de tributação. Imagine-se que somos todos colaboradores de uma empresa que teve lucro. São distribuídos dividendos aos sócios, mas os trabalhadores têm uma participação nesses lucros através de prémios. Os prémios de desempenho estão sujeitos a tributação em sede de categoria A, mas se os colaboradores decidirem que o pagamento do prémio não é em dinheiro e sim em vales-infância (o legislador, para consagrar uma política de incentivo à natalidade, para os colaboradores que têm filhos em idade escolar recebem vales, estabelece que os prémios não são sujeitos a tributação). Ou seja, em primeiro lugar, a regra é que tudo o que é obtido na decorrência de um contrato de trabalho deve ser considerado rendimento de trabalho dependente. Mas existem exceções. A primeira é que pode haver um diploma legal a estabelecer limites máximos de certas transferências entre empregador e trabalhadores, só tributando acima dos valores estabelecidos legalmente, caso do subsídio de refeição, das despesas de deslocalização e representação. E se estiver em causa a atribuição de benefícios não individuais, e, portanto, generalizados segunda questão esses benefícios também estão de fora. Se o legislador disponibiliza habitação ao trabalhador, ela tem de ser tributada. Já para criar certas medidas de extrafiscalidade, permite o legislador que, se o pagamento de certas quantias for efetuado como determinada forma legalmente regulada, elas não são objeto de tributação um exemplo são os vales de infância e as creches. Nota: há sujeição, mesmo que seja para toda a gente, exceto nos casos indicados na lei (vales de infância, creches v. 2º-A, 1., b)). Estes últimos rendimentos não estão sujeitos (o que é diferente de isenção). Isto pode criar alguma injustiça entre quem tem e não tem filhos, mas é opção do legislador. Nota: a delimitação negativa significa exclusão, não sujeição. FalaNota 2: os vales sociais são regulados pelo DL 26/1999, que densifica estas matérias. E há orientações genéricas da AT sobre interpretação destes normativos; recordemos a conciliação das fontes. -se às exceções e à construção das exceções. Podem estar completamente de fora, mas veja-se também a questão dos subsídios de alimentação, que são considerados no que corresponde ao excesso do valor legalmente estabelecido. Tendo aberto atividade nas Finanças, desenvolvendo uma atividade destas, os rendimentos que obtemos pelos contratos de prestação de serviços são considerados rendimentos de categoria B. Se, pelo contrário, tivermos um estabelecimento comercial porque, por exemplo, vendemos almofadas em nome individual olhando para o 4º, 1., a), isto faz parte de uma atividade comercial e, portanto, também os rendimentos obtidos do desenvolvimento dessa atividade comercial são objeto de qualificação como rendimentos de categoria B. RENDIMENTOS DE CATEGORIA B Nota: se RCP for apicultura e produzir mel, é a mesma coisa. Os rendimentos de categoria B incorporam os rendimentos derivados de trabalho independente tanto como os rendimentos derivados de atividades empresariais. A questão do empresarial não significa uma tributação das sociedades (isso é feito no IRC); o que estamos a dizer é que as pessoas singulares que têm negócios em nome individual, desenvolvendo serviços, veem os seus rendimentos qualificados como de categoria B. Isto vem expresso no 3º, 1., a) e b). O que se entende por atividade comercial, silvícola, pecuária, etc., há que compatibilizar com o art.º 4º. Para fundamentar que a atividade desenvolvida é uma prestação de serviços e tem esta lógica por conta própria, devemos compatibilizar o 3º, 1., b) com a portaria 1011/2011, que contém a chamada tabela de atividades do 151º do CIRS. Olhe-se ao 3º, c). Estão igualmente na categoria B os rendimentos derivados de propriedade intelectual direitos de autor incluídos isto se formos o proprietário original (se tivermos sido nós a escrever). Se tivermos direitos de autor de terceiro (adquiridos), já não conseguimos ter o rendimento enquadrado em sede de categoria B. Nota 1: se não temos atividade aberta estabelecida junto das Finanças, e, uma vez por ano ou once in a lifetime, prestamos um serviço, que nos é pago. Também este rendimento é objeto de tributação em sede de categoria B, pois é qualificado como um ato único veja-se o 3º, 2., h) ou i). Este é um ato isolado, mas é também objeto de tributação, qualificando-se esse rendimento como pertencente à categoria B. Por que é que precisamos ir buscar o 151º do CIRS a propósito do 3º, 1., b)? Porque há uma classificação das atividades segundo uma classificação do INE, que faz parte de uma tabela aprovada por uma portaria do Ministério das Finanças, que é a portaria 1011/2011, onde há uma listagem das chamadas profissões independentes. Para iniciar uma atividade, tem de haver uma obrigação acessória, que é a declaração de início da atividade. O contribuinte dirige-se às finanças e declara que vai começar a desenvolver uma atividade profissional, e diz em que área é que tal vai acontecer. A área tem de bater certo com estas indicações da portaria, mas ela não está completamente fechada. 124 Nota 2: cuidado com os rendimentos obtidos por arrendamento. Imagine-se que temos uma propriedade e a arrendamos, pelo que temos rendas. As rendas, à partida, poderiam ser encaixadas em rendimentos prediais. Todavia, vejase que o 4º, 1., n) permite atualmente que o detentor das rendas (portanto, o proprietário do imóvel que recebe as rendas pela utilização de terceiro) possa escolher ser tributado por aquele rendimento como rendimento como pertencente à categoria B. Nota 2a: RCP arrenda um castelo durante 6 meses, existe uma norma segundo a qual há que fazer a opção entre rendimento de categoria F (predial) ou categoria B. Na declaração de rendimentos há uma manifestação da vontade, que cabe ao contribuinte decidir. O que significa em termos de consequência o que podemos deduzir, em sede de deduções específicas, é diferente. E, em categoria B, é possível que os rendimentos podem ser englobados. Mas se optarmos por categoria F, há uma tributação à parte com uma taxa específica para aquele rendimento apenas. Há diferenças de regime nas deduções e na taxa de tributação. Nota 2b: veja-se o 3º, 2., c). Se o rendimento predial não é porque temos uma casa e a arrendamos porque está vazia e para obter ganhos com isso, e sim porque temos uma empresa de gestão e arrendamento de espaços, então aí obrigatoriamente o que recebemos não é uma renda e sim a remuneração da nossa atividade. Aí, será uma atividade de categoria B; portanto, quando pensamos em rendimentos prediais, pensamos naqueles em que a atividade profissional não é gerir e arrendar espaços. Nota 2c: quando pensamos em rendimento, qual é a primeira pergunta? Se é atividade económica, vamos sempre para a categoria B. Se não for, vamos para a categoria F ou B. Ela é em primeira linha F, mas é dada legalmente a possibilidade de escolher que haja tributação como B. Nota 2d: olhe-se para o art.º 4º. O que resulta daqui? A atividade económica desenvolvida pelo sujeito tem um caráter profissional, não é um biscate. Tem forma, tem substância. Pode ser uma empresa em nome individual formada, website, contabilidade organizada; há uma estruturação da atividade desenvolvida (que não tem de ser exclusiva) desse parâmetro, que teve de ser declarada previamente. Se, pelo contrário, somos proprietários de um prédio, moramos no 1º andar, mas temos os outros vazios e os arrendamos o ano inteiro, o que acontece? Nessa circunstância, não há uma atividade económica de exploração daqueles 125 espaços. Como proprietários, estamos a ceder a terceiros e a receber uma remuneração em troca, mas não o fazemos enquanto atividade económica, e sim como proprietário no estímulo de rentabilização do património. Imagine-se que temos uma quinta e decidimos usála para ser feita a Gala da Faculdade, arrendando o espaço. Não é once in a lifetime; há claramente a possibilidade de o espaço servir para eventos. Aí há um negócio. Essa ideia de negócio é que está por detrás de rendimentos empresariais e profissionais. Há uma atividade aberta como gestores de eventos. Há um caráter de desenvolvimento negocial que não é a mesma coisa que sermos proprietários e retirarmos rendimentos pela cedência da propriedade sem um objetivo lucrativo. É diferente sermos agente económico com caráter comercial e ser agente proprietário que rentabiliza a propriedade existente. Uma coisa é haver negócio montado; outra coisa é arrendar só. Neste último caso, não há por detrás o substrato de desenvolvimento de uma atividade económica. Entremos, agora, na questão da propriedade intelectual. Imagine-se que RCP escreveu um livro, obtendo direitos de autor. Olhando para o 3º, 1., c), conjugado com o 3º, 5., verificamos que é qualificado o direito de autor recebido como rendimento de categoria B. Olhe-se, porém, para o final do 3º, 1., c); o que é dito na parte final? Quando auferidos pelo titular original. Assim, quando quem recebe não é titular originário, kaput categoria B; não é categoria B. Aqui, depende do quê? Nós originários) termos rendimento: (não titulares Ou porque alienámos os direitos de autor; Ou porque cedemos temporariamente aquela propriedade intelectual. Se alienámos, há que olhar ao 9º, 1.: há uma maisvalia (categoria G). Se, pelo contrário, cedemos temporariamente e obtivermos o que se chama royalties, então já temos rendimentos de categoria E (art.º 5º, 1. e 2. e art.º 2º, m)). Assim, há que ter cuidado. Só constituirá rendimento categoria B no caso de quem obtém os rendimentos ser o titular originário. Se não for, não será nunca categoria B, e dependerá de categoria E ou G conforme a operação económica. Se for uma mera cedência, temos rendimento de categoria E; se for uma alienação, temos rendimento de categoria G (mais-valias). Assim, o mesmo rendimento e a mesma natureza, dependendo do sujeito passivo que o aufere, tem qualificação fiscal diferenciada. A má qualificação dá origem a incorreção nas deduções específicas e na taxa de tributação. RENDIMENTOS DE CATEGORIA E Os rendimentos de categoria E (terceira categoria) são os rendimentos de capital. Ou seja, temos um certo montante disponível, aplicamo-lo, e, por esse montante aplicado, recebemos uma remuneração. Estes rendimentos de capital são o resultado de aplicações financeiras. Temos a disponibilidade financeira, aplicamos, temos uma remuneração associada. Essa remuneração é rendimento, que se qualifica como categoria E. Se olharmos para o nº 2, este apresenta uma listagem exemplificativa. Falamos de juros, lucros (não os obtidos, mas os distribuídos; os dividendos se formos acionistas e nos for pago um dividendo, esse dividendo é rendimento de capital). Os mercados financeiros e as remunerações a eles associadas estão ligadas a rendimentos de categoria E (rendimentos de capital). Há, contudo, a necessidade de ter a noção de que, se alienarmos partes sociais ou outros valores mobiliários, isso já constituirá rendimento de categoria G, por serem caracterizados no âmbito do 10º, 1, b) como mais-valias. Exemplo: imagine-se que somos acionistas e recebemos dividendos da empresa; eles são rendimento sujeito a tributação, porque qualificados como categoria E no âmbito do 5º, 1. e 5º, 2., h) lucros e reservas colocados à disposição dos associados. Se, pelo contrário, nos fartámos de ser acionistas e queremos rentabilizar, vendendo (alienando) as nossas ações, o que obtemos já não é rendimento de categoria E. Nos termos do 9º, 1., a) e 10º, 1., b), esse rendimento é qualificado como sendo de categoria G mais-valias. 9 MAI 2019 Sumário: IRS (continuação). IRS (continuação) Já identificámos como se determina o sujeito passivo do imposto. A primeira etapa era residente vs. residente e amplitude da obrigação fiscal, a segunda etapa é, se residente, a existência ou inexistência de agregado familiar e sua constituição e dimensão, com consequência na amplitude dos rendimentos a ser considerados. Depois de identificada a incidência pessoal, a segunda etapa assenta na determinação dos rendimentos brutos, ou seja, dos rendimentos sujeitos a imposto (IRS). Ficámos com a noção de que nesta etapa não falamos num rendimento global, mas antes numa multiplicidade de rendimentos que têm de ser todos qualificados na sua correspondente categoria. Portanto, o exercício a fazer é identificar o rendimento, qualificar esse rendimento à luz das regras das categorias de rendimentos no CIRS e, a posteriori, haver a identificação dos valores brutos. Verificámos que há várias categorias, sendo a primeira categoria A rendimentos de trabalho dependente. O elemento base caracterizador do trabalho dependente é a existência de uma relação laboral onde existe uma ideia de subordinação e hierárquica. Verificámos igualmente que não há necessidade de um contrato de trabalho formal; o que releva é a substância sobre a forma. Vimos então que, no 2º, também as prestações de serviços qualificadas como tal, mas que, na verdade se revelam verdadeiros contratos de trabalho (casos dos recibos verdes) devem ser qualificados como categoria A. 126 Na categoria B, há quer rendimentos profissionais, quer rendimentos empresariais. Quando há a qualificação da atividade laboral como sendo uma atividade por conta própria numa lógica independente e encaixando no quadro da portaria que tem o elenco das profissões consideradas liberais (1011/2011), verificamos que há um espaço para qualificar como rendimento de categoria B. Vimos, igualmente, que a atividade comercial, industrial ou agrícola (com os conceitos previstos no art.º 4º), vê os rendimentos aí apreendidos qualificados como sendo de categoria B. Identificámos ainda como de categoria B os rendimentos derivados de propriedade industrial e propriedade intelectual, incluindo direitos de autor, quando o titular originário seja o detentor desses rendimentos. Se não for, isto poderá pertencer à categoria E ou G. Há, ainda, na categoria B, a questão dos atos individualizados situações esporádicas que surgem sem lógica de repetição. Quanto à categoria E, vimos que tem que ver com uma remuneração de uma aplicação financeira. Há tanto a vertente de um instrumento financeiro que, regra geral, produz rendimento e encaixará na categoria A, e a questão dos lucros distribuídos. Quando somos acionistas de dada empresa, quando ela tem dados e distribui lucros (que juridicamente se chamam dividendos é a mesma coisa), temos também rendimento de categoria E. No âmbito dos direitos de propriedade intelectual, caso não seja o titular originário e o titular originário provoque uma cedência desses direitos e obtenha uma remuneração associada, isto é rendimento de categoria E. RENDIMENTOS DE CATEGORIA F Quando falamos na categoria F, estamos a referirnos a rendimentos prediais, isto é, a rendas. Olhese ao 8º, 1., isto inclui prédios rústicos, urbanos e mistos. É qualquer renda que derive de uma propriedade existente. Porém, na parte final deste nº 1 deteta-se uma realidade que tínhamos identificado no 4º, 1., n): a questão de o detentor da renda (quando se trata de um arrendamento) ter a possibilidade legal de optar pela tributação no âmbito da categoria B. Ou seja, se nada for dito, o 127 rendimento é de categoria F; mas o legislador permite a possibilidade de o sujeito passivo escolher ser tributado em sede de categoria B. Assim, há que ter em atenção que, quando falamos em rendas, a categoria legal imediata é a F, mas há que ter cuidado com a opção pela tributação em sede de categoria B. Há a fazer uma nota suplementar em relação ao alojamento local (28/2014). Se regressarmos ao art.º 4º, 1., h), verificamos que existe aqui a isto é essencial. Os códigos dos impostos, muitas vezes, não são autossuficientes, e é preciso compatibilizar a norma do Código com normas legais acessórias. No caso do alojamento local, este tem um regime legal / diploma próprio, onde, apesar de não trabalhar densamente as questões da tributação, aborda-as qualificando a atividade do alojamento local como uma atividade hoteleira ou similar, embora esteja dependente da qualificação do tipo de alojamento (moradia ou não, hostel ou não, etc.), regra geral, como pertencendo à categoria B no âmbito do CIRS. Não significa isto que os valores obtidos pelo arrendamento provisório em termos de alojamento local deem espaço para categoria F; na verdade, eles vão ser categoria B, e isto está muito ligado à atividade económica de exploração. É diferente arrendar de forma indeterminada ou de forma persistente, numa lógica de alojamento local. Veja-se este caso como uma situação em que há necessidade de compatibilizar legislação fiscal (CIRS) com legislação legal abrangente (alojamento local) com uma norma que remete para legislação fiscal. Veja-se que o que é assumido como renda é efetivamente um conceito lato. RCP faz nota do art.º 8º, 2., b), em que, mesmo que haja um arrendamento e uma renda que é paga mensalmente e um suplemento por mobiliário que é cedido nesse contrato de arrendamento, apenas aquilo que é obtido em sede de renda seria categoria F; mas não. Olhando a este artigo, as próprias importâncias obtidas pelo aluguer do mobiliário estão incluídas naquilo que constitui a renda. Igualmente veja-se que aquilo que é recebido pelo proprietário pela utilização do seu edificado para publicidade, também esses rendimentos são categoria F (8º, 2., d)). Inclusivamente, veja-se as antenas de telecomunicações. Estas quantias recebidas pela utilização do espaço para a colocação daquele aparelho também é, à luz do art.º 8º, considerado renda de categoria F. Assim, não fiquemos com a ideia de que renda é apenas o que se paga pela utilização daquele espaço. Inclui também tudo o que está associado àquele espaço. Há que ter atenção quando falamos em mais-valias. A ideia 1 é que é fruto da alienação o ganho obtido. E a ideia 2 é que isto é tributado no momento da realização. RENDIMENTOS DE CATEGORIA G Existem, ainda, as categorias G e H. Em relação à categoria G (e havia ainda a I), apelidada de incrementos patrimoniais, olhando ao 9º, 1., verificamos que, à partida, o que não for encaixado nas restantes categorias, e for rendimento (aumenta o património) tenderá a cair aqui. Todavia, há um tipo de rendimento que tem importância extrema e que normalmente é o mais relevante quando falamos de categoria G: são as mais-valias. Por isso, no art.º 10º, encontramos uma norma específica sobre esse tipo de rendimentos. O que é uma mais-valia? Quando pensamos numa alienação de um nosso bem, o que está pensado? Alienamos para obter um valor. Normalmente, adquirimos por 10 e vendemos por 15, para ter um ganho, sendo o ganho não os 15 (pois gastámos 10 para adquirir), mas sim 5. Desta forma, a mais-valia são esses 5; é o ganho que obtivemos face àquilo que tivemos como gasto para obtenção daquele rendimento. O que se está aqui a querer dizer é que constitui uma mais-valia o ganho que obtivermos da alienação de um bem económico, desde que essa alienação do bem económico não seja a nossa atividade profissional/comercial, caso contrário não será categoria G, e sim B. Esta ideia básica de maisvalia tem a ver com alienação e o ganho efetivamente obtido dela. RCP volta a frisar: as mais-valias tendem apenas a ser tributadas quando há a sua realização. Esta é uma ideia-chave. Até podemos conseguir vender por 15 a mesma coisa que comprámos por 10; ou porque agimos sobre o bem, ou porque a situação foi propiciadora disso. A mais-valia não é tributada no momento em que pode surgir na esfera jurídica, e sim no momento em que é realizada. Em regra, a tributação das mais-valias é feita no momento da sua realização. Quando há realização? Quando há Mas atenção. Se olharmos para o 10º, identificamos desde já que existe uma qualificação de mais-valia diferente consoante o bem que é alienado. Veja-se a alínea a) para a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis; depois, partes sociais e outros valores mobiliários; depois, propriedade intelectual, etc. Ou seja, dependendo daquilo que é alienado, há um tipo de mais-valia. Isto é importante porquê? Significa terceiro nível que dependendo do que é alienado há uma qualificação de um tipo de mais-valia, que é relevante para determinar qual a regra jurídica que vamos aplicar no cálculo da maisvalia. Como se determina mais-valia em causa? Qual o seu valor? Como vimos, se compramos por 10 e vendemos por 15, a mais-valia não é 15. Vamos ver como é que a regra geral determina o apuramento. RCP volta a frisar: depende do tipo de mais-valia em causa. O importante aqui é termos a noção de que aquilo que aquilo que vai ser tributado vai ser a diferença a diferença entre as mais-valias e as menos-valias. Se olharmos para o 43º, 1., verificamos que o que o legislador quer tributar é a diferença entre aquilo que é uma mais-valia e aquilo que é uma menos-valia. Ou seja, ideia 1 no mesmo ano fiscal, podemos ter obtido várias mais-valias. Podemos ter alienado vários bens, dando origem a várias mais-valias. Aquilo que o legislador quer tributar em sede de categoria G é o resultado do somatório de todas essas mais-valias. Ideia 2 se alienarmos dado bem que, à partida, poderia dar azo a uma mais-valia, também pode acontecer que tenhamos perda. Legalmente, ela chama-se, neste caso, menos-valia. Assim, quando vamos apurar o nosso rendimento de categoria G, há que ter em atenção as mais-valias e as menos-valias. Às mais-valias temos de retirar as menos-valias que eventualmente tenhamos; vamos ter mais-valias - menos-valias. nossa esfera jurídica. Nota: no exemplo da Expo, havia uma qualificação como imposto das contribuições especiais por melhoria (art.º 4º, 3.) como impostos. Aqui falamos de todos os outros aspetos que não tem a ver como uma legislação específica. Nota: podemos vender por 11 uma ação que comprámos por 10. Não tem de estar em causa um imóvel, e não têm de ser valores astronómicos. Quando identificamos um rendimento como pertencente a uma categoria, estamos a assumir um mais um plus mas temos de perceber que de uma operação de que resulta um rendimento, na 128 comparação com aquilo que foi a base do valor para a alienação pode não resultar um ganho, mas uma perda. Portanto, isso tem de ser considerado. Apesar de estarmos a trabalhar em microrendimentos ainda (antes do englobamento), que se qualificamos como incremento patrimonial, e aí dentro do campo das mais-valias, há que ver que nem todas as alienações têm um ganho associado; algumas representam uma perda. E se há um a perda, o legislador tem isso em atenção. Tributamse os ganhos, mas abatem-se operações que não levam a ganhos, e sim a perdas. Isto tem a ver com uma questão de justiça do próprio sistema. O que vemos a propósito do 43º? A primeira ideia é que olhamos paras operações, e a categoria G é o somatório das mais-valias. Se tivermos menosvalias, desconsideramos. Ficamos na mesma com o problema de resolver terceiro nível como é que determinamos se temos uma mais-valia ou menosvalia. Olhe-se ao art.º 10º. Dependendo do tipo de bem em causa, temos uma qualificação diferente de mais-valia. Portanto, a regra de tributação e de apuramento da mais-valia é específica. Vai estar especificamente aliada a esse tipo de bem em concreto. Regra geral, olhando ao art.º 10º, 4., a), o que é, regra genérica, sujeito a IRS? A diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição. Assim, a mais-valia é calculada tendo em atenção pelo menos dois valores: o valor da aquisição do bem que foi objeto de alienação e o valor de realização. Isto o traz na necessidade apurar o que se entende, do ponto de vista legal, como valor de realização e valor de aquisição. Daí, precisamos de ir ao 44º e segs. Olhe-se aos arts. 45º a 49º. Estes artigos identificam o que, para o legislador, constitui o valor de aquisição. Depende o valor de aquisição da foram como obtivemos aquele bem. O 45º fala no valor de aquisição a título gratuito, se não tivemos gasto para o bem vir para a nossa esfera jurídica. O 46º fala em valores imóveis em que gastámos para a aquisição. O 48º fala em partes sociais, e o 49º em tudo o que não foi especificado pelos artigos anteriores. Ideia 1 o apuramento do valor de aquisição (45º a 49º) depende da situação em que estivermos inseridos. Ideia 2 apurado o valor de aquisição, nos termos destes artigos, qual é o valor de realização? Há que recorrer ao art.º 44º. 129 O que interessa aqui? De que estamos a falar? Temos incrementos patrimoniais, categoria B. O que estamos a analisar dentro deles? Mais-valia. A maisvalia para apuramento (categoria G) tem em atenção todas as mais-valias e menos-valias obtidas num ano fiscal (43º, 1.). Dependendo do tipo de maisvalia (art.º 10º, 1. e suas alíneas), temos regras diferentes de apuramento desse valor sujeito a tributação. Assim, há que qualificar as mais-valias. A regra do 10º, 4. diz o quê? Que a mais-valia é a diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição. Como se obtém o valor de aquisição e o valor de realização previstos aqui? Há que ir ao 44º e segs. No 44º, obtém-se o valor de realização aquilo que vulgarmente se chama o valor pelo qual vendemos. Mas, olhando ao 44º, 1., o valor em causa depende do tipo de mais-valia em questão, no âmbito do encaixe feito no 10º, 1. O apuramento do valor de aquisição depende da forma como o bem entrou na nossa esfera jurídica (gratuitamente ou por via onerosa), e, se for por via onerosa, depende do tipo de bem em causa. Atenção: é este o esquema. Qualificar e depois determinar o valor em causa, atendendo à tipologia de mais-valia e às regras específicas de apuramento dos valores em causa. Nota 1: olhe-se ao 44º. Se for uma troca, o que temos? Existem regras que tentam quantificar o que for obtido. Se fomos alvo de expropriação, há o valor da indemnização; noutros casos, há o valor de mercado. E em casos não previstos, há o valor da contraprestação. Nota 2: quando o de cujus passa o bem para a esfera dos seus herdeiros, há que ter em atenção que há aqui uma operação decorrente de uma sucessão. Nessa circunstância, não se aplica o IRS, e nada disto interessa à partida, porque, se se aplicar alguma coisa, o que conta é o chamado imposto do selo. Nós abolimos o imposto sucessório. Mas há uma nota quanto aos familiares diretos, como o cônjuge. O que acontece é que não há uma tributação; ela está fora, com uma isenção. Não se aplica esta questão. Todavia, podemos ter obtido o bem a título sucessório e depois aliená-lo. Aí o valor de aquisição é pelo título gratuito. Há que ter em atenção esta ligação e esta duplicidade. Como se vê na alínea f) do nº 1 do art.º 44º, a regra passa por o valor de realização ser o valor da contraprestação. Se não há uma norma especial a) a e), a contraprestação é o valor da realização, ou seja, aquilo que obtemos por alienar/ceder efetivamente a título definitivo o nosso bem. Todavia, isto é uma versão muito simplificada. Simplificada porquê? Há uma primeira justificação para complexificar esta questão. Olhe-se ao 43º, 3. verificamos que há uma isenção de parte do rendimento obtido com a alienação. Ou seja, apesar de o rendimento ser qualificado como mais-valia pelo 10º, e apesar de como consequência o rendimento estar sujeito (está na clara do ovo estrelado), há situações onde o legislador isenta. Neste caso, não isenta a totalidade e sim parcialmente o rendimento de tributação. Exemplo disto é o nº 3 do art.º 43º é o resultado total das mais-valias menos as menosvalias. Falamos de partes sociais e outros valores mobiliários, e de micro e pequenas empresas (o que requer legislação especial sobre esta qualificação), só há 50% do valor (do resultado total). Por aqui se vê o grau de complexidade e interligação da legislação fiscal, neste caso, com legislação económico-social. E veja-se o 43º, 2., e em especial para a alínea b). Fala-se das transmissões efetuadas por residentes. A incidência pessoal está a determinar uma regra específica na tributação, para além da regra genérica de sujeição (se não for residente, não tem direito a isto). Olhando às alíneas a), c) e d) do art.º 10º, o que acontece? Na alínea b), apenas é considerado em 50% do seu valor. Há uma isenção de 50% do rendimento. Qual é o aspeto que aqui evidenciamos? A regra geral é mais-valias menos-valias. Há que ir ao valor de realização e compatibilizar com o valor de aquisição. Temos regras específicas para apurar este valor. Mas só isto pode não bastar, porque, dependendo da mais-valia em causa, pode haver uma isenção parcial e, portanto, neste caso, apenas metade do rendimento obtido está sujeito a tributação. Há, ainda, mais um grau de complexidade. Peguemos na questão dos imóveis. No 43º, 2., b), verificamos que apenas 50% do valor será tributado. Porém, o cálculo da diferença entre valor de realização e valor de aquisição não chega. Olhe-se ao art.º 50º e para o 51º do Código. O que significa isto? Há que ter em atenção que, quando calculamos as nossas mais-valias (e utilizamos a fórmula de diferença entre valor de realização e valor de aquisição), temos de estar a comparar verdadeiramente comparáveis. Se adquirimos a casa em 1940 mas só alienamos em 2019, há um problema: não só a questão dos escudos face aos euros (isso não é o mais importante), e sim o valor da moeda. Não é possível comparar os fatores. Logo, o legislador pede para fazermos uma chamada correção monetária, atualizando o valor da aquisição. Portanto, temos de poder comparar o valor que recebemos agora com o valor que efetivamente pagámos. Como foi antes, e atendendo às flutuações e alterações da moeda, há que poder comparar e corrigir aquele valor. Por isso, vemos o art.º 50º, que remete para uma portaria que todos os anos é aprovada, contendo os coeficientes de correção monetária consoante os anos em causa. Além desta necessidade de corrigir o valor, para poder comparar, o ganho que obtivemos pode ser justificado com despesas/gastos que fomos fazendo ao longo do tempo para melhorar o nosso bem. Se tivemos esses gastos para melhorar o bem e valorizá-lo, então a justiça diz-nos que temos de considerar esses gastos na determinação daquilo que vamos efetivamente obter como ganho. Como tal, o legislador, no 51º, diz que é necessário atender-se às despesas e aos encargos. Da aplicação de todos estes artigos, o que resulta? Uma fórmula matemática. Estamos a tratar de valores, e queremos apurar um quantitativo para ser objeto de tributação. Logo, nasce uma fórmula matemática que tem de ser aplicada para determinar a maisvalia. Pensemos na questão das mais-valias dos imóveis, para vermos o que resulta do somatório de artigos indicados pelo legislador. O que acontece? O art.º 43º, 2., b) diz o quê? Que só vamos tributar 50% da nossa mais-valia. Agora, porém, falamos em 50% de quê? O que é a maisvalia? Há que olhar ao 10º, 4. Há uma diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição. A diferença vem de onde? 10º, 4. Como calculamos o valor de realização? Há que olhar ao 44º. Assumamos que houve uma alienação do imóvel. Olha-se ao 44º, 1., f) (vendemos a casa, pagaramnos dinheiro, esse valor obtido é o valor da realização). Qual é o valor de aquisição? Imagine-se que comprámos a casa em 1979. Que artigo temos de usar para determinar o valor de aquisição? O 46º. Este artigo diz que, à partida, se considera valor de aquisição o que tiver servido para liquidação de IMT. Porém, não há só isto. Se comprámos o imóvel em 1979, há que comparar valores. É preciso criar uma operação para atualizar o valor. É preciso ver um coeficiente de correção monetária, que vem no art.º 130 50º. Isto necessita da portaria do ano em causa da operação para se poder fazer a atualização. Se comprámos por 1000, há que multiplicar isso por 11,92. Há uma correção monetária a fazer. Contudo, o que temos de perguntar? Se fizemos obras na casa. Imaginemos que pintámos a casa e gastámos 5; que fizemos uma remodelação na cozinha que custou 10; etc. Temos de poder, nos termos do art.º 51º, deduzir despesas com a alienação ou com a aquisição mais encargos. Imagine-se que se coloca a casa numa imobiliária, que cobra X % do valor alienado. Isto é importante: podemos ter vendido por 100, mas ter tido de pagar 2% à imobiliária. Ora, esse valor tem de ser deduzido. contraprestação obtida, o tipo pode ser determinante para a qualificação daquilo que é efetivamente maisvalia em termos fiscais, e podem existir múltiplas operações a serem desenvolvidas para a determinação desse quantum. Nota: o erro de não considerar tem implicações no montante final a pagar. Há que perceber o impacto dessa aplicação, que muitas vezes facilita a perceção. RENDIMENTOS DE CATEGORIA H Assim, é verdade que a base de cálculo das maisvalia é o valor de realização valor de aquisição. É aquilo que a lei diz. Porém, só isto pode não chegar. As normas sobre a categoria G podem complexificar. O primeiro aspeto é que, no apuramento do valor de aquisição, temos de atualizá-lo para poder compará-lo com o real valor que obtivemos. Por outro lado, se tivemos despesas com aquele bem, alienação, etc. (51º), temos de permitir que haja uma dedução. Além disso, há que ver que o legislador pode dizer que aquilo que obtivemos de mais-valia, ainda que sujeito, é apenas parcialmente sujeito, pois gera uma isenção (de parte do rendimento). Então, o que acontece? Aparecem os 50%. Veja-se, assim, como as normas fiscais podem dar origem a uma determinação do valor em concreto. Estamos a falar da alienação de um imóvel a título oneroso, e da obtenção de um ganho. Mas aquilo que é objeto de tributação bruto obtido daquela tributação. Há que ter em atenção, efetivamente, o que é líquido de rendimento obtido. Para isso, é preciso desconsiderar gastos associados a essa obtenção de rendimento. Veja-se como uma sequência de artigos que almejam uma questão de justiça e uma obtenção do rendimento de acordo com a efetiva capacidade contributiva (e não aparente) produz uma fórmula matemática. Percebe-se que na administração tributária é importante a parte da programação da fórmula matemática, onde, introduzidos os valores, temos o cálculo do valor devido. Serve isto para revelar e RCP quer que encaixemos isto que apesar de estarmos a falar de rendimento de categoria G e, dentro destes, os mais relevantes serem as mais-valias o cálculo da maisvalia pode ser um exercício não tao simples como isso. O cálculo da mais-valia não é igual ao valor da 131 Falta-nos passar em revista a última categoria: categoria H (pensões). Pensamos naquilo que conhecemos como reformas. Os rendimentos de categoria H são as chamadas pensões. Regra geral, encaixa-se automaticamente a questão das prestações devidas por velhice, mas também por invalidez ou de sobrevivência (alínea a) do nº 1 do art.º 11º). Em finanças públicas, falámos do sistema complementar. Vimos que o sistema é composto por uma parcela contributiva, uma parcela não contributiva e ainda uma terceira componente (complementar), que assenta voluntariamente em contribuições feitas suplementarmente pelos trabalhadores. Também há o 11º, 1., b) a revelar que estas prestações obtidas dos sistemas complementares também são consideradas rendimentos de categoria H. Atenda-se a que igualmente se está a pensar nas pensões obtidas no âmbito do poder parental a pensão de alimentos também está incluída como rendimento de categoria H, para quem recebe. Já para quem paga é uma dedução, que veremos adiante. Já vimos, com o exemplo das mais-valias, que podemos ter rendimento sujeito, mas isento, que aparece em artigos específicos. Veja-se ao art.º 58º do EBF. Aqui temos um novo exemplo de rendimento sujeito (direitos de autor), mas parcialmente isento só 50% é tributado 58º. Este rendimento, apesar de ser sujeito, está isento (uma parcela dele). Nota: vimos que, apesar de um rendimento estar sujeito, pode estar parcialmente isento. Demos o exemplo das mais-valias, e recordámos que há outro caso que está no EBF em que o direito de propriedade intelectual (categoria B) está parcelarmente isento. Estes casos de isenção pressupõem a sujeição. Olhe-se, contudo, ao art.º 12º do CIRS. Aqui vê-se que existe espaço para nem sequer haver sujeição. Talvez isto devesse estar no art.º 2º, para evitar estar tão à frente. No 12º há certos rendimentos que não estão sujeitos. É o caso, por exemplo, de bolsas atribuídas aos praticantes de alto rendimento desportivo. Há uma regulação específica indicada; não há sujeição. Nota: a SS atribui subsídios a pessoas com invalidez superior a 60%. Estas ajudas são rendimento para efeitos de categoria H? Temos de ir buscar o sistema de segurança social e a divisão entre contributivo e não contributivo. Se for derivado de uma prévia contribuição, o que é que nos diz o 11º, 1., a)? Diznos que sim. Porém, se for uma prestação social financiada pelo sistema não contributivo, que implica a condição de recurso (ou seja, carências que dão origem àquilo), não há sujeição. Aquilo que é pago pelo sistema não contributivo, regra geral, não está sujeito a tributação em sede de IRS - por exemplo, o RSI não está sujeito a tributação em sede de IRS. Tal não significa que, no âmbito do sistema contributivo, não possa haver algumas prestações que não estão sujeitas a tributação em sede de IRS. É o caso das prestações de parentalidade: elas não estão sujeitas. Isto tem a ver com uma política de apoio à natalidade. Mas se houver mais de 60% de incapacidade, já há sujeição. O que estamos a dizer? Há que compatibilizar o valor obtido com a origem, fazendo uma conexão entre sistema de segurança social e fiscal, identificar o regime jurídico e ver se há alguma conexão. quantitativo até ao qual não se tributa, por se entender que, até àquele limite, não há uma verdadeira capacidade contributiva. É rendimento, mas não pode ser alvo de tributação, porque o Estado tem de garantir que não é afetada a existência condigna. 2 APURAMENTO DO RENDIMENTO LÍQUIDO / DEDUÇÕES ESPECÍFICAS Resolvido o patamar da incidência (pessoal e real), o passo seguinte é olhar para cada rendimento e proceder às deduções específicas. A etapa consiste em, do rendimento bruto, passar para o rendimento líquido. Continuamos ainda a funcionar em vários rendimentos, pois as deduções específicas existem porque, para cada tipo de rendimento, entendeu o legislador que deve ser deduzida determinada parcela necessária à obtenção daquele rendimento. categorias de rendimentos específicas, como veremos. têm deduções Assim, primeiro trabalhámos a questão da incidência pessoal e real, obtivemos os rendimentos brutos e agora vamos proceder ao apuramento dos rendimentos líquidos. Como é que o fazemos? Através, como vimos, das deduções específicas. Note-se que continuamos a funcionar categoria a categoria. RENDIMENTOS DE CATEGORIA A Nota: há uma ausência de condições económicas que permita uma existência digna. Há capacidade contributiva, que é obtida, contudo, com a transferência de valores. E dizrendimentos são reduzidos e não são efetivos, só surgiram com aquela possibilidade. Atenda-se ao 70º do CIRS, que fala em mínimo de existência. O que aqui se diz é que o Estado só pode tributar se o rendimento líquido depois da tributação que sobra for capa de contribuir para uma existência condigna. O que se fez? Estabeleceu-se um limite O que é que o legislador entendeu dever deduzir-se para a categoria A? Se estivermos perante rendimentos de trabalho dependente, o art.º 25º permite uma dedução (nº 1, a) 104. O que diz o legislador? Ao rendimento bruto de cada titular que tenha auferido (imagine-se um casal; são 1 104 são deduzidos num e outros no outro, ou juntando tudo). Note-se 132 que isto é tudo igual para toda a gente. A lógica é de proporcionalidade e não de progressividade naquilo que é dedutível. A ideia na categoria A é garantir que uma parte do rendimento que é obtido não vai ser objeto de tributação. Mais uma vez, isto reforça a lógica do 4 104 têm a ver com critérios económicos, e aparecem com a aplicação de 3 ou 4 vezes o valor 104 têm que ver com o limite dos limites que tem sempre de ser assegurado e está fora de tributação. Mas esta é a versão express. Pode ter de se deduzir 104 se a 2 000, e não se é tributado). Qual é a exceção? Olhe-se ao 25º, 2. Se, porém, as contribuições obrigatórias para regimes e proteção social e para subsistemas sociais de saúde excederem o limite, a dedução é pelo montante total dessas contribuições. 104 tem de ser posto de lado, mas, se a contribuição para a Segurança Social obrigatória 104, o que acontece? É o valor 104 que é deduzido. Na prática, o que 104 é garantido, mas depois há que saber quanto é que no ano o sujeito passivo pagou de contribuições obrigatórias, e compara-se o 104 com o valor de contribuições obrigatórias, para deduzir o maior dos valores. 104. O que faz isto? Que tenha de se saber qual o regime do trabalhador de SS, para saber qual a contribuição efetuada pelo trabalhador. Regra geral, será 11%, mas pode preencher requisitos de um regime especial, e pode ser diferente. A base legal é o Código dos Regimes Contributivos. determinação dos rendimentos empresariais e profissionais faz-se alínea a) com a aplicação das regras do regime simplificado e b) com base na contabilidade. Ou seja, aquilo que será possível deduzir ao rendimento bruto obtido em sede de categoria B depende de o contribuinte estar sujeito a regime simplificado ou a regime de contabilidade organizada. A dedução aos rendimentos de categoria B depende do regime que for aplicável (regime simplificado ou contabilidade organizada). Como sabemos se é um ou outro? Depende do anterior. Olhe-se para o 28º, 2. O legislador diz-nos que quem, no ano antes, tiver 000, tem por consequência que pertence ao regime simplificado. Em contrapartida, se no anterior os rendimentos líquidos brutos de categoria fora superiores a 200 mil, isso significa contabilidade organizada. Assim, a qualificação do regime em que ficamos abrangidos depende do valor obtido no ano anterior. E se ano anterior não houver nada, por ser início de atividade? O legislador prevê uma norma para isso. Veja-se o nº 10. Fala-se em início de atividade, e tem a ver com uma estimativa daquilo que se pretende obter. Dependendo do regime simplificado ou da contabilidade organizada, há diferentes deduções a fazer. Nota: se não tiver havido nada no anterior, então o valor é 0; não há aí início de atividade. Os rendimentos de trabalho dependente estão no art.º 25º 104, ou, olhando ao 25º, 2., aquele que foi o valor superior em termos de contribuições obrigatórias (não as complementares ou voluntárias) de Segurança Social. RENDIMENTOS DE CATEGORIA B Se, pelo contrário, não estivermos na categoria A e sim na categoria B, o caso muda de figura. Nessa circunstância, a dedução depende. Depende, em primeira linha, do valor que foi obtido no ano anterior. Olhe-se ao 28º do CIRS. O nº 1 diz-nos que a 133 Se tivermos um regime de contabilidade organizada, olhe-se ao 32º. Há uma remissão para o CIRC. Portanto, o apuramento do rendimento líquido em sede de categoria B do sujeito passivo que tem contabilidade organizada depende das regras de contabilidade fiscal previstas no CIRC. Assim, o apuramento desse rendimento líquido é feito com base nas regras do IRC, e não nas regras do IRS, com exceção do previsto em certos artigos, e com as adaptações dos arts. 32º-A a 39º-A. O que é que RCP quer que saibamos? Se formos um sujeito passivo com contabilidade organizada, isso significa que o apuramento do rendimento líquido de categoria B é feito, nos termos do CIRC, compatibilizado com o CIRS (32º-A a 39º- A). Em termos contabilísticos, como se avalia o rendimento líquido / lucro? Rendimentos gastos, mas não é só isto. Em sede de IRC, o rendimento líquido do período (RLP) que é dizer o mesmo que lucro contabilístico isto não é igual ao lucro fiscal. Ou seja, há regras fiscais que condicionam quanto se pode deduzir, o que se pode deduzir. Assim, não basta saber que da contabilidade pura resulta um lucro de 100, porque d aplicação das regras fiscais pode resultar um lucro fiscal de 1000. A regra da contabilidade pura pode não ser igual às regras da contabilidade fiscal. Assim, a base para compreender é o seguinte: se somos sujeito passivo de IRS e temos rendimentos de categoria B, estando sujeitos a contabilidade organizada (32º e segs. do CIRS), há que apurar o rendimento líquido de categoria B com base no CIRC adaptado com o 32º-A e segs. do CIRS. Assim, tem de haver uma compatibilização entre regras de cálculo de lucro tributável e regras adaptadas a estes casos concretos previstos no CIRS. Nota: considera-se o período 1 de janeiro a 31 de dezembro. Mas quando há declaração de rendimentos? Agora, é em maio até junho (do ano seguinte). Ora, não podemos, a meio, refazer as contas todas. A 1 de janeiro, temos de saber o que vamos aplicar. Porque se tivermos de ter contabilidade organizada, há regras a respeitar. Temos de conhecer as entradas e saídas. Qual é a base para sabermos a nossa obrigação? O que obtivemos no ano anterior. É muito normal, nas regras fiscais, encontramos um apuramento de obrigações com base no ano imediatamente anterior. Isto tem a ver com uma lógica de haver ou não contabilidade. Nota: a contabilidade organizada, antigamente, correspondia a livros (agora a programas informáticos) que tendem a cumprir com as regras contabilísticas que existem. Há uma preocupação internacional de uniformização, procurando saber-se o que se lança, o que se considera, o que não se considera. Contabilidade organizada significa que todas as entradas e todas as saídas têm de ter uma contabilização. No regime simplificado, isto não acontece. E as regras não são as mesmas. É uma lógica empresarial; o volume de atividade exige um grau de contabilidade evoluído. Nota 2: o que entra e o que sai não são operações aritméticas, há regras que dizem que só parcelas podem ser deduzidas. Se não temos obrigação de contabilidade organizada, então aplica-se o regime simplificado. Note-se que o legislador, no 28º, 3., permita que quem tem regime simplificado pode ter contabilidade organizada, mas já não o inverso. O que podemos deduzir quando temos regime simplificado? Veja-se o 31º. Dependendo do título de atividade que desenvolvemos, há uma regra de quantidade do que podemos deduzir. Aqui varia o que podemos deduzir. Olhe-se para o 31º, 1. Se a nossa atividade é a venda de mercadorias e produtos (ou prestações de serviços na restauração, hoteleiras ou similares), o que vai ser tributado é o resultado da aplicação de 0,15 ao rendimento bruto. Pelo contrário, se somos profissionais independente (daquela lista da portaria 1011), o que acontece no 331º, 1., b)? O coeficiente é 0,75. Se há uma prestação de serviços fora da lista das profissões liberais, então o coeficiente é 0,35, etc. Assim, dependendo do tipo de atividade económica, permite-se uma dedução concreta. É algo que varia. Mesmo sendo regime simplificado, o tipo de atividade vai fazer com que varie a quantidade do que é dedutível ao rendimento bruto. Todavia, isto complica mais. Se formos jurisconsultos e abrimos atividades, prestando serviços de consultoria fiscal, o que acontece? Passamos recibos. Estamos na categoria B, e encaixamos na prestação de serviços de atividades profissionais (listagem da portaria 1011). À partida, o 31º, 1., b) diz que o que é tributado são 0,75. O remanescente fica de fora e não é tributado. Se olharmos para o nº 2, após a aplicação dos coeficientes aí previstos, podem ser deduzidos até à concorrência do rendimento líquido assim obtido, os montantes comprovadamente suportados como contribuições obrigatórias para regimes de proteção social conexas com as atividades em causa. Mas não é dito só isto -também se diz que é na parte que exceda 10% dos rendimentos brutos, quando não sejam deduzidos a outro título. Complexidade 1 se somos trabalhadores independentes, e também como trabalhador independente estamos sujeitos a contribuições obrigatórias para a segurança social (nota: as de 134 trabalhador dependente já estão consideradas na categoria A), essas também podem ser deduzidas se excederem 10% dos rendimentos brutos. Assim, acumula-se essa possível dedução. aquilo que pode ser abusado o espaço de abuso por pare dos contribuintes para redução da carga de tributação. LER 13 E ALÍNEAS Aqui há uma lógica de proteção conexa com a atividade. A lógica profissional tem de ser considerada, se não houve dedução a outro título. Nota: por que é que as vendas de mercadorias têm coeficiente de 0,15? Isto tem a ver com estudos económicos que demonstravam que a quantidade de gastos, o risco, o peso e a gestão de stocks a isto obrigaria. Há uma lógica de proteção. 10 MAI 2019 Sumário: IRS (continuação) E há um segundo nível de complexificação. Olhe-se ao nº 13. Qual é a complexificação do 13.? Qual é o objetivo? Desmistifiquemos. O que está aqui a ser dito? No 31º, 1., encaixámos o tipo de atividade. Aí, percebemos que temos uma dedução efetiva a ser feita. O que diz o nº 3? Se encaixamos na alínea b) ou na c) (atividades profissionais / advogados), os 0,75 que aqui estão são parcialmente condicionados. O que quer isto dizer? É verdade que são 0,75, mas atenção pode não ser. Como é que sabemos se são ou não os 0,75? Isto está condicionado a quê? À verificação de despesas e encargos efetivamente suportados. Significa que, para serem só 0,75 assumidos, os 0,25 que faltam têm de ser efetivamente gastos que tenha tido. O que acontecia antes de isto existir? Tenha tido gastos efetivos ou não, só 75% do rendimento era tributado. Aqui dizHá que provar que houve gastos em 25%; vamos limitar isto ao que efetivamente aconteceu. Há um condicionamento daquilo que é o valor a ser descontado. Há que notar apenas que o que se diz até aqui é: 0,75, mas atenção há que provar que foi gasto mesmo aquilo que é para descontar. Se repararmos, a norma diz que, acrescendo ao rendimento apurado nos números anteriores, se equipara aos 0,25, há que ter em atenção mais valores. E são estes valores específicos. Portanto, o raciocínio não para. Há uma abordagem de capacidade contributiva efetiva o que desconto deve bater certo com aquilo que gastei. Note-se que, quanto mais for necessário o Estado combater evasão e planeamento fiscal agressivo, uma das consequências imediatas é a complexificação das normas fiscais. Parte da complexidade das normas fiscais advém da tentativa de o legislador tentar circunscrever ao máximo 135 IRS (continuação) Estamos a apurar os rendimentos líquidos, fazendo aquilo que o legislador fiscal determina como deduções específicas. Cada categoria tem regras para as deduções. Analisámos a categoria A e parte da categoria B. A dedução específica da categoria B depende: 1) Se temos regime de contabilidade organizada ou simplificado. Olhando ao 28º, 2., já sabemos como determinar isso. 2) Se tivermos contabilidade organizada, vamos aos arts. 32º e 39º-A, onde há uma remissão para o CIRS, com as adaptações previstas especificamente nestes artigos no âmbito do IRS; havendo um apuramento do lucro tributável nos termos previstos em IRC. 3) Se tivermos regime simplificado, o ponto de partida é, de acordo com o 31º, a determinação do valor do rendimento tributável através da aplicação de um coeficiente consoante o tipo de atividade desenvolvido, sendo que estudos económicos deram origem à logica de seleção dos comportamentos aqui apresentados. No caso específico dos rendimentos derivados de atividades profissionais e outras prestações de serviço, o 31º, 13. coloca um condicionamento a estas deduções. No nº 13, há uma primeira dificuldade: perceber o que é dito. veterinários, isso não conta; note-se que esta alínea é importante, por exemplo, para comprar produtos na Amazon). Vimos que este tipo específico de atividade os 0,25 que faltam nas atividades profissionais só vão ser efetivamente deduzidos se comprovadamente tivermos despesas desse valor. Portanto, está parcialmente condicionada a verificação de despesas e encargos efetivamente suportados. Depois, tudo isto complica ainda mais ao rendimento tributável apurado nos termos dos números anteriores a diferença positiva entre 15 % dos rendimentos brutos das prestações de serv . O que significa isto? Há que comparar o que gastámos efetivamente com 15% mais do rendimento bruto obtido. Isto menos o somatório de um conjunto variado de importâncias, nas alíneas a) a f). Acresce ao rendimento tributável (75%) qualquer coisa. Que coisa? A diferença positiva (se for negativa, kaput) entre 15% dos rendimentos brutos da prestação de serviços e o somatório de certas importâncias. Quais? Está a dizer-se o seguinte: no apuramento do condicionamento, não devemos fazer pura e simplesmente uma verificação, se o conjunto das despesas é de 25% - que é o que resultaria se o nº 13 acontece é um confronto entre um conjunto variado de valores que o legislador enquadrou como sendo legítimos para o exercício daquela atividade, tendo em atenção que este somatório de despesas tem de ser suportado com 15% do rendimento bruto, tendo a diferença de ser . Nota: é preciso ter em atenção a terminologia. Rendimento bruto, rendimento tributável, rendimento coletável e coleta são conceitos diferentes. O legislador também fala em rendimentos líquidos e ilíquidos Tem-se que: O montante de dedução específica previsto no 25º, a,) 1.); Despesas com pessoal e encargos a título de remunerações, ordenados ou salários; Rendimento bruto = ilíquido Rendimento após tributável/coletável. deduções = rendimento Rendas de imóveis afetas à atividade profissional ou empresarial; 1,5% do valor patrimonial dos imóveis afetos à atividade empresarial ou profissional; Outras despesas com a aquisição de bens e prestações de serviços relacionadas com a atividade; Importações ou aquisições intracomunitárias de bens e serviços relacionados com a atividade (nota: se somos médicos e comprámos comida de cão, a não ser que pretendamos tornar-nos Qual é o porquê desta norma? Ela apareceu em 2017, para entrar em vigor a 01/01/2018. O objetivo, dito pela AT, foi garantir uma maior justiça na tributação entre os trabalhadores dependentes e os independentes, e uma lógica de efetivação da capacidade contributiva (efetiva). Antes, havia um 0,75 e acabava ali. Como se calculava o rendimento líquido de categoria B para profissionais independente? Rendimento bruto, 0,75, o resultado era o rendimento tributável. O regime era mesmo muito simplificado. 136 Com uma lógica de equilibrar e fazer a capacidade contributiva ser efetiva, a AT passa a exigir um teste se o que vai ser reduzido tem correspondência no conjunto das despesas efetuadas pelo contribuinte. não seria necessário, porque os 75% estariam garantidos. O que também há aqui é uma preocupação de obter mais receita. Em vez de se dizer que X será sempre considerado como devendo ser uma despesa, dizse que há que comprovar que foram feitas aquelas despesas, e que ascendem a um valor significativo. De outra forma, só o que gastámos mesmo é que vai ser deduzido. Nota 2: por que é que as informações vinculativas têm muita importância? E por que é que as orientações genéricas são tão relevantes? Falámos no direito circular como essencial para conhecer verdadeiramente o fiscal. Temos aqui dicas acerca de como a norma fiscal é aplicada. A norma fiscal é complexa, e a tendência é sê-lo cada vez mais. O direito circular está assente nestas construções meramente internas à AP. Muitas das formas jurídicas aqui são circulares ou despacho circulado, daí falar-se em direito circular. Nota: diferença positiva é superior a 0. Nota 2: o contribuinte tem interesse em que a diferença positiva seja a menor possível; tem interesse em que o somatório das importâncias das alíneas do nº 13 seja elevado. Veja-se como uma norma justificada em termos de discurso político que surge para equilibrar a capacidade real efetiva, no final, o que pode gerar é mais receita, com uma fórmula constituída com base nas normas do que se pode ou não deduzir e como isto é exigido. Há que ter em atenção que este regime, para este tipo de profissões, já não é talvez tão simplificado como isso. Há cada vez mais profissões de home office. O que se permite aqui? Apesar de ser um imóvel de habitação familiar, é equitativo e justo que os gastos desse imóvel possam também ser considerados. Uma parte do valor patrimonial não o valor total do imóvel é considerada para a despesa. Veja-se que, no nº 14, as coisas continuam: apensa 25% deste 1,5% é considerado, se falarmos de um caso de home office, porque não é a totalidade do imóvel que está à disposição do exercício daquela atividade. Nota: mesmo para quem não tem contabilidade organizada, nesta lógica do regime simplificado, há obrigação de ter livros com receitas e despesa. Isto é exigido por lei, mas ninguém cumpre. Este sistema, mais ainda com a alteração, exige que se tenham os livros, mas a AT nem vê isto nas inspeções. Implica-se um registo que supostamente 137 RENDIMENTOS DE CATEGORIA E Na categoria E (rendimentos de capitais), há deduções específicas? Não há. Regra geral, os rendimentos de capitais são tributados pelo seu valor bruto/ilíquido. -se para o 40º-A. Aqui verifica-se que pode haver uma isenção de 50% dos dividendos (i.e., os lucros distribuídos). Pode haver espaço para uma isenção de 50% dos dividendos. Mas tal só acontece (olhando ao 40º-A) se, em vez de serem tributados à parte, forem englobados. Recorde-se que, quando fizemos o esquema inicial do IRS, vimos deduções específicas e depois falámos em englobamento significa um somatório de todos os rendimentos líquidos. Dissemos que havia certos tipos de rendimento que não eram objeto de englobamento, sendo, portanto, tributados à parte. O tipo de rendimento por excelência tributado à parte é o rendimento de capital. Isto tem a ver com quê? Art.º 22º, 3., b), onde se diz que não Os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento neles previsto. Há a ideia base de que os rendimentos de capitais não é englobada, havendo uma tributação à parte. A base é o 22º, 3., b) conjugado com o 71º, 1., a). A regra geral é que são tributados à parte. Isto significa, olhando para os artigos das deduções especificas, como não encontramos qualquer dedução, que aqueles são tributado pelos rendimentos brutos. Quando o banco paga juros, já recebemos o valor líquido de imposto. Se pusemos 100 no banco, o banco não vai dar 10 e sim 8, porque há retenção na fonte / substituição tributária. Olhe-se, porém, ao 40º-A. O que está a dizer? Dentro dos rendimentos de capitais, os lucros distribuídos (dividendos) podem vir a ser considerados apenas em 50%, mas não sempre. Assim, a regra é serem tributados pelo valor bruto; mas se (40º-A) houver a opção pelo englobamento destes rendimentos isto é, se o contribuinte optar por englobá-los então só 50% do seu valor é que é considerado. Olhe-se para o 22º, 3., b). Dizo contribuinte obtiver rendimentos de capitais e assim quiser, pode optar por englobá-los. Se optar por englobar os rendimentos de capital, então eles vão acrescer ao somatório do englobamento. Tal significa que não são tributados à parte, passando a estar integrados no somatório que constitui o rendimento coletável e ao qual se aplica a taxa de imposto. Desta forma, fazem parte do somatório do rendimento coletável e aplica-se a taxa de imposto do 68º. O que se está aqui a dizer? Atenção: se a seleção pelo englobamento for feita no âmbito dos dividendos, o que será objeto de englobamento não serão 100% e sim 50%. Os restantes 50% ficam isentos. tributado duas vezes em sujeitos passivos diferentes: a empresa e o sócio. Temos possibilidade aqui de eliminação da dupla tributação económica, no caso de a opção ser o englobamento. O que acontece nos outros casos? Kaput. RCP quer acrescentar que este é apenas um dos artigos da dupla tributação económica. Quando chegarmos ao IRC, vamos falar de dupla tributação económica. Assim, regra geral, os rendimentos de capital não têm deduções específicas. Apenas haverá uma dedução a efetuar no caso de um tipo específico de rendimentos de capital (dividendos) e no caso de esses dividendos serem objeto de englobamento (40º-A). Olhe-se ao 41º (rendimentos prediais). Verifica-se que o nº 1 diz que aos rendimentos brutos se e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir com exceção dos gastos de natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como do adicional ao imposto Assim, quando temos rendimentos de categoria F prediais o detentor desses rendimentos prediais pode deduzir os gastos que teve na manutenção/gestão do imóvel. Mas cuidado: há limitações ao que pode ser deduzido. Veja-se o exemplo dos artigos de conforto e decoração. O aquecimento central é um artigo de interpretação da norma não é fácil. E será talvez diferente aqui e na Suécia. Qual é o porquê desta isenção? A epígrafe do artigo que o nosso legislador incorporou para eliminar a dupla tributação económica dos dividendos. Não é uma verdadeira eliminação: isenta-se 50%, mas noutros mantém-se. É apenas uma atenuação da dupla tributação económica. A dupla tributação jurídica internacional consiste no mesmo rendimento ser tributado duas vezes no mesmo sujeito passivo. A dupla tributação económica diz respeito ao mesmo rendimento RENDIMENTOS DE CATEGORIA G Nos incrementos patrimoniais, não há deduções art.º 42º. Mas isto não significa que não haja a necessidade de apuramento das mais-valia / menosvalia. Há todo um cálculo exigido para apuramento do rendimento tributável naquela categoria. A operação significa valor de aquisição, valor de 138 realização e, consoante o tipo de mais-valia, os aprimoramentos necessário a estes aspetos. RENDIMENTOS DE CATEGORIA H Quanto a pensões categoria H veja-se que os 4101 aparecem novamente no 53º, 1. Porém, vejase que, no nº 4, se permitem ainda deduções suplementares para quotizações sindicais e contribuições obrigatórias para regimes de proteção social e subsistemas de saúde. RESULTADOS NEGATIVOS eG CATEGORIAS B, F Numa última nota, há que ter em atenção que as categorias B, F e G, na perspetiva das mais-valias, podem ter resultado negativo. Nas categorias A e H, nunca poderá haver resultado negativo (ou tenho salário/pensão, ou não tenho). Mas na categoria B, por exemplo, já poderá haver rendimento negativo (prejuízo), tal como nas categorias F e G. O que diz o legislador? Se tivemos rendimento negativo, então não seremos tributados naquele ano por aquele rendimento. Mas atenção: no ano seguinte ou em anos subsequentes ao limite legal legitimado legalmente, pode acontecer que, quanto tivermos o rendimento positivo naquela categoria, poderão ser deduzidos os prejuízos tidos expressão legal. A base legal é o 55º do CIRS. O facto de haver perdas num dado ano fiscal pode ter efeito em anos fiscais posteriores, permitindo uma redução dos rendimentos líquidos daquela categoria. Há duas subnotas importantes. Estamos a falar de categorias de rendimentos. No próprio ano, não podemos ir deduzir a A por termos rendimento negativo em B. Não há interpenetração dos vários rendimentos. Atenção: dependendo do objeto em si, também varia o elemento temporal. (é a expressão usada em IRC; aqui, no IRS, fala-se em dedução de perdas em anos anteriores) sempre dentro das mesmas categorias de rendimentos. 16 MAI 2019 Sumário: IRS (continuação). IRS (continuação) A etapa 1 do IRS que analisámos foi a incidência quem e o quê está sujeito. Depois, passámos à etapa 2 apuramento dos rendimentos líquidos, onde trabalhámos a dinâmica das deduções específicas. Há, portanto, uma preocupação de apuramento Rendimento a rendimento, existem regras que identificam o que pode ser deduzido como gasto que o legislador interpreta como estando ligado à obtenção desse rendimento. Verificámos que, para certas categorias, há a possibilidade de poder haver um resultado negativo. Havendo-o, no próprio ano significa que não se tributa. Porém, no ano seguinte ou nos seguintes, quando houver resultado positivo nessa categoria, poderá haver um reporte de prejuízos o IRS chama- Segunda nota: há que ter em atenção o limite temporal, que varia consoante as categorias: 3 APURAMENTO COLETÁVEL Categoria B: 12 anos; Categoria F: 6 anos; Menos-valias: 5 anos. 139 DO RENDIMENTO O ponto seguinte passa por proceder a um apuramento do chamado no CIRS (iii) rendimento coletável (ou matéria coletável). Até aqui trabalhámos cada rendimento de acordo com a sua qualificação, com regras específicas a essa tipologia de rendimento. Porém, o IRS é um imposto único, o que significa que tem de haver um momento em que, de vários rendimentos, passamos a um quantitativo único o rendimento coletável. Este apuramento do rendimento coletável, como já tínhamos visto, é feito pela operação do englobamento. O que fazemos? Englobamos. O que significa isso? Somar os vários rendimentos líquidos. Porém nem todos rendimentos tributados em sede de IRS são englobáveis. Por isso, temos de recorrer ao art.º 22º para sabermos o que é que é englobado ou não. Quando olhamos para o 22º, percebemos, no nº 3, que existem rendimentos não englobáveis rendimentos esses que são tributados à parte. Assim, não vão ser parte do somatório dos rendimentos líquidos; serão alvo de um a tributação separada. Como sabemos o que é ou não englobado? O nº 3 diz-nos o que não é englobado. E na alínea b) vemos certos rendimentos noutros artigos. Significa que o nº 3 do art.º 22º não é autónomo; remete-nos para uma análise dos arts. 71º e 72º do CIRS. Qual é o nosso raciocínio? Se tivermos um rendimento previsto nos arts. 71º e 72º auferido por residentes e obtido em Portugal, esse rendimento não será alvo de englobamento, sendo tributado à parte, nos termos das taxas previstas no 71º ou no 72º. O que é que já vimos? O típico deste tipo de rendimentos que encaixam ali são os de capital, que não são objeto de dedução específica. Serão alvo de tributação à parte ou taxa liberatória (71º) de 28%. juro, o banco não nos paga o menos os 28% que o banco retém e entrega ao Estado em nosso nome. Nota: havia um pacote que queria privilegiar os contratos de arrendamento prolongados. Uma das formas de implementar isto foi criar taxas de IRS mais vantajosas, com benefícios fiscais para este tipo de arrendamentos. Daí os nºs 3., 4. e 5. Conjugando o 22º, 3., b) com o 71º e 72º, se encontrarmos no 71º e 72º os rendimentos que estamos a tentar qualificar e tributar, o que significa? Eles não serão englobados e terão, portanto, uma tributação à parte, com a taxa de imposto determinada no 71º e no 72º. Nota: quando é que os juros são tributados? O 71º diz que é quando são pagos ou colocados à disposição. Quando os recebemos, já estão líquidos de imposto. Isto não tem de coincidir com o momento da declaração; é totalmente independente. Todavia, o que aconteceu nos rendimentos prediais? A opção do legislador se os introduzir e tributar no momento da declaração de rendimentos. Mas foi criado um anexo na declaração à parte, específico para rendimentos prediais (categoria F) onde se aplica a taxa dos 28% ou a taxa reduzida, se for o caso. Portanto, depende do tipo de rendimento e do tipo de tributação subjacente. No 71º, as taxas liberatórias chamam-se assim porquê? Porque liberam de uma declaração, de posteriores obrigações. Porquê? Porque o substituto tributário cumpre, e o sujeito passivo está desonerado de tudo. Pelo contrário, no caso de taxas especiais (72º), pode dar-se o caso de elas ainda assim terem de ser declaradas. Não há englobamento, mas tudo se passa no mesmo momento de o englobamento. E podemos falar de um momento autónomo ou no momento da declaração final. Se não estivermos perante rendimentos que recaiam no 71º e 72º, o que acontece nos termos do 22º? Estamos perante rendimentos englobáveis. O que significa isto? Como vimos, vamos proceder ao somatório dos rendimentos líquidos que são englobáveis (categoria A, B, G, H). Aquilo que for englobado é somado. Portanto, deixamos a partir deste momento de trabalhar com vários rendimentos, e passamos a ter um único valor. A esse único valor chamamos rendimento coletável. Além dos rendimentos capitais, olhe-se ao art.º 72º, 1., e). Também os rendimentos prediais (categoria F) são tributados com uma taxa especial/autónoma de 28%. Também eles não são englobados. 140 a tributação conjunta, como é progressiva a taxa de IRS). Se houver tributação separada, há uma taxa mais baixa, pois há menos rendimentos. Para minorar este impacto negativo, há o quociente familiar (antigo quociente conjugal), no 69º. A primeira etapa na aplicação da taxa de imposto à coleta passa não pela aplicação direta do 68º, mas por uma aplicação do 69º. 4 APURAMENTO DA COLETA Qual é o passo seguinte? Está apurado o rendimento coletável; o que fazemos com o valor obtido do somatório dos vários rendimentos líquidos englobáveis? Procedemos ao (iv) apuramento da coleta. Da matéria coletável queremos obter a coleta aquilo que, à partida, o Estado terá como base para a nossa tributação, que pode ou não ser o imposto a pagar (normalmente não é, pois há ainda as deduções à coleta). Como apuramos a coleta? Há a aplicação da taxa do imposto, que não está prevista no 71º nem no 72º (pois visam apenas determinar quais os rendimentos não englobáveis e qual a taxa da sua tributação à parte), mas está no art.º 68º. Aqui encontramos a tabela que detém a característica da progressividade. É no 68º que encontramos a taxa de imposto. O que é que este artigo nos diz? são as correspondentes ao rendimento coletável . Ou seja, o 69º, 1. força a que, para os casados ou unidos de factos que tenham levado com tributação conjunta, se vá buscar o rendimento coletável total (somatório dos rendimentos englobáveis) e se divida por dois. Assim, chegamos ao 68º - segunda etapa com o quê? O X. É neste X, que foi o rendimento coletável dividido por dois, que vamos proceder à aplicação da taxa progressiva. Imagine-se um casal que tem 000. O que há a fazer? No 69º, 1. 000. 68º. Se o casal tem 000, o que acontece? Já vimos antes como se aplica a taxa progressiva. RCP torna a dizer: se não estivermos perante um sujeito passivo casado que tenha optado por tributação conjunta, aplicamos diretamente o 68º. O 69º, 1. É apenas para casos de dois sujeitos passivos que optaram por tributação conjunta. Nota: há dois casados, os dois trabalhadores por No entanto, dissemos que o IRS é um imposto de natureza pessoal, o que significa uma personalização, que está visível em várias etapas. Logo no início indicámos uma lógica de personalização quando houve o apuramento do sujeito passivo. Não interessou apenas a questão do sujeito passivo, mas igualmente do agregado familiar. Ora, percebemos que o apuramento do agregado familiar foi importante para determinar o quantum dos rendimentos obtidos, mas também é essencial para determinar não propriamente a taxa do imposto (porque essa será sobre a coleta), mas para determinar o quantum que estará efetivamente sujeito à taxa do imposto. É que o legislador, tentando neutralizar o impacto negativo que uma tributação familiar tem (duas pessoas em conjunto, com o somatório dos seus rendimentos, têm tendencialmente mais do que uma sozinha, podendo haver um espaço para prejudicar 141 100 e aos 200 que entram por diferentes sujeitos e cuja dedução específica é feita por cada um, o que acontece? Unidade. A categoria A é o somatório daqueles rendimentos líquidos. Deixa de haver diferença. Há apenas uma unidade fiscal. É tudo o que é dos dois que será tributado. Qual é objetivo de tributar apenas nos 50%? Anular a desvantagem de ter o somatório dos dois, face a uma pessoa que não escolha o somatório. Quer criar-se um espaço de neutralidade fiscal. E sim: só 50% do rendimento é que leva à aplicação da taxa do 68º. Mas olhe-se ao 69º, 3. novamente. O que diz? taxas fixadas no artigo 68.º aplicam-se ao quociente do rendimento coletável, multiplicando-se por dois o obtido para se apurar a coleta do IRS. Aos 50 000 aplicámos as taxas do 68º. O que fazemos ao resultado obtido? Há uma terceira etapa: multiplicamos por dois. Isto anula os 50%. Note-se que se não tivesse havido a divisão por dois, falaríamos de 100 000, e falaríamos de uma taxa de 48%. Aqui, as taxas são mais vantajosas. Houve uma redução. de raciocínio que temos de fazer. Há um artigo constitucional que defende os valores da família? Sim, o 36º da CRP. 5 APURAMENTO DO IMPOSTO A PAGAR / DEDUÇÕES À COLETA Imagine-se que 100 mil é o rendimento coletável de um agregado familiar com dois sujeitos que optaram por tributação conjunta. São casados / unidos de facto? Sim. O que acontece? Antes de ir ao 68º, vamos ao 69º. O que diz o 69º, 1.? Dividimos 100 mil por 2, criando neutralidade fiscal e não prejudicando a tributação conjunta. Isto dá 50 mil. O que fazemos numa segunda etapa? Os 50 mil são tributados como? Olha-se ao 68º. A taxa é de 28,838%; isto dá 629 (arredonda-se para mais, embora na prática vá ao cêntimo). Qual é o 000 856, que foi o que já foi tributado. Isto dá 13 144. Aqui aplicamos a taxa 915. Qual é o resultado desta tributação? 10 629 + 5 915 = 16 544. Isto chega? Não. Como aplicámos o 69º, 1. (se não tivéssemos aplicados, estaria resolvido), temos de ir ao 69º, 3. 087. É esta a nossa coleta. Uma vez obtida a nossa coleta, o que é que fazemos? Não temos ainda o nosso imposto a pagar. Há que passar para o (v) apuramento do imposto a pagar. Como é que o fazemos? Através de deduções à coleta. Isso permite saber quanto é que temos de pagar efetivamente; este é o outro momento de personalização, onde as circunstâncias individuais e concretas são consideradas. Se olharmos para o 78º, verificamos que o legislador introduz dois tipos de deduções à coleta. As previstas no nº 1 são deduções pessoais e familiares, onde há uma verdadeira preocupação de personalização. Mas não nos esqueçamos do nº 2, onde se deduzem os pagamentos por conta do imposto a pagar a final e importâncias retidas na fonte que tenham natureza de pagamentos por conta. Não é de somenos importância a última parte. Só se fala nas deduções com natureza por conta. No 78º, portanto, temos dois tipos de deduções à coleta: Despesas pessoais e familiares - é outro dos momentos de personalização do IRS, em que se atenta àquele(s) sujeito(s) passivo(s) e ao seu agregado familiar; Deduções de antecipadamente. imposto pago Assim, há aqui um espaço de personalização do imposto quanto à aplicação da taxa ao rendimento coletável. E há uma questão de neutralidade fiscal a ser implementada pelo legislador. O que é que é neutralidade fiscal? Não influenciar a opção do sujeito passivo. Na prática, o que se está a ver? Que princípio constitucional está a ser salvaguardado? Igualdade e equidade fiscal, sim, mas que outro princípio/valor não fiscal, mas constitucional, está também aqui a ser protegido? A família. Este é o tipo 142 a. DEDUÇÕES PESSOAIS E FAMILIARES Quando olhamos para o nº 1, nas suas várias alíneas, vemos que a questão pessoal/familiar está aqui mais do que evidenciada. Na alínea a), vemos por dependente e ascendentes que vivam com o sujeito passivo. Os ascendentes não são considerados no momento de determinação do agregado familiar. Porém, podem ser considerados para efeitos de deduções à coleta. Exige-se, porém, que vivam em comunhão de habitação. Mas há certos entraves: além da comunhão de habitação, também os rendimentos obtidos por esses ascendentes têm de ser muito reduzidos, o que faz com que sejam dependentes do sujeito passivo. E nas outras alíneas? há despesas gerais familiares, saúde, educação e formação, encargos com imóveis, importâncias de pensões de alimentos, exigência de fatura, encargos com lares, pessoas com deficiência, dupla tributação internacional, benefícios fiscais e novidade o adicional ao IMI. O que verificamos nas alíneas a) a l)? Há um conjunto de encargos que a família tem que são contabilizados fiscalmente, e vai permitir-se uma dedução dos encargos. Se houver dupla tributação internacional, o que acontece? Também aqui é deduzido aquilo que pagámos no estrangeiro? Tudo o que o legislador considera como despesa do agregado que tem relevância fiscal será objeto de dedução. Esta é a primeira ideia. Nota: quem recebe pensão de alimentos tem um rendimento que é objeto de tributação. Para quem paga, este é um gasto relevante para efeitos fiscais, deduzido no momento das deduções específicas. Nota 2: nos encargos com imóveis, podemos pensar em empréstimos e arrendamento. Nota 3: por que é que as pessoas celebram contratos de arrendamento e não passam recibo? É uma fraude. E pode haver uma fraude parcial. Para o contribuinte, interessa o recibo / a fatura. O comportamento fiscal tem dois lados: pode ser o contribuinte o violador da norma fiscal, ou o contribuinte evasivo, mas há depois o outro lado. Quando maior pressão houver para o comportamento ser adequado, melhor. Um aspeto muito importante é a educação fiscal. 143 Nota 4: e quando no mesmo agregado familiar não se opta pela tributação conjunta? O código tende a dividir as despesas. Há uma norma que diz que, quando há tributação separada, o contribuinte deduz aquilo que está aliado ao seu universo. Por isso, as deduções no seu NIF são as dedutíveis. No caso de a despesa ser no NIF do dependente, a regra é haver uma divisão ou uma integração num dos lados, que tem a ver com pagamento fiscal legítimo. Se há mais rendimento, deduzimos face ao nosso valor. A ideia é: não há espaço para duplas deduções. Ou há divisão, ou há o todo ligado a um dos sujeitos passivos. Ou o legislador, ou é tudo só para um: não há duplicação da dedução. Nota 5: nas deduções dos dependentes e dos ascendentes, o que foi considerado para efeitos de apuramento do agregado familiar? O que é agregado familiar para efeitos fiscais? Se o dependente tem rendimentos, o que lhes acontece? Caso seja tributado, é objeto de englobamento. Os rendimentos dos ascendentes são considerados para efeitos do agregado familiar? Não são objeto de tributação; são sujeitos de imposto autónomos. Mas encontramos que as despesas que o agregado tem com aqueles ascendentes são consideradas dedutivas. Mas vimos que o ascendente ou tem de viver em comunhão de habitação, ou tem de ser o sujeito passivo a suportar o lar, e não pode ter rendimentos significativos. Têm de ser rendimentos tao baixos que não podem ser objeto de tributação. Veja-se o 78º-A, c). Condiciona-se o montante dos rendimentos obtidos pelo ascendente a um quantitativo; se houve ultrapassagem desse quantitativo, já não pode a despesa ser considerada fiscalmente relevante e, portanto, ser deduzida. Os valores anualmente fixados são muito reduzidos e que estão nos limites de tributação. Que norma é esta, atendendo às várias matérias que trabalhámos ao longo do semestre? A norma está construída de forma limitativa. Tenta evitar-se um abuso. If o ascendente obtiver rendimentos superiores à pensão mínima do regime geral, then os encargos da família com o ascendente não são considerados para as deduções. Se não houvesse isto, imputarse-iam gastos fiscais de uma forma não condizente com a efetiva capacidade contributiva e as necessidades do agregado. Imagine-se que o nos de ele viver na nossa casa, pondo todas as despesas suplementares no imposto para reduzir. É, portanto, uma norma anti-abuso. Há vários tipos de normas especiais, tanto as mais óbvias (paraísos fiscais, preços de transferência, etc.), mas também este tipo de condicionamento faz com que haja um anti-abuso. Nota: a pensão mínima do regime geral está na casa Assim, quanto aos ascendentes que estejam em comunhão de habitação ou em lares pagos pelo sujeito passivo, o valor que o sujeito passivo gastou com lares e uma parcela podem ser deduzidos à coleta do sujeito passivo, mas exige-se que não sejam auferidos rendimentos relevantes. Se for superior, o que acontece? Os valores não são dedutíveis fiscalmente. Há que perceber que o quantum do que pode ser deduzido como dedução específica está limitada; ou seja, não é a totalidade da despesa que será objeto de dedução, mas apenas uma parcela que o legislador determina. Quanto é que pode ser deduzido? A resposta é que nem tudo pode ser deduzido. Havendo uma despesa 000, não são eles que se podem deduzir, e sim apenas uma parcela. Onde é que isso é visível? Olhe-se para o 78º-A, 1., c). Isto tem a ver com deduções por pessoa. O valor fixo é determinado pelo legislador. Contudo, o problema surge não tanto aqui. Imagine-se que Veja-se que, se isto for superior ao limite global, só ele é dedutível. O limite global é para a despesa total do agregado familiar. Releia-se o 78º-C, 1.: é dedutível o montante correspondente a 15% do valor suportado a título de despesas de saúde por qualquer membro do agregado familiar, com um 000. Há uma limitação global à despesa. Imaginededuzidos. Na prática, o que acontece? Se há sujeitos passivos unidos de facto com tributação conjunta, há aquele limite, mesmo que as despesas sejam muito superiores. Por isso é que as pessoas dizem que, a partir de dado momento, deixam de pedir fatura mas continua a ser importante no combate à fraude e evasão. O imposto é a receita orçamental principal que suporta a maioria das despesas públicas. Se temos um problema de défice orçamental, ou se não temos problema algum mas temos muitas despesas, há que garantir que as receitas compensam aquelas despesas. Logo, o Estado pretende encurtar o mais possível o que vai ser deduzido. Por isso é que muitas das alterações orçamentais que existem têm muitas vezes que ver com condicionamentos suplementares às deduções, aumentando o imposto a pagar. Nas despesas de 000. Quando se afunila a necessidade de receita, a norma fiscal continua a ter mais condicionamento no que é considerado um benefício fiscal. Face ao que é a prática do setor privado, não há casamento dos valores; mas aqui há um interesse orçamental na arrecadação da receita. naquele ano. O legislador, à partida, iria deduzir os 5 mil, mas isso é muito penoso para o Estado, que iria perder muita receita; por isso, o Estado diz que apenas é deduzida uma parte das despesas efetuadas. Assim, diz-se que à coleta é dedutível um montante correspondente a 15% do valor suportado por despesas de saúde por qualquer membro do agregado familiar. Assim, 15% do total vai poder ser deduzido. Não se deduz a totalidade do gasto, e sim uma parcela/percentagem no caso das despesas de saúde, 15%. Qua Todavia, isto complica ainda mais. Há dois limites; agora olhe-se ao 78º, 7. Como as necessidades orçamentais são crescentes, o legislador decidiu colocar um terceiro limite para algumas destas deduções. Para lá das limitações específicas das despesas gerais familiares, despesas de saúde, educação, encargos com imóveis, etc., o que é que o 78º, 7. diz? Na soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do nº 1 (saúde, educação, encargos com imóveis, fatura, lares e benefícios fiscais), o somatório dos valores a serem deduzidos não podem exceder, por agregado familiar e, no caso de tributação conjunta, apos a aplicação do divisor do 69 os limites constantes muito de receita fiscal, impõe um segundo limite: o 000. Se os 15% forem superiores 000 serão deduzidos. Se os 15% forem inferiores, o que acontece? Podem ser deduzidos. daquilo que já podemos deduzir limitadamente, há ainda que perceber se ele ultrapassa o que o legislador colocou como limite àquele somatório. 144 Imagine-se que há despesas de saúde no valor de 10, educação no valor de 20 e lares no valor de 5. Isto dá 35. O somatório disto não pode ser superior a alguma coisa. Que coisa? Veja-se a alínea a). Se o rendimento coletável é igual ou inferior ao valor do 1º escalão do 68º, 1., não há limite. Quem recebeu muito pouco pode deduzir o somatório completo. Mas alínea b) se os contribuintes têm um rendimento coletável superior ao valor do 1º escalão e igual ou inferior ao valor do último escalão do 68º, 1., o limite resulta da aplicação de uma fórmula. O que é que o legislador diz? Tem-se em consideração o rendimento coletável, e tem-se em conta quanto houve de rendimento coletável para apurar a limitação global total que efetivamente se pode deduzir. O que implica isto? Voltar ao rendimento coletável e aplicar esta fórmula. Veja-se a alínea c). Se o rendimento coletável é superior ao último 000. Isto pode significar que o contribuinte tem um rendimen -se para o 68º 000. Imaginededuz a totalidade das despesas. O que acontecia? O sujei 000. Portanto, prejudica-se na despesa do agregado e apenas uma parcela do somatório das despesas é que seria deduzida. É aqui atendida a questão da progressividade: dependendo do escalão, os limites alteram-se Esta norma aparece porque o Estado tem necessidade de despesa. Além da limitação que faz no quantum, também há um limite suplementar no somatório destas várias despesas. Nota: as deduções pessoais e familiares estão, por isso, limitadas. E atenção ao nº 7: o somatório não pode exceder certo valor. b. DEDUÇÕES DE ANTECIPADAMENTE IMPOSTO Ou seja, o que o legislador diz é: atenção, pois quem tem rendimentos de categoria B pode ter de pagar pagamentos por conta, isto é, pode ter de fazer antecipadamente por conta do imposto a pagar a final três pagamentos no ano. Nota 1: atenda-se a que o cálculo do pagamento por conta tem de ter em consideração se é feito no ano em que ainda estão a ser obtidos os rendimentos. Pode ter de ser feito no ano anterior. Aí, o legislador vai aos rendimentos obtidos em ano fiscal anterior para determinar a obrigação fiscal. Por isso, há uma fórmula no nº 2 que tem em atenção rendimentos obtidos no ano anterior naquela categoria. Há a possibilidade de não se estar obrigado a fazer os pagamentos por conta. A obrigação pode cessar e ficar sem aplicação; mas o que interessa reter é que os rendimentos de categoria B podem estar sujeitos a pagamentos por conta. São três pagamentos anuais feitos antecipadamente por conta do imposto a pagar a final, o que faz com que, se pagámos antecipadamente, então, quando estamos a calcular o imposto a pagar, tenhamos de deduzir esses montantes já pagos antecipadamente. Assim, vamos tributar janeiro a dezembro; estamos a tributar um ano inteiro. Mas quando é feito o apuramento da tributação? Em maio/junho do ano seguinte. Quando pagamos antecipadamente, estamos a pagar antes. Quando chegamos ao momento de apuramento, deduzimos o que já pagámos antecipadamente por conta daquele imposto. PAGO Contudo, verificámos que o 78º, 2. fala ainda nas deduções de imposto pago antecipadamente. Ou seja, se houve pagamentos efetuados antes do 145 apuramento dos rendimentos obtidos num ano fiscal: o que pode ser pago antecipadamente no IRS? Pagamento por conta e retenções na fonte com natureza por conta. Os pagamentos por conta, encontrados também, em sede de IRC, só são devidos a quem obtém categoria B (art.º 102º do CIRS). Diz-nos o legislador, no 102º, que a titularidade de rendimentos de categoria B determina, para os respetivos sujeitos passivos, a obrigatoriedade de efetuarem 3 pagamentos por conta do imposto devido a pagar a final até dia 20 daqueles meses. Nota: se isto for À parte destes pagamentos por conta (que são específicos da categoria B), o que há? Podemos ser objeto de retenção na fonte. Quem paga o rendimento tem uma obrigação legal de reter uma parcela e entregar ao Estado. A versão mais comum está no 99º. Vemos que há um conjunto de regras de retenção na fonte específicas para as categorias A e H (trabalho dependente e pensões). É dito aqui que há a necessidade de reter na fonte. No 99º-C e D, estão estabelecidas algumas regras suplementares; mas, para sabermos efetivamente quando é que temos de reter, há que olhar ao 99º-F. O CIRS remete para quadros que todos os anos são aprovados no início do ano fiscal, determinando as percentagens de retenção na fonte. Todos os anos são aprovados despachos com as tabelas de retenção na fonte para as categorias A e H. E até há um DL que trabalha sobre a retenção na fonte. O despacho para o ano de 2019 diz o quê? Veja-se a p. 217 da compilação. Olhe-se para as tabelas. O que encontramos? O montante retido depende do rendimento mensal obtido, mas não apenas disso. Também há uma tabela ao lado que apresenta um número de dependentes (personalização). Portanto, variando o rendimento mensal, e variando o agregado familiar quanto aos dependentes, e variando a nossa situação familiar (casado/unido de facto ou não), varia o montante de retenção. Todavia, não fiquemos com a ideia de que apenas as categorias A e H são objetos de retenção na fonte. Olhe-se para o 101º do CIRS; também outras categorias são objeto de retenção na fonte. Mas cuidado com o 101º, 1. As entidades que devam dispor de contabilidade organizada devem reter o imposto. Imagine-se que RCP prestou um serviço de consultoria a um banco, e também ao sr. Anacleto. RCP recebe o rendimento categoria B (atividade profissional). Olhe-se à alínea b) há objeto de retenção na fonte em 25%. Não é pago 100, e sim 25%. Nestes dois casos, por um lado, tem-se uma retenção na fonte; por outro lado não, apesar de ser uma prestação idêntica. Porquê? Os bancos (pessoas coletivas) têm contabilidade organizada. Retém-se na fonte; há 100 25%. Mas o sr. Anacleto não tem contabilidade organizada; não faz a retenção na fonte, pelo que recebemos os 100 por inteiro. O que releva é a existência ou não de contabilidade organizada em quem paga (não em quem recebe). Muitos alunos interpretam isto ao contrário. Nota: quanto mais baixa a taxa, menos se retém. Retira-se do rendimento bruto mensal uma parcela. Nas categorias A a H, as tabelas são anuais e há uma lógica de personalização. A primeira personalização é se se é casado ou não, titular único ou não de categoria A. Olha-se segunda personalização ao valor do rendimento obtido mensalmente. A terceira personalização diz respeito aos dependentes do agregado familiar e ao nº de dependentes. Tendo em consideração estes elementos, varia a taxa de retenção. Havendo um contrato de trabalho, são devidos 14 pagamentos (incluindo o subsídio de férias e o subsídio de natal). Sobre todos recai retenção na fonte. E no mês em que é recebido o subsídio, recebe-se a duplicar. Não se faz o somatório dos rendimentos, pois a taxa poderia aumentar; continua a fazer-se a individualização mensal. Nota: a coleta vai ser deduzida a totalidade das retenções na fonte de que fomos objeto durante o ano fiscal que está a ser objeto de tributação. E veja-se a categoria F na alínea e). Além das categorias A e H, se obtivermos rendimentos de categoria B ou F, então, nos termos do 101º, verificase que pode haver espaço para uma retenção na fonte com natureza por conta do imposto a pagar no final. Caso tenha havido retenção na fonte nos termos do 101º, o que acontece a essas quantias? Serão deduzidas à coleta. Nota: a RJ fiscal é constituída por que tipos de obrigações? Obrigação principal e obrigações acessórias. A obrigação principal que está subjacente incide, no caso do consultor e do banco, sobre quem? Quem é o sujeito passivo? O consultor (é quem obtém o rendimento); sobre ele incide uma obrigação principal. Mas sabemos que pode haver a introdução de substitutos nesta RJ fiscal, incidindo sobre eles obrigações legais que não têm que ver com a sua obrigação principal, mas com um efetivar a tributação da obrigação principal do substituído. É Uma coisa fantástica ou um peso ter de reter na 146 fonte, registar e entregar ao Estado? É uma responsabilidade adicional, não um benefício. O Estado só impõe isto porque, normalmente, quem tem contabilidade organizada tem um conjunto de sistemas de gestão do negócio que permite mais facilmente cumprir esta obrigação, o que não é compatível com o cidadão que não tem contabilidade organizada. Atenda-se ao 78º, 3. Este artigo diz que, se houve resultado negativo, tudo para e nada mais há a pagar. Mas isto não significa necessariamente que tenha de haver reembolso. Só há reembolso se o que foi pago antecipadamente por conta do imposto a pagar a final for a mais. 17 MAI 2019 Sumário: IRC. O critério utilizado para aferir a residência de uma pessoa coletiva em território nacional é o critério da sede ou direção efetiva. Temos aqui um critério formal e material em simultâneo. É, por um lado, formal, pois tem a ver onde está a sede. Se a sede for em Portugal, há residência em território português. Por que é que este é um critério formal? Porque as empresas podem estabelecer onde querem a sua sede. Por outro lado, diferente é o critério subsequente, que é de direção efetiva. Este é um conceito dito material / substancial que tem que ver com o desenvolvimento da atividade. É versão simplificada o local onde são feitas as decisões de gestão estratégica da empresa. Assim, uma pessoa coletiva com fins lucrativos será residente em Portugal se aqui tiver a sua sede (estatutária) ou aqui se encontrar a direção efetiva. Não é preciso acumulação das duas há uma ou outra. Significa isto que uma empresa pode ter a sua sede na Irlanda, mas se o desenho estratégico da sua intervenção é feito em Portugal, então Portugal considera-se Estado da residência. 1I. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS (IRC) 1 INCIDÊNCIA REAL E PESSOAL O primeiro aspeto a ser trabalhado em IRS foi a residência e não residência. Também em IRC é fundamental apurar, dentro das sociedades com fins lucrativos, se estamos perante residente ou não residente. O conceito de residência de uma empresa é diferente comparativamente a uma pessoa singular. Em termos de IRS, estamos preocupados em compreender o número de dias de permanência num território. Não fosse isso, seria a existência ou inexistência de habitação permanente. No âmbito das pessoas coletivas, o critério, nos termos do 2º, 3. do CIRC, é qual? 147 Primeiro, significa isto o quê? O legislador teve o cuidado de ir além da forma. Se podemos escolher a jurisdição em que vamos situar a nossa sede estatutária, podemos fazer a seleção com critérios de planeamento fiscal agressivo para se situar num sítio privilegiado. Já a questão estratégica tem mais a ver com uma atividade efetiva, de substância. Diz o legislador: podes até ter sede estatutária noutro sítio, mas se tens aqui a sede efetiva, vais aqui ser tributado como residente. Os critérios não são cumulativos, mas alternativos. Podem existir casos em que a pessoa coletiva tem sede e direção efetiva em Portugal, sem problema. Mas pode suceder que a pessoa só tenha um dos critérios em Portugal, e Portugal assume-se como estado da residência e aí há o worldwide income previsto no 4º, 1. Há um paralelismo com o IRS estudado. Tal significa que, havendo distinção da sede estatutária e da direção efetiva, isso pode levar a dupla tributação portanto, dois Estados assumirem-se como Estados da residência, um porque diz que está ali a sede estatutária, o outro porque diz que está ali a direção efetiva. Assim, não há uma determinação legal; há que ir buscar elementos jurisprudenciais, doutrinais e internacionais. São vários os critérios que podem ser apontados, dependendo tudo isto de uma base casuístico. A ideia-chave é onde as decisões de cúpula são tomadas/desenhadas. Existe uma norma nos CDTs que resolve estes problemas de dupla residência, e diz qual é o Estado que deve prevalecer face ao outro. Nota: e se houver mais de um lugar em questão? E se ligarmos ao modelo de negócio da economia digital? Este é um modelo de negócio plurilocalizado, com uma pulverização inclusive das decisões estratégica. Em muitas circunstâncias, do ponto de vista prático, não é possível l de terminar o local da direção efetiva. A direção efetiva refere-se ao local de direção estratégica. Face a toda a literatura produzida sobre a matéria, nenhum país diz o que é direção efetiva. Não há uma definição legal, o que significa que temos de ir bsucar: O que acontece? Há uma lógica internacional de procurar as formas de tributação do digital. Uma das razoes é os critérios tradicionais de apuramento de bases de tributação não funcionarem nessas áreas. A direção efetiva não funciona bem (v. tese RCP). Critérios de direito internacional fiscal (que trabalham esta matéria nos CDTs); Jurisprudência nesta matéria (não só nacional, mas como de outros Estados); Doutrina (elemento inspirador para apurar os elementos caracterizadores de uma direção efetiva). O conceito de direção efetiva, que tem esta base ampla de apreciação, tem de ser identificado casuisticamente com base em vários critérios. De uma forma genérica, tendo em atenção o modelo da OCDE e a aplicação de jurisprudência interna e estrangeira, RCP pode dizer que o local onde se reúne conselho de administração, onde são implementadas políticas estratégicas, de onde partem informações são critérios considerados relevantes para o apuramento da ideia de direção efetiva. Nota: há o digital nomadism. Nota 2: uma importante questão em cima da mesa é o centro do negócio digital. No modelo de negócio digital, qual será o elemento crucial de criação de valor? Para RCP, há três elementos: Tecnológico (intermediário e o que é potenciado para o modelo de negócio); Financeiro (intermediário financeiro e importância das transações worldwide); Consumidor é aqui que está o centro. Não só há um modelo de negócio customeroriented de uma forma muito proativa, mas onde o próprio consumador cria conteúdo e valor, e é parte da construção do valor do negócio. Isso transformar completamente a forma como conseguimos tributar. Por isso é que há a grande questão de Facebook, Twitter, Google, Instagram. Veja-se que muitos negócios digitais não são tributados no rendimento que obtêm face aos negócios digitais físicos. Muitos negócios assentam em distância, havendo uma presença meramente 148 digital (e não física). Não têm um rendimento direto resultante do pagamento direto dos utilizadores, porque o serviço é gratuito mas mesmo através disso conseguem obter rendimento, capitalizando a utilização por parte dos utilizadores. Quid juris? Os EUA, desde 1998, defendem que não se devia tributar. Isto porque as tecnológicas são deles; já a Europa tem uma perspetiva diferente, pois está a perder valor assim. Uma possibilidade é considerar presença digital significativa a partir de certos critérios (como conexão relevante para efeitos fiscais, e não a residência) e outra, enquanto isso não se alcançasse, tributar rendimentos brutos das empresa tecnológicas fala-se em 3% - para garantir uma equidade e uma fair share entre estas empresas e as outras. Nota: visa-se a tributação dos lucros obtidos pelas tecnológicas. Os nossos códigos (pelo mundo todo) estão orientados para empresas física, mesmo trabalhando com intangíveis, presentes num território, com rendimentos e gastos, sendo que o valor é apurado com base nas vendas produzidas, naquilo que entra como rendimento. Com o digital já tudo é diferente. Embora o esquema seja na mesma rendimentos e gastos, o local onde se gera o rendimento não tem de estar necessariamente ligado a uma venda. Porquê? Há o conceito de sociedade de informação. E há o capitalismo digital e o surveillance capitalism. Isto demonstra a mudança que está a ocorrer em termos de construção de valor económico e de modelos de negócio e, consequentemente, o apuramento das bases de tributação dos lucros. Como são gerados os lucros? Como quantificamos isto? Não se paga para utilizar o Facebook. E há a questão do Consumer-to-Consumer (C2C) no Facebook (pequenos negócios). São raros os países com normas específicas sobre a tributação dos rendimentos do digital. Assim, a ideia-base é que a incidência pessoal em sede de IRC assenta na determinação da residência e não residência. Como é que apuramos a residência das nossas entidades? A direção efetiva (ou a sede, mas a maior parte dos CDTs, quando têm de resolver o confronto direção efetiva vs. sede, dão prevalência à direção efetiva, privilegiando a substância sobre a forma embora o modelo de convenção deixe hoje em dia isto ao critério dos Estados. 149 Se há sede ou direção efetiva em Portugal, o que acontece? Há tributação pela totalidade dos rendimentos (art.º 4º, 1. do CIRC). Porém, o facto de uma empresa não ter direção efetiva não significa que não possa também ser aqui tributada pelo rendimento obtido / lucro. Em sede de IRS, os não residentes são também tributados pelos rendimentos gerados. O mesmo acontece no âmbito das pessoas coletivas, mas com um twist. Uma pessoa coletiva pode ser não residente em Portugal e ser tributada pela totalidade dos rendimentos aqui obtidos com regras muito semelhantes às empresas residentes em Portugal, se tiver aquilo que é conhecido por um estabelecimento estável (art.º 5º do CIRC). Qual a vantagem? Permite que não se seja tributado por rendimentos brutos e há algumas deduções para apuramento do lucro obtido. Nota: não falamos em worldwide income, e sim apenas o que é obtido pelo estabelecimento estável em Portugal, e apenas em Portugal. O conceito de estabelecimento estável, previsto no 5º do CIRC, bebe da construção internacional da figura. É igual em Portugal e no resto do mundo. É uma figura sem personalidade jurídica. O estabelecimento estável não tem PJ; se tivesse, nunca poderia ser um estabelecimento estável, e teria de ser um residente. Se quisermos ir para o Japão exercer uma atividade económica como pessoa coletiva, temos duas hipóteses: ou criamos uma filial uma outra empresa, com PJ residente fiscal no Japão, uma empresa japonesa com, por hipótese, 100% de capital português, ou podemos optar por ir para o Japão, não constituir uma chamada filial (empresafilha) e antes constituir um estabelecimento estável, uma sucursal. Esta figura das sucursais ou do estabelecimento estável não tem PJ. Portanto, quem é o detentor? Quem criou o estabelecimento estável. O obrigado, embora seja o EE, está sempre ligado ao detentor, que é quem tem efetivamente a PJ associada. Porém, no fiscal, quase se ficciona uma espécie de personalidade jurídica para o estabelecimento estável. Por isso é que há uma tributação pelo lucro tributável, o que significa rendimentos gastos, e não sobre o rendimento bruto. O conceito de estabelecimento estável previsto no art.º 5º, que casa com o conceito internacional, assenta numa ideia-chave de fisicalidade / presença física que pode ser de 3 formas: 5º, 1. instalação fixa através da qual se desenvolve uma atividade comercial / industrial / etc. Significa que é preciso um armazém, um escritório, um local físico que pode ser uma roulotte (não presa ao solo), uma vending machine / máquina de vendas automáticas uma coisa a ocupar espaço num território e através da qual é feita /promovida a atividade da pessoa coletiva que a detém. 5º, 3. se estivermos perante atividade de construção civil prédios, estradas, pontes, etc. também temos estabelecimento estável mesmo que o estaleiro de construção só exista por um período reduzido de tempo (6 meses) e possa andar de um lado para o outro (na construção de uma estrada, o estaleiro vai andando à medida que vai andando o troço. Também a isso se chama EE. 5º, 6. - se, em vez de um local, optarmos por ter uma pessoa (singular ou coletiva) intitulada nosso agente e esse agente celebrar por nós contratos que nos vinculam, também esse agente / essa pessoa (singular ou coletiva) é considerada EE / agência. E tem de ser um agente dependente, isto porque se for independente (nº 7) não há lugar a estabelecimento estável. Ou seja, tem de haver uma dependência entre o agente que desenvolve a atividade e quem o contratou. Essa dependência tende a ser vista, como critério máximo a nível nacional e internacional, como celebração de contratos por conta da pessoa / que vinculem a pessoa, mesmo que não esteja lá o nome da pessoa. que trabalha pra um cliente? Depende. Interessa a substância. Isto é feito habitualmente, com persistência, com regularidade? Recai os risco sobre si ou sobre outros? Se formos residentes e tivermos estabelecimento estável, o que diz o 3º, 1., c)? há tributação segundo o lucro tributável que seja imputado ao EE (ligado à sua atividade efetivamente desenvolvida). Se, pelo contrário, somos não residentes e não temos EE (não sendo o 5º aplicável à nossa circunstância), então nós (empresa), em Portugal, só vamos ser tributados pelos nossos rendimentos obtidos em Portugal e nos termos do IRS). Porquê? Se não tivermos cá EE, não temos como base de tributação o lucro; somos tributados apenas pelo rendimento que obtivemos isoladamente. O legislador diz que não se aplicam as normas do CIRC, porque estão todas pensadas para apuramento de lucro (somatório de vários rendimentos tendo em conta os gastos necessários para os obter); aplicamos antes as regras individuais do IRS quanto à qualificação dos rendimentos obtidos (de capitais, empresariais/profissionais e prediais) e tributam-se individualmente cada um desses rendimentos. É mais um exemplo da interação CIRS / CIRC. Qual é outro exemplo de interação? Estudámos a categoria B de rendimentos. Falámos em deduções específicas. Nos sujeitos com contabilidade organizada, o apuramento do rendimento líquido de categoria B será feito de acordo com o apuramento do lucro tributável em matéria de IRC Efetivamente a substância está assumida e é isso que interessa. Nota: imagine-se que há uma imobiliária que trabalha em exclusivo para um cliente, isso poderá ser um estabelecimento estável, ou um advogado 150 Assim, PC que tenham fins lucrativos e sejam consideradas residentes têm apuramento da matéria coletável tendo por base o lucro tributável, deduzimos-lhe os prejuízos fiscais e eventuais benefícios fiscais que ocorram à matéria tributável. Todavia, precisamos que o legislador nos explique o que é que é isto de lucro tributável; o que constitui e como se deduzem os prejuízos fiscais de anos anteriores; e que o legislador diga quais são os eventuais benefícios fiscais que ocorram na matéria coletável. Temos de encontrar na lei o que tudo isto significa. Onde encontramos o que é considerado o lucro tributável? O 15º, 1., a) remete para o art.º 17º. Assim, o passo seguinte é olhar para o 17º para definir o que é lucro tributável. O que é dito no 17º, 1.? Fala-se, para as entidades referidas, numa soma algébrica: 2 APURAMENTO DA MATÉRIA COLETÁVEL Resultado líquido do período (RLP) +/- Variações patrimoniais (Vp) +/- Correções fiscais O que estivemos a analisar? Os arts. 2º, 3º, 4º e 5º, na incidência pessoal. Resulta daqui que há diferentes formas de tributar consoante a definição da nossa qualidade de sujeito passivo. Onde é que nos estamos a centrar? A nossa preocupação, nesta versão express, está no lucro. Se somos pessoa coletiva residente em PT, desenvolvemos um atividade comercial /industrial/agrícola, vamos ser tributados pelo lucro. É este o nosso ponto de partida. Que pergunta imediata se faz? O que é que isto então significa? A nossa base de tributação é o lucro, mas como é que isto se faz? Deve olhar-se ao art.º 15º. O 15º, 1., a) diz que as pessoas coletivas que desenvolvem a titulo principal (etc.) portanto, fins lucrativos que são residentes e cuja base de tributação seja o lucro, tem-se que a matéria coletável (já não se fala em rendimento coletável como em IRS) é igual a: Lucro tributável Prejuízos fiscais Benefícios fiscais. MC = LT 151 PF - BF Assim, como apuramos o lucro tributável? Partimos do rendimento líquido do período. A ele acrescentamos ou retiramos Vp positivas e negativas, e procedemos a correções fiscais. O primeiro aspeto é o RLP. O que é o rendimento líquido do período? É o mesmo que falar em lucro contabilístico. Na expressão do código, o que está em causa é: rendimentos gastos. Está aqui o que entra (+) e o que sai (-); é contabilidade pura. Para se saber IRC, tem de se saber contabilidade. que haja uniformização tendencial de regras contabilísticas do ponto de vista mediano, o interesse fiscal pode dar espaço para que haja correções fiscais ao lucro contabilístico, isto porque nem a totalidade da despesa/gasto é considerada (pois o gasto em si não é considerado, porque o rendimento não pode ser rendimento na versão completa e tem de ser mais reduzida ,etc. Assim, há um problema em que a regra da contabilidade pode não coincidir com a regra fiscal, porque o Estado está preocupado em garantir que não há abuso, um aproveitamento da liberdade dos rendimentos e dos gastos para reduzir brutalmente a tributação das empresas. A maior parte das empresas, na prática, faz coincidir o RLP com o lucro tributado (versão simplificada). Mas por vezes não o pode fazer, pois não bate certo. Pensemos num saco azul, criado pela empresa com um valor de 100 e a empresa não diz em que vai aplicar, ficando o lançamento feito. Contabilisticamente isto é possível: o fluxo financeiro está identificado. Mas, do ponto de vista fiscal, o Estado não admite sacos azuis. Não aceita despesas não documentadas, provisões indefinidas. Portanto, apesar de contabilisticamente o saco azul estar transparente, precisamos de fazer operações porque não podemos, do ponto de vista fiscal, contabilizar o saco azul ou despesa não documentada como um gasto relevante ou uma provisão fiscalmente relevante. O que produz isto? O lucro tributável aumenta, pois o gasto não é relevante do ponto de vista fiscal. Mas aquilo que entra e sai, e é contabilizado pela empresa, e tem regras próprias que têm de ser cumpridas, sendo que elas não são cada vez mais regras nacionais mas sim internacionais havendo, portanto, uma lógica de uniformização contabilística global (IAS) apesar de existirem estas regras e de as empresas as adotarem, muitas vezes, do ponto de vista fiscal, o Estado não concorda com tudo o que está contabilizado e com a forma como está contabilizado. Não porque vá fazer uma revisão do que é a regra contabilística, mas sim garantir que não há um aproveitamento da contabilidade dos gastos e rendimentos para fazer reduzir brutalmente o valor do imposto a apagar. Por isso, o legislador fiscal parte da contabilidade (do lucro contabilístico), mas cria regras próprias fiscais para certos componentes contabilísticas, limitando/condicionando o que é gasto relevante, o que é rendimento aceitável do ponto de vista fiscal. Ou seja, o que estamos a tentar transmitir é o quê? Apesar de as empresas terem contabilidade organizada e de fazerem o seu apuramento do lucro com base nessa contabilidade organizada mesmo Nota: há uma tentativa de casar logo, mas o que acontece é que a declaração vai ser à parte do que é a realidade, por causa destas limitações fiscais. O que verificamos? Tem de haver uma preocupação de perceber o que é que na lei fiscal (olhando ao 20º, 23º e ao 23º-A) do que se aceita como rendimento ou gasto fiscalmente relevante, do ponto de vista fiscal. Tem de haver uma análise casuística par aperceber se aquele fluxo + ou é fiscalmente aceite, apesar de contabilisticamente sim. Na prática, isto representa o quê? Imagine-se que o nosso RLP é 100. Nestes 100, estão contidos o pagamento de IRC no valor de 5. Contabilisticamente, os 5 são um pagamento que fizemos em sede de IRC, um gasto. 152 E veja-se o 23º-A, 1., a). O que significa isto? Não temos um gasto relevante para efeitos fiscais, nos termos do apuramento da mateira coletável (especificamente, o lucro tributável): O que é preciso fazer? Uma correção fiscal. Os 5 representam o que nos 100? Um menos; o lucro tributável foi reduzido em 5, em termos simplificados. Para cumprir com o 23º-A, 1., a), o que fazemos? Aos 100 somamos 5. Qual é o lucro tributável? 105. Se não há relevância fiscal, temos de fazer uma correção ao RLP. Em que sentido? Temos um gasto que foi contabilizado e não devia para efeitos fiscais. Por isso, aos 100 somamos os 5 que reduziam o lucro e que não podiam fazê-lo. Concordemos ou não, a norma fiscal é esta; contabilisticamente as coisas são de uma maneira, mas o legislador fiscal entendeu que certos gastos não são fiscalmente relevantes. Recorde-se a lógica dos preços de transferência. Dependendo da jurisdição, pode haver interesse em rendimentos mais elevados numa dada sociedade num grupo, porque a tributação vai ser mais vantajosa, visto que, apesar de haver muitos lucros, a base será mais pequena. Olhe-se para o 20º, sobre rendimentos e ganhos. Imagine-se que não foi contabilizado (porque não foi passada fatura) uma prestação de serviços que faria aumentar o rendimento entrado, e, portanto, houve um contrato de prestação de serviços em que há uma ausência de 10 num contrato de prestação de serviços que não foi formalizado, não foi passada fatura e não entrou na contabilidade. Isto foi detetado em denúncia/inspeção. Em termos de 20, o rendimento tinha de estar lá considerado. Isto vai fazer aumentar o lucro tributável. Se se detetou a ausência de 10 de rendimento obtido por contrato de prestação de serviço, o que se faz em termos de correção? Aos 100 pomos mais 10, porque houve m rendimento que não foi declarado e teve de ser introduzido. Descobriu-se, introduziu-se. 153 Este raciocínio é muito importante; é a base de determinação do lucro tributável em todo o IRC: O que é que os arts. 20º a 52º, incluídos, têm aspetos específicos / normas concretas onde se diz o que é que não pode ser considerado relevante do ponto de vista fiscal, e o que é que tem de ser considerado do ponto de vista fiscal, que gastos são, que rendimentos são ou não são. Parte-se sempre do n e do 23º (rendimentos e gastos), mas depois temos várias subcategorias de matérias que geram a necessidade de um olhar mais específico, dando azo a correções fiscais. Caso estejam contidas no RLP e não devessem estar, ou caso não estejam contidas no RLP e devessem estar. E por isso falamos em mais em menos, porque depende das circunstâncias: podemos ter de somar ou subtrair. Nota: o que são variações patrimoniais? Tem a ver com conceitos contabilísticos. A contabilidade pode, muitas vezes, apenas refletir a exploração norma da atividade daquela PC. E podem existir outros dados que influenciam os valores daquela PC, e que podem não estar previstos na contabilidade, segundo as regras existentes. Pense-se numa empresa que mandou fazer a um artista plástico de renome a nível internacional um busto do fundador. Isto nada tem a ver com a atividade desenvolvida a fazer cadeiras, por exemplo. Mas o busto tem um valor, aumento o património (Vp). Se é doado o busto, há uma variação patrimonial, e temos de ver se do ponto de vista fiscal deve ou não estar vertida no RLP. Ou seja, aquilo que, não sendo atividade profissional da empresa, mas que faz variar o património da empresa, tem regras específicas, constituindo variações patrimoniais que têm regras próprias do ponto de vista fiscal. Não estando vertidas, tem de haver um olhar específico. De que aspetos é fundamental ter noção, em versão express? Vejam-se os arts. 28º, 28º-A e 28º-B do CIRC. Para alemã das variações patrimoniais, há um conjunto de gastos que temos de ver se, do ponto de vista tributário, são ou noa admissíveis. O primeiro caso é o destes artigos. Aqui falamos em perdas por imparidade. Esta ideia tem que ver com perdas que surgem por ocasião de um ativo escriturado, por um quantitativo superior ao recuperável por ex., previa recuperar 100 mas apenas vou recuperar 50. Assim, escriturei na contabilidade que tinha um crédito de 100, mas porque o devedor entrou em insolvência só conseguirei obter 50. Pare fazer face a estas diferenças, permitem-se estas perdas por imparidade, ou seja, um benefício daquilo que pode ser abatido aos rendimentos obtidos. Contabilizámos 100 e só vamos obter na prática 50; o nosso crédito ficou reduzido. Pode vir a dar prejuízo, mas é um elemento antes disso, pois estamos na operação de apuramento do lucro tributável. O prejuízo só é apurado se não tivermos lucro tributável. Ora, isto vai ser objeto de uma correção fiscal. Aquilo que não obtivemos será inscrito não como prejuízo, não como um gasto, mas como uma específica categoria perda por imparidade. Só pode ser feita a inscrição destes 50 em perda por imparidade se o 28º-B o permitir. Isto é reduzido ao RLP, se não estiver nele contido e possa estar contido na maneira como foi. Uma segunda questão é a dos arts. 29º e segs. e até ao 38º. Falamos em depreciações e amortizações. São normas específicas fiscais que levam a que tenhamos de reanalisar o contido no RLP e saber se o que está aí contido está de acordo com esta exigência fiscal ou, se não está contido, devia estar, de acordo com a exigência fiscal. máquina vai perder o valor faseadamente. Portanto, o legislador fiscal criou regras que dizem quanto é que podemos ir abatendo/retirando todos os anos do valor, assumindo como amortização ou depreciação. Assim, existem regras específicas para saber como amortizamos ou depreciamos. É a mesma coisa, apenas varia consoante o bem ser tangível ou intangível. E vejam-se os arts. 39 e 40º para um terceiro elementos. Aqui encontramos provisões. Convém as empresas, muitas vezes, irem constituindo fundos e porquinhos mealheiros para fazerem face a acontecimentos futuros previsíveis ou imprevisíveis. Todavia, para efeitos fiscais, nem todas as provisões são consideradas relevantes. Há regras que nos dizem que provisões é que são fiscalmente dedutíveis. Uma última questão a apontar nas correções possíveis e regras específicas: olhe-se ao 22º do Código. Aqui encontramos a expressão subsídios. Quando uma empresa recebe um subsídio uma verba que pode estar orientada para um fim concreto /especifico, essa quantia/subsídio deve ter também uma qualificação própria do ponto de vista fiscal e um tratamento fiscal específico. É um rendimento, uma coisa que entra, mas, como tem a natureza de subsídio, há uma sub-regra fiscal que trata disto de maneira concreta (22º). Isto é considerado para efeitos de rendimento, mas quer-se não prejudicar a finalidade para que são atribuídos, pelo que se garante a possibilidade de não se integrar a totalidade desses subsídios. Exemplo: depreciações e amortizações. Os bens tangíveis ou intangíveis que as empresas detêm podem ser alvo de desgaste. Ou seja, podemos começar com um bem que vale 100, mas conforme ele vai sendo utilizado perde valor. Numa lógica de contabilidade, temos de ir revelando essa perda de valor; não podemos manter os 100 eternamente. Por outro lado, também é fundamental pôr de lado valor para eventualmente substituir esse bem. Então, o legislador fiscal criou regras onde diz que, do ponto de vista fiscal, como é que estas depreciações e amortizações reduções de valor9 podem ser efetuadas. O que significa isto? Nos empresa não podemos comprar uma máquina de fazer bolachas e, no mesmo ano em que a compramos, amortizar 100% do seu valor, porque a Nota: há diferença de tratamento para subsídios privados e públicos? Sim. Há os chamados subsídios com ativos não correntes, etc. Há uma grande densidade na qualificação que gera uma norma fiscal diferenciada. 154 O que está em causa? Que raciocínio está subjacente? Ao apurar a matéria coletável, há que apurar em primeiro lugar o lucro tributável. Isto é feito tendo por base o lucro contabilístico. Partimos do rendimento líquido do período, da contabilidade, do resultado do lucro contabilístico. Qual é o nosso olhar enquanto juristas? Olhamos para o que está contido no lucro contabilístico e vemos as normas específicas fiscais norteadoras do lucro tributável. Essas normas específicas fiscais podem ser de dois tipos: Variações patrimoniais positivas - têm a ver com o que não está diretamente ligado com a atividade e é um plus ou uma retração ao património da empresa. Correções fiscais - podem ser exigidas por, no RLP, estarem ou não contidos valores que deviam ou não estar contidos. É necessário fazer um alerta para que matérias? Perdas por imparidade, amortizações e depreciações, provisões e subsídios. Destas regras há que ver se tudo está contido da maneira certa no RLP. Caso contrário, é necessário corrigir o resultado líquido do período. Este é o raciocínio essencial. Pense-se em in-house counseling. Como é tratada fiscalmente a venda do busto do fundador? Imaginese que recebemos o subsídio Europa 20-20 ou do Portugal 20-20; como fazemos isto do ponto de vista fiscal? In-house counseling. E se há outsourcing numa sociedade de advogados? Normalmente, o que acontece na sociedade? O cliente recebeu uma liquidação adicional, havendo uma disputa com a AT sobre a inclusão ou não de um gasto fiscalmente relevante, ou dum rendimento que não estava e devia estar. Apurado o lucro tributável, não nos esqueçamos que só está feita parte do caminho para o aumento da matéria coletável. O que temos de fazer a seguir? Verificar se, nos anos anteriores, existiram prejuízos fiscais art.º 52º do CIRC. Aqui, há dois aspetos a reter: Se existirem prejuízos fiscais de anos anteriores, eles vão poder ser considerados para dedução ao lucro tributável. 155 Não podemos deduzir indeterminadamente no tempo os nossos prejuízos fiscais, havendo um limite temporal. Depende: olhe-se ao nº 1, que fala em 5 anos, mas depende. Há um limite temporal ao reporte de prejuízos. Não podemos ter prejuízos há 20 anos atrás e pô-lo agora a deduzir ao lucro tributável. Mas também temos, olhando ao 52º, 2., limite quantitativo de dedução de prejuízos. Não vamos poder deduzir a totalidade do nosso prejuízo ao lucro tributável. Imagine-se que temos lucro tributável 100 e prejuízo fiscal no valor de 100, acumulado de vários anos ou num ano só. Se nada mais dissermos além do nçº1, o que aconteceria? LT PF, o lucro tributável desaparecia, e ficaríamos com um prejuízo de 100 ainda. Não pagaríamos imposto. O legislador precisa de dinheirinho, pelo que disse: vamos deixar deduzir, mas com limites. Veja-se o nº 2. dedução a efetuar em cada um dos períodos de tributação não pode exceder o montante correspondente a 70% do respetivo lucro tributável naquele ano, vamos poder deduzir apenas o quê? Aos 100 (LT), vamos poder deduzir 70% * 100 como prejuízo fiscal. O que acontece ao que sobra? No ano seguinte, deduz-se. E se chegarmos ao fim daqueles anos então conseguimos deduzir tudo? Kaput. A base é o lucro tributável, a que vamos deduzir o prejuízo fiscal. O que diz o legislador? Ao obter o lucro tributável, e deduzir o prejuízo, mas o valor do prejuízo a deduzir não pode ir alem de 70% do lucro tributado. Só é possível reduzir 70% dos 100, = 70. Aos 100 deduzse 70. O resto passa para o ano seguinte, para ser eventualmente deduzido, e o meso até oa limite temporal. Com esta técnica o Estado consegue arrecadar alguma coisa. Isto é reporte de prejuízos limitado no tempo e na quantidade. tributação económica internacional nalguns casos (não em todos), benefícios fiscais (deduções à coleta), pagamento especial por conta, retenções na fonte e (apesar de não estar aqui) pagamentos por conta. 3 DETERMINAÇÃO DA COLETA Apurada a matéria coletável (MC), o que temos de fazer? No esquema do IRS, o que fazíamos? A determinação da coleta. Ela é feita como? Por aplicação da taxa do imposto. Assim, partimos de um lucro contabilístico, e vemos se temos de fazer alguma correção. Na medida certa, apuramos o lucro tributável. Ao lucro tributável deduzimos os prejuízos fiscais de anos anteriores (caso existam, limitadamente no tempo e na quantidade) e apuramos a matéria coletável. Apurada a MC, aplicamos a taxa do imposto para que seja obtida a coleta. Onde está a taxa do imposto? Há que olhar ao 87º. O que temos de taxa de IRC normal? Uma taxa proporcional (nº 1), de 21 %. Mas olhe-se ao 87º, 2. Houve uma tentativa de se criar alguma progressividade com caráter extrafiscal, privilegiando / discriminado positivamente as PMEs. Isto tem a ver com o tecido empresarial português, que em mais de 90% é feito de PMEs. No final do nº 2, fala-se nos primeiros 15 mil com uma taxa de 17%, aplicando-se a taxa previstas no nº 1 ao excedente (no que for mais de 15 mil, já se aplica 21%). Uma empresa que não se qualifique como média ou pequena tem uma taxa de 21%. 4 DETERMINAÇÃO DO IMPOSTO A PAGAR / DEDUÇÕES À COLETA Assim, aplicada a taxa à MC, obtemos a coleta. O que fazemos à coleta? Deduções. Também em IRC existem deduções à coleta. Olhe-se ao 90º, 2. E segs. Isto é equiparado ao 78º do CIRS veja-se o que é dito no 90º, 2. Como principais deduções à coleta? Dupla tributação jurídica internacional, dupla Assi, há questões de dupla tributação que tem de ser resolvidas, mas também em IRC o sujeito passivo pagou imposto antecipadamente, por várias formas. Como pagamentos por conta, mas a maior parte dos sujeitos passivos de IRC estão sujeitos a pagamentos por conta, e há um pagamento suplementar chamado pagamento especial por conta, havendo retenções na fonte que ocorreram por conta do imposto a pagar a final. O que foi pago antecipadamente de imposto tem de ser deduzido. Uma vez feitas estas deduções, temos o imposto a pagar. Todavia, acrescente-se a derrama municipal. Alem do IRC, sobre o lucro tributável incide uma derrama municipal, que vai cumula ao pagamento do imposto a pagar. Falta tratar tributação autónoma e a derrama estadual. Qual e o esquema necessário de IRC que temos de fixar, o if/then? Partimos do lucro tributável, que não coincide obrigatoriamente com o contabilístico. Deduzimos eventuais prejuízos (limitada ente), apurada a matéria coletável, aplicamos a taxa de imposto, obtendo a coleta. A coleta temos deduções a fazer, que tem a ver com credito de imposto por dupla tributação existente ou pagamentos antecipados por conta do imposto a pagar a final. E assim e que obtemos o IRC a pagar. Mas alem disto temos de ter em atenção que ha uma sujeição à derrama municipal. E a base de cálculo não é o IRC a pagar, mas o lucro tributável. Assim, pode não haver IRC a pagar e haver derrama a pagar. É que a derrama municipal é um suplemento de tributação feito para os municípios com base no lucro tributável. Nos termos da LFL, a base de tributação é o lucro tributável. Se temos lucro tributável, há derrama municipal a pagar. Podemos vir a não pagar IRC, mas temos de pagar a derrama municipal. 156 157