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Aulas Fiscal

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DIREITO
FISCAL
2018/2019 | 2º semestre | Profª Rita Calçada Pires
PEDRO MIGUEL SILVA
14 FEV 2019
Sumário: Introdução; programa; método de
avaliação; bibliografia; contexto do imposto; pressão
fiscal e esforço fiscal; bases de tributação e justiça;
fiscais, o sujeito ativo da relação jurídica fiscal) e o
contribuinte (aquele que é o sujeito passivo da
relação jurídica fiscal, que tem a obrigação de pagar
o imposto). Por um lado, temos um privado que,
desejavelmente, não quer ver reduzido o seu
património; do outro o Estado, que precisa de ir
retirar ao património daquele privado recursos que
permitam gastar (para cumprir com as suas tarefas
fundamentais constitucionalmente consagradas).
Por que é que é importante esta visão? Porque,
infelizmente, não é incomum encontrarmos na
prática formas de pensar os impostos
e, por
consequência, o direito fiscal
demasiado
autoabsorvidas.
Introdução
Pensar o direito público é diferente de pensar o
direito privado. A área público-económico-financeira
apresenta especificidades. Passando da Economia
Pública para as Finanças Públicas, compreendemos
que estamos a tentar perceber um modelo de
pensamento que tem a ver com uma intervenção do
Estado e a forma como o Estado regula a sua
intervenção e como arranja os meios para financiar
a intervenção
circunscrito a um modelo de
pensamento estruturado, com regras específicas (há
uma espécie de autolimitação). Nas Finanças
Públicas, olhámos para a consequência de termos
um Estado e de ele ter de intervir.
Agora, aprofundaremos a compreensão de como o
Estado atua, pensa, estrutura e regula a forma como
obtém receita. Situar-nos-emos no lado da receita;
especificamente, na receita fiscal.
Além da ideia do direito público e do direito público
económico-financeiro, a segunda ideia fundamental
é nunca encarar o Direito Fiscal como um ser
extraterrestre e algo autónomo. O direito fiscal e,
portanto, o imposto para ser bem pensado e bem
compreendido tem de ser sempre visto levando em
atenção que estamos a estudar um dos meios de
obtenção de receita pública. É o mais relevante do
ponto de vista orçamental / quantitativo e isso
significa que, quando olhamos para uma norma
fiscal, além do eminente caráter técnico, precisamos
de compreender que as opções que o legislador
tomou do ponto de vista fiscal são fruto de procurar
angariar receita para fazer face a despesa. Com este
enquadramento em mente, compreendemos por
vezes as loucuras que a legislação fiscal contém e
parte da complexidade a ela inerente. Se não
esquecermos
que
o
Estado
precisa
desesperadamente dos impostos para financiar
grande parte da sua ação / despesa pública,
compreendemos a pressão que existe para a
angariação dessa receita. E compreendemos
igualmente que pensar os impostos é sempre
pensar uma relação jurídica fiscal em tensão entre
o Estado (personificado na administração tributária /
autoridade tributária AT, quem aplica as normas
1
Exemplo: pense-se numa pessoa demasiado
autocentrada. Esta pessoa, muitas vezes, não é
capaz de um olhar objetivo sobre a realidade e do
impacto das suas ações sobre os outros, que podem
ser negativas.
Se pensarmos o imposto desta forma autocentrada,
corremos o mesmo risco. O que RCP propõe é não
pensar o imposto de forma autocentrada, e sim
contextualizada. O contexto é o seguinte: o imposto
é uma das receitas públicas significativamente a
mais importante do ponto de vista orçamental mas
tem de ser sempre pensada de acordo com a big
picture, o espaço em que se se situa, de maneira a
evitar o mais possível a ocorrência de problemas,
conflitos, tensões entre o aplicador (AT) e o
contribuinte. Nós (juristas) não nos podemos
esquecer que temos uma formação duplamente
orientada:
(relações substantivas), há outra perspetiva: se este
quadro normativo não corre como devia, haverá
litígio e conflito. Ora, parte do papel do direito é
também saber resolver estes conflitos. Enquanto
juristas, temos de saber o que acontece quando os
intervenientes colidem nas suas pretensões. O
direito tem de ser capaz de resolver o litígio. Cada
vez mais há uma ênfase para privilegiar, porém, o
caráter preventivo; um dos grandes objetivos do
direito é que não haja litígio. Espera-se que o litígio
seja o último dos recursos. E aqui voltamos ao que
dissemos antes: há que pensar bem o direito fiscal,
o que passa por saber pensar bem as normas
fiscais. E parte desse saber pensar bem é ficar
sempre na nossa mente o contexto do imposto. Ele
não deve ser visto
ao contrário do que julgam
muitos
fiscalistas
de
uma
forma
descontextualizada,
desprendida
do
seu
enquadramento nas finanças públicas, no entender
de RCP. Deve ser visto no conjunto da variada
receita, em face da despesa existente.
Em Finanças Públicas, vimos que o imposto é o
preço a pagar pela sociedade em que estamos
inseridos. Isto é importante quer para o Estado, quer
para o aplicador do direito e, sobretudo, para o
contribuinte. É necessário compreender que o
cumprimento do dever de pagar o imposto também
deve recorrer à justificação do porquê da sua
existência: o preço a pagar pela sociedade que
temos institucionalizada (mas não só
aprofundaremos mais tarde esta noção).
O que RCP quer na nossa cabeça:
sistema fiscal, feito de um conjunto de impostos
variado, com regras distintas e próprias para cada
um deles. Mas, como sistema, ele está interligado.
Há que saber caracterizar o sistema fiscal
português, reconhecer os tipos de impostos e as
características dominantes de cada imposto e
analisar a forma como a UE (e também o espaço
internacional) influencia a construção do sistema
fiscal português.
i) Estudar agora o direito fiscal é acumular
conhecimento jurídico sobre a forma como o Estado
intervém do ponto de vista económico-financeiro.
ii) Estudar direito fiscal e compreender o imposto
deve sempre implicar não perder de vista o seu
maior contexto. Ele é um dos tipos de receita do
Estado e existe, em primeira linha (mas não
exclusivamente
vejam-se os três elementos de
Musgrave). Se o imposto é um tipo de receita
inserido nas finanças públicas, e se elas existem não
apenas para angariação de receita, mas podem
servir também para estabilização macroeconómica
e redistribuição, percebe-se que o imposto pode, e
irá certamente, servir para cumprir com esta tripla
missão.
Nota: Direito das Obrigações é uma precedência
recomendada para esta cadeira (além de Economia
Pública e Direito Financeiro e Fiscal) porque a
relação jurídica fiscal é, no fundo, obrigacional.
Programa
Devemos reconhecer como sendo diferentes os
tipos de tributo - impostos, taxas e contribuições
financeiras. Iremos identificar os objetivos do
imposto, e teremos de estar bem cientes do quadro
que a CRP oferece ao imposto. Veremos em que
consiste a Constituição fiscal e qual o seu papel. E
veremos a relação entre o regime dos impostos e os
dados financeiros (questão das Finanças Públicas);
saberemos descrever de forma expressa o impacto
económico do imposto, e em que é que isso se
revela e como se projeta nos privados (para o bem
e para o mal). Teremos de saber explicar e densificar
cada uma das etapas do imposto. Assim,
analisaremos a teoria geral do imposto. Passando
da
teoria
geral
para
o
aspeto
mais
técnico/específicos, precisaremos de ter a
consciência de que o imposto se situa no âmbito de
um sistema por isso existe o que designamos por
Um dos aspetos das regras das finanças públicas foi
tornar claro que as regras da UE têm implicação nas
regras nacionais sobre finanças publicas. Também
no âmbito fiscal existem regras da UE com
profundas implicações nos impostos. Para além do
domínio fiscal da UE, o enquadramento e a ação
internacional e estrangeira têm impacto na forma
como as regras fiscais são construídas, aplicadas e
alteradas. Quando RCP se refere aos aspetos
internacionais, refere-se ao trabalho de certas
organizações internacionais no âmbito fiscal e que
tem implicação nacional (ex.: OCDE). Também se
refere à forma como os Estados negoceiam e
aprovam acordos para eliminar a dupla tributação,
instrumento internacional que condiciona a
aplicação das normas fiscais nacionais. Pelo art.º 8º
da CRP, a propósito da hierarquia das fontes,
sabemos que o direito internacional vincula as
normas nacionais. Logo, também estes acordos
para evitar a dupla tributação vão condicionar as
normas fiscais nacionais.
Quando RCP se refere já não ao plano internacional,
mas sim ao plano estrangeiro, está a referir-se a
normas fiscais de outros Estados, outros países. O
que é que as normas fiscais da Tailândia ou dos
EUA têm a ver com as nacionais? A resposta é
sobretudo (não exclusivamente) explorada quando
pensamos que o capital é móvel e, face às novas
tecnológicas, se deslocaliza num ápice
em
segundos de uma jurisdição para outra. O que tem
isso a ver com a tributação? Uma das bases de
tributação é precisamente o capital. Se o capital vai
para outra jurisdição, kaput base de tributação.
Quando há um kaput na base de tributação, o que
acontece à receita fiscal? Desce. Ora, a receita fiscal
é essencial para obter equilíbrio orçamental. Há um
desespero dos Estados. Há uma competição entre
as jurisdições fiscais para captar bases de
tributação. Logo, se houver um Estado que tributa
0% ou tributa 1% quando a média internacional é de
20%, o contribuinte prefere deslocar-se para onde
paga menos. O Estado fica afetado; isto faz com que
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as legislações fiscais andem todas interligadas. A
construção de uma pode provocar um impacto na
outra. Também este movimento e esta relação têm
de estar bem reconhecidos por nós, o que torna
ainda mais complicado reconhecer a forma como o
direito fiscal funciona.
É também fundamental saber falar sobre as normas
fiscais específicas num imposto. É importante
analisarmos impostos em especial. Para RCP, há
que entrar com mais profundidade no estudo dos
impostos em especial, mas não há tempo para
estudar todos os impostos em especial. Por isso,
trabalharemos sobre os chamados impostos sobre o
rendimento. Existem vários impostos sobre o
rendimento, sobre o consumo e sobre o património;
vamos começar por analisar os impostos sobre o
rendimento, significando que vamos olhar para o
IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas
singulares) e o IRC (imposto sobre o rendimento das
pessoas coletivas). Vamos fazer cálculo da
determinação do IRS, olhando para o Código do
IRS. Faremos isto para perceber que da correta ou
incorreta aplicação da norma resulta um impacto no
quantitativo a ser pago. Aqui chegamos a uma das
dificuldades do direito fiscal: a linguagem usada pelo
legislador. Ela é difícil, densa, chata. Há que
perceber como se vai de uma norma para a norma
seguinte. Há uma lógica de sistematização dos
códigos fiscais, uma preocupação em apreender a
forma como a linguagem é utilizada e descodificá-la.
Para isto é necessário compreender o processo; isto
torna muito mais simples abordar outros impostos,
inclusive impostos de outras jurisdições. A
construção do imposto é semelhante worldwide,
pelo que é útil saber pensar o imposto, ainda que
ninguém consiga ser especialista em impostos em
vários ordenamentos jurídicos. O IRC tem um
complicómetro associado: para saber bem IRC, há
que saber contabilidade, algo em que os juristas não
são especialistas. Aproximamo-nos do IRC com
essa noção bem presente; e precisaremos de
dominar alguns conceitos contabilísticos.
As primeiras aulas são alocadas à forma de pensar
o fiscal. Devemos, desde o início, fazer leituras para
dominarmos isto. No capítulo das fontes,
percebemos onde temos de beber direito fiscal.
Além das fontes internas nacionais, e além da UE e
do aspeto internacional, mesmo dentro de Portugal,
as
orientações
administrativas
internas
à
administração tributária (AT) são também elas
essenciais para saber pensar e aplicar o imposto.
RCP preparou um case study com a contribuição
para o audiovisual, na versão pré-intervenção do T.
Constitucional e pós-intervenção. Passaremos em
vista
classificações
dos
impostos
e
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momentos/etapas do cálculo da determinação do
imposto, associando a cada etapa as regras
aplicáveis. Voltaremos a frisar alguns aspetos
económicos (esforço fiscal e nível de fiscalidade,
sobretudo). Trabalharemos (perfuntoriamente) as
questões do planeamento fiscal, da evasão fiscal e
da fraude fiscal, identificando princípios norteadores.
Olharemos para a relação jurídica fiscal (aqui são
importantes conhecimentos de DO). Há as questões
da UE e internacional, e depois disso abordaremos
IRS e IRC coleta, deduções à coleta e imposto
apurado no final (a ser pago ou reembolsado).
Método de avaliação
Exame final (100%).
ou
Oralidade nas aulas (30%) + Exame final (100%).
Introdução (continuação)
Mais uma vez, vamos enfatizar o contexto em que
se insere o imposto e trazer por esse contexto
algumas questões económicas, como pressão fiscal
e esforço fiscal, ligando à questão dos limites à
cobrança de juros, para depois avançarmos para a
análise do direito fiscal, distinguindo-o do direito
tributário puro e da fiscalidade. Identificaremos que,
apesar de a natureza do direito fiscal ser pública, a
forma como o imposto está a ser cada vez mais
desenhado implica uma aproximação ao universo
privado. Vamos identificar no nosso ordenamento
das fontes.
Nota: a atividade financeira pública está justificada
pelas funções atribuídas constitucionalmente ao
Estado.
PARTE I
PARTE GERAL: DO
IMPOSTO
1. NOÇÕES INICIAIS
I-1. - O PAPEL DOS TRIBUTOS NA SOCIEDADE
E NA ATIVIDADE PÚBLICA
O contexto do imposto nunca pode ser esquecido.
Recordemos que as receitas patrimoniais têm uma
importância contextualizada, cada vez mais na
contemporaneidade, na resolução de défices
orçamentais. As receitas creditícias são importantes
para gerar liquidez, estabilização macroeconómicas
e, acima de tudo, obter receita para fazer face a
défices orçamentais. Estas receitas estão orientadas
receitas
tributárias tenham uma importância inequívoca, por
serem aquelas que, de um ponto de vista
orçamental, tendem a garantir (pretende-se que
garantam) a cobertura da despesa pública. São a
primeira linha; as receitas a que o Estado primeiro
recorre. Isto liga-se à função tradicional. Também no
âmbito das receitas creditícias podemos ter de emitir
receita para obter liquidez (tesouraria) e para fazer
uma intervenção macroeconómica. Mas na visão
tradicional, a primeira linha de obtenção de receita
pública é a das receitas tributárias. E podemos
afirmar que a primeira função das receitas tributárias
é a arrecadação de receita.
I-2. - DIREITO TRIBUTÁRIO VS. DIREITO FISCAL
VS. FISCALIDADE: CONCEITOS PRÉVIOS E
DISTINÇÕES
Vimos que as receitas tributárias podem assumir um
de três rostos: imposto, taxa e contribuição
financeira (sendo esta figura mais contemporânea).
Quando falamos em tributo, referimo-nos
potencialmente a qualquer um deles. Em direito
tributário, falamos de normas que regulam quer o
imposto, quer a taxa, quer aas contribuições
financeiras. Se nos quisermos cingir à análise do
imposto, já estamos a falar daquilo que é designado
como direito fiscal
o direito que estuda os
impostos, já ultraespecializado dentro do direito
fiscal. Isto já significa que será importante distinguir
imposto de taxa e de contribuição financeira, visto
que o regime jurídico de cada um é diferente. Em
consequência, os princípios norteadores também
serão
diferentes.
O
certo
é
que,
contemporaneamente em Portugal e não só cabe
aos impostos a primeira linha de arrecadação de
receita para fazer face à despesa pública.
Esta conclusão abre as portas a uma reflexão
exterior. Se os impostos são a forma primeira que o
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Estado tem de arrecadar receita, e se os Estados
sociais contemporâneos têm níveis de despesa
pública muito elevados, o que é que isso implica
para a quantidade de impostos arrecadados? Que
sejam muito elevados. É, então, importante, quando
avaliamos a questão da quantidade (diferente da
qualidade) de impostos arrecadados, para
percebermos bem do que falamos e das implicações
que uma tão grande dependência dos impostos
pode implicar, precisamos de levar em atenção dois
conceitos económicos importantes a pressão fiscal
e o esforço fiscal. Estes conceitos são, sobretudo,
trabalhados por economistas e não juristas.
I-2.a) - Pressão fiscal e esforço fiscal
Na pressão fiscal, relacionamos o PIB (i.e., a riqueza
produzida numa economia) com a totalidade dos
impostos cobrados. Relacionamos aquilo que foi
produzido com o valor dos impostos cobrados. Isto
também se designa por nível de fiscalidade.
Este critério é importante porque:
i)
ii)
Ajuda a saber que tipo de Estado nós
temos (que dependência o nosso
Estado tem dos privados para
alimentar a sua despesa, percebendo
qual o equilíbrio ou desequilíbrio entre
funções públicas e privadas).
Se tivermos de falar em política fiscal, e em todas as
decisões que o Estado/executivo (Governo, AR) tem
de tomar sobre a distribuição da receita a arrecadar,
não pode / não deve fazer
Estado carregará mais depende de saber se há um
ou não um nível de fiscalidade elevado e que
impacto existe na relação com a capacidade
contributiva, provocando ou não um elevado esforço
fiscal.
Isto faz-nos suscitar a procura de algo de que
falámos em finanças públicas: saber se há ou não
um limite à tributação. Nessa busca, é importante ter
a noção de como o Estado, mesmo que queira e
precise desesperadamente de impostos, não pode,
sem mais, continuar a aumentar, aumentar,
aumentar, aumentar. É que
dizem-nos os
economistas haverá um ponto onde, mesmo que o
Estado crie as normas jurídicas coercivas que
obrigam à contribuição, das duas uma:
>> ou já não há capacidade contributiva;
>> ou, havendo-a, os agentes económicos optam
pela evasão fiscal ou pela fraude fiscal (são
conceitos diferentes).
A partir do nível de fiscalidade /
pressão fiscal, relacionando com a
capacidade contributiva, obtém-se o
esforço fiscal
i.e., o peso que o
pagamento dos impostos produz nos
contribuintes.
Isto dá indicação quanto ao limite ou não de o
Estado avançar para exigir mais ou menos impostos.
Não é certo que de um nível de pressão fiscal
elevado resulte automaticamente um nível elevado
de esforço fiscal. Não é obrigatório que por um
Estado cobrar muitos impostos em face daquilo que
é o PIB que, automaticamente, o esforço fiscal seja
elevado. Significa isto que, em certos casos, pode
haver espaço para aumentar a carga tributária por
forma a financiar a despesa pública e não recorrer
nem à receita creditícia, nem à receita patrimonial.
Noutras circunstâncias, pode acontecer que de um
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elevado nível de fiscalidade resulte um elevado nível
de esforço fiscal. Se houver um nível de esforço
fiscal muito elevado, então o Estado deve ter a
noção de que não existe mais espaço para
sobrecarregar os contribuintes com impostos
e
que, se não descer a despesa, tornar-se-á
necessário ir buscar a taxas, contribuições
financeiras, crédito ou património.
I-2.b)
Bases de tributação e justiça
Além deste juízo macro, de impostos com um todo,
há que fazer um juízo numa perspetiva micro, dentro
dos vários impostos existentes. Já sabemos que
existem três tipos de bases de tributação:
rendimento, consumo e património. Naturalmente,
atendendo a esta multiplicidade, o Estado também
opta por apostar numa destas bases de tributação
do que noutras. Ou seja, embora possamos ter esta
reflexão sobre o imposto em geral, sobre o nível de
fiscalidade, o esforço fiscal e os limites à quantidade
do imposto (e a ideia de o Estado retirar meios à
economia privada), a verdade é que, também
quando olhamos para as três bases de tributação, o
Estado decidirá carregar mais numa em vez de
outra. Atualmente, os impostos que mais receita
fiscal produzem em Portugal são os impostos sobre
o consumo e não os impostos sobre o rendimento
ou o património. Dentro dos impostos sobre o
consumo, destaca-se o IVA. Isto coloca a seguinte
questão: será o imposto sobre o consumo o mais
justo? Entramos num nível qualitativo, de justiça
fiscal. Tem-se que os impostos sobre o consumo são
proporcionais, ou seja, iguais para todos
ao
contrário do que ocorre nos impostos sobre o
rendimento, que tendem a ser progressivos. No IRS,
temos uma tabela de taxa de imposto que varia por
escalões, consoante o rendimento for maior ou
menor: quanto menor o rendimento, menos imposto
se paga; quanto maior o rendimento, mais impostos
se paga. Mas são os impostos sobre o consumo os
que mais arrecadam. E mais: nos impostos sobre o
rendimento, entre IRS e IRC, o que mais receita
oferece é o IRS. Isto parece um pouco estranho:
normalmente as pessoas coletivas trabalham com
valores muito superiores àquilo que a maioria dos
indivíduos tem, e ainda assim são os indivíduos que
É isto justo? E por que é que acontece?
Tem a ver com o impacto que as normas
estrangeiras fiscais tem nas nossas normas
internas. Ao contrário do capital que é a base da
construção de uma pessoa coletiva e da sua ação
lucrativa muitas das pessoas singulares não têm a
mobilidade que o capital tem. Não se deslocalizam
para outra residência com o puff! de uma
transferência bancária, em instantes. Assim, tende a
tributar-se menos pesadamente o capital e mais
pesadamente aquilo que não tem mobilidade.
Porquê? O imposto é a via privilegiada para obter
receita para financiar níveis elevados de despesa
pública. O Estado não pode prescindir dela; por isso,
sobrecarrega quando sabe que a vai conseguir. Isto
não é símbolo de muita justiça fiscal.
O imposto é a receita privilegiada para o Estado
obter verbas para financiar a sua despesa pública, o
que faz com que haja uma pressão fiscal elevada,
podendo gerar níveis elevados de esforço fiscal,
mas é igualmente atendendo à questão do esforço
fiscal uma receita que tem limites quantitativos.
Além dos limites quantitativos, não nos devemos
esquecer de que, precisamente por esta nuvem de
quantidade elevada que é o imposto nas sociedades
contemporâneas, tal tem implicação na forma como
o Estado também vai, do ponto de vista qualitativo,
desenhar o sistema fiscal e conseguir equilibrar os
interesses em presença, privilegiando capital em
detrimento de trabalho, privilegiando consumo em
detrimento de capital, etc.
Assim, a aposta do Estado em sobrecarregar mais
aqui ou ali não é feita por o Estado gostar de ser
mau, e há que ter atenção a elementos quantitativos
e elementos qualitativos. Quando pensamos em
qualidade do imposto, podemos tender a pensar
num imposto justo, como juristas bem-intencionados
que somos. Mas o certo é que pode haver problemas
na questão da justiça, havendo elementos que
influenciam a construção e implementação das
opções fiscais.
E quanto é que é isto? Não soa uma sineta a dizer
quando devemos parar. Nem os economistas nos
sabem dar uma resposta. Há conceitos que são
indeterminados. RCP ouviu o então presidente do T.
Contas, Oliveira Martins, dizer que tínhamos
atingido o nível máximo de fiscalidade e de esforço
fiscal, e o prof. Bagão Félix disse que deveríamos
procurar constitucionalizar um limite ao nível de
fiscalidade / pressão fiscal. Mas o facto é que, mal
ou bem, estamos todos cá e o nível continua muito
semelhante não se afastou tanto como se poderia
pensar. Lembremos a tendência crescente da
despesa; a receita tem de continuar a suportá-la. O
que temos é um problema de habituação, pois,
quando
o
Estado
aumenta
impostos,
tendencialmente eles não retrocederão de forma
significativa. Olhando aos dados estatísticos que
comparam a pressão fiscal portuguesa com a da UE,
ainda estamos aquém, por estranho que pareça.
Quando olhamos para as normas fiscais, há que não
esquecer que o Estado, quando as constrói, tem isto
na cabeça. Isto é visível até nas normas
aparentemente mais insignificantes, micro.
Exemplo: quando o Estado cria (no âmbito do IRC)
um pagamento especial por conta sobre outras
retenções na fonte previamente feitas, ainda que
depois permita deduções no imposto final a pagar,
ao exigir o pagamento suplementar, faz entrar
dinheiro nos cofres do Estado - mesmo que possa
ter de haver um reembolso passado algum tempo.
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Isto pode acontecer em normas substantivas de
criação de suplementos, mas também em normas
procedimentais por exemplo, dizer que o Estado,
tendo de reembolsar e reembolsando fora do prazo,
não tem de pagar juros (quando nós, quando
pagamos fora do prazo, precisamos de pagar juros).
exigido interna e externamente e tem impacto junto
das organizações internacionais e junto dos
credores. É mesmo preciso fazer face a um eventual
défice ou iliquidez de tesouraria.
Nota: se o Estado tem dúvidas, mas quer interpretar
uma norma mais acerrimamente, forçando uma
liquidação de imposto que eventual gera litígio, no
período que medeia, o Estado fica com o recurso, o
que pode ser importante para a gestão das contas
públicas.
Nota 2: veja-se como o imposto é manipulável. Não
é simples compreender tudo isto; há densidade e
complexidade, há nuances embutidas. RCP nunca
quereria ser ministra das Finanças.
I-2.c) -
A propósito da questão da justiça, é bom ter a ideia
de que, quando falamos em direito fiscal (situandonos no âmbito impositivo do imposto, ao contrário da
fiscalidade, em que pensamos numa vertente
económica), e quando pensamos no imposto que,
queiramos ou não, é obrigatório (a coercividade está
embutida
no
conceito
de
imposto)
automaticamente tendemos a ligar o direito fiscal a
um direito público. Sendo direito público, com esta
lógica de obrigatoriedade e meios de coercividade,
somos levados a uma noção tradicional de imposto:
o Estado determina, a AT cobra, ponto final.
Contudo, pensar no imposto e verificar a forma como
o direito fiscal constrói o imposto já não é
exatamente tão linear quanto isso. Significa que,
apesar de o direito fiscal ser efetivamente direito
público (sem a menor sombra de dúvida), tal como
em muitos outros ramos de direito público, o direito
fiscal tem cedido algum espaço a uma
privatização
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Isto acontece, sobretudo, porque o Estado percebeu
que necessita de criar uma relação equilibrada com
o contribuinte. É que é dessa relação equilibrada que
haverá uma maior adesão da parte do contribuinte a
um cumprimento voluntário, afastando-se a
litigiosidade fiscal. Mas isto também acontece
porque o Estado percebe que, em face da
mobilidade dos fatores de produção e a busca que
estes fatores de produção fazem (questão da
competividade fiscal), o Estado precisa de aderir a
um espaço de maior atratividade na norma fiscal.
São, então, introduzidos alguns elementos na
relação jurídica fiscal que permitem algum consenso
entre contribuinte e administração tributária. Existe,
portanto, uma dupla dinâmica.
Nota:
existe,
contudo,
o
princípio
da
indisponibilidade do crédito tributário, segundo o
qual a AT nunca pode abdicar daquilo que a lei diz
ser devido ao Estado.
Exemplo 1: cada vez mais o Estado tende a
privatizar o procedimento de liquidação fiscal.
Consciente de que o número de contribuintes é
muito grande, e consciente de que não há um polícia
para cada cidadão, a Administração Tributária e
Aduaneira, para liquidar o imposto, precisa das
declarações dos contribuintes
significando que,
para apurar o imposto a pagar, a Administração
Tributária e Aduaneira precisa que alguém lhe diga
que, todos os anos, existe a declaração de IRS e,
todos os anos, existe a declaração de IRC, as duas
feitas de maneira diferente. Enquanto que a
declaração de IRS se resume à identificação de
valores por parte do contribuinte, a declaração de
IRC implica que o sujeito passivo liquide o IVA, ou
seja, não só determinando os valores, mas também
calculando o que é devido ao Estado. Assim, na
de que a lei obriga a que os contribuintes declarem
as suas bases de tributação
visível nas
declarações anuais de IRS e IRC. Todavia, mesmo
neste domínio, há diferenças: no IRS, a declaração
que a pessoa singular faz é apenas uma indicação
dos montantes recebidos e das despesas efetuadas;
ao contrário, no âmbito do IRC, não estamos perante
um >> imposto heteroliquidável (digo os valores e
outrem o Estado liquida), e sim um >> imposto
autoliquidável (é o próprio sujeito passivo que
determina / liquida o imposto). Não só declara, como
aplica a lei fiscal, determinando o imposto devido
pagar ao Estado ou que tem de ser reembolsado.
Nota: pode haver inspeções tributárias aleatórias,
para haver algum controlo disto.
Exemplo 2: vimos que as retenções na fonte
traduzem uma relação fiscal triangular. O Estado,
por saber que não pode controlar tudo, depende de
alguns privados para fazerem o seu trabalho.
Introduz a figura do substituto tributário. A retenção
na fonte, feita pelo terceiro, é mais um exemplo da
privatização do procedimento de liquidação do
imposto. Veja-se o seguinte esquema, recuperado
de Direito Financeiro e Fiscal:
Exemplos 3, 4 e 5: criação de uma unidade de
grandes contribuintes; existência da arbitragem
fiscal; contratos fiscais.
I-2.c) (continuação)
Depois de contextualizado o imposto e identificado
que este imposto é trabalhado essencialmente como
um elemento público / em que o Estado tem poder
coercivo (e, por isso, identificado, como o objeto de
estudo do Direito Fiscal, sendo este um direito
público), tal não significa que não tenhamos já nas
normas
fiscais
nacionais
elementos
que
tradicionalmente são assumidos como estranhos
para um direito público.
Exemplo 1 (continuação): O primeiro exemplo que
demos foi o da privatização do processo de
liquidação. Vimos que o Estado, em face de um
número
muito
elevado
de
contribuintes,
precisa/depende da informação que estes
contribuintes lhe dão para proceder à liquidação do
imposto
inclusivamente, apontámos que, se é
verdade que em alguns impostos o Estado recorre
ao contribuinte para ter acesso à informação que lhe
permite (ao Estado) liquidar o imposto
heteroliquidação em outros tipos de impostos (ex.:
IRC), o Estado não só recorre ao próprio contribuinte
para declarar / identificar os rendimentos obtidos,
mas igualmente para o próprio contribuinte liquidar o
imposto autoliquidação.
Exemplo 2 (continuação): Falámos, também, na
possibilidade que a legislação fiscal concede ao
Estado para recorrer a terceiros para fazerem
cumprir a obrigação tributária em seu nome
a
figura da retenção na fonte. De finanças públicas,
temos a ideia de que, em certos momentos, o Estado
pede a um terceiro para, quando paga ou coloca à
disposição certo pagamento, esse pagador
reter/retirar uma parte do valor empregue e entregar
ao Estado como imposto devido.
Exemplo 3: a unidade dos grandes contribuintes é
um exemplo que está próximo, mas tende a assumir
alguma autonomia. Qual o contexto disto? Quando
pensamos em imposto, pensamos numa carta a
15 FEV 2019
Sumário:
(continuação).
preocupação do Estado em se colocar perto do
contribuinte; não há um paralelismo de posições.
dos tempos, os agentes económicos têm
conseguido demonstrar ao Estado (mal ou bem,
dependendo das circunstâncias) que o Estado tem
também o seu poder fiscal, de alguma maneira,
fragmentado ou fragilizado. Há alguma tendência
8
para nivelar as posições na relação jurídica fiscal
Estado / contribuinte. Nem sempre o Estado aparece
como o suprassumo que impõe, sem mais, ao
contribuinte a sua posição. Isto é visível se
pensarmos em multinacionais, em capital, em
mobilidade, em tecnologia. Se o contribuinte não
gostar de certa forma de tributar e do impacto que
isso tem no rendimento ou no consumo, pode
deslocalizar-se: procurar outra jurisdição fiscal que
lhe seja mais vantajosa.
Obviamente que, para o Estado, isto são más
notícias; é algo que coloca em risco a obtenção da
receita fiscal. Então, tem-se percebido que uma das
formas que o Estado tem de tentar garantir que o
contribuinte adere voluntariamente ao cumprimento,
e sendo que há igualmente uma preocupação por
parte do Estado em atender às especificidades do
agente económico (contribuinte), uma das imagens
passa por tentar estabelecer uma relação jurídica
fiscal como algo mais próximo de uma relação
cliente / provedor.
Um exemplo no nosso OJ é a chamada unidade dos
grandes contribuintes. Olhe-se para a LGT, art.º 68ºB.
Lei Geral Tributária (LGT)
Decreto-Lei n.º 398/98
Está prevista a criação de um acompanhamento
permanente a estes contribuintes no processo de
gestão tributária. O Estado como que abre uma loja
do cidadão fiscal especializada para estes
contribuintes; como se fôssemos a um banco e
tivéssemos um gestor de conta dedicado. Há uma
preocupação de tentar nivelar as relações jurídicas,
procurando estabelecer uma relação jurídica fiscal o
mais pacífica possível.
Quando pensamos em IRC, a maioria do IRC pago
é-o como conjunto muito reduzido de empresas, o
que parece contrastar com o nosso tecido
empresarial, pois mais de 90% das empresas
portuguesas são PMEs inclusive, muitas delas são
pequenas empresas ou microempresas. Mas não é
9
esta parte que paga a maior quantidade de receita
fiscal; são as grandes empresas. Face à importância
que as grandes empresas representam nos cofres
do Estado, há esta tentativa de criar uma relação
jurídica mais equalizadora daí a criação de uma
unidade dos grandes contribuintes.
Nota: nestes exemplos, não se abdica de qualquer
das características do imposto. Não se retira
qualquer regra impositiva de indisponibilidade do
crédito tributário. Está, sim, a perceber-se que a
existência de uma espécie de private banking é
importante para estes contribuintes no âmbito do
processo fiscal.
Exemplo 4: existem contratos fiscais. Recordemos
que o imposto é imposto; se não for cumprido
voluntariamente, existem no OJ mecanismos que
obrigam a esse cumprimento. O ato de liquidação é
um tipo executivo, permitindo à administração fiscal
executar automaticamente a sua dívida. Porém, na
sequência de se perceber que a mobilidade dos
agentes económicos pode gerar uma fragmentação
muito grande e uma redução consequente muito
elevada das bases de tributação (tendendo aí o
Estado a perder receita fiscal), significa isto que a
legislação fiscal pode ser utilizada como elemento
de atração ao investimento, garantindo criação de
investimento na economia nacional com o
consequente aumento de receita fiscal, entende-se
que, em certas circunstâncias, deve a AT poder
negociar a obrigação fiscal. Isto pode parecer
estranho. Se olharmos para o 37º da LGT,
encontramos uma norma que determina a
possibilidade circunscrita de serem construídos
contratos fiscais. Estes contratos fiscais atuam no
âmbito dos benefícios fiscais ou seja, estamos a
pensar numa alteração do regime normal de
tributação. Os contratos fiscais, tendo como base a
tributação normal de determinado rendimento,
consumo ou património, podem criar desvios a essa
tributação normal, através da concessão de
benefícios fiscais contratuais / contratualizados.
Durante muito tempo, não tivemos espaço normativo
que nos explicasse de forma mais concreta esta
realidade. A tese de mestrado do prof. Casalta
Nabais (Coimbra) incidiu sobre este tema. Hoje em
dia, existe o Código Fiscal do Investimento,
aprovado em 2014. Neste diploma verificamos que
aqui está estabelecido o regime dos benefícios
fiscais contratuais ao investimento produtivo. Não é
mau olharmos para o art.º 2º deste diploma, a
propósito deste tipo de benefícios; e para os arts. 3º
e 4º.
Código Fiscal do Investimento
Decreto-Lei n.º 162/2014
Da leitura destes artigos resulta o seguinte: o que o
Estado pretender garantir aqui é que, quando o
investimento tiver em causa milhões de euros
envolvidos, criação de postos de trabalho, criação
de valor acrescentado efetivo à economia nacional,
então, como contrapartida, deve ser possível existir
um regime fiscal mais vantajoso para a tributação de
quem desenvolve esses projetos de investimento.
Nesta circunstância, o contrato fiscal aparece a
quebrar a chamada regra da neutralidade (não deve
ser pelo elemento fiscal que o agente económico
toma a sua decisão de investir ou não investir), mas
utilizar o elemento fiscal para tornar mais atrativa a
decisão do agente económico de investir, e de
investir em projetos produtivos. Em finanças
públicas, olhámos para dois tipos de investimento: o
que é capaz de produzir e reproduzir valor
acrescentado, e aquele que não tem por detrás nem
a criação de infraestruturas, nem de impacto no
mercado de trabalho, novos produtos, etc, mas
única e exclusivamente tornar rentável capital
aplicado. É diferente comprar uma obrigação e criar
uma fábrica para desenvolver componentes para a
criação de robôs com inteligência artificial. Esta
diferença faz com que, do ponto de vista fiscal,
também faça sentido proceder a um tratamento
diferenciado daí a necessidade destes contratos
fiscais. A tendência é que os contratos fiscais
ocorram para beneficiar o investimento produtivo.
Percebe-se porquê: os resultados de impacto na
economia e de impacto social são muito superiores
ao de um investimento que não seja produtivo.
Quando um investidor tem como projeto um
investimento produtivo, o elemento fiscal será
inevitavelmente um dos elementos a ser
considerado, mas não é dizem-nos as estatísticas
o principal. Se quero construir e dependo da
construção de infraestruturas, vou ter em atenção
não apenas o imposto, mas igualmente todas as
outras circunstâncias das quais vai depender o
sucesso do investimento (ex.: ligação à Internet de
alta velocidade). Diferente é a relação com o imposto
de um investidor que não tem um investimento
produtivo; esse apenas quererá saber com que
rendimento líquido fica após o investimento, sendo o
imposto o fator determinante, o catalisador da
decisão do agente económico. Isto faz com que a
norma fiscal se deva relacionar de forma diferente
com estes tipos de investimento.
Note-se que o elemento fiscal tende a aparecer em
4º ou 5º lugar de importância nos investimentos
produtivos; é apenas um elemento, não o único
elemento decisivo. Isto faz com que os contratos
fiscais tenham mais margem para avançar. Partindo
de um regime de tributação normal, estabelece-se
um caminho alternativo que beneficie o investimento
produtivo.
Nota 1: há aqui impacto extrafiscal. O VA do
investimento produtivo é catalisador do crescimento
económico. Tende a criar-se um conjunto de
ferramentas que o Estado possa utilizar para
beneficiar o investidor, atendendo à sua
circunstância concreta e ao impacto positivo que
aquele investimento vai produzir no funcionamento
do país. Não se deve retirar daqui que os Estados
não querem o outro tipo de investimento. Está a
beneficiar-se um tipo; não significa que não se
queira o outro tipo. Aliás, quer-se; quando
analisamos as taxas de tributação dos rendimentos
de capital, em comparação com o valor de tributação
dos rendimentos de trabalho, tem-se que a
tributação do rendimento de capital tende a ser
inferior. Será é injusto? Sim. Mas há dois aspetos a
considerar. Tradicionalmente, tínhamos produção e
capital remunerado se a produção funcionasse.
Atualmente, já não é bem assim. Na última crise
financeira, parte do problema foi esse. O
correspondente à produção é muito pouco. As
exigências do consumo são diferentes, as
tecnologias impõem um nível diferenciado, a
criatividade humana multiplicou-se e existe
efetivamente a mancha do capital direto sobre a
função produtiva, mas uma grande mancha está nos
derivados investimento sobre o investimento, em
cadeia. E tudo isto assenta na expetativa de que a
pequena quota-parte da produção funcione. Se a
produção não funciona tão bem como devia, toda a
pirâmide cai. Os derivados são como que uma
ilusão; não são reais, usando os nossos padrões.
10
Derivados
Capital
Produção
Há aqui muitos milhões envolvidos, e o Estado
continua a querer atrair o capital, seja ele de
qualquer forma. Mas se puder escolher o que lhe é
mais vantajoso em termos de impacto económicosocial, escolherá a produção. Mas a função
produtora tradicional física está a ir para outros
sítios. O que fica nas sociedades ditas tradicionais
ocidentais? Capital e, sobretudo, derivados. E há
também a questão do digital.
Veja-se que, enquanto o rendimento do capital é
noutro sítio), o rendimento do trabalho (tirando os
trabalhadores móveis, apesar de estarem em
crescendo) não é móvel. Onde é que o Estado vai
fazer incidir as suas normas tributárias de sujeição?
Sobretudo nos rendimentos não móveis; no fator
trabalho, e não no fator capital, pois aí perderia base
de tributação e, portanto, receita fiscal.
Esta
complexidade pode criar uma certa injustiça, mas
percebe-se a diferenciação de tratamento. Os
Estados tendem a ficar agrilhoados quanto ao que
tributar e quanto tributar.
Nota 2: uma das vertentes que começa a aparecer
como relevante em RSE é o pagamento de uma fair
share de impostos. Por que é que há uma loucura
com os GAFA (Google, Apple, Facebook e
Amazon)? Não pagam impostos na proporção da
sua efetiva capacidade contributiva. E, por isso, a
questão fiscal começa a ser utilizada como parcela
associada à RSE. A UE tem um projeto para
tributação das grandes tecnológicas.
Nota 3: se se faz a distinção entre dois tipos de
investimento e a sua diferença em termos de
tratamento fiscal, estamos a valorizar um elemento
11
extrafiscal. Um investimento produtivo/reprodutivo é
aquele que, no processo de criação de valor, utiliza
múltiplos elementos ou interesses, e produz
múltiplos impactos.
Exemplo: se RCP for para Trás-os-Montes, comprar
um mega-terreno e construir uma fábrica de robôs
de nova geração com inteligência artificial, que será
a fábrica mais desenvolvida do planeta,
necessariamente a fábrica vai dar um boost à
economia regional. Tradicionalmente requer mãode-obra local; e se vier mão-de-obra especializada,
as pessoas precisarão de casa, de ir ao
supermercado, ir ao ginásio, etc. Naturalmente,
recordando conhecimentos de procura/oferta,
haverá um desenvolvimento. O universo produtivo
de investimento produtivo tende a rentabilizar, a criar
um valor acrescentado. Do ponto de vista fiscal, o
legislador pensa em utilizar o imposto para captar
este tipo de investimento, pelo que contratualizada
benefícios fiscais, isto é, tratamento fiscal
privilegiado para este tipo de investimento. Por outro
lado, se RCP não criar qualquer fábrica e se limitar
a fazer um contrato de swap, ou seja, um contrato
financeiro sobre outro financeiro, nada acontece
diretamente à região. O Estado não desenvolverá
aqui tanto um espaço para benefícios fiscais, o que
acontece porque resultados são diferentes; o Estado
não é cego ao impacto económico-social. Todavia, o
Estado desenvolver um espaço para investimento
produtivo não significa que o Estado não queira
saber do investimento não produtivo. Esse mercado,
hoje em dia, mexe muitos milhões; é importante a
atração desses milhões, ainda que produzam coisas
virtuais ou aparentes.
Exemplo 5: há arbitragem fiscal. Estamos
habituados a pensar o imposto como algo coercivo.
Se não concordar em pagar, o que acontece? Se
ainda puder usar mecanismos de procedimento
fiscal, utilizo; se já não puder ou não quiser, posso
utilizar mecanismos de processo fiscal. Se tenho um
litígio com a AT, posso resmungar para a AT ou para
os tribunais. Se resmungo para os tribunais, o que
aparece? Há demora, e um espaço preocupante de
impacto negativo para o contribuinte
tanto em
justiça individual, como de justiça coletiva de
impacto económico vantajoso pela retirada de
determinadas verbas. Porque a justiça fiscal é
demorada, criou-se a arbitragem fiscal. A arbitragem
é um dos instrumentos alternativos na resolução de
litígios. A vertente fiscal foi introduzida em Portugal
em 2011. Apesar de o imposto e de a AT não poder
dispor do crédito fiscal, permite-se que, na resolução
de litígios, em vez de um tribunal tradicional intervir,
seja um tribunal arbitral a fazê-lo, significando isto
que são nomeados árbitros especificamente para o
caso concreto, resolvendo o litígio fiscal em causa.
Esta forma de resolver litígios não é tradicional para
o direito público. É algo desenvolvido no âmbito do
direito privado, porque pressupõe que as duas
partes estão em igualdade de circunstâncias e
permitem que um terceiro / terceiros resolvam o seu
conflito terceiros esses que não são tribunais ou
juízes tradicionais, e sim um tribunal feito,
geralmente, de especialistas na área. É mais um
sinal que demonstra um espaço para a abertura ao
privado no âmbito fiscal.
se existem ou não limites a obtenção do imposto.
Concluímos que sim, o que coloca uma maior
pressão nas outras formas de obtenção de receita
pública. Há que ter uma leitura integrada do imposto
com as finanças públicas. A crescente importância
das contribuições financeiras e das taxas, bem como
a importância das receitas creditícias, e o papel das
receitas patrimoniais em tentativas de estabilização,
surge aqui.
21 FEV 2019
Estávamos a compreender que, apesar de olharmos
o direito fiscal com um direito público (com todas as
características tradicionais/clássicas que daí
advêm), tal não deve significar um recusar de
alguma abertura deste direito fiscal a alguns
elementos privados. Trabalhávamos sobre a
identificação e compreensão perfuntória destes
elementos.
Sumário: Direito tributário vs. Direito fiscal vs.
Fiscalidade: conceitos prévios e distinções.
I-3.
I-3.a)
DIREITO FISCAL
Natureza e características do direito fiscal
Contextualizámos o direito fiscal no quadro das
finanças públicas. Isto é importante para nortear o
nosso pensamento, nunca esquecendo que o
imposto, para ser compreendido, requer ter em
atenção a circunscrição nas finanças públicas, no
âmbito das várias receitas públicas; sendo aí a
receita fiscal aquela que quantitativamente detém o
pódio em termos de receita arrecadada.
Ainda que estes sejam os dados estatísticos, é
importante ter em atenção que estes dados
quantitativos devem ter em conta o facto de
representarem economicamente quer para a riqueza
do país (PIB), quer para os contribuintes em
concreto considerados, pressão fiscal / nível de
fiscalidade e esforço fiscal.
Olhando para a relação nível de fiscalidade / pressão
fiscal e esforço fiscal, preocupámo-nos em verificar
Também verificámos que, ainda que o imposto e a
ciência que o estuda do ponto de vista jurídico
(direito fiscal, diferente da ciência que o estuda
economicamente, a fiscalidade) implica uma lógica
de assumir o Estado as suas vestes de imposição
(ius imperii), tal não deve afastar a noção de que
também o direito fiscal - e, portanto, também o
imposto revelam abertura a elementos privados.
Falámos na privatização do procedimento de
liquidação. Um primeiro exemplo: as declarações
(que dão conhecimento à AT dos factos que
permitem a liquidação) são crescentemente da
responsabilidade do sujeito passivo (que pode ser o
substituto v. 18º, 2. LGT).
Nota: falamos em contribuinte nuns casos e sujeito
passivo noutros, e não cidadão, até porque pode
haver relações jurídicas fiscais triangulares. É
necessário ter atenção à linguagem.
Vimos, também, a retenção na fonte. Em que
consiste? Há um substituto; substitui-se ao
contribuinte (mas também é sujeito passivo na
relação jurídica fiscal).
Trabalhámos a existência da unidade dos grandes
contribuintes (art.º 68º-B LGT). Certos contribuintes,
pelo facto de assumirem uma certa importância no
contributo impositivo, têm espaço para uma lógica
diferente de acompanhamento. Há uma lógica de
12
abertura, uma relação jurídica que de certa forma
trata o contribuinte como cliente uma espécie de
direito privado.
Outro exemplo que identificámos foi o dos contratos
fiscais. Identificámos uma norma genérica na LGT,
o art.º 37º, e verificámos que esse art.º 37º colocava
os contratos fiscais no âmbito dos benefícios fiscais.
Na lei fiscal portuguesa, os contratos fiscais apenas
podem surgir no âmbito dos benefícios fiscais. Há
um Código Fiscal de Investimento, onde logo nos
primeiros artigos se identifica a regulação desta
contratualização de benefícios fiscais no caso de
investimento
produtivo
(por
oposição
ao
investimento não produtivo/reprodutivo, ainda que
este também seja almejado pelos Estados). Assim,
há uma tributação mais reduzida do que a aplicada
aos rendimentos do trabalho isto está ligado a uma
mobilidade do capital, embora a mobilidade do fator
trabalho esteja cada vez mais presente no mercado
(é hoje mais fácil deslocalizar trabalho). O que é o
investimento produtivo? Para RCP, deve falar-se em
impacto económico-social. O investimento produtivo
tem impacto económico; vai tendencialmente
desenvolver as atividades económicas circundantes
àquele investimento, fale-se na região ou no país, e
também tenderá a gerar um impacto social. É
preciso ter em atenção que impacto económico é
uma coisa e impacto social é outra, que
crescentemente deve ser individualizada. Quando
falamos em índices de bem-estar e felicidade, em
função das políticas públicas, em responsabilidade
social empresarial todos elementos que dizem a
quem age na economia (seja Estado, seja privado)
que devem ter em atenção o impacto que criam não
só em termos de crescimento e desenvolvimento
económicos, mas em termos de crescimento e
desenvolvimento sociais. É algo que tem a ver mais
com um retorno social do investimento efetuado, que
pode não significar um retorno financeiro. RCP abre
este parêntesis porque é importante ficarmos com
esta ideia. Este boom também vem por impulso de
legislação da UE. Há cada vez mais espaço para
desenvolver aquilo que se chama um mercado
social, i.e., um mercado de investimento social, que
alia, além do retorno financeiro, o retorno social; ou
melhor, mais do que o retorno financeiro, promove o
retorno social, o que faz com que se deva começar
a saber medir o impacto social. Não são só palavras
vãs; há toda uma lógica científica a querer apropriarse desta realidade e a demonstrar o impacto social.
Uma das questões que se pode colocar é saber se
a legislação fiscal também deve avançar de forma a
integrar auxílios (benefícios) fiscais a este tipo de
investimento com elevado impacto social. Na
legislação fiscal portuguesa ainda não temos esse
reconhecimento, mas é algo que poderá vir a
acontecer. Se privilegio fiscalmente através de
contratos fiscais os investimentos produtivos (que
13
abrem espaço para maior impacto económico
responsável), pode questionar-se se não devo criar
mecanismos fiscais (através de contratos fiscais, por
exemplo) para investimento social.
Infelizmente, o social washing lavagem de uma
reputação social pelas empresas
também está
muito presente. No espírito, não há no ADN das
empresas a verdadeira preocupação com o impacto
social, e sim apenas uma preocupação com a
imagem. O direito é crescentemente chamado a
intervir para mudar o modelo da intervenção e
crescimento económico. Rema contra a maré, mas
é também uma responsabilidade do direito, para
RCP. Em Portugal, financiado por fundos europeus
do processo 14/20, há uma iniciativa chamada
Portugal Inovação Social, que criou 4 mecanismos
de investimento social, que estão a ser
desenvolvidos e têm um grau de complexidade
muito elevado. Falamos de títulos de impacto social
e o impacto que isso tem em medir o impacto social
das atividades. À partida, não há qualquer regime
jurídico-fiscal de incentivo a estas práticas.
Nota: a responsabilidade social empresarial (RSE)
também pode ser conhecida por triple bottom line
approach. Há que ver que a RSE tem três vertentes:
económica, social e ambiental. Assim, quando há
uma intervenção económica por pate de um agente
económico, se ele for responsável socialmente, tem
de atentar a que a sua intervenção tem um impacto
económico, social e ambiental. Deve escolher as
práticas mais adequadas de forma a garantir que
este impacto é o menos negativo possível,
potenciando vantagens económicas, sociais e
ambientais (abster-se de produzir impacto negativo,
promovendo impacto positivo perspetiva negativa
e positiva).
O investimento social pode intervir nas três
vertentes, ou só numa ou outra. Um dos
instrumentos que a RSE tem à sua disposição é o
investimento social. Estas não são realidades
sobrepostas, mas sim conexionadas. Toda esta
construção tem base normativa comunitária (UE)
seja alguns partes por comunicação da Comissão,
seja por diretivas, seja por regulamentos.
Nota: não significa que não deva existir uma
responsabilidade
social
desenvolvida
pelos
indivíduos, por e sobretudo por entidades não
lucrativas. Quando falamos em cidadãos, isto tem a
ver com uma lógica de cidadania ativa. Quando
falamos
em
entidades
não
lucrativas,
tendencialmente estamos a falar em entidades
pertencentes ao chamado setor social.
Na nossa CRP, nos três setores económicos, vemos
que existem: (i) setor público, (ii) setor privado e (iii)
setor
cooperativo
e
social.
Isto
parece
desatualizado, mas numa lei de bases da Economia
social, há poucos anos, falou-se em setor social
(corresponde à versão atual do setor cooperativo e
social).
Nota: ideologicamente, alguns pensam na
cooperativa como uma forma superior às outras
formas sociais. Na própria legislação, a questão
política e ideológica está presente. Como juristas,
não escapamos a estas realidades.
Estamos a falar do setor social, que é feito de
cooperativas,
mutualidades,
associações,
fundações, misericórdias, IPSS, uma multiplicidade
de instituições que têm a lógica social no seu ADN.
Apesar de, quando falamos em SER estarmos a
pensar no privado lucrativo e em juntar ao impacto
lucrativo a questão económica, ambiental e social,
também no âmbito individual e não lucrativo de
organização da sociedade civil, com certas formas
jurídicas (muitas vezes em associações), há espaço
para esta responsabilidade. A lógica de impacto
social é sempre o objetivo primeiro e último.
Isto surge a propósito da identificação do terceiro
exemplo que demonstra, no quadro legislativo fiscal
nacional, a abertura a certos elementos do privado.
Mas introduzimos, ainda, um quarto exemplo
a
arbitragem fiscal. Verificamos que, ainda que no
âmbito do direito público e, especificamente, no
âmbito do direito fiscal é muito importante já ter em
consideração que, para lá da forma tradicional de
resolução de litígios entre sujeito ativo e sujeito
passivo existe uma forma alternativa de resolução
desses litígios. Tradicionalmente, estas formas
alternativas de resolução de litígios são típicas do
direito privado, onde as partes envolvidas se
encontram em situações de elevado paralelismo,
coisa que tendencialmente não ocorre no âmbito da
relação jurídica fiscal (marcada pela coercibilidade;
o Estado tem mecanismos de cumprimento forçado
na execução fiscal, para quando não há
cumprimento voluntário). O mecanismo forçado
tende a conduzir ao recurso a vias jurisdicionais. Se
não se resolve o litígio no âmbito procedimental,
tendencialmente
resolver-se-á
no
âmbito
jurisdicional. E existe uma jurisdição especializada
no âmbito fiscal: os tribunais administrativos e fiscais
(TAF). Além de problemas administrativos gerais, há
secções alocadas às questões tributárias. Os
Tribunais Centrais Administrativos (TCA) norte e sul
também têm secções fiscais, e o próprio STA
também tem uma secção ligada à questão tributária.
Contudo, um dos aspetos que normalmente está
associado à justiça tradicional é a demora na
solução dos litígios. É precisamente porque a
questão fiscal envolve, muitas vezes, vários
recursos que poderiam ou não estar alocados na
economia; porque a questão fiscal é relevante para
efeitos de investimento (é um dos elementos
relevantes para o investimento, embora não o
único), teve-se em atenção, face aos níveis de
pendência de processos fiscais nos tribunais, que se
poderia, em certas circunstâncias, abrir a porta à
existência de arbitragem tributária. Dentro do quadro
da RAL que tem vários instrumentos possíveis o
legislador fiscal português, e aqui fomos
mundialmente inovadores, aceitou trazer a
arbitragem fiscal para o quadro normativo e judicial
fiscal nacional. Assim, permite-se que a solução de
alguns dos litígios existentes entre sujeito ativo e
sujeito passivo possa ocorrer em sede de
arbitragem.
Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria
Tributária
DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro
A questão da arbitragem tributária vem regulada
num diploma específico: o DL 10/2011. RCP
aconselha uma leitura em casa. Neste diploma da
arbitragem, tem-se que:
>>> Nem todos os casos de litígio contribuinte/AT
podem ser levados a arbitragem; só alguns.
>>> Continua a apostar-se na imparcialidade dos
árbitros. Para isso, foi criado o Centro de Arbitragem,
onde surgiram inscrições de especialistas em
14
matéria tributária, com análise curricular e a decisão
de quem fará parte de uma lista de potenciais
árbitros. Face a essa lista, que é pública, o
contribuinte se tiver a possibilidade de recorrer à
arbitragem tributária e assim decidir fazer
pode
escolher o seu árbitro. Nesse caso, a AT escolhe
também o seu arbitro. Se não chegarem a acordo
quanto a um arbitro presidente, é o CAD (centro) que
faz a designação. Mas o contribuinte pode não
escolher o árbitro, determinando que seja o
presidente do centro deontológico do CAD que faça
a seleção do árbitro. Nesse caso, a AT também não
escolhe.
>>> Um terceiro aspeto: o tempo de resolução é
muito curto, comparativamente aos tribunais
tradicionais. A taxa de arbitragem é algo elevada, o
que é criticado ainda hoje como não permitindo uma
situação de igual para igual em todos os
contribuintes
só os que têm alguns recursos
podem recorrer à arbitragem e não ficar na
pendência dos tribunais tradicionais.
Nota 3: não há aqui arbitragem necessária; é sempre
por escolha do contribuinte.
A propósito da natureza do direito fiscal,
percebemos que, ainda que seja um âmbito público
e efetivamente público é certo que, em face da
importância crescente do imposto na sociedade, do
impacto do imposto na economia e da necessidade
de balanceamento das posições do sujeitos da
relação jurídica fiscal, há alguma abertura na nossa
OJ fiscal ao elemento privado - quer por
necessidade (ex.: liquidação) quer para garantir
atratividade económica de investimento e RSE (ex.:
contratos fiscais), quer para garantir uma maior
efetividade e proteção dos direitos dos contribuintes
(ex.: através da criação da arbitragem fiscal).
Essencialmente as coisas são feitas por escrito (há
possibilidade de oralidade nas testemunhas, mas é
tudo muito restrito) e não há, regra geral, a
possibilidade de recurso da decisão arbitral com
duas exceções:
Olharemos para as fontes do direito fiscal,
identificando os aspetos essenciais que temos de
conhecer necessariamente, sejam elas fontes
internacionais ou internas. Vamos aqui enfatizar dois
prismas:
Uma questão de inconstitucionalidade, que
deve seguir para o TC.
O prisma UE, o impacto efetivo que a UE
tem no quadro fiscal nacional e o impacto
internacional das CDTs (convenções de
dupla tributação);
Se houver oposição quanto à mesma
questão fundamental de direito (mérito)
com um acórdão proferido pelo TCA (sul ou
norte) e STA, poderá haver recurso para
uniformização de jurisprudência.
Nota 1: a prática tem demonstrado que se recorre
para o TC só porque sim, porque não se concorda,
e o legislador está em processo de alteração da
norma.
Nota 2: é difícil dizer se estes métodos são mais ou
menos dispendiosos do que as taxas de justiça. Por
vezes, dependendo das matérias e do grau de
complexidade, podem gastar-se aqui grandes
fortunas. Não há aqui uma ideia de democraticidade;
a vantagem está na rapidez (e, para RCP, tem
havido uma tendência para se decidir mais a favor
15
No âmbito interno, em primeiro lugar, a
questão dos elementos essenciais e a sua
proteção via princípio da legalidade, e,
sobretudo, a importância das orientações
administrativas (o chamado direito circular)
no quadro do direito fiscal. Falaremos de
uma realidade que não consta da posição
clássica da hierarquia de fontes e da
definição de fonte de direito, por vincular
única e exclusivamente a administração
tributária, mas é de extrema importância no
quadro fiscal para antecipar litígios e
garantir um cumprimento efetivo das
obrigações fiscais.
Esta preocupação com o cumprimento efetivo das
obrigações fiscais, num quadro empresarial, é
crescentemente uma realidade de grande
importância. Já ouvimos falar de compliance
(cumprimento). Há departamentos de compliance; a
questão jurídica está em crescendo. Nesses
departamentos
de
compliance,
há
uma
multiplicidade de regras. A questão fiscal é muito
importante. A preocupação em garantir o
cumprimento devido do quadro normativo é
determinante, e para isso há uma importância
crescente das orientações administrativas.
Depois de termos passado pela qualificação da
natureza do direito fiscal público e de termos
identificado alguns elementos privados já assumidos
pela nossa legislação no quadro fiscal, há que
perceber a importância do imposto no quadro das
finanças públicas e as suas limitações foi o nosso
ponto de partida, e, para RCP, isto (o contexto) tem
de estar sempre na nossa cabeça.
Segundo passo: estamos a estudar o direito fiscal,
como ciência jurídica que trabalha sobre o imposto.
Para isto, devemos ter em atenção que estamos a
estudar uma área do saber que é direito público.
Quando pensamos em direito público e fazemos a
distinção direito público/privado, fazemo-la porquê?
Ao qualificarmos uma área do saber como sendo
direito público ou direito privado, qual a
consequência? A valoração de uma das partes face
à outra. Leva-nos a procurar um desnível nas
normas, mas tendo em atenção também os abusos
de poder e garantir os direitos dos cidadãos. Não
estamos a pensar como no direito privado, em que o
objetivo é eliminar assimetrias. No público, sabemos
que as assimetrias fazem parte da relação.
Ao definirmos o campo de análise do imposto no
âmbito do direito fiscal
por oposição ao direito
tributário (tiramos do saco uma série de tributos,
tornando isto mais restrito), e à fiscalidade (retirando
uma série de preocupações económicas que não
olhamos como núcleo duro da nossa análise),
vemos que o direito fiscal é qualificado como direito
público. Isto já deve pôr na nossa cabeça um
conjunto de aspetos que devem ser evidenciados.
Nota: o direito fiscal e a fiscalidade têm o mesmo
objeto: o imposto. Ao deixarmos de fora o direito
tributário, estamos a circunscrever o nosso objeto de
estudo. Podemos olhar para o imposto como uma
moeda: a mesma realidade, com duas faces. A
contraface é a fiscalidade. Qual é a diferença de
abordagem? Enquanto que o objeto imposto no
direito fiscal está sobretudo ancorado numa lógica
de justiça e equidade, no elemento fiscalidade está
enquadrado numa lógica económica, financeira.
Nota 2: recordámos o início da semana anterior e
dissemos que, quando pensamos o imposto e a
quantidade que ele representa, devemos ter em
atenção o nível de fiscalidade / pressão fiscal, e o
impacto que esse nível de fiscalidade tem no esforço
fiscal. Estes dois conceitos são conceitos de direito
fiscal? Não; eles são conceitos de fiscalidade.
Todavia, tal não significa que não influenciem o
direito fiscal e que não tenham de ser considerados
por ele.
Qualificámos o direito fiscal como natureza pública,
e fazemo-lo para trazer à colação o que
identificámos
todo o manancial numa relação
jurídica que tem assimetrias. Não podemos esperar
encontrar normas fiscais que reconheçam uma
paridade de comportamento entre o contribuinte e o
Estado. Isso é importante ter na nossa cabeça,
tornando
segunda grande consequência
que
haja também na nossa cabeça uma preocupação
em fazer uma análise crítica e compreender em que
medida, face a normas que provocam esta
assimetria, se demonstre a preocupação e garantir
de direitos, de encontrar equilíbrio na assimetria
senão,
questões
de
justiça
não
ficam
salvaguardadas.
Por outro lado, acrescentámos uma outra
preocupação, que foi dizer: ainda que seja direito
público, e que este nosso saber de encaixar o
público vs. o privado tenha de estar ativo, tal não
significa que, em face do desenvolvimento do direito
em resposta a sociedade e à forma como o Estado
se organiza e se relaciona com o cidadão, não tenha
reconhecido a necessidade de abrir a porta, quer por
necessidade quer por vontade de reforçar garantias
a aspetos privados. Por isso, identificámos que
existe já na legislação nacional
e esta é uma
tendência global
uma aceitação por parte do
legislador fiscal da introdução de elementos
privados neste domínio maioritariamente público.
Demos quatro exemplos dessa introdução do
elemento privado
quer por necessidade, por
aprofundamento ode densificação de garantias que
demonstram esta tentativa de gerir a assimetria
como garantia de direitos.
16
Neste exercício, para além da visão de conjunto do
direito fiscal, também está embutida do ponto de
vista pedagógico a preocupação em lançar
conceitos e complexidade desta área de saber. Não
só estamos a aproximar-nos a uma linguagem
técnica em que usamos linguagem diferente do
normal, simultaneamente compreendemos que este
vário vocabulário novo e complexo traduz-se, na
prática, numa conexão entre ele, aumentando o
nível de complexidade. Há que absorver conceitos e
apreender a aplicar, antes de começar a olhar para
os códigos. É preciso antes aprender a pensar o
fiscal, compreender o fiscal. Parte da complexidade
do sistema fiscal passa por não ser estável; está em
contínua mudança. É que há o enquadramento das
finanças públicas e da atividade financeira do
Estado, e dos limites qualitativos e quantitativos.
Para sabermos direito fiscal, mais do que artigos do
CIRC e do CIRS, é preciso ter isto em mente.
I-3.b)
Fontes: o plano nacional, o plano
internacional e o plano da União Europeia.
Identificação e o seu relacionamento
I-3.b)-i. - Dinâmica europeia
O direito fiscal é autónomo, tem um grau de
autonomia. Depois de identificado e caracterizado o
núcleo do direito fiscal, é essencial identificar qual as
bases de onde parte e a que regressa o direito fiscal.
Há que determinar de onde é que ele nasce, de onde
aparece. De onde vem a norma fiscal? Está onde?
Ao longo da nossa formação, já compreendemos
que o elemento UE é um elemento determinante
quanto aos conteúdos do direito nacional, em
múltiplas áreas. No âmbito do direito fiscal, tal
acontece também. Identificámos que isto já deveria
ser uma decorrência, pois os limites quantitativos ao
défice e à dívida tinham origem na UE, para lá de
outras tantos exemplos dessa influência e
condicionamento que a UE faz ao direito financeiro
público. Também nesta receita pública específica, o
DUE surge com impacto. Contudo, não com o
mesmo grau; não com a mesma densidade.
Porquê? Porque ainda que as matérias fiscais sejam
objeto de regulação por parte do TFUE
a área
fiscal está contida como matéria relevante no
processo europeu no âmbito do TFUE.
Até ao momento tem-se entendido que, para que
haja avanço na área da integração fiscal, tem de
haver unanimidade. Como podemos calcular, não é
fácil atingir a unanimidade, sobretudo quando na
cabeça dos políticos ainda está muito enraizada a
ideia de que o imposto ainda é o último reduto da
17
sua soberania, a soberania fiscal é aquilo a que
ainda se conseguem agarrar e de que não querem
abdicar. Falamos de receita pública, e da receita
pública mais significativa para o financiamento da
atividade do Estado.
fiscais dos vários EM meramente coexistam;
queremos que se harmonizem e se uniformizem
(nota: também há comunicações muito relevantes
na área fiscal, mas não têm valor vinculativo).
Ainda que a matéria fiscal faça parte integrante do
processo europeu, uma vez que o tratado contém
ainda a regra da unanimidade para o espaço fiscal,
tal dificulta o desenvolvimento de processos de
harmonização e uniformização fiscal.
Ponto 2: todavia, dentro dos vários tipos de
impostos, existe um tipo de imposto onde a
uniformização e/ou harmonização é mais sentida: o
IVA.
O que é que nos ressalta destas intervenções? O
tratado está ancorado em quatro liberdades. Todo o
processo de integração assenta em quatro
liberdades. Toda a construção normativa da UE está
a garantir que essas quatro liberdades existem e são
efetivas. Essas quatro liberdades têm de ser
garantidas. Também o elemento fiscal influencia as
quatro liberdades e a sua concretização. Por isso é
que, no TFUE, a temática fiscal é uma temática
necessariamente integrada, porque vai também
condicionar a concretização das quatro liberdades.
O que é que o tratado faz? Dá-nos uma norma a
dizer que a questão fiscal é uma questão de
integração, e deve haver uma harmonização e/ou
uma uniformização fiscal entre os EM. Para que tal
aconteça, tem de haver unanimidade. Isto explica o
que o fiscal está a introduzir no TFUE; a regra da
unanimidade explica o porquê de o fiscal não estar
tão desenvolvido.
Coexistência vs. Harmonização e uniformização
Harmonização
instrumento: diretivas
Uniformização
instrumento: regulamento
RCP utilizou dois conceitos: harmonização e
uniformização. Não queremos que os sistemas
Em direito fiscal da UE, vamos encontrar, além do
tratado, regulamentos e diretivas.
Quando identificámos fontes de direito fiscal da UE,
indicámos TFUE, regulamentos e diretivas. Agora
vamos perceber por que é que há diretivas e
regulamentos, e em que tipo de impostos é que
fazem e não fazem sentido.
Pensemos no mapa-múndi e no comércio
internacional. Pensemos numa das razões que
levaram à criação da UE. Face ao comércio
internacional, olhando para o mapa do mundo, a
criação da UE apareceu porquê? Face aos EUA (e
face, de certa forma, também à Rússia). Pensou-se
na criação de um bloco regional de intervenção
comercial internacional. Fez sentido e continua a
fazer sentido, face a este objetivo - criar-se uma
barreira física em torno da região UE, face ao resto
do mundo. Quer isto dizer, do ponto de vista fiscal,
que a questão aduaneira é uma questão relevante.
Aquilo que os bens dos EUA têm de pagar de tarifa
aduaneira para entrarem na UE, por forma a não
privilegiar a não entrada na Holanda e a entrada pela
Holanda, pela França, por Portugal ou por Itália, seja
toda igual. Para que não haja a escolha pelo regime
das tarifas aduaneiras, vamos uniformizar o que é
conhecido por pauta aduaneira comum. Na relação
UE/exterior/comércio internacional, é indiferente
entrar por qualquer um dos países, porque a tarifa
aduaneira vai ser exatamente a mesma. Foi a
primeira abordagem na área fiscal em termos de
uniformização. Percebe-se porquê: queria-se a
criação de um bloco regional económico comercial.
Criou-se esse bloco uniforme na relação com o
exterior. Todavia, começou-se a compreender que,
além desta questão de relações comerciais com o
exterior, internamente, nas operações chamadas
intracomunitárias, era essencial ter também um
18
espaço comum, de regulação, sobretudo ao nível da
tributação da base consumo. É por isso que aparece
o IVA imposto sobre o valor acrescentado. Este
imposto existe em todos os EM. A regulação é feita
uma parte por regulamentos, outra por diretivas há
uma mistura consoante as matérias. O IVA
demonstra que é fundamental a questão fiscal
concreta, a tributação sobre o consumo para a
dinamização de um mercado interno, assente nas
quatro liberdades, e que, por isso, se vão
compatibilizando os regimes dos sistemas fiscais
dos vários Estados através ora de regulamentos, ora
através de diretivas.
Nota: há a questão da neutralidade como princípio
norteador fundamental a tributação não ser aquilo
que gera a decisão de intervir economicamente.
Tendo de haver, há a tentativa de criar mecanismos
de neutralidade dentro da tributação efetiva.
Nota: no IVA, há quadros norteadores comuns, mas
certos aspetos foram deixados à discricionariedade
dos Estados, tendo em atenção que o IVA prevê três
tipos de taxa: taxa máxima (normal), taxa intermédia
e taxa reduzida (e, em tempos, houve a taxa zero
abdicámos
português próa
comissão quer que seja tudo pela taxa máxima, até
porque parte do financiamento europeu vem de uma
parcela do IVA dos Estados
Exemplo: Bruxelas está a exigir taxa normal para as
fraldas, o que, para RCP, é estranho a
considerações de taxa de natalidade, poder de
compra, etc.
O IVA é o imposto, até ao momento, onde mais
espaço para harmonização e alguma uniformização
existe. No âmbito dos impostos sobre o rendimento,
a tendência é para um reduzido quadro normativo de
harmonização (RCP nem fala em uniformização). Os
Estados têm permanentemente rejeitado avanços
na tributação direta. Ainda assim, ela ocorre: tanto
na tributação direta individual, mas sobretudo na
tributação direta das pessoas coletivas.
Existe uma diretiva para sociedades-mães e
sociedades-filhas e as formas como a tributação de
dividendos deve ocorrer, com normas internas que
absorvem o conteúdo da diretiva. Temos diretivas
sobre juros, poupança e a forma como devem ser
tributados. E sobre as fusões e cisões de empresas.
19
Há algumas áreas, muito reduzidas e específicas,
onde se acordou a harmonização, havendo um
espaço muito lato para cada Estado decidir como
construir o seu imposto.
Dentro das bases de tributação, a que mais
tem tido espaço para harmonização e
alguma uniformização é a tributação do
consumo. O IVA é o paradigma, mas os
IECs também estão consagrados nas
normativas europeias.
No âmbito da tributação do rendimento, há
uma grande retração dos Estados em
assumir e aceitar essa retração. Ainda
assim, existem algumas diretivas sobre a
matéria, determinado sobretudo um a
intervenção em áreas muito especificas,
nomeadamente nas sociedades (tributação
das pessoas coletivas), o que implica uma
transposição para as OJ dessas diretivas.
Uma das formas que a União tem encontrado para
contornar a regra da unanimidade e assim densificar
o impacto do direito UE no direito fiscal nacional tem
sido através daquilo que é conhecido por
harmonização negativa. Quem é o ator principal da
harmonização negativa?
Harmonização positiva >>> diretivas
Harmonização negativa >>> TJUE
Na harmonização positiva, há um ato normativo UE
a regular determinada situação, e harmoniza-se a
legislação dos EM de uma forma normativa
específica, onde há uma parte imposta e uma parte
em que há dado um espaço ao Estado para
implementação.
A harmonização negativa baseia-se no caso
concreto. Pode haver casos, em várias áreas e no
fiscal é determinante
em que quem faz a
harmonização não é o legislador comunitário e sim
o TJUE, a jurisprudência comunitária.
Tem sido esta a via para ultrapassar os bloqueios
que a regra da unanimidade produz. Se os Estados
não chegam a acordo, o TJ avança. E isto tem sido
construído através de jurisprudência do TJUE, que
utiliza as quatro liberdades para criação
jurisprudencial fiscal. Isso cria impacto.
Exemplo: art.º 17º-A do CIRS. Foi introduzido
diretamente como consequência de jurisprudência
do TJUE. Esta norma
ou melhor, uma norma
equivalente tende a existir em todos os Estados da
UE, com valores diferenciados, mas equivalente
existe, e foi por via de jurisprudência.
Se, pelo contrário, não for considerado residente em
Portugal do ponto de vista fiscal, a tributação será
pelo rendimento bruto, por retenção na fonte. Não
haverá obrigação de declarar o que quer que seja, e
o imposto devido é retirado do rendimento bruto,
sem atenção às circunstâncias individuais do
contribuinte. Não há dedução possível ao
rendimento ilíquido.
O que é que este artigo vem dizer? Se um residente
na UE, mas não residente fiscal em PT (seria, à
partida, tributado pelo rendimento bruto) obtiver
mais de 90% dos seus rendimentos totais pode,
aqui, escolher ser tributado como residente,
podendo, portanto, fazer as deduções devidas no
quadro da legislação nacional. É o que nos diz o art.º
17º-A; ele criou um regime que procura não tratar de
maneira
diferente
os
residentes
UE,
independentemente de serem ou não residentes
fiscais no Estado.
Nota: no âmbito fiscal, 99% das vezes, não se fala
em nacionalidade. O que há é residência fiscal ou
não residência fiscal. O tipo de tributação varia
consoante sejamos ou não residentes fiscais. A
residência fiscal, 99% das vezes, não tem que ver
com a nacionalidade.
Código do IRS (CIRS)
Lei n.º 82-E/2014
A norma tem este específico conteúdo: estamos a
determinar quem é sujeito de IRS, e estamos a dizer
que quem é residente em Portugal vai ser tributado
pela totalidade dos seus rendimentos (worldwide
income). Há a ideia de que quem é residente do
ponto de vista fiscal é tributado pela totalidade dos
seus rendimentos, onde quer que tenham sido
obtidos. Isso pode ser vantajoso. É que se eu for
residente e for tributado por todo o meu rendimento,
faço anualmente uma declaração de rendimentos e
não sou tributado pelos valores brutos que recebo
valores ilíquidos
mas faço um conjunto de
deduções, retirando valores que o legislador
considera essenciais para obter esses rendimentos,
e a tributação é feita sobre um rendimento diferente
do rendimento bruto. A taxa de imposto incidirá
sobre 600; e é diferente ser tributado por 1000 ou
por 600, obviamente. Se for tributado por 600,
pagarei menos. Há uma redução que tem em
consideração a situação individual do contribuinte.
Exemplo: por que é que é importante o regime dos
vistos gold? Porque dá entrada no âmbito da UE e a
um conjunto de direitos, incluindo os fiscais.
Para determinar a residência fiscal, o critério não
tem a ver com a nacionalidade, e sim com a
permanência física no território. Passei mais de 183
dias em território português, mas sou do
Bangladesh? Naquele ano concreto, sou tributado
em Portugal (17º CIRS).
Isto é determinado pela legislação, embora certos
Estados (ex.: Irlanda) permitam a opção sobre a
residência fiscal. Isto não impede que possa ser
considerado residente fiscal em dois ou mais
estados, e tem de haver formas de resolver isso,
pois não vou ser tributado duas vezes pelo
rendimento total.
Além da residência, outro elemento de conexão é a
fonte. O legislador diz também: se não fores
considerado residente fiscal cá, mas tiveres cá
obtido rendimentos, vou tributar-te por rendimentos
que cá obtiveste como não residente porque sou o
20
estado da fonte, da origem dos rendimentos. Aqui é
só pelos rendimentos cá obtidos.
Mas se a maioria dos rendimentos obtidos forem cá,
e eu for UE, então posso escolher ser tributado como
os residentes em Portugal (tenho de manifestar essa
vontade para isso acontecer).
A harmonização dos impostos diretos ocorre cá, UE.
Demos o exemplo do 17º-A - um artigo só. O
exemplo do 17º-A do CIRS é um caso em que houve
harmonização negativa; em que o conteúdo da
norma fiscal nacional nasceu de uma construção da
UE - não de uma diretiva, mas de um acórdão do
TJUE.
22 FEV 2019
Sumário: Fontes do direito fiscal (continuação).
Vamos continuar a identificação das fontes do direito
fiscal. Estávamos no tratamento do direito fiscal da
UE. Tínhamos dito que a temática fiscal surge,
desde logo, no TFUE, quer determinando que o
conteúdo fiscal é parte do conteúdo objeto de
integração
portanto,
eminentemente
e
intimamente ligado às quatro liberdades
mas
também afirma que o procedimento de integração
deste processo de construção fiscal deve passar por
uma regra de unanimidade.
Verificámos que esta regra de unanimidade dificulta
muitíssimo a construção efetiva de um espaço de
integração fiscal. Dissemos que esta integração
ocorre por via de uma harmonização, mas em alguns
domínios também por via de uma uniformização.
Significa isto que encontramos matérias fiscais
reguladas por diretiva e matérias fiscais reguladas
por regulamento.
21
Dissemos também que, quanto ao conteúdo fiscal
normativo (as regras em concreto e a propósito das
bases de tributação em concreto), a maioria do
processo de integração ocorria nos impostos sobre
o consumo. Foi aqui que, desde o início, houve
espaço para uniformização e harmonização,
sobretudo ao nível do IVA, mas também dos IECs
(têm bases UE).
Além da questão do consumo, tem-se que o
rendimento e o património (sobretudo o rendimento)
também são objeto de uma preocupação de
integração. Essa integração tem sido feita por via de
diretivas em que tipo de rendimento? Uma das vias
que tem sido encontrada para estimular e
aprofundar a integração, sobretudo por via da
harmonização, tem sido utilizar jurisprudência do
TJUE para conseguir a tal harmonização negativa. E
aqui sim, surge o rendimento das pessoas
singulares. Isto por jurisprudência do TJUE (a via
das diretivas está mais no âmbito das pessoas
coletivas).
Vimos um exemplo concreto de um acórdão do
TJUE que deu origem a que, internamente, os EM
alterassem a sua norma fiscal para compatibilizarem
com a interpretação feita por esse tribunal. Demos o
caso do 17º-A do nosso CIRS.
É importante ter atenção a normas internacionais
condicionadas por construção UE, que tanto pode
ser de harmonização como de uniformização. A
tendência é uma ultravalorização da harmonização
seja ela harmonização positiva ou negativa.
Vemos que existem casos concretos na nossa
legislação com impacto real e efetivo. Volte-se a
frisar que se entende que as quatro liberdades têm
impacto na forma como as normas fiscais nacionais
devem ser desenhadas e interpretadas.
Como fonte de direito fiscal, temos o direito fiscal
europeu,
onde
encontraremos
diretivas,
regulamentos e pelo impacto que tem na forma
como as normas nacionais são criadas
jurisprudência do TJUE. Já aqui há um manancial de
orientações que condicionam a construção nacional.
Mais uma referência: há que ter em atenção que,
apesar de o que referimos ser hard law, não significa
um desvalorizar de instrumentos de soft law. Como
RCP já invocou, as comunicações da Comissão
sobre matéria fiscal são muito importantes e
influenciam comportamentos. A temática e a
discussão que existem no internacional entre hard
law e soft law, transposta para o nacional e que
existe transversalmente à UE como um todo, é um
aspeto também a ser atendido no fiscal. Há
mecanismos de soft law fiscais europeus. Têm uma
forma mais robusta: existe um código fiscal. Não é
um código normativo, não tem valor vinculativo) para
o comportamento fiscal das empresas), aprovado
por comunicação. Aquilo que a UE produz em
termos fiscais não se fica pela tradicional hard law;
também
temos
soft
law.
Ela
influencia
comportamentos, quer no desenho das normas dos
Estados, quer no comportamento dos agentes
económicos, quer na pressão que coloca nos
sistemas fiscais e relações internacionais fiscais.
I-3.b)-iii. - Dinâmica internacional
Abaixo da Constituição, temos o direito internacional
fiscal. Aqui, estamos a falar de certas normas*
internacionais que procuram resolver problemas de
plurilocalização.
A chave aqui é plurilocalização. Isto implica duas
coisas:
I-3.b)-ii. - Dinâmica interna
Além do direito fiscal UE, também é fonte de direito
fiscal UE a Constituição. Existem artigos específicos
da CRP sobre a temática fiscal, que, como vimos
afloram nas Finanças Públicas. Vejam-se os arts.
103º e 104º. Neles encontramos o núcleo duro da
chamada Constituição fiscal. Todavia, além dos arts.
103º e 104º, também são importantes o 165º, 1., i).
Embora só mencionar estes artigos seja talvez
redutor, em termos de sumo de construção de norma
fiscal substantiva, o 103º, o 104º e o 165º, 1, i) são
o núcleo duro da Constituição fiscal. Dela retiramos,
por exemplo, finalidades do imposto (103º, 1.). No
103º, 2. vemos a importância do princípio da
legalidade do ponto de vista da substância dos
elementos essenciais do imposto. No nº 3., vemos a
importância do princípio da não retroatividade.
Quando olhamos para o 104º da CRP, encontramos
as razões de ser e os princípios norteadores de cada
base de tributação em concreto. Se olharmos para o
nº 1 e o nº 2, vemos os impostos sobre o rendimento
pessoal e das pessoas coletivas. No nº 3,
encontramos a base de tributação património; e o nº
4, a base de tributação consumo.
Temos aqui orientações quer em termos de
finalidade, quer em termos de princípios
orientadores, quer em termos de conteúdo que as
regras devem concretizar. É importante ter já esta
noção de Constituição fiscal.
>>> Por um lado, implica ter consciência de que o
poder tributário de um Estado está circunscrito a um
território. No news, mas é o ponto de partida. Assim,
esse Estado só vai tributar aquilo que tiver conexão
com o seu território. Que elementos de conexão
fiscal existem?
O critério de conexão pessoal reconhecido
internacionalmente como gerando poder de tributar
é a residência. Portanto, um Estado, para tributar um
indivíduo, uma empresa, um sujeito passivo, seja ele
pessoa singular ou pessoa coletiva, só o pode fazer
se - hipótese 1 - o sujeito for residente.
>>> Por outro lado - hipótese 2 - o Estado, mesmo
que aquele indivíduo ou aquela empresa / pessoa
coletiva não tenha residência fiscal no seu território,
ainda assim terá competência tributária se for o
designado Estado da fonte. Falamos em fonte do
rendimento, local onde ocorre o consumo ou local
onde está situado o património.
Quando o Estado quer determinar a sujeição ao
imposto, a sujeição é aferida pela residência ou não
residência e pela fonte.
1ª etapa
identificação dos elementos que dão
origem ao poder de tributar (residência e fonte).
2ª etapa
o Estado pode, numa situação em
concreto, fazer coincidir os dois critérios. Pode ser o
22
Estado da residência e o Estado da fonte. Nessa
circunstância, tendencialmente, não há lugar a
plurilocalização, porque é uma situação interna, com
conexão com apenas um território fiscal. Só ativa os
elementos de conexão naquele território.
Porém, pode ocorrer
e hoje é comum que
aconteça, e a tendência é isto multiplicar-se que,
face à mobilidade dos agentes económicos e fatores
de produção, a conexão com os territórios fiscais
possa ser múltipla, plural, e que dessa conexão com
vários territórios resulte ativação de várias regras
fiscais nacionais. Ou seja, mobilidade dos agentes e
dos fatores de produção tenderá a gerar
plurilocalização, fazendo com que possam ser
ativadas várias regras nacionais que identifiquem a
conexão com o território fiscal.
3ª etapa
então, se são ativadas várias normas
nacionais que dão poder tributário, imagine-se a dois
Estados,
dizendo-se
estes
dois
Estados
competentes para tributar o mesmo sujeito e o
mesmo rendimento, o que acontece?
Dupla
tributação jurídica internacional.
3 Significa então que há uma potencialidade muito
grande de ocorrer dupla tributação. Quando falamos
em dupla tributação, esta situação é uma chamada
dupla tributação jurídica internacional (outros tipos
de dupla tributação existem lá chegaremos).
Há o mesmo sujeito passivo, o mesmo rendimento,
mas dupla tributação. É um problema de justiça
fiscal, e temos de procurar uma forma de o resolver
através do direito. Que direito? O direito
internacional fiscal. Temos, então, de identificar a
forma como o direito resolve estes problemas de
dupla tributação jurídica internacional; é através
desta fonte.
A forma como tradicionalmente, entre os anos 1890
e agora, a tradição tem feito com que o instrumento
principal utilizado para resolver estas situações de
dupla tributação jurídica internacional sejam as
convenções para evitar e eliminar a dupla tributação
CDTs, que têm sido, em 99,8% das vezes,
bilaterais, ou seja Estado a Estado (ex.: Estado A
com Estado B, Estado A com Estado C, etc.). Tudo
tem assentado na construção de redes para solução
dos problemas de dupla tributação jurídica
internacional. Assim, sob a forma internacional de
um tratado, negociado Estado a Estado, estabelecese um conjunto de regras que tentam resolver as
situações de dupla tributação jurídica internacional.
Por isso, quando pensamos em fontes do direito
fiscal, também é extraordinariamente importante
conhecermos a existência destas convenções.
Tantas mais teremos quanto mais o Estado for
proativo e quiser alargar o núcleo das relações
internacionais económico-fiscais.
Recapitulando:
1 - Para averiguar da sujeição a imposto, os Estados
utilizam dois elementos de conexão residência e
fonte. Cada Estado determina as suas regras
próprias quanto à ativação da residência e da fonte.
2 - Se existir mobilidade dos agentes económicos
e/ou dos fatores de produção, acontece
potencialidade elevada de serem ativadas várias
legislações fiscais de sujeição, determinando
residência ou fonte.
23
Percebemos agora por que é que também esta área
é uma área científica especializada. Outro semestre
não chegaria para dominar o direito internacional
fiscal; não basta decorar o conteúdo das
convenções.
Atenção: estas CDTs condicionam a aplicação
nacional da lei fiscal. Podemos ter uma norma fiscal
a dizer que vamos tributar o rendimento X da pessoa
Y (a norma nacional diz que o Estado tem direito a
tributar aquele rendimento daquela pessoa), mas,
pela convenção que o Estado tem com o país do
lado ou de outro canto do mundo, na negociação
bilateral, para eliminar a dupla tributação, o Estado
abdica de tributar. Portanto, ainda que haja uma
internacionalmente
o
Estado
assume
o
compromisso de, naquela situação concreta, não
efetivar a tributação. Muda tudo. A construção e
aplicação da norma nacional fica condicionada,
alterada.
Nota: quando procuramos identificar a fonte de
direito fiscal que influencia a aplicação do nosso
direito fiscal nacional a fonte é a convenção para
eliminar a tributação específica. Se temos uma
situação com o Japão, tem-se que, em primeiro
caso, a nossa fonte interna é a convenção PortugalJapão. Não é, no caso do Japão, a convenção
Portugal-Brasil; essa nada me interessa. As
convenções bilaterais são diferentes: posso ter
acordado uma coisa com o Brasil e outra com o
Japão. Uma negociação internacional é feita de
equilíbrios. Podemos ter uma preocupação PortugalJapão mais com os rendimentos de capital, e
Portugal-Brasil mais com os rendimentos
profissionais. Isto faz com que na negociação haja
especificidades próprias daquela negociação. Tal
provocará necessariamente desigualdade, mas é
uma desigualdade negociada. É diferente Portugal
negociar com os EUA e com as Ilhas Maurícias (e
temos CDTs com os dois). Os EUA querem uma
coisa, têm mais poder, menos curvatura do que nós,
e naturalmente aparece a ideia de uma distinção de
tratamento.
Todavia, para tentar criar um espaço comum
e
atenção a RCP não usar a expressão uniformizado
a OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económicos) tem, já desde os
anos 60, um modelo de convenção que inspira as
negociações bilaterais. Este modelo de convenção
da OCDE contém a estrutura normativa usual, com
as opções recomendadas pela OCDE, que os
Estados devem incorporar nas suas convenções
concretas. São recomendações. Também a ONU
tem um modelo de convenção semelhante, mas
com algumas alterações para favorecer os países
em desenvolvimento. Mas isto ainda complica: o
modelo de convenção da OCDE, além do normativo
que aconselha com as opções determinadas
naquele modelo, tem ainda aprovado em apenso
um conjunto daquilo que é chamado de
comentários aos artigos, onde os Estados foram
acordando interpretações aos artigos, à tal proposta
de normativo do modelo de convenção por ex.,
quer sobre o que se entende pelo conceito de
direção efetiva, quer sobre o que se deve entender
por sociedade transparente e as implicações para a
dupla tributação. Há um grande grau de
complexidade que pode haver.
O modelo de convenção, que é soft law (e não hard
law, como as convenções aprovadas e absorvidas
no nosso OJ) apresenta esta dupla vertente:
orientação na organização dos poderes tributários
reconhecidos (organização dos artigos e dos
conteúdos desses artigos, mera recomendação não
vinculativa que pode oscilar nas convenções
individuais), e simultaneamente inclui um conjunto
de comentários aos artigos que ajuda à sua
interpretação (dos artigos do modelo de convenção).
Há uma grande discussão doutrinária e
jurisprudencial quanto ao valor desses comentários
se são efetivamente vinculativos para a AT ou não,
em que medida têm ou não impacto.
Ou seja, também no internacional fiscal, a par da
hard law (CDT específicas), também existe soft law.
Exemplo dessa soft law (não único) é a questão do
modelo de convenção da OCDE para eliminar a
dupla tributação, que contém não apenas corpo
normativo indicativo do conteúdo e das opções
efetivamente tomadas pelos Estados na distribuição
do poder tributário, como também contém
comentários que ajudam a interpretar as opções
normativas desse modelo de convenção.
Questão suplementar: porque se compreende que
há impacto negativo nesta ideia de mera
bilateralidade e de criação da tal discriminação, está
a discutir-se (não será amanh
construção de convenções multilaterais para tentar
evitar a dupla tributação, o que resolveria parte do
problema da diferenciação de tratamento. O
exemplo mais desenvolvido disso, que está à espera
de ser ratificado por muitos Estados, é, no quadro da
OCDE e na sequência de um megaprojeto que
ocupou os últimos anos da BEPS a criação deu
uma organização multilateral para alterar as CDTs
bilaterais todas de uma só vez, em bloco, para
combater a fraude e evasão fiscal, e o planeamento
fiscal agressivo.
Veja-se que, quanto mais mobilidade os agentes
tiverem para escolher a jurisdição, tendo uma rede
de acordos bilaterais diversificados, significa que
quem tem mobilidade vai estudar os acordos e
deslocalizar-se para certa jurisdição para ficar com
aquele acordo. É o que normalmente se apelida de
treaty shopping. Uma das formas de combater isto é
ter uma visão multilateral. De alguma maneira, o
treaty shopping fica impossibilitado face a uma
harmonização das opções consideradas.
24
Nota: esta convenção pretende introduzir alterações
em certos aspetos, e que todos os membros da
OCDE adotem isto. A ideia é alterar em bloco, mas
não o total, apenas parcelas.
Nota 2: BEPS quer dizer base erosion profit shifting.
O que significa isto? Erosão das bases de tributação,
diminuição das mesmas. O profit shifting significa
uma deslocalização dos lucros empresariais para
jurisdições fiscalmente relevantes. Isto acaba na
redução das receitas fiscais dos Estados. Houve um
projeto, culminado em 2016, em que se promoveram
certo tipo de alterações em aspetos específicos de
tributação internacional.
Nota 3: há que perceber que o modelo do
internacional fiscal, que é um modelo de cooperação
baseado em acordos bilaterais, é insuficiente para
fazer face às especificidades do hoje (evasão e
fraude fiscal), e é necessário, mais do que
multilateralidade
para RCP
a questão da
globalidade. Talvez esta seja uma questão para os
trisnetos de RCP, mas há a ideia de um direito global
fiscal, que passa por uma ideia de harmonização, se
não uniformização das regras fiscais (face ao hoje,
isto não é exequível). O problema da evasão e da
fraude fiscal acontece essencialmente porque os
sistemas fiscais são diferentes, indo os agentes
económicos à procura dos sistemas fiscais que lhes
são vantajosos. Se não houver diferença, acaba a
questão do elemento fiscal como catalisador da
competividade, daí ser vantajoso ponderar uma
lógica de globalidade.
Nota 4: há a possibilidade, altamente condenada
internacionalmente, mas feita persistentemente
pelos EUA, que é a questão de, mesmo que tenha
negociado internacionalmente um tratado, criar uma
norma interna completamente contrária a esse
compromisso internacional, norma essa que
derrogará a norma internacional. Connosco não
funciona (v. art.º 8º da CRP); podemos até ter a
norma interna, que ela não suplanta a internacional.
Exemplo: há uma legislação norte-americana que
impõe deveres de comunicação internacionais, e
impõe-nos
unilateralmente
aos
agentes
económicos. Isto existe e é aplicado.
25
Nota 5: ainda que vejamos os poderes a tomar
certas opções, tal não significa que seja o caminho
mais vantajoso. Enquanto juristas, devemos
questionar certos aspetos. O facto de algo ser o
natural e o normal é o adequado? O que pode ser
feito? RCP acha que não nos devemos demitir da
responsabilidade. Isso tem de ser pensado,
estruturado e integrado.
28 FEV 2019
Sumário: Fontes do direito fiscal (continuação).
I-3.b)
Fontes do direito fiscal (continuação)
Estamos a analisar as fontes do direito fiscal, ou
seja, estamos a identificar quais os instrumentos
normativos que temos de ter em atenção quando
estamos perante um caso de direito fiscal. Apesar de
aquilo que vamos trabalhar ao longo do semestre ser
essencialmente direito fiscal nacional, ainda assim,
temos de ter consciência de que este direito fiscal
nacional, quer nos instrumentos normativos
identificados, quer nos conteúdos previstos, também
é influenciado e condicionado por fontes normativas
da UE e por fontes normativas internacionais.
Portanto, o que fizemos até ao momento foi
determinar que existe um direito fiscal da UE, que
significa, em primeira linha, TFUE (normas
abrangentes que explicam e determinam que a
matéria fiscal também faz parte do processo de
integração, dando-nos uma resposta quanto ao
procedimento de aprovação), e, do ponto de vista de
norma concreta de regime fiscal, diretivas e
regulamentos (harmonização positiva), mais
jurisprudência do TJUE (harmonização negativa).
RCP volta a frisar: o que estamos a identificar são
instrumentos normativos. Dentro de cada um dos
instrumentos normativos, temos também conteúdos
veja-se a separação. Identificámos os
instrumentos. E os conteúdos? Os regulamentos
atuam sobretudo no âmbito dos impostos indiretos
(sobre o consumo), impostos sobre o consumo
esses que também têm diretivas, sendo que as
diretivas são claramente a opção assumida no
âmbito dos impostos diretos (sobre o rendimento).
Vimos que as diretivas da UE, em termos de
tributação do rendimento, atuam sobretudo no
âmbito da tributação das pessoas coletivas
(sociedades)
dividendos, juros, fusões, cisões.
Outras matérias suplementares podem ver a luz do
dia no direito fiscal da UE, mas há a discussão se
são verdadeira fonte de direito, porque não têm
caráter vinculativo: soft law, comunicações da
Comissão que até podem ser importantes (por ex.:
tributação das empresas).
Ponto 1: ao falarmos de fontes, estamos a identificar
instrumentos, mas a cada tipo normativo
corresponde um conteúdo, em termos de regime
construído. Identificámos o direito fiscal da UE como
um direito que influencia o direito interno e a que, por
isso, precisamos de ter atenção. Há formas
jurídicas, fontes, mas cada forma tem um conteúdo
próprio, dentro da temática de cada tipo de imposto.
Depois analisámos que, na nossa Constituição,
temos também um conjunto de normas que
trabalham sobre a temática fiscal, a que a doutrina
normalmente apelida Constituição fiscal. O núcleo
duro desta está nos arts. 103º, 104º e 165º, i). Estes
três artigos contêm princípios norteadores do
imposto, que desenvolveremos ao longo do
semestre. Temos um texto constitucional com um
conjunto de conteúdos importantes no âmbito fiscal.
A fonte é a Constituição.
Identificámos que também é muito importante o
direito internacional fiscal. Percebemos que o
internacional fiscal surge como uma imperiosidade
quando pensamos na globalização, na mobilidade e
na tecnologia, porque estas situações levam a que
ocorra deslocalização das bases de tributação, que
dá origem a plurilocalização. E, havendo
plurilocalização, a tendência é, como consequência,
a dupla tributação jurídica internacional, i.e., o
mesmo sujeito passivo e o mesmo rendimento
serem tributados duas vezes. Ora, quer por razões
de justiça, quer por razões económicas de não
entrave ao crescimento e desenvolvimento das
operações plurilocalizadas, tem o direito a
necessidade de resolver essas situações. Daí que a
primeira fonte do internacional fiscal sejam as
convenções para evitar e eliminar a dupla tributação
(CDTs).
Este instrumento normativo tem de estar na mente
do legislador fiscal. Se tiver uma situação
plurilocalizada, cuidado: não posso aplicar a norma
nacional sem mais. Tenho de procurar saber se
existe ou não um CDT para saber como resolvo a
situação, uma vez que a norma fiscal nacional
cederá em face do conteúdo do CDT. Mas estas
convenções, que são ainda bilaterais, significam que
o Estado está na necessidade de construir uma rede
de CDTs; está a nascer uma lógica de
multilateralidade para certas situações em concreto.
Isto é hard law. Existem, ainda assim, certos
instrumentos de soft law no âmbito internacional. O
exemplo mais importante, em face desta visão
bilateral e desta rede de convenções, foi perceber se
não havia qualquer instrumento que pudesse servir
de suporte a estas convenções.
Há o modelo de convenção da OCDE sobre as
CDTs. Este modelo é composto quer por um
conjunto de articulados (com conteúdos tributários,
determinação
de
competências
tributárias
consoante os tipos de rendimento), mas também é
texto corrido com comentários. Tem um aspeto
normativo, que influencia a organização e a tomada
de opções no âmbito dos CDT bilaterais, e tem um
conjunto de considerações tomadas pelos Estados
quanto às interpretações daquilo que é tido por regra
nos artigos. Também existe um conjunto de
construção doutrinal de uma organização
internacional sobre estas matérias do internacional
fiscal. Falámos na questão de ser vinculativo ou não;
dissemos que a maioria da jurisprudência e dos
autores não tem atendido aos comentários como
algo vinculativo.
Vimos que a dupla tributação assentava na
existência de dois elementos de conexão territorial
que os Estados assumiam como determinantes:
residência e fonte. Para aferir a sujeição a um
imposto num determinado território, teremos sempre
de encontrar uma ligação entre o indivíduo ou
pessoa coletiva e aquele território. Essa ligação é
feita pela residência e pela fonte.
Como vimos, não aparece aqui a nacionalidade. Ela
não é o critério escolhido para aferir da ligação
territorial, e, portanto, da ligação ao imposto
tirando EUA e Filipinas, os outros países do mundo
olham à residência e à fonte (e mesmo os EUA estão
a ponderar deixar a nacionalidade de lado).
Quando pensamos em dupla tributação, pensamos
num Estado (que se diz ser o Estado da residência)
e noutro (que se diz ser o Estado da fonte). Quer o
Estado da residência, quer o Estado da fonte
26
querem tributar o mesmo sujeito e o mesmo
rendimento. Temos uma situação de dupla
tributação jurídica internacional. Isto pressupõe uma
unidade: só pode haver uma residência e só pode
haver uma fonte. Todavia, porque as normas fiscais
que determinam a residência são muito semelhantes
no mundo todo, há um espaço crescente com a
mobilidade e a tecnologia ainda mais para haver
dupla residência, ou seja, um indivíduo ou uma
empresa ser residente em dois sítios. Isto não pode
ocorrer. As convenções também resolvem este
problema de dupla residência, dizendo qual é o
território que tem a ligação mais forte, e onde,
portanto deve ter primazia como Estado da
residência.
Exemplo: um piloto de aviões comerciais que
trabalha para a SATA, pela lei fiscal portuguesa
como tem um contrato de trabalho com a SATA, que
é portuguesa
é considerado residente fiscal,
podendo viver, por exemplo, nas Canárias e
deslocando-se para cumprir com o seu trabalho. Há
uma regra fiscal portuguesa que diz que, se os
pilotos a 31 de dezembro têm contrato com uma
empresa nacional, são cá residentes. A
consequência é serem tributados pela totalidade dos
seus rendimentos. Qual é o Estado que tem
efetivamente competência? Há que ir ao CDT
Portugal-Espanha e verificar se existe uma norma
que resolve esta situação. E ela existe; essa norma
diz, com um conjunto de critérios, qual o Estado
prevalente, a que deve ser dada primazia na
tributação. Resolvemos aqui o problema da dupla
residência através de um instrumento internacional.
Se só Portugal tributava, ou só as Canárias,
tínhamos o problema resolvido; mas se os dois
tributavam, seria necessário ir a uma norma
suplementar para resolver o problema, uma norma
de método de eliminação da dupla tributação. É que
em certas circunstâncias, tanto o Estado da fonte
como o da residência são reconhecidos como
competentes para tributar. Mas se se reconhece os
dois, temos dupla tributação na mesma temos de
resolver. Existe uma norma interna das convenções
que diz que o Estado da residência deve eliminar a
dupla tributação. Como o faz? Dependendo do CDT,
de uma de duas formas:
Hipótese 1 isenta aqueles rendimentos obtidos no
estrangeiro de serem tributados, e, ao isentar,
resolve, porque não os inclui na declaração de
rendimento anual e por isso não são considerados
para efeitos de tributação.
27
Hipótese 2 inclui, não isenta, mas no cálculo do
imposto final permite que se deduza o imposto pago
no estrangeiro.
Nota: a dupla residência dá origem a dupla
tributação. Qual é o conceito de dupla tributação
(jurídica internacional que vimos)? O mesmo sujeito
passivo ser tributado duas vezes sobre o mesmo
rendimento. Quando é que isto pode acontecer? Em
uma de duas situações. A situação mais comum é
quando existe um Estado da residência e existe um
Estado da fonte, e ambos se assumem como Estado
com competência fiscal que tributam o mesmo
sujeito pelo mesmo rendimento. Mas também pode
acontecer porque existem dois Estados que se
assumem como Estados da residência o mesmo
sujeito e mesmo rendimento são, também aqui,
tributados duas vezes, mas com elementos de
conexão diferenciados. No primeiro caso, residência
e fonte; neste caso, residência.
Nota 2: pelos critérios nacionais que definem a
residência porque RCP é móvel e está a localizarse e a agir em várias jurisdições
pode ativar
normas fiscais de residência em mais do que um
Estado. Se ativa normas de residência em mais do
que um Estado, é tributada como residente nesses
dois Estados. O que seria injusto, pois seria uma
pessoa com o mesmo rendimento a ser tributada
duas vezes.
Quando falamos em residência, falamos em
residência fiscal. Imagine-se que RCP tem poços de
petróleo, é milionária e globetrotter. Tem uma casa
no Dubai, em Quioto, nas Canárias, em Paris, em
Londres, em Boston, em Vancouver. Tem estas
casas todas; tem uma ligação com todos estes
territórios. Onde será tributada? Depende das
normas fiscais. É a norma fiscal de cada uma das
jurisdições que diz se é ou não assumida como
residente fiscal no território. E não basta ter uma
casa; ou pode bastar o Estado é que decide o que
entende como relevante do ponto de vista fiscal.
RCP pode ter casas nos vários sítios, ou não ter e
viver em hotéis, ou ter casas arrendadas
não
interessa o título de propriedade, vale a substância
sobre a forma. O que releva é o que a norma fiscal
determina. Como RCP passa por várias jurisdições,
pode calhar dentro da esfera de uma norma fiscal de
residência. Calhando, tem de perceber se há outro
Estado em que pode ser considerada fiscalmente
residente ou não. Qual é a consequência de RCP
ser considerada fiscalmente residente? Torna-se
sujeito passivo de imposto. Em que medida?
Internacionalmente aceita-se que RCP seja
tributada pela totalidade do rendimento obtido,
independentemente da origem worldwide income.
Ou seja, independentemente de ter obtido aquele
rendimento no estado da residência ou de tê-lo
obtido todo fora, é, por regra, tributada pela
totalidade. Se RCP tem residência fiscal em dois
Estados, wow tudo é tributado duplamente. Não
bate certo. Tem de haver uma norma internacional a
dizer qual dos Estados da residência deve ter
prevalência, e deve ser só ele a tributar.
Atenção: quando falamos em dupla residência,
demos exemplos de pessoas singulares, mas ela
também pode ocorrer com pessoas coletivas. Posso
ter uma empresa com sede estatutária em Portugal,
mas gestão efetiva (atos de gestão qualificada) no
Vietname. O CDT ajuda a resolver.
já, há apenas que ficar com a ideia de que existe
esta figura. Esta é uma ideia de internacional fiscal.
Nota: as empresas podem ir para o estrangeiro e
criar PJ própria lá específica (filial) ou podem ir para
o estrangeiro atuar sem personalidade jurídica
própria (através do estabelecimento estável, que é
uma ficção). Mas não fiquemos com a ideia de que
a fonte é só o estabelecimento estável isso é para
o rendimento das empresas. Há outros critérios.
Fonte tem a ver com onde é pago o rendimento.
Posso não ter uma atividade económica continuada,
mas ser-me pago um rendimento em dado território.
E o território a partir do qual é pago será fonte. E
fonte será também onde está um imóvel. Se tenho
uma casa, o local onde está essa casa também é
fonte. Imagine-se que tenho a casa arrendada. E se
acontece uma operação de consumo, o local onde
esse consumo ocorre é fonte (usando aqui todas as
bases de tributação).
Há espaço para haver dupla fonte? Sim. Também
em certas legislações pode haver coincidência de
normas a dizer que a pessoa tem fonte naquele
território, e também ter no outro. Isto pode
tendencialmente ocorrer, mas também há normas
para determinar o que se entende por fonte do
rendimento. E, portanto, resolve-se parte do
problema dessa forma.
Na questão da fonte, há uma figura que
trabalharemos com um pouco mais de prioridade
quando chegarmos ao IRC
a figura do
estabelecimento estável. Isto é importante para os
rendimentos empresariais, porque existem várias
formas jurídicas que uma pessoa coletiva pode
assumir. Mesmo quando há uma intervenção
internacional ou seja, uma deslocalização e um
começo de ação no estrangeiro por parte de uma
empresa, ela pode estar lá fisicamente ou
digitalmente. E mesmo fisicamente, pode estar lá
com uma filial (filha da sociedade-mãe, empresa
especificamente criada lá com a forma jurídica que
nesse território é permitida), ou assumir uma forma
jurídica sem personalidade própria, sem autonomia
jurídica, o estabelecimento estável (uma sucursal,
um armazém). E, portanto, o que acontece? Se
estivermos perante rendimentos empresariais, só há
tributação se houver estabelecimento estável. Para
Há a possibilidade de várias serem as jurisdições a
quando falamos do digital, onde há cada vez mais
uma diluição dos espaços envolvidos e uma
multiplicação desses mesmos espaços. Que
jurisdição é a fonte? A tese de doutoramento de RCP
foi, em parte, sobre isso. Há uns anos atrás, RCP
dizia que o local onde o consumidor digital / o local
onde intermediário financeiro está são elementos
preponderantes na construção de valor, que têm de
ser assumidos como relevantes para a questão da
determinação da fonte.
Assim, a determinação da fonte pode ser um
exercício muito simples e imediato em realidades
normais.
Quanto
mais
plurilocalização
e
28
digitalização envolvermos, maiores são
dificuldades e as situações de dupla fonte.
as
Nota: as CDTs são bilaterais, o que pode não
permitir eliminar a dupla tributação, no limite. E pode
ocorrer, infelizmente, mesmo numa relação bilateral.
Quanto mais plurilocalização existir, mais provável
será não conseguir eliminá-la.
Veja-se que há dois métodos, duas formas. Ou
isentando, ou não isentando, permito a dedução do
imposto pago no estrangeiro
é esta a versão
simplificada.
Imagine-se que há um Estado a dizer que é fonte um
Estado a dizer que é residência. Tradicionalmente, a
regra é que é o Estado da fonte vai tributar quando
esse rendimento é pago, através da retenção na
fonte. Paga-se 100, e por retenção na fonte há que
suportar 5. Numa versão simplificada, no ano
seguinte, imaginando que RCP tem um rendimento
total de 1000, calculou todo o imposto (sobre a
totalidade dos 1000) e tem uma coleta de 200. É
permitido que à coleta vá retirar 5, pagando apenas
195. O que já pagou na fonte quando recebeu foi
eliminado do imposto devido.
isento, vai ser tributado, mas depois, quando
tivermos o valor do imposto a pagar (coleta), é
permitida a dedução do imposto que foi pago na
fonte. E então, à coleta, retira-se o valor do imposto
pago lá fora, pagando-se os 195. Numa perspetiva,
atua-se sobre o rendimento e desconta-se ao
rendimento total o obtido no estrangeiro; na
dedução, o rendimento é o total, não se atua sobre
ele, e o que se faz é ir à coleta, depois de calculado
o imposto devido, e determinar a dedução do que foi
pago no estrangeiro.
Nota 1: é no estado de residência que se faz a
declaração de rendimentos total, com a radiografia
completa dos rendimentos obtidos e da
possibilidade de fazer a dedução. Não há retenção
na fonte naquele momento, há um cálculo específico
anual que permite calcular esses valores.
Nota 2: na dupla residência, o contribuinte tem de
dirigir à AT de um dos Estados, dar nota da situação
de dupla residência e os dois Estados entre si, de
acordo com a norma internacional que aprovaram
determinam qual o estado da residência.
I-3.b)-ii. - Dinâmica interna (continuação)
Entramos depois no âmbito das fontes internas.
Aqui, temos, em primeira linha, a lei e o DL (tal como
identificamos no âmbito genérico do direito). Mas
atenção: apesar de lei e DL poderem ter o mesmo
valor hierárquico, no âmbito fiscal, há espaço para a
lei poder estar acima do DL. Tem tudo que ver com
o art.º 103º, 2. da CRP, que gera o princípio da
legalidade fiscal em termos de conteúdo, onde os
elementos essenciais do imposto (sujeição
[=incidência], taxa, benefícios fiscais e garantias dos
contribuintes).
O que é que o Estado da residência tem de fazer
para eliminar a dupla tributação? Uma de duas
coisas. Ou isenta e o rendimento total do worldwide
income é 1000, e, como tenho uma isenção do
rendimento sobre o qual incide o imposto, o que
acontece é que aos 1000 se tira 100, o que dá 900,
e sobre esses 900 é que depois se calcula o
rendimento; ou então o legislador diz: não está
29
Estas quatro matérias têm necessariamente que ser
aprovadas por lei da AR, exceto se olhando ao
165º, 1, i) da CRP houver autorização, mas a lei
tem de balizar muito bem estes quatro elementos
essenciais.
Há o mesmo valor, mas é preciso ter em atenção
estes aspetos dos elementos essenciais e ao
princípio da legalidade fiscal.
Abordemos agora o patamar dos regulamentos
fiscais. Isto é importante para termos a noção de que
eles são um elemento fundamental do sistema fiscal.
Aqui há que apelar aos nossos conhecimentos de
DA no que toca aos regulamentos de execução e
regulamentos independentes.
Um ato normativo muito importante neste domínio
hierárquico é a chamada Lei Geral Tributária
(LGT), que utilizaremos muitas vezes
aliás, já
começámos a fazê-lo. Ela tenta ser uma espécie de
lei de bases no âmbito da tributação, determinando
um conjunto de regras que têm de ser observadas
na relação jurídica fiscal, no início, no período de
vida, na extinção. Trabalha sobre princípios, sobre
conteúdos e sobre procedimentos, ainda que não
seja autónoma. Mas não é autossuficiente. Por isso
é que precisamos do CIRS, do CIRC, do CIVA, do
CIEC para os impostos em particular e seu regime
jurídico, tal como precisamos do EBF para
determinar regras fundamentais e identificar certos
benefícios fiscais concretos em determinadas
matérias, tal como precisamos do chamado CPPT
(Código do Procedimento e Processo Tributário)
com o conjunto de normas administrativas e judiciais
que norteiam a relação no caso de haver conflito
fiscal.
É ponto assente que a LGT é a base normativa em
termos de início infraconstitucional, infra-UE, infrainternacional.
Identificaremos a questão dos (i) regulamentos
fiscais, dando alguns exemplos de diplomas
importantes com esta forma jurídica. A seguir para
RCP isto é muito importante - falaremos das (ii)
resoluções administrativas. Não são classicamente
fonte de direito, pois vinculam apenas a AT.
Contudo, face à importância que na antecipação de
conflito e na promoção do cumprimento devido
(compliance), assumem um papel preponderante.
1
REGULAMENTOS FISCAIS
Qual a necessidade dos regulamentos? A ideia é
que, conforme vamos descendo na hierarquia
normativa, vamos encontrando normas cada vez
mais técnicas, mais específicas, mais densificadas.
E os regulamentos podem ser de dois tipos:
-Regulamentos independentes*;
-Regulamentos de execução.
Há uma grande discussão doutrinária acerca do que
isto significa. Quando falamos em regulamentos
independentes*
vêm criar
algo. Quando falamos em regulamentos de
execução, falamos de um normativo que
densifica/desenvolve um ato legal prévio e que se
vai circunscrever àquele ato, densificando-o. Há
uma lógica fechada aqui, que não está nos
regulamentos independentes, onde há um espaço
muito mais aberto de criatividade, onde se colocam
questões de margem de livre apreciação e de
conceitos indeterminados. Tudo tem a ver com
quem tem competência naquela matéria para
regulamentar.
No âmbito fiscal, * os regulamentos são todos de
execução. Não há regulamentos independentes em
direito fiscal. Porquê? Princípio da legalidade fiscal.
Este é o primeiro aspeto importante.
Depois: o que é o regulamento de execução fiscal?
Pode ter duas formas: a) portarias e b) decretos
regulamentares. Note-se que as portarias são
regulamentos.
As
portarias
e
decretos
regulamentares
existem
no
fiscal
como
regulamentos de execução.
Exemplo 1: a arbitragem fiscal foi aprovada por um
DL. Mas, na sequência, foi aprovada uma portaria,
chamada uma portaria de vinculação, onde a AT se
vinculou a este regime de arbitragem. Há um ato
30
legislativo, que depois será executado também por
uma portaria, que se chama uma portaria de
vinculação.
Exemplo 2: recorde-se a contribuição para o setor
bancário. Há quem diga que é imposto, há quem
diga que é contribuição financeira.
Exemplo 3: a densificação foi feita por portaria
também. Menos usuais são os decretos
regulamentares, mas ainda assim são importantes
vejam-se as amortizações. A regulamentação fiscal
das amortizações é feita por decreto regulamentar.
existem outras, como a c) resolução do Conselho de
Ministros. É também um regulamento e tem espaço
para existir, no âmbito fiscal, na delimitação da luta
contra a fraude e evasão fiscais. As formas de
combater a evasão e a fraude são determinadas por
resolução do CM.
Em algumas situações encontramos d) despachos
normativos pouco comuns. Um exemplo são as
declarações periódicas para reembolso do IVA.
2
RESOLUÇÕES ADMINISTRATIVAS
Chegamos então à base da pirâmide
as
resoluções administrativas. Veja-se que esta não é
efetivamente, na forma tradicional, uma fonte de
direito tal e qual é estudada na introdução, porque
só vincula a AF
é circunscrito o seu poder
vinculativo (chamado direito circular). Porém, no
âmbito fiscal, é extraordinariamente importante por
forma a garantir segurança e certeza jurídicas
fiscais. Aqui RCP destaca dois casos que são muito
relevantes.
Há um manancial de interpretações internas à
Administração tributária. É muito, e vem de anos e
anos atrás. E muito disto perdura, não é só para o
próprio ano. Quando falamos em resoluções
administrativas, não são duas ou três: são muitas
realidades específicas consoante o tipo de imposto,
31
e microtemas dentro desse tipo de imposto. Esta
informação não é vinculativa para os contribuintes,
mas é vinculativa para a AT. Dá espaço para
compreender como a AT faz as suas interpretações
da lei fiscal, tentando antecipar conflitos e promover
um cumprimento adequado. Há graus de
complexidade acrescidos: não só implica, muitas
vezes, recurso a conceitos de outros ramos de
direito (e aí vincula a interpretação dada no outro
ramo do direito), mas igualmente utiliza várias
realidades e cruzamento de competências, o que
pode dar grandes dores de cabeça. Uma das formas
que temos de antecipar conflitos e perceber como
cumprir de acordo com o entendimento da
Autoridade Tributária e Aduaneira é olhar para estas
resoluções administrativas. Têm de ficar claras a
quantidade e a importância delas.
Nota: num ano, é possível ter 100 ou 10 resoluções
administrativas; depende.
Este é um trabalho interno da Adm. Tributária e
Aduaneira. Mas também há um papel importante da
jurisprudência tributária em verificar se as
interpretações fazem ou não sentido, são corretas
ou erradas. Posso não concordar com a AT e entrar
em litígio; em última instância, isto é decidido em
tribunal (seja ele arbitral ou fiscal). E a jurisprudência
não deve ser menosprezada. A mais importante
jurisprudência no domínio fiscal é a do STA (topo da
hierarquia especializada no tributário) e o CAD
(tribunais arbitrais). Não nos devemos esquecer de
que nem todas as causas são suscetíveis de recurso
de uma instância para a outra. Além do STA, os TCA
(tribunais centrais administrativos sul e norte) podem
ter jurisprudência relevante no âmbito fiscal.
Nota: sempre que tivermos um caso à nossa frente
(válido em todos os ramos do direito), a primeira
valorização que devemos ter é a lei, e a
interpretação intrassistemática (espírito da lei para
aquela norma em concreto e também o espírito do
sistema, contrapondo com normas que podem ser
paralelas e mostrar a diferenciação do legislador nas
opções tomadas). Partimos da lei. Obviamente que
o bom jurista acumula a esta primeira análise
(extraordinariamente essencial), no caso fiscal,
resoluções administrativas sobre a matéria e
jurisprudência que possa existir e doutrina que
ocorra sobre a matéria. Existindo conflito, se a nossa
interpretação da lei é contrária ao da Adm.
Tributária, podemos (e devemos) levá-la em diante.
é importante ao jurista ter um manancial da
argumentação
contrária,
para
destruí-la
antecipadamente. Um exercício de interpretação
complexo envolve a norma em concreto, a relação
da norma com as que lhe são paralelas para
perceber o espírito e a opção nítida do legislador
fiscal, cumulando com a interpretação da
administração fiscal, com a interpretação que os
tribunais fazem (STA, TCA e CAD) e doutrina. Mas
isto sempre com a base legal. E no caso fiscal, a
base legal é inultrapassável. Há um acumular de
elementos
interpretativos,
mas
nunca
desvalorizando a lei.
Na interpretação
intrassistemática, podemos ter uma norma nacional,
relacioná-la com as normas paralelas nacionais e ter
normas de UE ou internacionais envolvidas. O
emaranhado pode ser densificado.
Veja-se a quantidade de resoluções administrativas
que estão em causa, e acumule-se a densidade que
oferecem. É grande a importância que estas
resoluções administrativas incorporam para o direito
fiscal.
Dentro desta matéria, RCP destaca dois
instrumentos concretos no âmbito das legislações
administrativas que o legislador promove
um
exclusivamente interno e que promove uma
harmonização que possa ter valia para o
contribuinte, e outro de que o contribuinte pode
lançar mão para prevenir litígios e saber com o que
pode efetivamente contar.
a análise diferenciada do caso concreto pode dar
origem a várias posições dentro da ATA sobre o
mesmo tema, podem surgir problemas.
Note-se que, em DA, passámos em revista a forma
como a AP se organiza. Dentro da administração
direta, há serviços. Temos várias hierarquias. E os
serviços podem ser descentralizados. Parte dessa
descentralização é regional. Mesmo dentro da
regional, pode haver desconcentração. Em Lisboa,
existem vários bairros fiscais, vários serviços. A
forma como a organização está feita, e como vai
interpretar o direito e aplicar no caso concreto, pode
dar azo a interpretações díspares. Há necessidade
de garantir que essa uniformização/unidade é
construída, daí que vários âmbitos jurídicos próprios
tenham estes instrumentos. No âmbito fiscal, há as
orientações genéricas.
Há que ter em atenção esta figura e o
enquadramento que tem. O 68º-A diz que apesar de
existirem estes instrumentos, deve haver a
preocupação de a AT unificar ou uniformizar essa
informação. Este 68º-A
e agora vemos um
exemplo concreto de que a LGT precisa de mais
normas legislativas de suporte, não sendo autónoma
compatibiliza-se com o CPPT (Código de
Procedimento e Processo Tributário), art.º 55º.
O 55º do CPPT vai esclarecer o 68º-A da LGT. Há
uma compatibilização. E aliás, no nº 2, reforça-se o
que já tínhamos visto na LGT. Não falamos de
contribuintes, quem é vinculado é exclusivamente a
AT. Mas há que ficar claro como a legislação se
complementa, e como podemos ter de ir de um lado
para o outro.
Existem:
Orientações genéricas;
Informações vinculativas.
LGT 68º-A este artigo diz-nos, em grande medida,
o que acabámos de ver sobre o que significam
resoluções administrativas no âmbito fiscal. Temos
aqui duas realidades: existem vários instrumentos a
que a administração está vinculada. Todavia, porque
Segundo ponto: voltando ao 68º-A da LGT, veja-se
agora como também é importante ter em
consideração o 68º-A, 2. O que é que nos diz?
Este número é muito curioso. Dissemos que as
orientações genéricas, que fazem parte deste direito
circular, só vinculam a AT. Os contribuintes não
estão vinculados. Neste nº 2, porem, reconhece-se
que os contribuintes vão assumir, como tendência
de aplicação e cumprimento devido, a interpretação
que a AT tenha feito através das orientações
genéricas. Isto faz-nos perguntar: são ou não fonte
de direito? Se o contribuinte usa essas
32
interpretações para estabelecer o seu plano de
cumprimento fiscal, a AT não pode mudar sem mais
nem menos. Se naquele momento a interpretação
era feita de certa forma, deve ser mantida. Há uma
espécie de abertura à qualificação como fonte
normativa. Se a administração trocar as voltas, não
Nota: uma coisa que RCP diz sempre é: sempre que
trabalharmos numa norma concreta fiscal a aplicar,
nunca devemos ficar no nº 1. Nunca se deve confiar
no nº 1; há que ler o artigo todo.
protegido, de certa forma, o contribuinte, o que não
bate certo com não estar vinculado o contribuinte.
Atendendo à importância que estes atos têm, o
legislador fiscal criou esta figura mista, intermédia,
sui generis. Há que proteger o contribuinte que
confiou que a orientação da AT era a devida para ter
um cumprimento com a lei.
O que é a informação vinculativa? Tendo em
atenção a complexidade da norma fiscal, e, muitas
vezes, a dificuldade que o contribuinte tem em saber
qual o comportamento adequado para cumprir os
deveres fiscais, o legislador criou esta figura das
informações vinculativas, que mais não é um pedido
feito pelo contribuinte concreto face à sua dúvida,
dúvida essa que coloca à AF (é feita uma pergunta),
a AF analisa a situação, emite a tal informação
vinculativa e transmite ao contribuinte.
Aspeto suplementar: olhe-se ao nº 4 do 68º-A. Há
pouco RCP indicou a importância da jurisprudência
fiscal. Também aqui o legislador reflete essa
relevância, impondo uma obrigação
(não é pode, mas deve). A AT está persistentemente
a atualizar a sua interpretação da lei fiscal de acordo
com a jurisprudência fiscal. O objetivo é criar uma
ideia de unidade, um sistema fluido, harmónico,
onde os conceitos são entendidos de forma igual /
maneira transversal. Já isto deixa antever as
dificuldades de interpretar as normas fiscais. Querse que haja sempre um andamento paralelo entre o
que os tribunais decidem e o que a administração
fiscal interpreta.
Nota: que elemento essencial do imposto está aqui
a ser salvaguardado? As garantias do contribuinte.
Está a funcionar aqui essa preocupação, daí isto ser
feito por lei (LGT).
O que vimos a propósito do elenco das orientações
genéricas, e da sua consulta online, também é
determinado no art.º 56º do CPPT, onde se diz
mesmo
que
há
uma base
de
dados
permanentemente
atualizada
contendo
as
orientações genéricas. O 68º-A da LGT também é
complementado no 56º do CPPT, quanto à
divulgação da informação em permanência e do
acesso pelo contribuinte a essa informação.
Um instrumento muito importante é o que vem
disposto na LGT, art.º 68º. É isto a que o legislador
chama informações vinculativas.
33
Assim, o conceito de informação vinculativa é:
instrumento à disposição do contribuinte em caso de
dúvida de como agir/cumprir a sua obrigação fiscal.
Antes de cumprir, pergunta à AT o que fazer naquele
posse.
Nota suplementar 1: esta informação vinculativa
qualquer uma só vincula o caso concreto. Só é
válida para aquela situação em concreto. O sr. B
pode ter exatamente a mesma situação do sr. A,
mas a AT só está vinculada para o caso do sr. A.
Mas claro, há uma preocupação com uniformizar
(embora isto possa ocorrer).
Precisamente porque se entende a necessidade de
uniformização, há obrigação legal de conversão das
informações vinculativas em circular administrativa isto está no 68º-A, 3. sempre que a informação
vinculativa tenha sido decidida no mesmo sentido
em 3 decisões concretas.
Nota: o 68º trabalha a figura das informações
vinculativas. Diz quando se pode fazer o pedido, se
se tem de pagar, qual o prazo de decisão da AT
(questões procedimentais). Todavia, o que estamos
a dizer é já um segundo passo: no caso de haver 3
informações vinculativas sobre 3 situações em
concreto paralelas, decididas no mesmo sentido, o
68º-A, 3. obriga a que a Administração converta
essas três informações vinculativas numa
orientação genérica sendo que depois se colocam
todas as questões das orientações genéricas que
vimos atrás.
Nota 2: o contribuinte pode opor-se, mas por que é
que os contribuintes fogem dos litígios com a AT?
Time is money. Muitas vezes, o agente económico
não quer aborrecer-se e cumpre mesmo
discordando.
Olhe-se ao 68º, 14. Duas coisas: a primeira
realidade é que é a Administração que fica
vinculada, naquele caso concreto e só para aquele
caso concreto. Só pode afastar a informação
vinculativa se houver uma decisão judicial a dizer:
não é válido neste caso concreto.
Nota/dúvida: nas informações, atende-se ao art.º
68º, 14., mesmo quando a circular é mais favorável
ao contribuinte.
1 MAR 2019
Sumário: Especificidades regionais e locais das
fontes.
É preciso ter em atenção que este artigo determina
as questões procedimentais quem tem o poder de
pedir a informação vinculativa, pode ter caráter de
urgência ou não, o pagamento é diferenciado
consoante esse caráter, os valores, o prazo máximo
de decisão e a forma como a administração tem de
notificar quem requereu essa informação vinculativa.
Este é um artigo que tem o instrumento e o conjunto
de procedimentos para fazer o pedido efetivo por
parte da Administração tributária e aduaneira.
Cada vez mais na AT há uma tentativa de
uniformização. Daí que seja importante a
identificação da existência deste instrumento, que só
vincula a administração e simultaneamente diz
desde que haja três decisões iguais sobre a mesma
situação, isto deve ser transformada em orientação
genérica para ser aplicado por toda a administração.
Nota: há pouco falámos da residência e de que a lei
nacional fala do que é residência. Uma das figuras
nas normas nacionais é a da habitação permanente.
O legislador não define. Isto pode dar azo a
diferenças. A informação vinculativa surge da
necessidade de o contribuinte saber como é que, na
situação concreta, deve proceder ao cumprimento
dos deveres fiscais. A pergunta que o contribuinte
faz para obter essa informação pode partir da
necessidade de não saber conjugar as várias
normas fiscais ou estar incluída no mesmo conceito.
Atenção: no 68º, 1., tem de haver a descrição dos
factos. Temos de saber se a situação é qualificada
tributariamente.
Como vimos ontem, os dois instrumentos que temos
de ter em consideração no fiscal quando pensamos
em resoluções administrativas como meio para
antecipar conflitos, promover o cumprimento
voluntário e garantir certeza e segurança jurídicas
são as orientações genéricas e as informações
vinculativas. Para o prático fiscal, as informações
vinculativas são de muita importância, pois
permitem, em casos complexos, antecipar a posição
da administração tributária.
3
ESPECIFICIDADES REGIONAIS E LOCAIS
DAS FONTES
Faremos agora uma breve referência para o facto
de, no fiscal, haver algumas especificidades
regionais e locais quanto às fontes de direito fiscal.
Em finanças públicas, na fase final, fizemos uma
breve identificação de que havia finanças regionais
e locais, ou seja, normas financeiras específicas
para as RA e para as autarquias locais. No quadro
dessas especificidades, encontramos poderes
tributários específicos de cada uma delas, o que
dará origem à existência de certas fontes que podem
ser específicas das RA e das autarquias.
34
(1) Há que ter em atenção que a possibilidade de as
regiões autónomas (isto em relação às RA em
concreto, não às autarquias) terem impostos
exclusivos à sua região é reconhecida, mas que, na
prática, até ao momento, nem Madeira nem Açores
aproveitaram essa possibilidade. Não existem
impostos específicos das RA. Todavia, se olharmos
à Lei das Finanças Regionais (LFR) art.º 59º vemos que há a possibilidade de existir uma
adaptação do sistema fiscal nacional às
especificidades regionais.
Parte dessa adaptação, que é permitida, pode
passar por diminuir taxas de imposto nacional. Por
isso é que os residentes das RA têm IRS, IRC e IVA
mais baixos do que o continente. Está no âmbito das
suas competências a possibilidade de reduzir e
adaptar o seu sistema fiscal à sua especificidade
regional
portanto, existem normas nacionais
fiscais que são adaptadas em face da especificidade
regional. Um tipo dessas normas passa,
precisamente, pela diminuição das taxas de
imposto, designadamente IRS, IRC, IVA e alguns
IECs.
São visíveis alguns benefícios fiscais temporários
condicionados para aquela RA em concreto.
Permitiu-se, por enquanto
num modelo algo
diferente do original a existência da antiga zona
franca da Madeira, atual Centro Internacional de
Negócios. Também há uma zona franca dos Açores,
em Santa Maria. Quem estiver situado nesse
território circunscrito tem um tratamento fiscal mais
vantajoso do que o regime normal. Há uma
adaptação das normas fiscais nacionais pelas
regiões autónomas.
Por isso, a par de lei e DL, temos decretos
legislativos regionais e decretos regulamentares
regionais. Se estivermos a falar de residentes na RA
Açores ou RA Madeira, pode haver a necessidade
de procurar diplomas regionais contendo adaptação
das normas regionais.
Nota: as zonas francas são formas de atração de
investimento, para as empresas ali se localizarem.
Veja-se que a Madeira não é a zona franca. No
território da RA Madeira, há um outro território
circunscrito apelidado de Centro Internacional de
Negócios. Quem ali estiver fisicamente localizado
tem acesso às vantagens. O problema disto são os
P.O. Boxes, os apartados, as caixinhas. Não estar lá
35
ninguém e ser só uma caixa onde está a
correspondência, que vai para a sede, onde está
localizada a atividade substantiva, sendo a zona
franca aproveitada só para fins fiscais.
(2) No âmbito local, olhe-se à Lei das Finanças
Locais (LFL). Alguns artigos preveem poder
tributário próprio das autarquias locais.
Em relação ao município, atenda-se ao 18º da LFL,
que prevê a derrama municipal, que é um imposto
que as empresas pagam sobre o seu lucro tributável
e que é para os municípios. Quem decide a taxa da
derrama municipal é o próprio município.
Depois, quanto a poderes tributários, há que ter em
atenção que é possível os municípios escolherem
conceder benefícios fiscais, mas não podem criar
impostos próprios, como as RA. O que podem é criar
taxas
As freguesias têm também algum poder em termos
de receita de impostos e taxas e podem, como os
municípios, criar taxas específicas, o que faz com
que os atos normativos criadores sejam fonte de
direito fiscal. Esta é a lógica que complementa a
nossa pirâmide: especificidades regionais
especificidades locais. Nas regionais, não existe
qualquer imposto exclusivamente regional (embora
seja permitido), apenas uma adaptação do sistema
fiscal
nacional
à
especificidade
regional
(designadamente através de taxas mais reduzidas e
regimes fiscais próprios). Nas autarquias locais, há
espaço para os municípios criarem a derrama e
decidirem a taxa dessa derrama, que é receita sua,
e podem criar taxas e tem alguma receita fiscal.
Freguesias só podem criar taxas e têm acesso a
alguma receita fiscal.
Assim, se quisermos ter em atenção as fontes do
direito fiscal, em primeira linha, temos de nos
socorrer das fontes normativas. Aqui temos fontes
europeias (UE), fontes internacionais e fontes
internas. Esta será sempre a base para
determinação do regime fiscal aplicável. Porém, não
esquecer que também um espaço importante deve
ser conferido à jurisprudência fiscal para auxiliar a
interpretação destas normas fiscais.
Já sabemos que a jurisprudência fiscal, em Portugal,
tem dois tipos:
ou é a jurisprudência judicial tradicional
produzida pelos tribunais especializados
tributários (1ª instância, TAF, STA);
ou é a jurisprudência arbitral (tribunais
arbitrais do CAD).
Trabalhámos o DL 10/2011 como exemplo da
introdução de um elemento tradicionalmente privado
no domínio fiscal. A jurisprudência arbitral também
é, hoje, muito relevante para auxiliar na
interpretação do quadro normativo fiscal.
Há que, igualmente, ter em atenção a importância do
Tribunal Constitucional (TC). Também no domínio
fiscal o TC tem peso significativo, como veremos. O
TC tem feito a sua intervenção na ordem tributária
sobretudo na distinção entre tributos (impostos e
contribuições
financeiras),
nos
limites
à
dedutibilidade dos gastos em IRC (nota: o gasto
pode ou não ser tido como relevante para deduzir no
lucro da pessoa coletiva ou não; o TC tem intervindo
aqui), na área das presunções em termos de fixação
de matéria tributável e teve um grande impacto na
jurisprudência da crise
houve uma análise de
opções normativas dos OE vistas à lupa pelo TC de
modo integrado para dizer se a opção seria ou não
contrária à CRP. Ainda que tenha havido muita
análise de outras medidas de redução da despesa,
a tendência e a leitura integrada dos vários acórdãos
deu mote para se afirmar que o TC defendeu apostar
no aumento da receita fiscal em detrimento de uma
redução da despesa. Isso tem um impacto na forma
como o legislador desenha a norma fiscal; há ênfase
para o lado da tributação em detrimento de uma
redução da despesa.
Quando pensamos em fontes de direito fiscal, há
que recordar tudo o que vimos a propósito da nossa
pirâmide. Falamos de uma tipologia alargada, de
várias fontes. Para além das fontes normativas
(podemos ter soft law e hard law) temos também o
impacto da jurisprudência, seja ela judicial, arbitral
ou constitucional.
Quando nos questionamos onde vamos buscar o
direito fiscal, a base será sempre a norma fiscal
que pode ser UE, internacional e nacional, tendo
impacto na forma como interpretamos estas normas
e na forma como elas são construídas a
jurisprudência seja nacional ou UE.
Nota: o TC procede anualmente a um conjunto de
recomendações ao Governo. Essas recomendações
também existem no âmbito fiscal, mas são só isso
recomendações. De resto, há competências no caso
concreto, que têm a ver com a aplicação na norma e
se os serviços tiveram a interpretação adequada ou
não. Não há o impacto que têm o CAD, o STA e os
TCA.
I-3.c) Interpretação, integração e aplicação da
lei fiscal: aspetos fundamentais
Se falamos em direito fiscal e, portanto, de uma
ciência que estuda os impostos - depois de
identificarmos as fontes e toda a dimensão que isto
representa, é também essencial ter consciência se
existe ou não alguma especificidade quanto à
interpretação, integração de lacunas e aplicação
desta lei fiscal. Como juristas a começar a estudar
um novo âmbito, uma nova área jurídica, vamos
socorrer-nos obviamente do que sabemos e
conhecemos, e vamos apreendendo e melhorando
em termos de regras de interpretação, integração e
aplicação. Em qualquer ramo de direito específico,
temos de perguntar-nos se existe alguma
especificidade a ser considerada. Em seguida, não
recordaremos os conhecimentos básicos já
adquiridos, mas identificaremos aspetos que sejam
de mais-valia e devam ser considerados no âmbito
fiscal.
I-3.c)-i.
Interpretação
Em relação à interpretação, olhemos à LGT. O art.º
11º, 1. não nos dá qualquer novidade; remete para
as regras gerais de interpretação jurídica.
36
Todavia, há aqui quatro questões que, para RCP, faz
sentido enfatizar.
(i) Olhe-se ao 11º, 2. Há o reconhecimento da
importância da importação de conceitos de outros
ramos do direito e uma remissão para o valor desses
conceitos no seu habitat normal. Se o legislador
fiscal usar a terminologia swap (contrato financeiro
derivado), vamos buscar ao âmbito financeiro o
significado disto (não
o que para o
fiscal significa swap). Há uma absorção da forma
comos os conceitos são interpretados naquele ramo
do direito, o que faz com que o fiscalista possa ter
de procurar fora do âmbito fiscal.
(ii) Outra questão, a do realismo económico, vem
prevista no nº 3. O que está aqui a transmitir-se é
que tem de haver sempre a prevalência da
substância sobre a forma. No fiscal, a forma pouco
interessa. O que interessa é a realidade
efetivamente assumida pelo facto. Vejamos que, por
isso, não é de estranhar o que vem expresso no art.º
10º da LGT.
Não se quer saber da origem do rendimento; se há
rendimento que interessa como base de tributação,
está abrangido pela sujeição, independentemente
da ilicitude da obtenção desse rendimento. Isto
decorre do que vimos no 11º, 3.: substância sobre a
forma.
Nota: estamos a demonstrar como todo este
esquema está revelado na nossa legislação, para
pensarmos este ramo de direito.
(iii) Em igual medida, o 11º, 3. está reproduzido no
espírito do 38º da LGT a chamada cláusula geral
anti-abuso.
O que o 38º, 2. nos diz é: não quero saber se a
pessoa arranjou uma artificialidade para fugir ao
imposto
se eu, AT; descobrir a artificialidade,
desconsiderarei a forma e olharei para a substância.
Negarei valor à forma e tributarei como logo
inicialmente se devia ter tributado.
37
Quando procuramos identificar especificidades ao
nível da interpretação, já vimos no 11º, 1. que não
há
a
criação
de
regras
totalmente
diferentes/divergentes das regras tradicionais. Há
uma remissão para as regras do CC, mas com
algumas anotações. Em primeiro lugar, vimos que o
nº 2 é o reconhecimento da necessidade de olhar
para os conceitos que nascem de outros ramos de
direito com os conteúdos desses ramos de direito.
Vimos, depois, o realismo económico (11º, 3.) se
tivermos um confronto entre substância e forma, no
direito fiscal, é sempre a substância que prevalece.
Ex: 10º da LGT
o facto de haver ilicitude na
obtenção de rendimentos em nada retira a
possibilidade de tributação desses rendimentos.
dificuldades que tivemos para distinguir analogia de
interpretação extensiva.
Na incidência, por exemplo, não está prevista uma
não possibilidade.
De seguida, olhámos para o 38º, 2. - cláusula geral
anti-abuso. Nela, no caso de alguém ter criado
artificialmente um facto para ser menos tributado e
afastar a tributação normal, sendo descoberto, a
administração tributária ou o tribunal vai
desconsiderar a forma e aplicar a substância
(regime normal).
Para RCP, a possibilidade de interpretações
extensivas pode ser problemática para as garantias
dos contribuintes. Há um acórdão muito estranho de
um TCA que nega este artigo dos EBF, dizendo que
não é possível, por causa das garantias dos
contribuintes. Mas também é estranho um acórdão
dizer o contrário da lei, para RCP.
Qual é o 4º aspeto?
Não fiquemos com a ideia de que os benefícios
fiscais estão todos no EBF. Pode havê-los em
normas avulsas de outra legislação, nos códigos do
imposto especificamente considerado e haver outros
diplomas contendo benefícios fiscais para além do
próprio estatuto por exemplo, o Código Fiscal do
Investimento (que analisámos a propósito dos
contratos fiscais).
(iv) Recordar e reforçar o que vimos a propósito das
resoluções administrativas e a sua importância para
a interpretação
daí devermos dominar as
orientações genéricas e as informações vinculativas.
I-3.c)-ii.
Integração
Em relação à integração de lacunas, temos uma
especificidade que vem do nº 4º do 11º da LGT (v.
supra). Estão aqui abrangidas as lacunas do art.º
165º, 1. i) incidência, taxas, benefícios fiscais e
garantias dos contribuintes elementos essenciais
do imposto. A regra no fiscal é que a analogia é
permitida, exceto se estiver em causa um elemento
essencial do imposto.
Quanto à interpretação extensiva, nada é dito na
LGT, mas, indo ao EBF
art.º 10º - é dito
expressamente que não há interpretação analógica,
mas há interpretação extensiva quanto aos
benefícios fiscais. Note-se que isto é só quanto aos
benefícios fiscais.
Por que é que RCP distinguiu normas avulsas? É
que há diplomas que regulam coisas que nada têm
a ver com o fiscal. Não são diplomas fiscais, têm
outro âmbito, mas contêm uma norma fiscal.
Exemplo: as IPSS
instituições particulares de
solidariedade social, nas suas aquisições, têm, em
certa medida, de pagar IVA e não têm possibilidade
de ver-lhes devolvido essa IVA. Pagam e suportam.
Todavia, existe uma norma, que foi revogada e
depois repristinada e continua ainda em vigor
que diz que, se as IPSS tiverem despesas na
reconstrução das suas instalações com finalidades
sociais, o IVA cobrado nessas obras pode uma
parte dele ser devolvido. Esta é uma norma avulsa
de um diploma que nada tem a ver com o aspeto
fiscal. Isto dá-nos, mais uma vez, a dimensão da
complexidade que o fiscal pode ter. Não sabemos
onde está tudo; por vezes, temos surpresas. RCP
recomenda estarmos atentos. Isto para não falar nas
mudanças persistentes.
Nota: os benefícios fiscais são um dos elementos
essenciais do imposto. Isto traz à colação as
38
O que é que agora temos de analisar? A lei fiscal no
tempo e a lei fiscal no espaço.
Nota: a RCP não interessa a história dos acórdãos,
e sim a construção que o TC faz do princípio da
retroatividade fiscal. Interessa-nos o que significa,
para o TC haver uma lei fiscal retroativa; o que é
que, para o TC, representa retroatividade, assim
como o que significa um novo conceito chamado
retrospetividade, e como é que o princípio da não
retroatividade fiscal passa a ser interpretado.
I-3.c)-iii.
Aplicação da lei fiscal no espaço
Atendamos, agora, à aplicação da lei fiscal no
espaço. O que é que aqui releva? Que
especificidade existe para aplicação da lei fiscal no
espaço?
Quando queremos aplicar a lei fiscal no espaço
tendo em atenção o elemento geográfico, espaço
o que temos de específico? Há um princípio da
territorialidade fiscal
a lei fiscal só se aplica no
território do Estado que a criou.
Todavia, para ativar a aplicação do princípio da
territorialidade, o que é preciso? A nossa lei fiscal é
ativada pelos elementos de conexão, que são:
Fonte;
Residência.
Quando pensamos em aplicação da lei fiscal no
espaço, há sempre a ideia do princípio da
territorialidade fiscal, sendo que a conexão ao
território, do ponto de vista fiscal, é aferida por uma
de duas formas: residência e fonte.
Se o elemento de conexão for a residência, uma vez
que a residência dá origem a uma obrigação fiscal
ilimitada (worldwide income), tal significa que
mesmo os rendimentos obtidos fora do território são
considerados para efeitos de tributação interna.
39
Note-se que na residência se mantém o princípio da
territorialidade, pois a minha residência é naquele
território, mas a amplitude da minha obrigação
tributária é mais vasta e abrange os rendimentos
obtidos fora do território, o que dá azo ao que
trabalhámos: uma possibilidade de dupla tributação
e a necessidade de a resolver, havendo recurso aos
CDTs convenções para eliminar e evitar a dupla
tributação. Quando aplicamos a lei fiscal no espaço,
há ou não dupla tributação ou CDT para ser
aplicado? É uma questão que se coloca.
7 MAR 2019
Sumário: Aplicação da lei fiscal no tempo.
I-3.c) Interpretação, integração e aplicação da
lei fiscal: aspetos fundamentais (continuação)
Vamos hoje terminar o bloco inicial sobre direito
fiscal, avançando depois para a temática do imposto
conceito, distinção face a outros tributos e
subsequente matéria. Aquilo que nos falta ver a
propósito destes aspetos iniciais é a aplicação da lei
no tempo.
O que encontrámos de específico na interpretação?
É certo que se aplicam as regras normais, mas há
um reconhecimento de conceitos de outras áreas, e
há uma prevalência da substância sobre a forma
(realismo económico). Isto será útil para interpretar
muitas normas fiscais e compreender o porquê
dessas opções. E, na integração, está proibida a
analogia dentro dos elementos essenciais do
imposto.
de propriedade e o dever de contribuir para o erário
público aquilo que as normas fiscais também
procuram daí que haja o princípio da legalidade
fiscal, com os elementos essenciais a serem
protegidos e a terem de passar pelo órgão de
representação parlamentar. Daí que se tenha esta
regra da proibição da analogia nos elementos
essenciais, que revela uma preocupação em
garantir um equilíbrio entre este direito e este dever.
Por que é que o legislador teve a necessidade de,
no âmbito do direito fiscal, dizer que os elementos
essenciais do imposto não podem ser objeto de
analogia?
A necessidade de proteger o contribuinte, que será
imprescindível para garantir a estabilidade, tem por
detrás o facto de o imposto ir contra o quê? O
imposto vai contra que direito do cidadão? O facto
de o imposto ser uma subtração do património do
contribuinte leva a que haja uma necessidade de
salvaguarda tão elevada e profunda. É um retirar de
parte do património. A pessoa não quer desfazer-se,
mas o Estado precisa, e é o preço a pagar pela
sociedade. O que está em análise é o imposto ser
uma subtração ao património do contribuinte.
Não se pretendendo que o nosso Estado seja
totalitário ou autoritário e sim um Estado de direito
há uma necessidade de criar equilíbrio entre os
direitos e as garantias desses direitos.
O Estado passa a estar habilitado a exigir o
contributo, porém tem de garantir que esse retirar
está equilibrado com as finalidades e a proteção
devida a esse direito de propriedade.
Lembrando os limites quantitativos do imposto, um
dos que vimos foi a questão da capacidade
contributiva. Mas se pensarmos na perspetiva do
imposto como uma subtração à propriedade do
contribuinte, o que acontece se o Estado for para lá
daquilo que é tido e considerado como aceitável?
Confisco ir para lá daquilo que é devido. Significa
que o equilíbrio entre o direito de propriedade e o
direito ao imposto para financiamento da ação
pública está em profundo desequilíbrio, atingiu um
âmago dos direitos do contribuinte que não é
suposto ser atingido. Ou seja, não podemos deixar
de atender ao facto de o direito de propriedade ser a
base do imposto; e, sendo o equilíbrio entre o direito
Nota: um elemento não essencial do imposto é, por
exemplo, a liquidação. O que é liquidar? Determinar.
Liquidar o imposto significa, na prática, saber quanto
é que aquela pessoa em concreto deve, isto é,
determinar quanto é o imposto devido, sendo que,
depois de liquidar, ainda há que pagar. É a mesma
realidade, mas com sujeitos diferenciados. A
liquidação é um elemento do imposto, a cobrança é
outro elemento do imposto.
Ainda temos de identificar especificidades no
domínio da aplicação. Temos especificidades no
domínio da aplicação no tempo e no espaço.
No espaço, que especificidades temos? Há o
princípio da territorialidade fiscal, que significa que
as normas tributárias se aplicam apenas aos factos
ocorridos no território de um determinado Estado.
Há um condicionamento do poder tributário
portanto, da soberania tributária ao território físico.
Porém, onde estão as maiores especificidades? Os
elementos de conexão escolhidos são a fonte e a
residência e, no âmbito da residência, o que ocorre
é a criação de uma obrigação fiscal ilimitada. O
Estado está habilitado a tributar todos os
rendimentos obtidos pelos seus residentes (não
estamos a falar necessariamente de nacionais),
tenham eles sido obtidos dentro do território ou fora.
A fonte está habilitada a tributar apenas (tem uma
obrigação fiscal limitada) os rendimentos obtidos no
seu território. Mas vimos que, precisamente por esta
especificidade de criar uma lógica de ligação
territorial, pode haver espaço à ocorrência de dupla
tributação jurídica internacional. Quando aplicamos
a lei fiscal no espaço, temos de passar pelas
convenções para evitar e eliminar a dupla tributação
(CDTs). Assim, a aplicação da lei fiscal no espaço
pode implicar a existência, consulta e consequente
aplicação de uma convenção.
40
Apenas uma referência suplementar: e se não existir
convenção para evitar e eliminar a dupla tributação?
A questão é, se houver um problema de dupla
tributação jurídica internacional, qual deverá ser o
primeiro impulso? Procurar se existe ou não uma
CDT. Havendo, é esse o recurso a utilizar, pois
ditará quais as regras para a competência tributária.
Todavia, como as CDTs são negociadas e são
tratados bilaterais, pode ocorrer que com dado
Estado não haja uma CDT. A pergunta é: quid juris?
Há interesse, para os Estado que querem atrair e
manter capital e ser atrativos. Mesmo que não haja
CDTs, os Estados podem aprovar unilateralmente
normas fiscais que resolvem ou pelo menos tentam
atenuar a dupla tributação. Se não existir CDT (e só
se não existir), então procura-se, na legislação
interna, se existe ou não uma norma unilateral do
Estado que resolva a situação. No caso português,
isto existe.
Olhe-se ao 81º do CIRS.
Remete-se para o que se passa na convenção; mas,
não havendo, aplica-se o artigo, permitindo-se uma
eliminação da dupla tributação unilateralmente. Ora,
isto é importante. E será importante para quando
falarmos em fraude, evasão e planeamento fiscal.
Há interesse aos Estados em garantir competividade
dos seus sistemas fiscais. Um problema de dupla
tributação tem impacto económico e social nefasto;
não permite desenvolver as relações económicas de
maneira devida. A reação inteligente do agente
Assim, também há vantagem para os Estados em
desenvolver normas internas que resolvam
situações internacionais. Há uma distinção que pode
parecer pouco relevante entre direito internacional
fiscal e direito fiscal internacional. A norma do 81º é
um exemplo de uma norma de fiscal internacional: é
uma norma interna e unilateral que procura resolver
um problema onde há plurilocalização
conexão
com vários territórios, dando azo a várias
possibilidades de tributação do mesmo sujeito e do
mesmo facto tributário.
41
I-3.c)-iv.
Aplicação da lei fiscal no tempo
Quanto à aplicação no tempo, há especificidades? O
nosso ponto de partida é o 103º, 3. da CRP.
Determina a proibição da retroatividade fiscal.
Estamos a tentar apurar o que é retroatividade fiscal.
Já percebemos que só o 103º, 3. da CRP não chega;
precisamos da jurisprudência do TC. O que estamos
aqui a procurar saber é, do ponto de vista do TC, o
que é que é retroatividade fiscal. Assuma-se que o
conceito base que conhecemos de retroatividade é
haver uma situação que está no passado, à qual se
aplica uma norma que não existia no momento em
que ocorreu a situação. É este o nosso conceito de
retroatividade. Qual é a especificidade do fiscal? Se
RCP recebeu uma herança, um X de dinheiro, for à
bolsa comprar ações e passado algum tempo
vender as ações, teve um ganho. E quando vendeu
as ações, vendeu-as porque achava que não seriam
tributadas, por haver uma norma que a isentava. E
RCP passou a estar a ser tributada. E passou a
sabê-lo já depois do facto consumado. A nova norma
é retroativa?
Exemplo: RCP foi à livraria comprar um livro;
comprou-o; não pagou IVA; e, passado um mês, sai
uma norma que diz que tem de pagar IVA sobre a
compra e aplica-se às compras nos últimos 6 meses.
A norma é retroativa.
Exemplo 2: RCP tinha dinheiro a mais, lançou os
dados na bolsa, obteve uma mais-valia dessa
venda. Na altura dessa venda não havia tributação;
6 meses depois, sai uma lei a dizer que as maisvalias daquele ano passam a ser tributadas. Esta
nova norma é retroativa? Nos dois casos que
demos, o TC considera que o caso do livro é
retroativo, mas o caso das mais-valias (ações e
alienações e do ganho da alienação), não é
retroativo, mas meramente retrospetivo. Por ser
meramente retrospetivo, o 103º da CRP não proíbe,
pelo que pode acontecer. Vamos especificar mais
um pouco, mas a nossa visão pode esbarrar com
esta especificidade no âmbito fiscal.
O início é o 103º, 3.
não podem ter natureza
retroativa. O que significa ter natureza retroativa no
âmbito da lei fiscal? A resposta é: depende do tipo
de imposto. É verdade que retroatividade é e será
sempre lei nova aplicada a facto passado; não
estamos a inventar nada de novo, esse princípio
também se aplica no domínio fiscal. O que o TC diz
é que o 103º, 3. da CRP proíbe a chamada
retroatividade autêntica, ou seja, norma nova
aplicada a facto consumado. Todavia, se olharmos
para os tipos de impostos existentes, verificamos
que temos dois tipos:
O caso das mais-valias foi um caso concretamente
visível e analisado pelo TC, tendo dado azo a toda
esta transformação na interpretação. O que se
passava? A 1 de janeiro, havia uma norma fiscal de
isenção de certas mais-valias. Em junho do mesmo
ano, veio uma norma fiscal a dizer que há uma
sujeição sem isenção. Termina a isenção e passa a
mais-valia a ser tributada; revoga-se a norma
anterior, criando um novo regime. Neste esquema,
imagine-se RCP a vender as ações em agosto; não
tem problema nenhum, pois já sabe que está sujeita.
Nem se coloca uma questão de retroatividade ou
retrospetividade, pois nenhum facto consumado há
na nossa cabeça a que se aplique a lei nova. Porém,
imagine-se que RCP tinha vendido as ações em
fevereiro. Assim, as ações foram vendidas quando
achava que estavam isentas, e vem em junho uma
norma a dizer que estão sujeitas e não isentas,
aplicando-se a todas as operações ocorridas desde
1 de janeiro.
Tipo 1 - facto tributário ocorre num só
momento, e extingue-se nesse momento
ex.: IVA.
Para o TC, à partida, isto não tem de representar
uma retroatividade. Isto é apenas uma
retrospetividade. Sendo retrospetividade ou, como
alguns lhe chamam, retroatividade não autêntica não há inconstitucionalidade.
Tipo 2
formação
sucessiva
criado/gerado ao longo de um período
temporal alargado ex.: IRS.
O que é que o TC nos vai dizer? Para os impostos
em que o facto gerador ocorre num único momento,
não é difícil apurar a existência ou inexistência de
retroatividade. Ou no momento em que facto ocorre
temos uma lei a sujeitar ou a isentar ou a não sujeitar
ou não isentar, ou uma lei que permite deduzir 10 ou
20. Mas diferente deve ser o raciocínio quando
estamos perante impostos de formação sucessiva.
Neste caso, os impostos são criados entre 1 de
janeiro e 31 de dezembro, sendo que o legislador
olha para o momento final desse período para
estabilizar as regras fiscais. Portanto, apenas a 31
de dezembro é que se considera que o facto gerador
está cristalizado. Logo, diz-nos o TC que tudo o que
se passar neste período de alteração, de
transformação não significa que seja classificado
automaticamente como retroatividade autêntica,
podendo ser qualificado como retrospetividade.
Sendo qualificado como retrospetividade, não é
retroativo; logo, não é proibido constitucionalmente.
Nota: olhe-se ao CIRC, art.º 8º, nº 9.
Para o legislador, o imposto sobre o rendimento só
está consumado a 31 de dezembro o último dia do
facto gerador. Por isso é que o TC tem a visão
alargada de formação sucessiva. O facto vai
ocorrendo ao longo do ano, terminando
normalmente a 31 de dezembro sendo que o TC
insiste que, por existir esta norma, o que interessa é
o regime a 31/12, e não o regime anterior. Logo, pela
construção do TC, esta norma de junho aplicandose a 1 de janeiro não é retroativa, não violando o
103º, 3. da CRP. Qualifica-se como mera
retrospetividade,
sendo
permitida
constitucionalmente.
Nota: RCP é altamente crítica da posição do TC.
42
Quando é que isto aconteceu? Aconteceu numa
altura em que o Governo estava apertado de contas
públicas, em combate contra falta de receita e
aumento elevado de despesa, com pressão UE e
com necessidade desesperada de aumentar o erário
público. Por isso, eliminou a tal norma de isenção e
ativou a sujeição. E o TC foi ainda que não o tenha
escrito nos acórdãos sensível a isso. Muitas vezes,
a interpretação pode ser uma faca de dois gumes.
Na jurisprudência da crise, o TC não foi tão
aceitável. Note-se que a maioria dos juízes do TC
tinha sido nomeada pelo partido que estava no
governo (PS).
Este tipo de jurisprudência criativa (RCP chama-lhe
assim porque, na sua visão, há aqui retroatividade,
ao contrário do que diz o TC) faz-nos compreender
que as águas da separação de poderes, os limites
das atuações e a justificação para aceitação
legislativa são adaptáveis, têm oscilações. É
importante enquanto juristas sabermos interpretar
estas normas e conhecermos o porquê de tudo.
construção do TC, retroativa fiscalmente.
Ela será meramente retrospetiva, não
contrariando a proibição constitucional da
retroatividade fiscal.
Todavia, mesmo que estejamos perante uma
retrospetividade, ela, para ser válida / estar
conforme à Constituição (mas não tem a ver com
retroatividade, e sim princípios de segurança
jurídica), tem de passar um teste. A existência de
retroatividade assenta em quatro elementos:
(i)
Criação de expetativas
o Estado
(mormente
o
legislador)
tenha
encetado comportamentos capazes de
continuidade;
Nota: esta jurisprudência foi assumida daí para a
frente; mantém-se.
Qual é o patamar seguinte? Apesar de podermos
com isto dizer que esta norma nova se aplica atrás
não é, nas palavras do TC, retroativa mas antes
retrospetiva
e, portanto, admissível em termos
constitucionais
(não
contraria
o
princípio
constitucional da não retroatividade fiscal), o TC,
mesmo nos casos de retrospetividade, exige que
seja feito um teste a quatro elementos para aferir,
ainda assim, da viabilidade da medida.
Patamar 1 o texto constitucional diz-nos
que há uma proibição da retroatividade
fiscal.
Patamar 2 o conceito de retroatividade
fiscal tem de ser desdobrado, na
construção do TC, em retroatividade
autêntica e em retrospetividade. A
retrospetividade só surge a propósito de
impostos de formação sucessiva (sobre o
rendimento, são continuados). No caso de
se estar num imposto de formação
sucessiva em que ocorra uma alteração
legislativa durante o ano fiscal que altere o
tipo de tributação naquele ano fiscal, tal
norma não significa que seja, na
43
(ii)
Devem tais expectativas ser legítimas,
justificadas e fundadas em boas
razões;
(iii)
Devem os privados ter feito planos de
vida tendo em conta a perspetiva de
estadual;
(iv)
É ainda necessário que não ocorram
razões de interesse público que
justifiquem, em ponderação, a não
continuidade do comportamento que
gerou a situação de expectativa.
103º, 3. da CRP proibição da retroatividade fiscal.
O que é que a CRP proíbe quando se fala em
retroatividade fiscal? Retroatividade autêntica ou
absoluta. O que significa isso? Lei nova não se
aplica a facto passado. Todavia, quando falamos de
impostos de formação sucessiva, o conceito de lei
nova a facto passado só é visível no último dia do
período de tributação regra geral, 31 de dezembro,
o que faz com que todas as alterações para trás não
sejam consideradas retroativas, mas antes
retrospetivas.
Todavia, mesmo que a retrospetividade não viole o
princípio da retroatividade constitucional, tal não
significa que ela seja sempre de admitir. Caso
patamar 5 a retrospetividade viole o princípio da
confiança, ela não é admissível, e deve ser afastada
ou seja, na prática, a norma dita retrospetiva não
pode vigorar na OJ.
Estes quatro requisitos são cumulativos; têm de
estar verificados. Se estiverem todos verificados há
uma retrospetividade indevida. O que está em causa
é a proteção do princípio da confiança.
Veja-se que, sendo os quatro critérios cumulativos,
mesmo que os três primeiros se verifiquem na esfera
jurídica do contribuinte, se o interesse público o
exigir, há uma sobreposição. Ou seja, se houver a
necessidade imperiosa de receita e a estabilidade
das finanças públicas o exigir, há uma cedência. Por
isso é muito difícil assumir que o interesse público
se verifique. Ele dificulta muito uma situação de
retrospetividade.
Quando é que há necessidade de os critérios sejam
cumulativos? Para que haja tutela dos contribuintes.
Para que a norma nova seja inconstitucional.
Significa isto que se algum dos critérios não for
cumprido,
não
há
tutela
da
confiança
constitucionalmente imposta, e a norma pode
subsistir.
Como é que RCP sabe que há ou não proteção da
confiança? Passar o teste dos 4 elementos. Tem de
ser criada uma expetativa pela atuação do legislador
numa lógica de continuidade, elas têm de ser
legitimas, justificadas e fundadas, os privados têm
de ter decidido tendo por base a assunção da
continuidade, e não pode haver interesse público
que se sobreponha a estes interesses do
contribuinte.
Caso este teste seja positivo os quatro verificandose a norma retrospetiva não pode vigorar, porque
viola o princípio da confiança. Não estamos na
questão da retroatividade, ela já foi. Falamos do
princípio da confiança. Se não se verificar o teste,
um dos critérios falha
e é muito provável o
interesse público falhar - a norma retrospetiva
mantém-se na OJ e é aplicada. Isto porque a
confiança não está tutelada constitucionalmente.
O que está em causa? Saber se uma norma
retrospetiva pode ou não manter-se na OJ. Já vimos
que, pelo princípio da não retroatividade fiscal, ela
mantém-se. Não constitui retroatividade, logo não se
viola esse princípio. Para não deixar uma porta
aberta, o TC determina que, se o contribuinte tiver
expetativas legítimas, justificadas, fundadas, tiver
decidido com base nelas e na continuidade do
regime e não existir um interesse público que se
sobreponha à sua visão individual, deve a
Constituição proteger o contribuinte e afastar a
norma retrospetiva.
44
Pelo contrário, se os quatro critérios não se
verificarem, o que acontece? A tutela da confiança
não é constitucionalmente protegida, e, portanto, a
norma retrospetiva mantém-se no OJ. Na prática, a
tributação efetiva-se.
Nota: o que acabámos de ver não está em qualquer
norma.
A jurisprudência do TC determina a admissibilidade
da retrospetividade para o caso dos impostos de
formação sucessiva, sendo isto admitido porque não
há violação do princípio da não retroatividade fiscal.
Todavia, mesmo que haja admissão da
retrospetividade, há que passar o teste do princípio
da confiança.
Se nesse teste se verificarem cumulativamente os 4
requisitos, há proteção do contribuinte, e a norma
retrospetiva tem de abandonar a OJ. Mas se falhar
um critério, a norma mantém-se. RCP volta a frisar:
a única norma jurídica aqui é o 103º, 3. Esta é uma
jurisprudência criativa.
Nota: não há qualquer norma na interpretação do TC
que diga que isto só vigora quando é
favorável/desfavorável ao contribuinte. Não há nada
disto no fiscal; é uma proibição da retroatividade
absoluta, ao contrário do que acontece no direito
penal. Todavia, é possível encontrar alguns autores
a defender a possibilidade de normas retroativas no
caso de combate à fraude e evasão fiscal. Mas isto
é só posição doutrinária não há norma a permitir
nem jurisprudência a dizer que seja válido. Isto é
válido igualmente para a interpretação. Poder-se-ia
ter a noção de que a interpretação da lei fiscal está
ancorada em, no caso de haver incerteza, ter-se um
in dubio pro contribuinte. Não existe. E também não
existe um in dubio pro fisco.
Acórdão 617/2012 (Inês)
Houve um agravamento da taxa de tributação
aplicável aos encargos dedutíveis relativos a
despesas de representação e relacionados com
45
viaturas ligeiras ou mistas, motos ou motociclos,
sendo que tal agravamento, por força da retroação
de efeitos prevista no artigo 5.º, n.º 1, da referida lei,
é aplicável aos encargos e despesas já realizados
pelos contribuintes no período de 1 de janeiro de
2008 até à data de início de vigência da lei.
O tribunal recorrido recusou a aplicação da norma
do 5º, 1. por violação do princípio da proibição da
retroatividade fiscal consagrado no 103º, 3. da
Constituição. Esta norma constitucional dispõe que
«Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que
não hajam sido criados nos termos da Constituição,
que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e
cobrança se não façam nos termos da lei».
contribuintes em relação a factos tributários que não
ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e
continuam a formar -se, ainda no decurso do mesmo
ano fiscal, na vigência da nova lei.
Acórdão 85/2010 (Inês)
Remissão
128/2009.
para
a
jurisprudência
do
acórdão
Para que o Estado possa cobrar um imposto, ele terá
que ser previamente aprovado pelos representantes
do povo e terá que estar perfeitamente determinado
em lei geral e abstrata, só assim se evitando que
esse poder possa ser exercido de forma abusiva e
arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de
direito.
No Acórdão n.º 287/90, de 30 de outubro, o Tribunal
estabeleceu já os limites do princípio da proteção da
confiança
na
ponderação
da
eventual
inconstitucionalidade de normas dotadas de
Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não
poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha
para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a
tributação de atos praticados quando ela ainda não
existia, sob pena de se permitir que o Estado
imponha determinadas consequências a uma
realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem
que os seus atores tivessem podido adequar a sua
atuação de acordo com as novas regras. A lei, numa
atitude de lealdade com os seus destinatários, só
deve reger para o futuro, só assim se garantindo
uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o
Estado.
-se, tutelados apenas
à luz do princípio da confiança enquanto decorrência
do princípio do Estado de direito consagrado no
artigo 2.º da Constituição.
Com a alteração constitucional não se visou
explicitar uma simples refração do princípio geral da
proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda
a atividade do Estado de direito democrático, mas
sim expressar uma regra absoluta de definição do
âmbito de validade temporal das leis criadoras ou
agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a
existência de um perigo abstrato de grave violação
daquela confiança.
O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o
entendimento que esta proibição da retroatividade,
no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à
retroatividade autêntica, abrangendo apenas os
casos em que o facto tributário que a lei nova
pretende regular já tenha produzido todos os seus
efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu
âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou
de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas
situações em que a lei é aplicada a factos passados
mas cujos efeitos ainda perduram no presente,
como sucede quando as normas fiscais que
produziram um agravamento da posição fiscal dos
procedeu à distinção entre o tratamento que deveria
De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio
da segurança jurídica na vertente material da
confiança, para que esta última seja tutelada é
necessário que se reúnam dois pressupostos
essenciais:
a) A afetação de expectativas, em sentido
desfavorável, será inadmissível, quando constitua
uma mutação da ordem jurídica com que,
razoavelmente, os destinatários das normas dela
constantes não possam contar; e ainda
b) Quando não for ditada pela necessidade de
salvaguardar
direitos
ou
interesses
constitucionalmente
protegidos
que
devam
considerar-se prevalecentes (deve recorrer -se,
aqui,
ao
princípio
da
proporcionalidade,
explicitamente consagrado, a propósito dos direitos,
liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da
Constituição).
Os dois critérios enunciados são, no fundo,
reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou
primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador)
tenha encetado comportamentos capazes de gerar
devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e
fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem
os privados ter feito planos de vida tendo em conta
estadual; por último, é ainda necessário que não
46
ocorram razões de interesse público que justifiquem,
em ponderação, a não continuidade do
comportamento que gerou a situação de
expectativa.
público que prevalecessem sobre o valor da
segurança jurídica, as normas retroativas seriam
intoleráveis
e,
consequentemente,
constitucionalmente ilegítimas
Retroatividade própria ou autêntica: aplicação de lei
nova a factos anteriores à entrada em vigor da lei
nova.
Uma vez expresso no texto da Constituição a
proibição da retroatividade em matéria fiscal, o
Tribunal passou a ler esta proibição já não numa
dimensão subjetiva (dependendo, em concreto, do
contexto dos sujeitos da relação tributária resultante
da aplicação da lei) mas antes numa dimensão
objetiva. Diz o Tribunal, a este propósito, que à
proibição expressa da retroatividade da lei fiscal
de objetividade e autovinculação do Estado pelo
Acórdão 128/2009 (Inês)
Da proibição da retroatividade da lei fiscal:
Foi na revisão constitucional de 1997 que o
legislador constituinte tomou a opção de consagrar,
no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, o princípio
geral de proibição de cobrança, pelo Estado, de
impostos retroativos. Explicitou -se, aqui, diz a
doutrina, algo que já decorria do princípio da
proteção de confiança e da ideia de Estado de direito
nos termos do artigo 2.º da CRP.
Decorre deste preceito constitucional que qualquer
norma fiscal desfavorável (não se entrando aqui na
questão de saber se normas fiscais favoráveis
podem, e em que medida, ser retroativas) será
constitucionalmente censurada quando assuma
natureza
retroativa,
sendo
a
expressão
«retroatividade» usada, aqui, em sentido próprio ou
autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal
nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no
âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei
antiga) e mais favorável.
consagrado que está o princípio geral de
irretroatividade da lei fiscal, a mera natureza
retroativa de uma lei fiscal desvantajosa para os
particulares é sancionada, de forma automática,
pela Constituição, qualquer que tenha sido, em
concreto, a conduta da administração fiscal ou do
particular tributado. Por outras palavras, o juízo de
inconstitucionalidade decorre apenas da mera
análise dos dados normativos, não dependendo, em
nenhum momento, da averiguação de quaisquer
elementos circunstanciais que resultem da
condição, em concreto, de uma certa relação
jurídico-tributária.
Como se disse já, a retroatividade proibida no nº 3
do artigo 103º da Constituição é a retroatividade
própria ou autêntica. Ou seja, proíbe-se a
retroatividade que se traduz na aplicação de lei nova
a factos (no caso, factos tributários) antigos
(anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova).
As decisões do Tribunal, até 1997, assentavam no
seguinte argumento: uma lei fiscal seria
inconstitucional (por violação do princípio da
confiança) apenas quando imposta a retroatividade
frustrem
as
expectativas
fundadas
dos
Tribunal que a retroatividade das leis fiscais seria
constitucionalmente legítima sempre que não ferisse
confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela
afetados; ou que não trai[sse], de forma arbitrária e
injustificada, as expectativas juridicamente tuteladas
e criadas na esfera jurídica dos cidadãos ao abrigo
das disposições vigentes à data da ocorrência dos
necessariamente fluida, levaram a que, em diversos
arestos, o Tribunal viesse dar como boas leis fiscais
retroativas. Noutros casos, ao invés, o Tribunal
entendeu que, por inexistirem razões de interesse
47
II. TEORIA GERAL DO IMPOSTO
Depois de detetados estes aspetos nucleares como
analisar o imposto (olhámos para a forma como
devemos tratar o imposto), vamos passar para o
estudo da figura especificamente considerada.
Vamos tentar estabelecer aquilo que conhecemos
como teoria geral do imposto. Vamos tentar
sistematizar um conjunto de conceitos que já fomos
identificando nas finanças públicas e que já fomos
abordando ao longo destas semanas. No fundo,
vamos tentar arrumar esta matéria e densificar. Não
vai ser um capítulo em que apareça tudo de novo.
Mais uma vez, vamos pegar em aspetos já
trabalhados e densificá-los. Vamos reconfigurar a
nossa abordagem em termos de fundamento e
funções do imposto, recapitular as classificações do
imposto.
I-1.
O imposto
Nota: a extrafiscalidade não significa que a função
fiscal seja afastada; elas podem ser cumuladas.
Toda esta realidade, como vimos, evidencia uma
ideia de para que serve o imposto e caracteriza o
imposto em termos da sua composição. Os
elementos
da
capacidade
contributiva
e
unilateralidade e são os elementos que vão ser os
distintivos do imposto com outros tributos.
I-2.
O imposto como um tipo de tributo:
conceito e diferenciação dos outros tributos Imposto vs. Taxa vs. Contribuição Financeira.
Ainda a figura da Contribuição Especial
Vamos olhar para a relação jurídica fiscal e depois
para a fraude e a evasão.
Passamos à questão do imposto o conceito. Há
que recordar imposto como prestação, elemento
objetivo. Esta prestação é patrimonial, coerciva,
definitiva e unilateral. É exigida pelo Estado a quem
detém capacidade contributiva. A capacidade
contributiva é aferida tendo em conta as bases de
tributação rendimento, património e consumo. Esta
prestação é necessária (elemento finalístico) para,
por um lado, garantir receita para a intervenção
pública (arrecadação de receita) mas também pode
ser usada como instrumento de política económica
e/ou social. Já por qui é importante fixar que a
finalidade do imposto vai para lá da mera
arrecadação de receita. Ou seja, o imposto serve,
em primeira linha, para obter receita, mas também é
um dos instrumentos ao dispor do poder público para
cumprir com a sua função. Recorde-se o que vimos
em finanças públicas acerca das funções da
atividade financeira do Estado. Assentava em
arrecadação da receita, mas também redistribuição
e estabilização macroeconómica. Assim, qualquer
instrumento de finanças públicas e um imposto é
um desses instrumentos serve para cumprir com
essas funções: arrecadar ou modelar. Se for para
arrecadar, temos um imposto fiscal, cujo objetivo
primeiro/principal é arrecadação de receita. Se, por
outro lado, uma das normas que compõem aquele
imposto tiver carater extrafiscal, significa que o
objetivo
primeiro
será
modelação
de
comportamentos.
48
Identificámos a existência do imposto, a taxa e as
contribuições financeiras. Qual é a base legal que
justifica esta tripartição dos tributos? Onde é que o
legislador apresenta a existência destes tributos?
CRP, art.º 165º, i). e LGT, 3º, 2.
este último
número distingue impostos das taxas e das demais
contribuições financeiras.
Por que é que há necessidade de distinguir? Vejase o 3º da LGT. Há regras próprias para a criação
de taxas e contribuições financeiras.
Note-se que nem as taxas, nem as contribuições
financeiras têm este regime aprovado em Portugal.
A única coisa que existe é o regime das taxas locais
(municípios), onde há um regime próprio. Quanto às
contribuições financeiras, a única coisa que existe
são diplomas aprovando contribuições. Temos
normas avulsas específicas para cada tipo de
contribuição.
A diferença do imposto para as contribuições
financeiras e para a taxa vai estar ancorada nestes
dois elementos. A unilateralidade é total no imposto,
e o princípio norteador do imposto é o princípio da
capacidade contributiva.
Pelo contrário, as taxas são marcadas,
aparentemente, pela bilateralidade, e regidas pelo
chamado princípio da equivalência. Estas
contribuições financeiras vão ter uma bilateralidade
difusa (de grupo / setorial) e há aqui o princípio da
equivalência.
Veja-se que tudo isto é obrigatório. Se não forem
cumpridas voluntariamente, são coercivas. Uma vez
verificada uma taxa ser devida, ela é devida; se não
for paga, há execução, e o mesmo com a
contribuição financeira. É verdade que este é o
desenho simplificado, porque configurar, na prática,
o que é taxa pode ser mais difícil do que aparenta. A
base para começar a compreender o que é taxa está
na LGT art.º 4º, 2., que determina os tipos de taxa
existentes.
Todavia, se é verdade que daqui a ideia de
sinalagma resulta (pago e obtenho algo em troca,
49
seja material ou imaterial), o facto é que a
potencialidade pode estar presente numa taxa. A
questão da voluntariedade não tem de ser assumida
como característica inevitável da taxa, assim como
o benefício pode também não estar presente. O que
é que RCP está a dizer? Quando pensamos na taxa,
por oposição ao imposto, pensamos no pagamento
de uma quantia para receber algo em troca. Ao dizer
isto, o que se está a assumir? Tendencialmente,
assume-se que há uma ideia de voluntariedade (só
pago o que quero); efetividade (recebo efetivamente
alguma coisa em troca no pagamento); benefício
(porque não sou tonto, vou receber um benefício).
Porém, se começarmos a escamotear a
configuração das taxas hoje, e por que é que o
Estado cobra taxas, percebemos que isto não é bem
verdade ou melhor, não é sempre verdade.
Caso 1 um processo judicial que não foi
da iniciativa de RCP, mas em que RCP é
arguida, correndo as taxas de justiça por
conta de RCP. Isto é uma taxa.
Caso 2
propinas. O número 1 milhão
inscreveu-se e pagou as propinas, mas
nunca veio às aulas, nunca fez um exame,
e às tantas desistiu. Pagou uma taxa pela
potencialidade para aproveitar o serviço de
educação. O dinheiro não vai ser
reembolsado.
Se RCP tiver uma casa de férias, e não vai lá nunca
porque não tem tempo, continua a ter de pagar todas
as taxas, incluindo, por exemplo, a do saneamento,
apesar de nem utilizar. Mesmo sem precisar de
ativar o serviço. E tem de o fazer. Isto significa que,
quando uma taxa é paga, pode ocorrer uma ideia de
mera potencialidade, afastando a ideia de
efetividade.
Tal como a questão da obrigatoriedade também
pode aparecer na figura da taxa. Somos obrigados a
ter cartão de cidadão; e somos obrigados a pagar
uma taxa para o ter.
Imagine-se que RCP tem um cão. É preciso ir à junta
de freguesia pagar uma taxa para a sua existência.
Isto para demonstrar que, quando temos de ter a
noção do que é uma taxa ainda que a ideia base
seja bilateralidade nem sempre tais características
têm de estar presentes. Pode haver lugar a
exigência de taxas que contrariem esta dinâmica.
Esse é o aspeto que RCP queria fazer passar.
taxa, o valor da taxa ser aferido por esses elementos
(os custos envolvidos). Se pensarmos, tudo tem um
custo.
A taxa tem as vertentes do 4º, 2. da LGT; implicaria
receber sempre a coisa em troca? Pode haver
apenas a possibilidade de ter a coisa em troca,
mesmo não a recebendo efetivamente. Isto é uma
tentativa de desmistificar o conceito de taxa, por
oposição à figura do imposto.
O valor da taxa é apurado tendo uma relação direta
entre o que é prestado e o custo envolvido nessa
prestação. Pelo contrário, na equivalência de
benefício, havendo benefício, a taxa pode estar
ligada a um benefício obtido pelo contribuinte,
devendo o valor da taxa ser calculado tendo em
conta o benefício gerado. São dois modelos
completamente diferentes.
Outro aspeto relevante, que tem a ver com a ideia
de equivalência: equivalência significa uma
correspondência entre o que pagamos e o que
obtemos. Quando se fala na equivalência, podemos
ter um de dois tipos de equivalência. Podemos
adotar:
Quando pensamos no princípio da equivalência
como princípio norteador da taxa, estamos a dizer
que o valor da taxa deve ser determinado ou
atendendo ao custo, ou atendendo ao benefício.
>>> Equivalência de custo.
>>> Equivalência de benefício
Na equivalência de custo, não havendo lugar a um
benefício (e já vimos que pode haver taxas sem
benefício), o valor da taxa deve ser determinado
tendo em conta o custo provocado pela atuação
pública
ou seja, o valor da taxa é determinado
atendendo àquilo que custa intervir para satisfazer
aquilo para que a taxa serve.
Imagine-se, todavia, que se fôssemos pelo custo
poderíamos chegar ao ponto em que uma licença
poderia representar, imagineafastar a possibilidade de aceder a algo. E se
seguirmos o critério do benefício, sem mais,
poderíamos chegar a um problema: como quantificar
o benefício individual? Um benefício
000 000 para outra pessoa. Por
isso, a equivalência tem de ser integrada com a
proporcionalidade.
Pense-se
nas
taxas
moderadoras. Se forem de acordo com o princípio
da equivalência na sua vertente custo, o que poderia
acontecer em última instância? Muitos cidadãos
poderão ficar excluídos, e o objetivo da taxa não é
esse. A equivalência tem de ser interligada com a
lógica da proporcionalidade.
Isto é importante para a determinação do valor da
taxa.
Exemplo, equivalência de custo: RCP quer uma
licença de caça e faz o pedido. Um funcionário
analisa a situação. Teve de haver uma impressão de
um papel com o comprovativo da licença, outro
papel de comprovativo do pagamento da taxa, a
sala, etc. Tudo nesta vida, infelizmente, tem um
custo. Há um conjunto de fatores que são os custos,
os gastos existentes para a obtenção daquele
produto ou a prestação daquele serviço. Todos os
valores são considerados. Portanto, uma das vias de
implementação do princípio da equivalência, não
havendo benefício, e tendo em atenção os custos
exigidos para a prática pública decorrente daquela
08 MAR 2019
Sumário: Imposto, taxa e contribuição financeira
(continuação).
I-2.
O imposto como um tipo de tributo:
conceito e diferenciação dos outros tributos Imposto vs. Taxa vs. Contribuição Financeira.
50
Ainda a figura
(continuação)
da
Contribuição
Especial
Verificámos que o apuramento de valor da taxa era
feito tendo em atenção o princípio da equivalência e
identificámos que esta equivalência poderia ter uma
de duas formas: equivalência custo e equivalência
benefício,
dependendo
dessa
maneira
a
construção/identificação do preço/valor da taxa
efetivado.
acesso que não se pretende elitista aos serviços, ao
domínio público em causa. Por isso, também na
quantificação da taxa deve ser atendido o princípio
da proporcionalidade. Equivalência também está
ligada a proporcionalidade, ou seja, tem de haver
algo minimamente proporcional. Se não houver
correspondência entre aquilo que é prestado e
aquilo que é pago como taxa, o que acontece na
prática? Deve haver uma requalificação da taxa
como imposto. Se passar a ser requalificada como
imposto, tem de se atender a que princípio?
Capacidade contributiva, reajustando o seu valor.
O que se está a dizer? Ainda que a equivalência seja
o princípio norteador da taxa e é tenha-se em
atenção
que
também
a
questão
da
proporcionalidade tem de ser atendida e, se não
existir proporcionalidade, não há espaço para
aquela taxa ser efetiva. A parte que não for
proporcional será imposto.
Pensar as taxas implica pensar a equivalência, mas
ligando-a à questão da proporcionalidade. E essa
ligação pode dar espaço a reconversão de valores
que não estejam de acordo com essas
circunstâncias.
Como RCP disse, não temos em Portugal um regime
geral das taxas, como deveríamos ter (a CRP assim
o determina). O que temos é um regime geral das
taxas das autarquias locais (um tipo específico de
taxas), que está aprovado na lei 53-E/2006, e que
pode ser útil para passar em revista o diploma,
porque nele encontramos estas preocupações,
sobretudo a questão da equivalência (no art.º 4º)
como princípio norteador.
51
Também há no valor da taxa aspetos extrafiscais ,
extratributários . Ou seja, a tal modelação de
comportamentos também na questão da taxa pode
ser tida em consideração e estar presente. Portanto,
verifica-se neste regime geral das taxas das
autarquias locais que pode haver a introdução de
valores superiores aos tidos como adequados,
cumprindo a equivalência e a proporcionalidade,
para desincentivar determinado comportamento.
Isto é importante para termos a noção de que o
imposto
e, neste caso, a taxa
são também
assumidos como instrumento de intervenção e ação
pública. Eles efetivamente têm a função primeira e
central de arrecadar receita, mas também podem ter
finalidades diferentes.
Quando pensamos no imposto, estamos a pensar
para o bem e para o mal, incentivo ou desincentivo.
Na taxa devemos ter o mesmo pensamento. Sendo
que neste diploma se fala especificamente no
desincentivo.
Nota: não é propriamente correto falar aqui em
imposto. RCP não se recorda de uma expressão
arrecadação de
O outro tributo que encontrámos no âmbito da CRP
e da LGT foi o das contribuições financeiras. De
finanças públicas já ficámos com uma ideia da
dificuldade que é definir contribuição financeira. Este
tributo de terceiro género está a assumir
crescentemente um papel. Quando a contribuição
financeira começa a aparecer e se reconhece a sua
existência, está a ter-se em consideração alguma
névoa no processo, o que não ajuda à delimitação
exata das fronteiras entre os vários tributos.
Todavia, podemos tentar identificar alguns aspetos,
face à prática existente do que é qualificado como
contribuição financeira, que nos podem auxiliar.
Nota: isto seria mais fácil se houvesse um regime
geral das contribuições financeiras, que a CRP
exige. RCP acha que o legislador tem receio de o
fazer porque as fronteiras são difíceis de definir.
Um critério que podemos usar para identificar a
contribuição financeira é o das prestações
presumidas. Isto vem de uma construção de raiz
alemã. Parte-se da ideia de que há certas
prestações que apenas podem presumivelmente ser
concedidas a certos indivíduos ou grupos que
apenas presumivelmente serão aproveitadas por
esses grupos. Não há uma certeza efetiva de que
terão o benefício, de que se aproveitarão de
determinada prática, comportamento, serviço, etc.
Desta forma, a ligação que existe entre a obtenção
efetiva de um benefício na nossa esfera, uma
prestação, não é nítida. Podemos estar na mera
possibilidade, e não num efetivamente receber. O
que é que RCP está a dizer? Há uma mera
potencialidade. É presumível que RCP vá aceder
àquele benefício, mas não tem a certeza. Não é um
Além da questão do ser presumido, segunda
característica: é muito difícil nestas contribuições
estabelecer uma relação individualizada, coisa que
existe na taxa
se sempre em grupo, em conjunto. Não há uma
facilidade em individualizar aquela potencialidade
naquele indivíduo em concreto. O indivíduo pertence
a um grupo, a um tipo de atividade. Há uma
tendência e presume-se que vai ter determinado
benefício. Nestas circunstâncias de fluidez, dá-se
espaço para se criar estas contribuições.
Nota: RCP assume que isto é insuficiente, mas é
mesmo assim. Vamos tentar concretizar com
exemplos.
Pergunta: quando pago um imposto, o que tenho em
troca? Pago individualmente, mas obtenho um
benefício em grupo. É possível, só pelos impostos,
compreender que pode haver uma ligação individual
que dá origem a um aproveitamento em grupo. Mas
estes dados trazidos agora são relevantes. O que
estamos a fazer, na verdade, é circunscrever a um
grupo e não à generalidade. Por isso, as
contribuições financeiras distinguem-se do imposto
ainda que se aproximem do imposto, por serem
individuais mas terem uma lógica de grupo
associada.
Por outro lado, estamos a falar numa ideia de certos
bens, certos serviços a circunscrever. Já não é um
imposto geral, aproxima-se da taxa porque é mais
individualizado, mas não é uma taxa porque não é
-toespécie de lógica de bens de
clube). É uma prestação presumida e, ao mesmo
tempo, não conseguimos individualizar; há uma
pertença a um grupo, com bens/serviços de clube.
Isto tem dado espaço a que se tenha procurado dar
exemplos do que, na prática, pode incorporar o
cumprimento destas duas características: ser uma
(i) prestação presumida e (ii) não individualizada,
pertencente a um grupo.
O primeiro caso habitualmente indicado são as taxas
de regulação económica. O Estado pode assumir as
vestes de empresário, produzindo bens/serviços e
pondo-os no mercado. Este modelo empresarial não
tende a existir já internacionalmente, por múltiplas
razões. O que tende a existir é aquilo a que se
chama um Estado regulador. Quando o Estado
assume o seu primeiro papel em termos de
regulação económica não é ser o prestador do
serviço ou o produtor do bem, mas antes garantindo
aos privados a estabilidade e a concorrência para o
exercício da atividade económica, ele torna-se o
chamado Estado regulador. E o Estado regulador
tem várias vestes. O Estado legislador, ao legislar,
também está a regular: está a estabelecer regras,
barreiras de atuação. Mas, além de legislar (e aqui
há uma discussão sobre ser um smart regulator), há
a via da criação de entidades que têm de ser
independentes que procurem salvaguardar a
estabilidade de funcionamento do mercado. Estas
entidades independentes
que pertencem à
Administração Pública (independente)
são
conhecidas como entidades reguladoras.
52
Existem dois tipos de entidades reguladoras / tipos
de regulação:
Regulação transversal / global do mercado;
Regulação setorial (setor a setor de
atividade).
Na regulação transversal, no caso português, temos
o exemplo da Autoridade da Concorrência. Ela olha
para as regras da concorrência nacionais e UE e
garante que elas são respeitadas pelos privados. A
sua existência e ação está especificamente
orientada para garantir a regulação do mercado;
garantir que a lógica da concorrência funciona.
Por outro lado, podem existir muitas outras
entidades setoriais, tantas quantas o Estado quiser.
No caso português, pense-se na eletricidade e na
ERSE (entidade reguladora do setor energético), na
ERC (entidade reguladora da comunicação).
Estas entidades precisam de dinheiro para
funcionar. Parte do financiamento pode ser via
transferência do OE, é verdade; mas, para garantir
a independência, é muito importante que as vias de
financiamento sejam sobretudo muito assentes
numa lógica interna, autónoma. Por isso, a estas
entidades atribuíram-se as receitas obtidas com as
chamadas taxas de regulação económica, em que
os operadores específicos pagam X para que essa
entidade desenvolva essa atividade e consiga
garantir a regulação e estabilidade do setor.
Estas verbas são usualmente consideradas como
sendo um exemplo de contribuição financeira. Não
são impostos porque não são pagos por todos, nem
são pagos de acordo com a capacidade contributiva.
Mas também não há uma verdadeira taxa, porque há
uma lógica difusa no benefício que é obtido e na
potencialidade.
Há,
portanto,
uma
preocupação
de
responsabilização dos agentes regulados, o que faz
com se permita grupo, e com esse grupo a
possibilidade de presunção do benefício. Porque se
a entidade cumprir com a sua atividade, e cumprir
bem, a tendência é o mercado funcionar às mil
maravilhas e tudo ser fantástico, estando a lógica
53
salvaguardada. Não conseguimos encaixar no
imposto nem na taxa, mas encaixamos nas
contribuições financeiras.
Nota: será que as contribuições para a Segurança
Social são contribuições financeiras? Há doutrina
que diz que sim, e há doutrina que diz que não. O
que é que está em causa?
Quando estamos perante o sistema contributivo
aquele em que pago para poder ter uma proteção
social quando precisar dela
isto implica o
pagamento de uma taxa social única (TSU). Esta
taxa social única é composta de duas partes: parcela
1
quotização; parcela 2
contribuição. A
quotização é do trabalhador (é a parte que o
trabalhador paga do seu vencimento); a contribuição
é do empregador.
s, tivermos
uma
incapacidade,
parentalidade,
ficarmos
desempregados, etc. A forma como o sistema está
pensado para o trabalhador por conta de outrem faznos pensar numa taxa. Porém, o caso complica-se
porque a forma como o sistema previdencial é
gerido, quanto ao seu financiamento, introduz
distorções nesta relação de bilateralidade
individualizada entre aquilo que pagamos e aquilo
que obtemos.
RCP não teria qualquer problema se o sistema fosse
gerido em chamado regime de capitalização, onde
aplicado numa conta individualizada e que estaria à
espera quando RCP precisasse de ir buscar,
havendo relação direta entre aquilo que paga e
aquilo que vai obter. Só que este regime de gestão
financeira não é o regime prioritário no sistema de
segurança social. Apesar de existir uma parte que
tem esta preocupação, o regime base de gestão é o
de repartição
pago, entra no somatório das disponibilidades do
sistema e este automaticamente atribui aos
continuará a contribuir e a financiar os beneficiários
daquela altura (que há de vir). Ou seja, é atenuada
muitíssimo a relação direta entre o que pagamos e
aquilo que obtemos. O que há é um registo de
contabilidade, um registo informático. Entre aquilo
que pagamos e o que obtemos, a individualização
não está tão demonstrada.
Qual é a natureza jurídica de cada uma delas? É que
não se pode olhar para a TSU sem mais. Onde não
parece suscitar dúvidas é na parcela da TSU que é
composta pela contribuição do empregador. Ele
paga porque a lei exige que pague como
consequência de uma relação de trabalho, e ele não
vai, à partida, ter qualquer benefício daquele
pagamento. O que acontece? Unilateralidade. Logo,
será um imposto.
Na quotização é que podemos discutir se ela é
imposto, se é taxa, se é contribuição financeira. Se
pensarmos na forma como o sistema de segurança
social está construído, RCP diria que a quotização é
uma taxa. Porquê? Pagamos para mais tarde,
quando precisarmos, virmos a ter a proteção. Este
mais tarde pode ser muito mais tarde na velhice
Assim, podemos dizer que é ou um imposto, ou uma
contribuição financeira. Depende da posição que
tomarmos. Existe doutrina que coloca no imposto
porque não tenho a certeza de quanto vou ter, se
vou ter, e pago porque tenho de pagar. Mas se
atendermos a uma ideia de grupo e de presunção
e à ideia de que, cada vez que há um desconto
mensal, eu tenho a minha esfera jurídica robustecida
com um direito legalmente protegido. Como
pertenço ao grupo dos que pagam, e ainda que não
haja direta individualização, digo que há uma
contribuição financeira.
Assim, tudo depende de como interpretar a
volatilidade desta questão. Mesmo na questão das
quotizações para a Segurança Social não está
cristalizada a classificação. E RCP tem muitas
dúvidas. Muita doutrina que acha que estamos
perante um imposto também não lhes chama
propriamente imposto, e fala em parafiscalidade.
Face a este reconhecimento de alguma
especificidade, então há doutrina que deita tudo fora
e encaixa as quotizações na contribuição financeira.
54
Cada vez mais é difícil dizermos com a certeza e a
convicção
tantas que já não bate certo com a característica
clássica que norteava a figura quando ela foi criada.
14 MAR 2019
Constitucionalmente, é dito é reconhecido pelo TC é
que o que está constitucionalmente salvaguardado
é um direito à pensão, não a um quantitativo
específico da pensão. Posso estar a descontar a
Sumário: Teoria geral do imposto (continuação).
800, e isto não é inconstitucional.
Há que recordar que o que estamos a fazer é
apropriarmopara isso, convém apreender as suas características
e, face ao modelo que tem sido utilizado no fiscal,
parte desse processo implica confrontarmos a figura
tes taxa
(tradicional) e, cada vez mais utilizada, a figura da
contribuição financeira.
Há uma liquidez. Não há uma pureza de conceção
aqui subjacente. Isso faz com que haja dificuldade
nas categorias jurídicas muitas vezes em causa. Por
isso é que continua a haver litígios, e continuará
sempre a haver.
Imposto >>> unilateralidade [benefício indireto]
Contribuição
financeira
>>>
difusa/grupo -----[presumida]
bilateralidade
Taxa >>> bilateralidade / individualização
Imposto >>> capacidade contributiva
Contribuição financeira >>> equivalência
Taxa >>> equivalência
Mas o valor da quotização é apurado em função de
quê? Do rendimento que temos. Isto não bate certo
com a ideia da equivalência.
RCP não assume a quotização como uma taxa;
olha-a como imposto parafiscal, mas reconhece que
há espaço para assumir que é uma contribuição
financeira. RCP não consegue entrar na
contribuição financeira de cabeça, porque ainda há
elementos a ligar ao imposto.
55
Estamos, portanto, a apelar à apropriação da
caracterização da figura imposto. Além de termos
identificado os elementos compósitos desta figura,
aprofundámo-la, distinguindo-a das taxas e das
contribuições financeiras. Neste exercício, ficou
patente que, ainda que os nossos quadros mentais
devam fazer a identificação do padrão, tal não
significa que não haja um espaço para uma fluidez
nas distinções. Cada vez mais essa fluidez está em
cima da mesa
e, portanto, quando queremos
distinguir as três figuras, podemos ter casos em que
ficam circunscritas no padrão. Assim, as
características fundamentais ficam enquadradas.
Mas também podemos ter casos de difícil
caracterização. Daí que distinguir taxa de
contribuição financeira ou contribuição financeira de
imposto pode ser dúbio e suscitar muitas questões.
I-2.
O imposto como um tipo de tributo:
conceito e diferenciação dos outros tributos Imposto vs. Taxa vs. Contribuição Financeira.
Ainda a figura da Contribuição Especial
(continuação)
Olhe-se ao art.º 4º da LGT. Veja-se o nº 3.
Dissemos que a Constituição distinguia imposto,
taxa e contribuição financeira. Mas aqui o legislador
fala de contribuições especiais. Temos aqui uma
nova categoria de que o legislador constitucional se
esqueceu? A resposta é não. Apesar de se falar no
art.º 4º, 3. em contribuições especiais, as categorias
de tributos continuam a ser: imposto, taxa e
por determinação legal, na figura impostos. Assim o
primeiro aspeto é: apesar de o legislador introduzir
o Estado não fez isto. O que fez foi reconhecer a
criação de valor e dizer que sobre esta vantagem
será requerida uma participação nos custos
públicos, mas exigindo isso só quando o valor for
concretizado. Imagine-se que só acontece em 2019;
então, só no momento em que há a venda/alienação
é que tal contribuição é efetivada.
figura é encaixada pela lei na figura imposto.
Qual é o passo seguinte? Quando apelamos à figura
das contribuições especiais, de que estamos a falar?
O legislador português inspirou-se numa figura
anglo-saxónica, que são certos tributos exigidos a
alguns contribuintes por uma situação que os
abrangeu especificamente. Já aqui se vê uma certa
crítica: alguns em situação específica, o que
normalmente levaria a uma qualificação diferente. O
Estado intervém na sociedade através, por exemplo,
de obras públicas. Dessas obras públicas
pensadas com uma estrutura geral e abstrata para
atingir toda a comunidade e não certos grupos de
indivíduos pode resultar um benefício para grupos
de contribuintes em especial. Então, exige o Estado
que haja uma participação desses contribuintes
beneficiados na despesa pública. É como que uma
forma de incorporar uma externalidade; são as
chamadas contribuições por melhoria.
Exemplo: a ponte Vasco da Gama. Ela foi construída
na ligação das duas margens. Os terrenos e imóveis
envolventes tiveram uma valorização, sendo que a
ponte não foi feita para os proprietários daqueles
terrenos ou imóveis. Então, exige o Estado que
esses proprietários que foram beneficiados por
aquele efeito positivo da construção da ponte
contribuam para o erário público pelos benefícios em
si causados. Aconteceu isto também com a Expo.
Como é que o legislador fez isto? Não foi a casa de
cada um dos contribuintes a exigir que pagasse X.
Determinou-se um regime. Se e quando fosse
alienada a propriedade, obtendo as mais-valias
vindas da valorização do imóvel, a ideia era que
contribuíssem para o erário público com aquele
ganho obtido. Há um diferimento da contribuição
para o momento da realização. O que estamos a
dizer? Há um momento em que houve a construção
de uma ponte, a qual valorizou uma propriedade.
Esta valorização ocorreu como externalidade; foi
uma consequência não desejada. Isto faz com que
haja uma valorização individual de dada
propriedade. O que poderia acontecer de forma mais
imediata? O Estado enviar uma carta aos
proprietários, que teriam de pagar automaticamente
X de contribuição especial (no caso, por melhoria),
participando eles também na partilha de gastos. Mas
Imagine-se que há uma casa construída na década
de 1980. Fazemos obra, modernizamos e tornamos
o espaço muito mais apetecível. É óbvio que o
espaço fica valorizado. Independentemente de ter
havido ação pública, a nossa própria ação como
proprietários pode valorizar o imóvel. Mas não
estamos a falar disso: nas contribuições especiais
por melhoria, o que estamos a dizer é que há um
investimento público grandioso que implica um
aumento exponencial do valor das propriedades.
Este aumento, que não teve gasto algum da parte do
proprietário, faz com que se legitime a exigência da
participação nos gastos públicos. Estamos a falar de
duas realidades distintas: a valorização dos bens
pode ocorrer sem ação pública. Mas pode ocorrer
pela ação pública específica uma valorização da
propriedade de um ou vários contribuintes; e, se
houver essa ligação, pode o Estado, através da
figura
das
contribuições
especiais
designadamente, a contribuição por melhoria
exigir uma participação do contribuinte nos gastos
públicos que ocorreram e deram origem àquela
valorização.
Podemos criticar a opção que o legislador assumiu
ao qualificar as contribuições especiais como
impostos. Verifica-se uma lógica de bilateralização,
mais próxima até da lógica difusa das contribuições
financeiras.
O que estas contribuições especiais pretendem é
cristalizar o que se passou no momento em que, de
uma ação pública, ocorre uma valorização da esfera
privada. E isto tendo em conta que a valorização
pode ocorrer com obras no imóvel pelo proprietário.
Há um diploma próprio com um regime próprio que
obedece a regras próprias; não se confunde com a
valorização pelo proprietário.
Mas qual é a crítica que se pode fazer, para RCP?
Olhar para a figura como imposto, suscitando a
legalidade fiscal e a capacidade contributiva quando
esta figura está subjacente a um benefício. RCP
acha que não tem muito sentido um encaixe da
figura no imposto. A LGT qualifica-a como imposto,
quando na sua génese o que encontramos é uma
56
lógica de benefício e não de capacidade
contributiva. Onde está um argumento a favor da
capacidade contributiva? Só se operacionaliza esta
tributação no momento em que haja a realização.
Assim, só quando há a obtenção do valor
representativo desta mais-valia é que temos na
nossa esfera jurídica a concretização daquele valor
obtido da ação pública. Por isso é que há uma
necessidade de diferir o prazo de concretização e
pagamento devido da contribuição especial para o
momento da realização daquele benefício. O que
podemos questionar é o legislador ter incluído isto
na figura do imposto.
Nota: o imposto tem a maior proteção, e a taxa a
menor. Se algo que é qualificado como imposto é
uma taxa, não há grande problema, mas se um
imposto for qualificado como taxa, poderá haver
problemas. De um ponto de vista substantivo, pouco
importa que o legislador utilize certa designação.
Todavia, há que atender a que, neste caso
específico, ao contrário de outras circunstâncias, o
art.º 4º, 3. expressamente faz uma qualificação. E
há a questão da capacidade contributiva. É mais um
caso que demonstra que, muitas vezes, podemos
estar perante situações que não encaixam no
padrão. Ligando às finanças públicas e ao início do
semestre, verificámos que o imposto tem limites
quantitativos, para além de limites qualitativos, e a
forma como a gestão política exige que se tenha em
atenção a qualificação e a mensagem que passa
para a opinião pública (falámos da anestesia fiscal
de tirar o máximo de penas sem que o ganso
gritasse muito), tudo isto auxilia e complexifica o
exercício de ponderar se estamos perante uma
coisa ou outro. Muito mais estará interessado o
Estado em não chamar imposto, mas sim
contribuição, pois dá a ideia de que não é para todos
e sim só para alguns. Lembre-se que nos OE desde
o período da crise quais as figuras tributárias
maioritariamente criadas, com mais significado em
termos de quantidade: as contribuições financeiras.
Quais é que são muito importantes no erário
público? Setor energético, bancário, farmacêutico.
Estas três representam milhões. Há que tentar que
haja uma equidade na partilha dos gastos públicos.
Em simultâneo, temos uma opção por figuras
setoriais, no sentido de não sobrecarregar mais os
impostos. Por isso, a forma tende a não ser
relevante, mas atenção: ela pode ser atendida. Não
é por acaso que as contribuições são aprovadas em
OE. Segundo a CRP, o regime geral das
contribuições tem de ser aprovado pela AR, mas não
as contribuições em si. Mas elas têm sido aprovadas
pela AR; se houvesse um problema de qualificação,
estariam salvaguardadas mesmo que fossem, na
realidade, impostos.
57
Há que acrescentar que, além de existirem as
contribuições especiais por melhoria (betterment
tax), também podem existir contribuições especiais
por maior desgaste (ou despesa), ligadas a
externalidades negativas. O caso mais visível não
existe em Portugal. Pensemos nos megacamiões e
no desgaste suplementar que provocam nas vias
públicas quando circulam; ele faz com que devam
participar no gasto nas vias públicas. Assim, pode
ser criada uma contribuição especial por maior
despesa ou maior desgaste nestas circunstâncias.
Nota: a questão ambiental, porém, tende a ter um
tratamento especializado. Existe um princípio
internacionalmente reconhecido de direito do
ambiente: o princípio do poluidor-pagador. Este
princípio faz com que se ative a necessidade de uma
responsabilização por parte daquele que polui. Isto
faz com que, internacionalmente (mas a
competência fiscal é interna ao Estado), os Estados
tenham desenvolvido um quadro. Há um ramo
específico do direito fiscal que trabalha sobre esta
tributação ambiental; assim, há um conjunto de
tributos ambientais (nuns Estados são mais, noutros
menos) que tenta dar corpo à lógica do poluidorpagador. Assim, não há que qualificar logo estas
figuras no âmbito das contribuições especiais.
Muitas delas são taxas e outras são impostos
ambientais. Um exemplo conhecido do nosso
quotidiano é o dos sacos de plástico. Aliás, é
exemplo também de extrafiscalidade: o tributo é
criado para obtenção de receita, mas o primeiro
objetivo desses tributos tende a ser a
responsabilização ambiental e o combate ao
impacto nefasto no ambiente. Assim, os tributos
ambientais não têm necessariamente de ser
contribuições especiais.
Nota 2: quando aprendemos a pensar o fiscal,
estamos muitas vezes preocupados com o imposto
em especial, e, dentro dele, com a norma concreta.
Fazemos uma análise da medida fiscal, que até
pode ser um conjunto de normas. Falámos numa
medida para tributar mais pesadamente os
megacamiões. Do ponto de vista do criador, tudo
bate certo: temos um objetivo concretizado pelas
medidas 1, 2 e 3. A abordagem pode ser olhar para
a medida e fazer um destaque do resto do sistema.
Porém, como sabemos que os contribuintes,
enquanto agentes económicos e sociais são reativos
a este tipo de medidas por isso é que dizemos que
os impostos podem ter o objetivo de modelar
comportamentos, e, mesmo que não o tenham,
acabam por implicar na tomada de decisão pelos
agentes
é importante termos uma abordagem
integrada do sistema fiscal como um todo. Albano
Santos fala no sistema fiscal como uma constelação
de estrelas. No fundo, o que se está a dizer é que é
um
conjunto
integrado.
Não
deve
ser
individualizado; tem de estar em ligação. Como é
que ela é feita? Através do que é conhecido por
política fiscal, em que o decisor, com poder político,
legislativo, executivo tem de olhar para o sistema e
conseguir casar cada uma das opções
individualmente consideradas. Elas têm de bater
certo. Isto exige o que é conhecido como análise
custo-benefício. Raramente uma medida é uma winwin situation; raramente uma medida implica apenas
benefícios. Pode implicar também custos, que têm
de ser identificados e ponderados com os benefícios
identificado um benefício maior do que o custo, ou o
contrário. Ao ponderarmos o impacto da medida, a
análise económica do direito também deve ser
considerada
e, por isso, esta análise custobenefício é fundamental.
A legística é uma ciência que trabalha sobre a forma
como a norma jurídica incorporada na lei deve seguir
de um ponto de vista procedimental e substantivo.
Esta área do saber é imensamente estudada (nem
tanto em Portugal, mas mesmo aqui na faculdade
tivemos ativo um observatório de legística). Esta
matéria deve auxiliar à construção do direito. Há
procedimentos identificados como adequados, e
regras de avaliação de impacto, que é o que nos
interessa. O que quer isto dizer? Que cada diploma
que se aprova deve incorporar uma análise do seu
impacto. Pede uma análise custo-benefício. Há um
conjunto de critérios qualitativos e quantitativos a ser
analisados: o impacto orçamental da medida, a
promoção da igualdade de género e da inclusão, etc.
No caso português, cada diploma aprovado tem
apenso um estudo legislativo sobre a medida (mas
para RCP as coisas não se fazem como se deviam
fazer).
Isto significa que há no âmbito interno a
preocupação de esta visão simplificada e integrada
casarem, e fazer-se esta análise custo-benefício. Tal
não significa que os resultados sejam efetivados. O
interesse político pode condicionar tudo. O que
muitas vezes verificamos é que a política deturpa a
construção deste tipo de raciocínio. Na prática, as
medidas são feitas de forma simplificada e não tendo
em atenção a análise custo-benefício no corpo do
sistema fiscal. Há que ver o que significa política
fiscal e o que é expectável que ela inclua.
No caso dos camiões, um estudo deveria provar por
A+B a existência um desgaste suplementar
acentuado. A externalidade deveria ser incorporada
no sistema, estando demonstrado este aspeto.
Todavia, isso significa que, no fiscal, a questão da
igualdade fiscal não é bem um princípio absoluto. Tal
como aprendemos nas outras áreas do direito, mais
do que a igualdade, o direito pretende a equidade.
Ao estabelecer o valor equidade, o que é que
naturalmente estamos a permitir que o legislador
faça? Uma análise diferenciada. E isto pode levar a
desigualdade. Assim, pensar o fiscal não significa
que todos sejamos e devamos ser iguais. Todos
somos iguais se estivermos em situações
equiparadas; mas se não estivermos, deveremos ter
tratamento diferenciado. Na questão dos camiões,
estando comprovado um desgaste suplementar, há
a possibilidade de tratar a situação de forma
diferenciada, do ponto de vista fiscal.
O direito à saúde é um direito fundamental, mas não
um direito político civil e sim um direito social. Não
podemos ir contra o direito à liberdade, e isso não
depende do OE. Mas o direito à saúde e à habitação
exigem uma intervenção pública, o que dará origem
às finanças públicas. Logo aí já há um
condicionamento. Assim, há uma necessidade de
solidariedade fiscal: todos temos de participar nos
gastos públicos. Todos temos o dever de contribuir
para o erário público com os nossos impostos. A
forma como participamos é que pode ser
diferenciada, em função da capacidade contributiva.
Muitas vezes, as contribuições sociais não são
impostos: têm inerente a questão do gasto
acentuado. O conceito de solidariedade fiscal é que
dá azo ao conceito de capacidade contributiva como
expressão da equidade: todos têm o dever de pagar
impostos na medida da sua capacidade contributiva.
Assim, solidariedade é algo que está profundamente
integrado com equidade (que permite diferenciação
de tratamento).
Outra questão subjacente, ainda mais interessante,
é: face à DUDH, ou à CEDH, ou à CRP, tendemos a
pensar num circuito fechado. Mas hoje em dia está
a ser operada uma transformação daquilo que deve
ser o direito protegido, alargado. Será que a
mobilidade, o direito ao esquecimento ou silêncio
58
digital são direitos fundamentais? O quadro de
direitos em causa, e, portanto, de valores
protegidos, oscila. Onde é que RCP quer chegar
com isto? Se a mobilidade é importante, podemos
fazer um pacote de medidas fiscais que suporte esta
questão. Mas isso tem de ser pensado com a
integração do sistema e o impacto nos custos e
benefícios. Pode uma prestação de serviços de
transporte ter a mesma proteção e dignidade que a
minha necessidade de ser móvel no território
nacional completo? Terá o mesmo grau de
dignidade e o mesmo tipo de comportamento,
assumindo que há custos que demonstram o
desgaste suplementar destes meios de transporte,
que vai condicionar a utilização das vias por todos
os outros? A equação fica mais complexa; há que
casar com o resto.
Imagine-se um sistema de ação pública e todo o
corpo normativo existente, e o facto de se saber que
o imposto tem implicação na decisão do agente,
sendo um dos instrumentos à disposição, podendo
deitar por terra ou valorizar decisões que não têm
implicações fiscais (ou não pretendem ter ligação
fiscal). O Estado não se limita a intervir do ponto de
vista fiscal; havendo mais intervenção pública, há
que coordenar e olhar às implicações de rede, à
complexidade que deve ser atendida.
Nota: quando pensamos a intervenção fiscal como
instrumento de ação pública, isso impactará em
todas as decisões com que aquela medida fiscal
estiver ligada: mobilidade, proteção de dados, até na
equidade na sociedade. Está em discussão
internacionalmente uma tributação específica para
os GAFA (gigantes tecnológicos). Nos modelos de
negócio e criação de valor estão em transformação;
estes quatro transformam a cada dia a criação de
valor e a criação de rendimento associado. Parte
dessa criação de valor não é tributada; eles não
participam no esforço de consolidação das contas
públicas e na ação pública subsequente. Então,
surge a questão da tributação dos GAFA como uma
forma de criar um equilíbrio, com normas
específicas, numa ideia de solidariedade social e de
tornar mais responsável a utilização dos dados por
estas entidades, o que se liga também a uma
questão democrática, e está relacionado com os
avanços e recuos da sociedade. A big picture é
assustadora; as fake news são apenas uma ponta
do icebergue. O elemento fiscal tem incorporada
uma visão mais complexa, e que pode ter impacto
no processo.
59
15 MAR 2019
Sumário: Teoria geral do imposto (continuação).
I-2.
O imposto como um tipo de tributo:
conceito e diferenciação dos outros tributos Imposto vs. Taxa vs. Contribuição Financeira.
Ainda a figura da Contribuição Especial
(continuação)
ACTC 307/99
ACTC 354/98
Lei 30/2003
DL 167-A/2005
DL 107/2010
Case study (audiovisual)
O que é que ressalta de relevante da leitura feita,
que nos auxilia a criar a identificação de mais
elementos que ajudam a parametrizar a distinção
entre imposto e outros tributos?
uma circunscrição segundo a qual só aqueles que
utilizassem o serviço fossem tributados, haveria a
lógica de bilateralidade
mas, aqui, a ideia do
sinalagma não está relacionada com a utilização do
serviço de radiodifusão.
Qual foi a forma jurídica para a criação da taxa de
radiodifusão? Foi por DL. Se foi qualificado como
imposto e não como taxa, o que é que isso significa?
Fere o princípio da legalidade fiscal, por não ter sido
uma lei da AR. Assim, se há uma requalificação do
tributo, tenderá a ter que se atender se as regras
desses tributos (e os princípios) passam a ser os
observados
nomeadamente a questão da
legalidade fiscal (no taxation without representation)
e a questão de ser por DL e não por lei da AR.
O que aconteceu de seguida? Foi aprovada a lei
30/2003. A questão da isenção é importante? Não
há uma relação direta entre o consumo de energia
elétrica e a utilização daquele serviço.
A contribuição para o audiovisual é qualificável como
quê? Há que fazer uma interpretação sistemática,
evolutiva, tendo em conta as alterações feitas ao
regime. Olhe-se à lei 30/2003. O que é que diz o art.º
1º, 2.?
Do ponto de vista das finanças públicas, isto significa
uma consignação de receita específica a certa
despesa. Este é um dado relevante que pode ser
usado para fundamentar uma posição.
Nota: também na taxa há a questão de não obstar a
uma utilização dos bens de domínio público ou de
acesso ao serviço público pela ausência de
capacidade contributiva (ou melhor, capacidade
monetária), também a taxa, quando se determina o
seu valor, pode e deve ter isso em consideração.
Também tem de existir uma justiça na taxa; não se
000 000 quando o custo-benefício
não o justifica; e, mesmo quando justifica, não se
pode cobrar demasiado ao ponto de pôr em causa a
democratização do serviço.
Nota 2: como se compatibiliza o 4º, 2. com a ideia de
que seria um imposto? Se é um imposto, há o
princípio da capacidade contributiva, e não o da
equivalência. A questão da isenção estará
relacionada com a capacidade contributiva ou a
equivalência?
Nota 3: um elemento legal pode ter vários espaços
de interpretação.
Depois, veja-se o art.º 1º, 3. Dentro do serviço
público de radiodifusão, há uma especificidade para
a questão da televisão.
No art.º 2
-se que a contribuição para o
audiovisual tem em atenção as necessidades
globais de financiamento do serviço nacional de
radiodifusão e televisão, devendo respeitar os
princípios da transparência e da proporcionalidade.
Ajusta-se o montante à necessidade de
financiamento. Isto pode ser usado como argumento
para puxar em parte para o lado da taxa.
Por outro lado, este art.º 2º, 1. também de se
relacionar com o art.º 3º, 1. a contribuição para o
audiovisual constitui o correspetivo do serviço
público de radiodifusão e televisão, assentando num
princípio geral de equivalência. Mas o nº 2 diz que a
contribuição incide sobre o fornecimento de energia
elétrica para uso doméstico (aqui já favorece a
posição do imposto e não da taxa). Seja como for,
ao não se mencionar capacidade contributiva,
parecemos estar mais próximos da taxa, apesar de
algumas figuras que nos permitam uma
aproximação ao imposto.
O que é essencial é que se entenda que o facto de
o valor da taxa/contribuição ser determinado tem em
atenção a necessidade de não excluir da utilização
do serviço público de radiodifusão quem possa não
ter disponibilidade financeira para pagar e aceder a
esse serviço pode ser uma das características
eminentes da taxa
não temos de passá-la
automaticamente para a caracterização do imposto.
Para RCP, é essencial entender isto. Não temos de
dizer que é capacidade contributiva; é algo diferente.
Também a taxa, através da determinação do seu
valor pela proporcionalidade, pode continuar a ser
taxa e revelar o princípio da equivalência.
Nota: face ao tipo de valor em causa, há
proporcionalidade associada. Fazendo contas pela
ideia de custo, claramente o valor seria muito
superior. Por isso é que o legislador sente
necessidade das indemnizações compensatórias;
tem noção de que o financiamento só pela via das
contribuições não chega.
Para RCP, o que existe é uma ligação entre o
compromisso de quem tendencialmente, por ter
energia elétrica e um consumo mais elevado de
energia elétrica, poderá revelar uma maior utilização
deste serviço público. Mais uma vez se assume uma
ideia de potencialidade. Uma coisa seria pagar na
60
medida em que se utiliza o serviço (por moedas ou
contabilização online), é aí a bilateralidade é
indiscutível. Mas o que verificamos é que não é a
verdadeira utilização do serviço, mas a
potencialidade de utilização do serviço que é
cobrada. É cobrado X a quem consome energia
elétrica, porque é deste consumo de energia elétrica
que se obtém acesso ao serviço. A palavra-chave é
potencialidade. RCP admite que isto é discutível e
que não é resposta única; mas faz reconhecer que a
potencialidade pode ser característica da taxa. Não
temos de obter efetivamente o objetivo ou resultado
da ação pública para ter de pagar uma taxa.
Será que RCP concorda com esta construção? Aí
talvez responderia que não, argumentando com a
pureza dos princípios. Mas tem havido uma liquidez
total dos conceitos envolvidos. Quando olhamos
para estas figuras, vemos elementos que nos podem
ajudar a pender para uma ou outra qualificação, não
havendo uma resposta efetivamente certa. É algo
casuístico, e aquilo que é valorizado por uns pode
não ser tao valorizado por outros. E o somatório dos
vários elementos pode fazer valorizar um lado e não
o outro. Consciente disto, o legislador tomou as
precauções devidas: aprovou a contribuição para o
mas colocou o princípio da equivalência a imperar,
dando um pouco a nota de que quer continuar com
o regime inicial da taxa de radiodifusão, embora
reconhecendo que a proporcionalidade tem de
temperar essa equivalência
e, também, que a
potencialidade deve estar implicada.
Se quisermos destruir isto tudo, podemos dizer que,
apesar de haver a forma e o legislador ter indicado
que o princípio norteador geral é o da equivalência,
o facto é que não havendo uma relação
sinalagmática entre o consumo de energia e a
utilização do serviço de radiodifusão, a figura é mais
identificada com o imposto do que com a taxa ou
contribuição financeira. Assim, não há uma resposta
líquida e imediata. Olhando para o texto normativo
em si, o que identificamos? Temos, sobretudo, uma
prevalência da figura taxa. O legislador quis dar uma
tendência de utilização direta, de um sinalagma.
Todavia, se formos ao âmago, há uma ideia de não
ser necessariamente real que quem consome
energia elétrica terá acesso e usufruirá da prestação
do serviço público de radiodifusão.
O que RCP acha mais importante é que, se
olharmos para o art.º 3º, 2. do diploma original de
2003, vemos que a contribuição incide sobre
consumo de energia elétrica para uso doméstico
(para alguns). Quando, em 2005, houve uma
alteração legislativa, a contribuição passou a ser
61
para todos (os consumidores de energia elétrica).
Este poderia ser um argumento a favor do imposto.
Mas, em 2010, cria-se um art.º 4º, 2. novo, que, no
final, isenta do pagamento da contribuição para o
audiovisual os consumidores não domésticos de
energia elétrica (volta-se atrás aí) cuja atividade se
inclua numa das descritas. Aqueles que consumirem
energia elétrica num âmbito não doméstico e tiverem
contadores
específicos
que
permitam
a
individualização/separação inequívoca da utilização
(económica ou não económica) ficam de fora, o que
permite criar uma maior bilateralidade, afastando a
lógica do imposto.
Os avanços e recuos do legislador mostram que (i)
a classificação é um pouco periclitante e (ii) tem a
ver com a lógica de precisar ou não de arrecadar
receita.
A relação jurídica fiscal está sempre em tensão. O
Estado quer garantir um cumprimento voluntário.
Esta tentativa de apaziguamento é sempre feita de
muitos exercícios micro e macro. Quando a
atividade económica vê que há algo a incidir sobre
Mas
qual é a maioria do nosso tecido empresarial?
Pequenas, médias e microempresas. Tudo tem
impacto. O facto de o Estado chamar taxa, imposto
ou contribuição tem um valor por detrás. Há um
papel da linguagem jurídica que é fundamental para
surgir como auxiliar da decisão e da mensagem
política. É triste, mas é verdade, para RCP: o
embrulho conta, e os políticos querem uma
linguagem que se adapte a estas maleabilidade e
estas preocupações. Claro que, por detrás destas
alterações, se procura argumentação consentânea
com qualificação para a taxa e não como imposto.
Daí a história das isenções: apesar de a base não
permitir uma bilateralidade inequívoca, todo o resto
do regime é consentâneo com essa ideia de
bilateralidade.
Nota: RCP reconhece que a exclusão talvez
devesse ser mais ampla.
Nota 2: a questão do valor da taxa está ligada a uma
lógica de proporcionalidade, a via taxa é insuficiente
daí ser uma via, associada à via genérica do OE.
I-3.
Fundamento do imposto
Nem sempre o imposto foi encarado como
justificado da mesma forma. A origem do imposto
remonta praticamente à origem do Homem em
sociedade. Na Antiguidade e, sobretudo, na Idade
Média o imposto era visto de uma forma autoritária.
Ou seja, o imposto era algo inquestionável. Era
imposto por quem tinha propriedade, e tinha,
consequentemente, poder como forma de garantir a
quem não tinha propriedade e poder uma proteção
física (segurança). Esta ideia do senhor feudal com
o poder, dando proteção aos outros, tem como
consequência a imposição de um tributo, um
imposto. Os impostos mais importantes eram os
impostos sobre o património. Quando Montesquieu
e Adam Smith (séculos XVIII e XIX) intervêm e criam
uma dinâmica diferente na distribuição da riqueza e
na organização do poder político, no formato como
a sociedade e o poder político responsável pela
organização da sociedade e forma como o poder
económico se relaciona com a maneira como o
poder político deve ser operacionalizado, percebese que o imposto não pode ser uma coisa puramente
autoritária. Ainda que mantenha o caráter obrigatório
e coercivo, tem de estar ligado a um consentimento.
evolutivo de algo autoritário, mais parecido com um
preço (em que há a lógica da aceitação) para hoje
passar a ser visto numa ideia de solidariedade. Daí
haver cada vez mais a expressão de cada um pagar
a sua fair share. Isto é fundamental para as grandes
fortunas e a atividade económica, o que está
relacionado com os contribuintes não móveis.
21 MAR 2019
Sumário: Fundamento e objetivos do imposto;
Principais classificações; sistematização dos
princípios; etapas do imposto.
I-3.
Fundamento do imposto (continuação)
Assim, a par destas transformações, o imposto é
cada vez mais visto como algo que necessita de
consentimento. Daí a importância do poder
parlamentar no imposto (no taxation without
representation). Aí deu-se o passo subsequente
para se ver o imposto não apenas como o preço a
pagar por uma sociedade organizada (não obstante
esta ideia ser verdadeira); o imposto passa a ser
visto como uma forma própria da organização social,
como algo solidário. O que está em cima da mesa é
pensar o imposto numa conceção solidária, não
numa conceção autoritária ligada apenas ao poder
impositivo; não pensar o imposto apenas como um
prémio de seguro/segurança em que o Estado nos
assegura, mas sim como um elemento de
solidariedade.
Quanto à questão do fundamento do imposto, na
aula passada, foi importante identificarmos o
autoritarismo (o imposto nasceu como figura
autoritária), passando para a conceção de imposto
como preço a pagar pela segurança apresentada
pelo poder político. Hoje já não estamos nesse
domínio; estamos numa fase em que se olha para o
imposto como tendo o seu fundamento numa ideia
de solidariedade fiscal. Quando pensamos em
solidariedade fiscal, estamos a apelar à existência
de um dever fundamental de pagar impostos; à ideia
de um dever de cidadania fiscal, associado à
capacidade contributiva. Há, portanto, uma lógica de
equidade. Quem tem contribui, e fá-lo na medida do
que pode efetivamente contribuir. Quem pode mais
contribui mais, nesta ideia de solidariedade e
equidade.
Hoje, o imposto tem agregada uma conceção de
solidariedade
daí que se fale em dever
fundamental de pagar o imposto como
consequência de uma lógica de cidadania ativa e
responsável, mas introduzindo a necessidade da
capacidade contributiva: pago, mas pago na medida
do que posso. Quem pode pagar mais, paga mais;
quem pode pagar menos, paga menos; quem não
pode pagar, não paga e não deixa de ter acesso à
atividade pública. Assim, o imposto teve um caráter
É isso que fundamenta o imposto. Se fizermos,
porém, uma análise de avaliação do fator equitativo
nas sociedades contemporâneas, muitos são os
estudos que demonstram que existe uma
desproporção entre a equidade nas sociedades. Há
um fosso equitativo dentro das sociedades
contemporâneas. Quem tornou isto um boom foi T.
Piketty, com
; falou na
desigualdade persistente na sociedade, e trabalhou
o papel do imposto em combater as desigualdades
62
(quando pode, simultaneamente, promovê.
Há o relatório da Oxfam (ONG), que trata da questão
da desigualdade. Estamos a falar dos dois tipos de
desigualdade: entre norte e sul (países
desenvolvidos e subdesenvolvidos) e em
sociedades ditas desenvolvidas.
O imposto hoje assume-se como um instrumento
que tenta combater esta lógica de desigualdade,
através da redistribuição. Essa ideia de
redistribuição assenta numa lógica de solidariedade
e capacidade contributiva.
Por isso, quando olhamos para a legislação fiscal e
encontramos a lógica da capacidade contributiva, a
progressividade no imposto, estas regras fiscais são
demonstrativas desta preocupação inerente ao
fundamento do imposto. Há a ideia da solidariedade
fiscal como base/fundamento do imposto.
I-4.
Objetivos do imposto
Em Finanças Públicas detetámos que a atividade
financeira, segundo Musgrave, representaria três
funções. Ora, o imposto é instrumento da atividade
financeira, pelo que é normal que estas três funções
também sejam encontradas no imposto.
A função primeira do imposto é a dita fiscal
arrecadação de receitas, prevista no art.º 5º, 1. da
LGT
à atividade pública.
Continuando a leitura, porém, lemos
solidariedade do imposto; justifica-se uma função
social do imposto, uma lógica de redistribuição que
encaixa com a atividade financeira ser redistributiva.
No art.º 7º da LGT, acrescentam-se mais fatores. O
nº 1 o nº 2 dão a entender a existência de funções
63
económicas para o imposto; também o imposto tem
de ter em atenção o seu impacto económico, e, além
disso, tem de projetar estes valores de emprego,
poupança, investimento socialmente relevante,
competitividade e internacionalização. Assim, pela
análise destas duas funções acumuladas à função
financeira do imposto (social e económica),
compreendemos que o legislador assume como
realmente relevante a extrafiscalidade. Assim, além
da função primeira (fiscal arrecadação de receitas
para fazer face à atividade financeira), também o
imposto tem função social e função económica,
sendo essas funções o que podemos apelidar de
função extrafiscal. Falamos do impacto extrafiscal
do imposto; a modelação de comportamentos. É isto
que está aqui a ser revelado. Não é só uma
construção doutrinal; isto é revelado e absorvido
pela legislação fiscal.
O imposto também tem de ser visto, portanto, como
um instrumento de política pública. Quando o Estado
como é que posso
intervir para ter o objetivo B, tendo os instrumentos
isso, faz sentido pensar o imposto como normas
reveladoras do imposto como um instrumento de
atividade pública. O Estado quer atingir objetivos
usando o imposto como ferramenta.
Esta realidade da extrafiscalidade seja no impacto
social, seja no económico faz-nos suscitar uma
questão muito relevante quando pensamos no
imposto. Um dos princípios fundamentais que se diz
dever nortear o imposto é o princípio da neutralidade
fiscal. O que significa isto? Significa que, em teoria,
o imposto não deve nunca ser assumido como a
razão que justifica uma opção de um cidadão. Ou
seja, de acordo com a neutralidade fiscal, na sua
visão absoluta, o imposto tem de ser neutral; e um
imposto será neutral se não influenciar o
comportamento.
Isto até pode ser colocado para discussão num
plano teórico, mas se, como acabámos de ver, o
legislador defende que o imposto tem uma função
financeira mas também pode ter funções extrafiscais
(e tê-las-á, naturalmente), o imposto irá
necessariamente influenciar comportamentos. Há,
portanto, aqui, uma quebra da neutralidade. Não
devemos encarar o princípio da neutralidade fiscal
como um princípio absoluto, mas apenas como uma
indicação relativa, contextualizada. Deve ser
interpretado da seguinte maneira: o imposto não
deve ser utilizado para, regra geral, influenciar
comportamentos; todavia, a partir do momento em
que passa a ser utilizado para, além de arrecadar
receita, modelar comportamentos, a neutralidade
está afastada, e não deve ser afastada esta
possibilidade. Há uma lógica de neutralidade relativa
e não absoluta, e que por vezes só é encontrada em
regras muito concretas e específicas nos códigos
impositivos. Não é algo que norteie todo o sistema
fiscal, pois as próprias funções afastam isso, mas
não pode ser esquecido. E faz sentido ser usado
para justificar dadas opções do legislador em termos
micro e concretas.
Exemplo: fusões e cisões das empresas. A gestão
societária pode levar a tomar decisões de marketing
e publicidade, para captar mais consumidores, mas
também pode implicar decisões de fundo, de
reestruturação das empresas. Ela pode consistir em
despedimentos ou contratações dentro da própria
empresa; mas também pode, como forma de ganhar
quota de mercado, implicar que uma empresa
adquira uma empresa concorrente, absorvendo-a
(fusão) para criar mais impacto no mercado. Ou a
empresa pode achar que há divergências internas e
faz sentido dividir-se (cisão). Estas questões podem
surgir ao longo da vida de uma determinada
sociedade. No ano económico em que ocorre uma
fusão, há uma empresa com um lucro de 100 e a
nova empresa fica com 200 e tem uma
megatributação? Estes processos podem ter vários
custos associados. Pelo efeito fiscal, o que poderia
acontecer? O gestor pode não querer a fusão porque
isto suscitaria muitos gastos fiscais que anulam as
vantagens. O legislador fiscal criou um regime
específico para os casos de fusão de sociedades,
criando normas fiscais que tentam afastar este
impacto fiscal nefasto. Há uma regra específica para
contabilizar o lucro a ser tributado, no ano em que
há fusão, para que o imposto não seja o elemento
que faz o agente económico que decida a fusão ou
não fusão das sociedades. Não estamos a falar do
sistema fiscal como um todo ser neutral; estamos a
falar de um imposto em especial (IRC), de uma
situação em concreto que ocorre na vida das
empresas e num ano concreto da sua existência. Aí
há regras específicas que tentam criar uma
neutralidade fiscal para a fusão.
Quando falamos nas funções do imposto, vemos
que a função principal é a financeira; mas o
legislador reconhece as funções extrafiscais (social
e económica). Isto pode ter um impacto fiscal na
neutralidade fiscal vista de forma absoluta, por isso,
ao referir estas especificidades, pensamos em
neutralidade fiscal como uma forma relativa e
circunscrita a regras específicas e a regimes
microfiscais específicos - como no exemplo das
sociedades em processo de fusão, cisão e extinção).
Assim, existe um regime fiscal específico para tentar
garantir a neutralidade fiscal no caso de fusão
societária. É uma forma de mostrar que o imposto
continua a assumir o princípio da neutralidade fiscal
como algo fundamental, mas não em todo o sistema
apenas em aspetos circunscritos do imposto.
I-5.
Principais classificações de impostos:
diferentes objetos e diferentes funções
1
BASES DE TRIBUTAÇÃO
São várias as classificações. A primeira
classificação importante, que já conhecemos, é a
que nos apresenta as três bases de tributação:
Impostos sobre o rendimento;
Impostos sobre o património;
Impostos sobre o consumo.
Dependendo da base de tributação, teremos
impostos diferenciados, e, consequentemente,
regras diferenciadas.
1-A
IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO
Já sabemos que o que se entende por rendimento é
tudo aquilo que acresce ao nosso património, sendo
que, em Portugal, o que é adotado é a chamada
teoria do rendimento acréscimo (significa isto
mesmo), não sendo necessária a ideia de repetição.
De acordo com a teoria da fonte, já teríamos de fora
muitos outros rendimentos, que não se tenderiam a
repetir. Em Portugal, ainda que só tenha aquele
rendimento uma vez na vida, ele pode ser tributado;
segundo a teoria da fonte, ele não poderia ser
tributado.
64
Mas há um desvio à teoria do rendimento acréscimo
em Portugal. Se jogarmos ao Euromilhões e
ganharmos, de acordo com a teoria do rendimento
acréscimo, esse valor é rendimento? Sim, e deveria
ser, supostamente, tributado em sede de IRS. Mas
não o é. Será tributado em sede de imposto do selo,
que é um imposto não sobre o rendimento, e sim
sobre o património. Há um desvio concetual aqui. Há
a mesma questão nas heranças. O que há é o
imposto do selo. É algo que também está fora da
tributação do imposto sobre o rendimento.
1-B
IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO
O património tem a ver com uma lógica de plus e
menos; ativo e passivo. Tudo o que está na minha
esfera jurídica tende a ser património. O património
líquido é a diferença entre ativos e passivos.
Já dissemos que poderia ter existido a opção pelo
imposto global sobre o património (imposto sobre a
fortuna). Portugal não tem isto; França, por exemplo
tem (o BE costuma apresentar propostas neste
sentido). Discute-se se deve ou não ser introduzido
um imposto sobre a fortuna; em Portugal, porém,
não existe essa opção. O que existe é a tributação
de aspetos patrimoniais a propriedade de imóveis
(IMI por termos a propriedade, temos capacidade
contributiva e dever de contribuição), IUC, imposto
de selo (revelamos capacidade contributiva por um
ato sobre uma propriedade nossa). Há impostos que
tributam microaspetos do património; não temos um
imposto global.
1-C
IMPOSTOS SOBRE O CONSUMO
Consumo é entendido como a utilização do
rendimento e do património na aquisição de bens e
serviços. Sobre esse ato de aquisição incide a
tributação
daí falarmos em imposto sobre o
consumo. No caso português, existem o IVA e os
IECs (impostos especiais sobre o consumo).
2
IMPOSTOS DIRETOS E INDIRETOS
Esta classificação não tem definição ou uma
apresentação na LGT, nem na CRP. Ela nasce, pelo
contrário, na LOE. É uma classificação legal
orçamental.
Quando falamos de tributação direta, referimo-nos a
rendimento e património; quando falamos de
impostos sobre o consumo, falamos de impostos
indiretos.
3
IMPOSTOS REAIS E PESSOAIS
Quando qualificamos um imposto como real,
estamos a dizer que irá atingir a matéria coletável
sem
atender
às
circunstâncias
pessoais,
económicas ou sociais do obrigado.
Pelo contrário, quando pensamos em impostos
pessoais, pensamos em impostos cujo cálculo da
matéria tributável e a tributação atende às
circunstâncias pessoais, sociais e económicas do
obrigado fiscal.
000 ou
sobre o consumo, independentemente da nossa
situação individual. Pelo contrário, se formos
tributados pelo rendimento, fazemos uma
declaração de rendimento e é perguntado se somos
solteiros, casados, que despesas tivemos, etc.
circunstâncias individuais (temos um imposto
pessoal). A forma como a norma jurídica é
construída nos impostos reais e pessoais é
diferente.
Nos impostos pessoais, há uma personalização da
situação do contribuinte; nos impostos reais, eles
são completamente cegos à individualidade daquele
contribuinte em concreto. Não significa isto dizer que
os impostos reais são injustos. Ainda assim, na
construção dos impostos reais, eles ainda assim
podem ter em atenção elementos económicos e
sociais. Não são elementos económicos e socais
65
individualizados do contribuinte a pagar em
concreto, porém. Quando os bens de primeira
necessidade estão encaixados na taxa reduzida,
tem-se que o IVA não é um imposto real, mas, ao
admitir isto, está a ter em atenção aspetos de justiça
social. Não quer dizer que um imposto real, em
regra, seja injusto. Um imposto pessoal tem muito
mais atenção à capacidade contributiva e à
realidade individual, tendo um grau de equidade
maior; mas isso não quer dizer que um imposto real
não tenha atenção à justiça e à equidade.
4 - IMPOSTOS PRINCIPAIS E ACESSÓRIOS
Os impostos principais são devidos com
independência de qualquer outro imposto existente.
Temos a base de tributação, regras de incidências,
regras específicas, aplica-se, ponto final. Há aqui
total independência existem por si e não precisam
de outros para existirem ou serem determinados.
O contrário é poderem existir impostos cuja
existência e determinação dependem de outros
impostos
ou para existirem, ou para serem
calculados.
Dentro dos impostos acessórios, existem dois
subtipos adicionais e adicionamentos.
tributação, ela servirá para calcular o adicionamento.
Assim, existe adicionamento independentemente de
existir imposto principal.
Exemplo: existe a chamada derrama municipal. No
art.º 14º da LFL (nota: RCP recomenda colocar este
artigo na legislação), vemos que uma das receitas
fiscais das autarquias é a derrama. A derrama é um
valor de imposto calculado sobre o lucro tributável
das empresas que tenham residência naquele
município
ou seja, a derrama municipal é um
adicionamento, pois é calculada sobre o IRC, mas
não sobre o valor do IRC devido, e sim sobre uma
parte da matéria coletável do IRC, que é o lucro
tributado.
Exemplo 2: 1º, o IRC implica determinação da
matéria coletável; 2º, vai-se à matéria tributável
determinar a taxa do IRC; 3º, determina-se a coleta;
4º, à coleta deduzem-se certas despesas; 5º,
chegamos ao IRC a pagar. Se a derrama fosse um
adicional, o que se faria? Apurar-se-ia qual o valor
do IRC a pagar e pagar-se-ia a taxa que a autarquia
dizia ser necessário pagar. No final, tendo de pagar
IRC, aplica-se a taxa da derrama e temos a derrama
a pagar. O que é o que o adicionamento faz? Não
olhamos ao valor do imposto, e sim mais atrás, à
matéria coletável. É sobre esse valor que se aplica
a taxa da derrama. O adicional implica sempre um
imposto principal efetivo que seja pago; mas, se
estiver perante um adicionamento, pode não haver
imposto principal a pagar, e ainda assim ter
adicionamento a pagar.
>>> Adicional este imposto é calculado tendo por
base o valor de um imposto principal.
>>> Adicionamento ao contrário, implica que o seu
cálculo é feito tendo por base a matéria coletável do
imposto principal.
No caso do adicional, se este é calculado tendo por
base o imposto a pagar X, o que significa isto? Que
o adicional só existe se existir imposto efetivo a
pagar X. Se o imposto não existir, o adicional não é
devido.
Nota: se a empresa tiver muitos prejuízos, pode não
ter matéria coletável sequer para ser tributada em
IRC; mas, como tem lucro tributável, será tributada
em derrama.
Ao contrário, no adicionamento, no final do cálculo,
o imposto principal pode não existir e não ser devido,
mas, por haver matéria tributável ou base de
Nota 2: no caso da derrama municipal, a base de
tributação é o lucro tributável. Portanto, havendo
lucro tributável, aplica-se a taxa dada pelo município
e temos o valor da derrama pagar. Um contribuinte
66
que tenha de pagar derrama municipal pode não ter
de pagar IRC. Pode dar-se o caso de ter muitos
prejuízos fiscais (embora hoje existam algumas
limitações a isto); não havendo matéria tributável,
não há maneria de pagar IRC, mas paga-se derrama
na mesma, pois há lucro tributável (=/= lucro
contabilístico). Em tempos, a derrama já foi sobre o
IRC; agora, é sobre o lucro tributável, pois isto gera
mais receitas, garantindo uma autonomia de
financiamento dos municípios, para o Estado não
transferir mais dinheiro para os municípios.
Podemos questionar, para RCP, a justiça desta
medida há quem questione, montes de vezes vai
a tribunal.
Enquanto que, nos impostos fiscais, há uma ideia de
que servem para arrecadar receita, ponto, tem-se
que, nos impostos parafiscais, ainda que sirvam
para arrecadar receita (ex.: quotizações da
Segurança Social), há:
Lógica
difusa
(aproximação
contribuições financeiras);
às
Consignação
(também
há
aqui
aproximação às contribuições financeiras);
Afastamento da generalidade e abstração
que os impostos têm a si associadas.
5
IMPOSTOS FISCAIS E EXTRAFISCAIS
7
IMPOSTOS DE QUOTA FIXA E QUOTA
VARIÁVEL
Impostos fiscais
receita.
a função primeira é a obtenção de
Impsotos extrafiscais
a função primeira é a
modelação de comportamentos (sociais ou
económicos).
6
IMPOSTOS FISCAIS E PARAFISCAIS
Nota: alguns autores falam de impostos parafiscais
como contribuições financeiras; não assumem,
portanto, esta classificação.
Quota fixa - Como o próprio nome indica, o
legislador opta por determinar um montante
concreto do imposto a pagar. Se a
contribuição para o audiovisual for um
imposto, ela tem quota fixa (X euros);
Quota variável o apuramento do imposto
é feito tendo em atenção a aplicação de
uma taxa à matéria coletável. Têm taxa no
seu regime; uma taxa concreta a aplicar a
uma matéria coletável para apurar o valor
do imposto devido.
Todavia, é necessário fazer mais uma subdivisão
dentro dos impostos de quota variável. Existem,
assim:
A diferença aqui é qual?
Impostos fiscais
têm como objetivo
primeiro a obtenção de receita;
Impostos parafiscais ainda que continue
a ser este o objetivo (obtenção de receita),
têm
consignação
associada
e
especificidades que fazem afastá-los dos
outros impostos.
Impostos proporcionais
imposto é proporcional;
cuja taxa de
Impostos progressivos
imposto é progressiva;
cuja taxa de
Impostos regressivos
imposto é regressiva.
cuja taxa de
Esta classificação baseia-se na taxa de imposto.
67
Os impostos regressivos não existem no ativo. Têm
taxa regressiva. Quanto maior a matéria coletável,
menor a taxa de imposto. Isto significa que, quando
mais se tem, menos imposto se paga. Isto é
completamente contrário à capacidade contributiva,
e à equidade por ela revelada. Não significa que não
possa haver discussão sobre o efeito regressivo de
certos impostos.
Pelo contrário, quando falamos num imposto
progressivo (com taxa progressiva), estamos a dizer
que, quanto maior for a matéria tributável, maior será
a taxa de imposto.
Quando falamos em imposto proporcional, existe
uma única taxa de imposto, que é aplicada
indistintamente à matéria coletável. Significa
igualmente que, quanto maior matéria coletável
existe, mais imposto é pago
mas não é
progressivo.
Nota: primeiro falamos no conceito abstrato; só
depois no exemplo concreto.
Exemplo de taxa progressiva: IRS.
No art.º 68º do CIRS, vemos a forma como o
imposto progressivo é determinado. Há dois cálculos
a fazer.
Há uma coluna contendo rendimentos, e uma coluna
contendo a taxa aplicável. Há uma variação
consoante o montante do rendimento apelidado de
coletável. Olhe-se à coluna da taxa normal: ela vai
aumentando conforme aumenta o rendimento
coletável. O conceito de progressividade da taxa
está aqui revelado.
Por que é que o legislador coloca nesta tabela uma
taxa normal e uma taxa média? Esmiucemos esta
temática. Imagine-se que o rendimento coletável é
000. Olhamos para a coluna do rendimento
coletável; onde o encaixamos? No primeiro escalão
051). Aplica-se a taxa normal de 14,5%.
Todavia, imagine-se que o rendimento sujeito a
000. O que fazemos? Para ser
uma verdadeira taxa progressiva por escalões, se
000,
o que deveríamos fazer para ser verdadeiramente
progressivo, atendendo que cada montante de
rendimento tem uma taxa associada? Tendo só a
taxa normal, encaixaríamos o remanescente em
cada escalão e aplicaríamos a taxa normal,
progressivamente (os primeiros X euros no escalão
A a certa taxa, os seguintes Y euros já no escalão B
a uma taxa mais elevada, etc., e chegaríamos a um
somatório, que seria o valor do imposto a pagar).
O que está em causa, na primeira linha, é perceber
como é que calculamos um imposto progressivo.
Posto isto, o legislador criou a tabela média. Por
forma a só terem de ser feitas duas operações, o que
se faz? Imagine-se que o rendimento é de
000.
25 000; uma parcela tem taxa de 35%. Mas não é a
000 (escalão imediatamente
anterior), aplica-se a taxa média de 18%. Ao
000, aplica-se a taxa
normal de 35%.
68
Leia-se o art.º 68º, 2. Quando o rendimento é mais
do que o primeiro escalão, é dividido em duas partes
há duas operações a fazer. Uma das partes é igual
ao limite do maior dos escalões que nele couber, à
qual se aplica a taxa da coluna B correspondente a
esse escalão. A outra parte é igual ao excedente, a
que se aplica a taxa da coluna A correspondente ao
escalão imediatamente superior.
Sei que terei de aplicar duas taxas a dois valores
distintos: a um aplica-se a taxa média, a outro a taxa
normal. Qual é a primeira preocupação? Saber qual
000. Onde é
que eles encaixam na totalidade? Isto significa que
000 que vai ter uma taxa de
35%. O truque é ver onde encaixar, e aí ver a taxa
normal. Mas não se aplica 35% a tudo. Há que ir ao
escalão imediatamente anterior, e a esse valor
261) aplicar a taxa dos
000. Estes vão
ser tributados a 35%. A taxa média da coluna B é,
então, aplicada ao valor mais significativo; o
remanescente estará na taxa normal.
Nota: falámos da igualdade fiscal na perspetiva da
equidade revelada na capacidade contributiva. Mas
a capacidade contributiva também suscita a
igualdade no imposto e perante o imposto. O que
quer isto dizer? Se estivermos em situações
idênticas, devemos ser tratados da mesma forma.
Porém, a diferença também deve ter de ser
revelada. Todos os contribuintes devem estar
perante o imposto sem diferenças, mas isso não
pode significar que, no imposto especificamente
daquele contribuinte, não possa haver diferenças
atendendo às especificidades. Numa taxa
verdadeiramente progressiva, e atendendo à nossa
real capacidade contributiva (mas numa lógica
progressiva), os primeiros X euros têm de ser
tributados da mesma forma que os X euros de
alguém que só recebe aquilo. O excedente é aquilo
que tive a mais em relação àquela pessoa; é
tributado de outra maneira. Na ligação com os outros
contribuintes, temos de ter um tratamento
equiparado face aos valores em causa. Naquilo que
estamos acima dos outros, temos de ser tributados
mais pesadamente, mas apenas naquilo em que
estamos acima dos outros. Caso contrário, poderia
haver uma lógica de efeito substituição. Isso poderia
ser aplicável aqui, no fator trabalho se pagamos
tanto, pode não compensar trabalhar, substituindose por tempo de lazer. Ou então, há mais trabalho
para ter um rendimento líquido adequado às
expetativas. Numa relação perante o imposto e no
imposto com uma lógica o mais neutral possível, a
progressividade deve ser vista desta forma efetiva.
69
E há a questão do limite à tributação em certos
momentos da História, até foi debatida a questão de
haver um limite de 50%. Não faria sentido, assim,
000.
Nota 2: Portugal ainda está aquém da média de
tributação, mesmo com estes valores. Quando
falamos em escalões, falamos em números e limites.
Vai sempre haver um limite, sob pena do efeito
substituição, e sob pena de fraude, evasão ou
planeamento fiscal agressivo. Há questões de
aceitação pela sociedade, cumprimento voluntário
ou
não, endividamento público, questões
intergeracionais (menos impostos e mais dívida
pública prejudica as gerações vindouras), etc.
Nota: há a questão da fatura social. As pessoas não
têm bem noção do que recebem do Estado. Há,
também, a questão do universal basic income
(rendimento básico universal) que possibilitasse a
quem quiser escolher uma carreira profissional, sem
a corda ao pescoço, tendo aquele suplemento.
Este exercício que fizemos para saber o que
significa uma verdadeira taxa de imposto
progressiva fica já arrumada; mas voltaremos a
estas questões mais tarde.
22 MAR 2019
Sumário: Princípios.
I-6.
Alguns dos princípios fundamentais
orientadores do imposto
1
PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FISCAL
O primeiro princípio para que alertaremos como
sendo estruturante é o princípio da solidariedade
fiscal. Faz sentido integrarmos como norteador do
imposto este princípio, que apela à existência de um
dever fundamental de pagar impostos. E há a
questão de isto implicar uma solidariedade
geracional, que está conectada com a questão da
(boa) utilização da receita fiscal arrecadada. Aquilo
que legitima a cobrança do imposto (a exigência
dele) tem necessariamente que ver e também não
apenas com a norma legal, mas a existência dessa
norma também é legitimada pela boa utilização dos
recursos arrecadados pela via do imposto.
RCP está a introduzir o raciocínio:
Receita fiscal
<-> Montante necessário de financiamento efetivo
para o montante específico despesa pública
Quanto melhor o Estado aplicar a receita fiscal,
maior legitimidade terá para a exigir/arrecadar.
<-> Alternativa de receita (creditícia).
Como é que ligamos isto coma questão geracional?
Há que atender a que, na aplicação destes recursos
fiscais e na existência da solidariedade do imposto,
tem de entrar a preocupação com a arrecadação
efetiva da receita necessária para aquele momento
em concreto, não fazendo depender de receitas
vindouras (gerações futuras) o impacto no
financiamento público. Falámos nisto a propósito da
questão da ligação da solidariedade com a obtenção
efetiva de receita fiscal e a possibilidade de o
legislador a reduzir e apostar antes numa receita
creditícia, reduzindo no imediato a carga tributária e
transferindo o financiamento da atividade pública
para gerações vindouras.
Assim, o montante da arrecadação deve ser o
necessário para fazer funcionar a despesa pública
naquele período. Isto deve ser feito depender o
menos possível da receita creditícia, que constitui
um imposto diferido. A ideia de solidariedade fiscal é
de dever de pagar impostos face ao imposto. Não
nos podemos eximir porque não nos apetece ou
razões que não são intrínsecas ao interesse público
passar às gerações vindouras o custo da atividade
que está a ocorrer agora.
Quando falamos em solidariedade fiscal, o primeiro
impacto é a necessidade de todos contribuirmos,
isto na medida da possibilidade, o que faz com que
não tenha capacidade contributiva não contribua,
mas possa ter os benefícios; ou que quem tenha
pouca capacidade contribua na medida dessa
capacidade, mantendo o acesso aos benefícios. Há
uma lógica de solidariedade entre os contribuintes:
dever
fundamental
de
pagar/contribuir
(universalidade), numa lógica de solidariedade
ligada à ideia de capacidade contributiva e ao
princípio da equidade fiscal.
2
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE FISCAL
Significa que a atividade tributária está submetida à
lei. Em que medida? Vimos que este princípio está
consagrado na Constituição (165º, 1., i)) e 103º, 2.
Dizemos que o princípio da legalidade fiscal tem
uma dupla componente: componente formal e
material.
(i)
Todavia, há que introduzir um plus: a segunda
perspetiva a ser tida em consideração quando
trabalhos sobre esta ideia de solidariedade fiscal é
equacionar a questão geracional. Aqui, o que tem se
de dizer é que o momento de imposto projetado na
relação com o montante da despesa pública não
deve esquecer que, se não houver o efetivo
financiamento atual, e se recorrer a receita creditícia
para compensar uma redução da carga tributária
imediata (por motivos eleitoralistas ou por não se
querer aumentar uma carga já próxima do limite),
temos um problema intergeracional, o qual não pode
ser descurado quando olhamos para a solidariedade
fiscal.
Componente formal
princípio da
supremacia de lei ou reserva de lei
para a criação impositiva.
O que se está aqui a dizer? Tem de ser a AR,
ou DL devidamente autorizado ou balizado, a
criar o imposto. No taxation without
representation;
há
uma
ideia
de
autoconsentimento. O imposto é objeto de um
autoconsentimento. Pagamos impostos porque
consentimos em pagá-los, democraticamente.
Quem elegemos é que faz a criação do imposto.
70
(ii)
Componente material
olhe-se ao
103º, 2.: aquilo que tem de ser
efetivamente criado por lei são os
elementos essenciais (incidência,
taxa, garantias dos contribuintes e
benefícios fiscais).
Nota: o conceito indeterminado é mais circunscrito;
a margem de livre apreciação é mais ampla.
Do ponto de vista material ou substancial, o que o
princípio da legalidade fiscal exige é que incidência,
taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes
sejam criados por lei da AR. É uma lógica de reserva
de conteúdo.
Há algum direito que ressalte automaticamente para
a utilização livre de discricionariedade e margem de
livre aplicação? O que é que o imposto contraria na
esfera jurídica privada? Qual é o direito contrariado
pelo imposto? Propriedade. Para o direito de
propriedade ser afetado, o que tem de vir para cima?
A solidariedade fiscal, mas esta redução tem de ter
garantias. Elas são essenciais nos quatro elementos
essenciais da CRP. O contribuinte tem de saber com
que pode efetivamente contar.
Nota: há que atender a que, de acordo com o texto
constitucional, liquidação e cobrança não são
matérias que tenham de ser objeto de tratamento por
lei da AR. Porquê? Porque não consta do 103º, 22.
da CRP que tenham o conteúdo que precisa
efetivamente de ser aprovado por lei da AR. Por que
é que isto é importante? Olhe-se para a LGT, art.º
8º, 2., a). Note-se que a LGT não tem valor
reforçado.
Já em 2001 o TC se pronunciou sobre esta matéria.
Veja-se o acórdão 63/01: a liquidação e a cobrança
não devem estar abrangidas pela matéria de
conteúdo.
Mas a afirmação muda de figura se a norma de
liquidação e cobrança (uma ou outra) afetar as
garantias dos contribuintes. Aí, ainda que possa ser
na etapa de liquidação ou na etapa de cobrança,
como tem impacto nas garantias dos contribuintes,
a mudança tem de acontecer por via de lei da AR.
Há uma pergunta suplementar que ainda temos de
fazer a propósito das bases do princípio da
legalidade. Será que este princípio da legalidade
fiscal permite a utilização
de conceitos
indeterminados e admite poder discricionário ou
margem de livre apreciação? Será que pode haver
normas fiscais admitindo poderes discricionários ou
margem de livre apreciação? Haverá limitações
impostas pelo princípio da legalidade fiscal?
Não há justificação para negar a utilização de
conceitos indeterminados no direito fiscal. A questão
é: há alguma limitação a essa utilização?
71
Lembremos o raciocínio a propósito da aplicação da
lei fiscal no tempo, com a retroatividade e a
retrospetividade. Na retrospetividade, chocava-nos
a ideia de não sabermos com que contar. Aqui, o
princípio é o mesmo.
Quando se atinge o direito de propriedade, há que
garantir que o impacto provocado tem de estar
circunscrito e tem de ter por trás um espaço de
segurança e certeza jurídica. Isto vai contra o quê?
O princípio do Estado de direito. Isto acaba por
encarrilar, e vai sendo escamoteado e aplicado com
circunscrições.
Num Estado de direito, mesmo que sejam boas as
intenções e mesmo que adequados sejam os
mecanismos, o que é que o legislador procura
sempre fazer? Criar balizas, limites de atuação. O
que é que aqui se está a focar, a tentar perceber?
Se, em face do princípio da legalidade fiscal, faz
sentido assumir que não há problema algum, nunca,
em aceitar a introdução de conceitos indeterminados
ou margem de livre apreciação nas normas fiscais
ou, se pelo contrário, se para assegurar a certeza ou
segurança jurídica, ou o facto de por vezes haver
abusos, não fará sentido como forma de garantia
que nos quatro elementos essenciais não possa
haver conceitos indeterminados ou margem de livre
apreciação, mas fora ela possa acontecer? Ou seja,
ainda que, do ponto de vista normativo, e na ratio
legis, esteja uma posição adequada para a utilização
de conceitos indeterminados ou para conferir
margem de livre apreciação, atendendo à
preocupação do autoconsentimento e ao princípio
suplementar da segurança e certeza jurídicas,
quanto aos quatro elementos essenciais balizados
pela CRP, não deverá existir a introdução nos quatro
elementos essenciais de conceitos indeterminados
e margem de livre apreciação. Esta é a posição
sufragada pelo TC. Ac. 756/95, de 20/12, e o
acórdão 70/2004, de 07
daquela determinação, ainda que possa haver
certos juízos.
Estes acórdãos dizem que há possibilidade de se
admitir um certo grau de indeterminação quando não
são definições em remodelação dos elementos
essenciais do imposto com mas não se aceitam
normas que atribuam à Administração poder
arbitrário de concretização quanto aos elementos
essenciais. Aí têm de haver necessariamente
tratamento fiscal completo.
Nota: poderia haver uma argumentação com suporte
no princípio da plena concorrência, não só
salvaguardado por lei nacional como também pelo
TFUE. A alteração significativa do mercado é um
conceito com balizas legais e sobretudo
jurisprudenciais europeias e nacionais agregadas,
que faz com que não haja uma tendencial
discricionariedade tão elevada.
Há um certo grau de indeterminação, mas não para
a definição ou regulamentação destes quatro
elementos essenciais aí tem de haver completo
tratamento legal.
Já havíamos visto, mas densificámos
aprofundadamente o princípio da legalidade.
definido. Se olharmos para o CIVA, veja-se o art.º
11º. O que diz este artigo? O ministro das Finanças
pode aqui retirar um benefício fiscal. Está aqui um
elemento essencial.
mais
28 MAR 2019
Olhemos à LGT, art.º 51º, 9., nº 3, alínea i).
Sumário: Princípios (continuação); momentos do
imposto.
E veja-se ainda a figura dos contratos fiscais 37º
da LGT. E mesmo o 36º, 5. da LGT. Há espaço aqui
para adaptações, personalizações.
I-6.
Alguns dos princípios fundamentais
orientadores do imposto (continuação)
Aquilo que a interpretação do 103º da CRP,
conjugada com a maioria doutrinária e sobretudo
com os acórdãos do TC é que elementos essenciais
não têm espaço para consagração de conceitos
indeterminados, ou para margem de livre
apreciação. Contudo, exemplos existem na
legislação, ainda que circunscritos, onde, a
propósito desses elementos, se admite espaço de
discricionariedade.
Por exemplo, em relação aos contratos fiscais, a
norma do 37º transformou se, tendo de se ligar
com o Código Fiscal do Investimento. De um ponto
de vista crítico, o 36º, 5. e o 37º lidam
integradamente com o CFI, e os critérios
estabelecidos nos arts. 2º e segs. já tendem a
salvaguardar a questão da legalidade fiscal. Neste
caso concreto, RCP diria que há um espaço de
discricionariedade natural à aplicação em concreto
3
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA E CERTEZA
JURÍDICAS
Quanto ao princípio da segurança e certeza
jurídicas, já trabalhámos sobre esta temática a
propósito da aplicação da lei fiscal no tempo.
O que está em causa, em primeira linha, é uma
rejeição do arbítrio e, simultaneamente, a exigência
de transparência nas normas fiscais.
Quanto à lei fiscal, este princípio tem reflexo na regra
da não retroatividade fiscal (103º); devemos remeter
para o que significa retroatividade fiscal. Há que ter
em atenção que o princípio constitucional é um
72
princípio absoluto: proibição total da retroatividade
fiscal. Quanto a este princípio e a regra que o revela,
há que notar que temos de a conjugar com o tipo de
imposto, sendo que a distinção fundamental é entre
imposto de formação sucessiva ou imposto como
ato de formação única, pois o TC (que dá conteúdo
ao princípio e o densifica) interpreta que, no caso
dos impostos de formação sucessiva, pode haver
algo que, à partida, seria assumido como
retroatividade, mas que, na verdade, não é mais do
que retrospetividade. Essa retrospetividade é
permitida, caso não se verifique a violação do teste
da confiança (com os seus quatro níveis).
Assim, o princípio da certeza e segurança jurídicas
fiscal determina, em termos de norma fiscal, uma
proteção do contribuinte, garantindo que não ocorra
retroatividade. Contudo, o conceito de retroatividade
fiscal
depende,
também,
de
construção
jurisprudencial do TC. E, nesse caso, está em causa
a distinção entre retroatividade da lei fiscal e
retrospetividade da lei fiscal, sendo que esta
distinção apenas faz sentido quando identificamos
normas que digam respeito a impostos de formação
sucessiva. Em relação a impostos como ato de
formação única, não se coloca esta necessidade
distinção. Nos impostos de formação sucessiva,
pode haver espaço para normas fiscais retrospetivas
(=/= retroativas), mas, mesmo no caso da
retrospetividade, exige o TC que o teste da proteção
da confiança seja feito. E se houver espaço para
admitir que as expetativas são legítimas e devem ser
protegidas, a retrospetividade não deve ocorrer.
Nota: como vimos, quando uma norma é
retrospetiva, ela só se pode manter na OJ se pelo
menos um dos quatro elementos que vimos falhar.
Criticámos muito a questão do interesse público, que
dá azo a retrospetividade em quase todos os casos.
vimos a propósito de informações vinculativas e das
próprias orientações genéricas.
E existe um direito de assistência ao contribuinte
59º, 3. LGT - onde se verifica que o contribuinte deve
ser auxiliado pela Administração ao cumprimento
voluntário caso queira esse apoio.
Todos estes exemplos são reveladores de uma
preocupação de a Administração, na relação jurídica
fiscal, dar suporte e ficar vinculada às opiniões que
emite quanto a esse suporte ao contribuinte, para
que este saiba com o que pode efetivamente contar.
4 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO OU
DA PROPORCIONALIDADE FISCAL
Esta é, também, uma lógica da proteção do
contribuinte. Isto está intimamente ligado com o
princípio do não confisco.
O princípio orientador do imposto é a capacidade
contributiva; O princípio da equivalência, onde está
subjacente uma proporcionalidade, surge também
como distintivo. A parte desproporcional deveria ser
caracterizada como imposto.
Apesar de no imposto o fundamental ser a
capacidade contributiva, a proporcionalidade
também deve ser atendida.
A propósito da questão da segurança e certeza
jurídicas, há que ter a ideia de que este princípio
também deve ser visível em termos da relação
jurídica fiscal entre o contribuinte e a Adm.
Tributária. Ele é revelado pela proibição da
retroatividade; aí olhamos para a relação com a
norma jurídica fiscal. Mas esta segurança e certeza
também têm de estar patentes na relação
contribuinte-administração fiscal. Isso é visível em
muitos artigos do nosso ordenamento fiscal. Pensese no direito à consulta e na vinculação que a
Administração tem a essa consulta. Recordemos,
neste contexto, as informações vinculativas: a
Administração diz que neste caso se deve fazer X, e
fica vinculada na sua esfera jurídica. As normas que
73
O Estado poder decidir quanto de imposto quer do
cidadão enfrenta aspetos limitativos a essa
pretensão de obter receita fiscal. Falámos da
possibilidade de existirem limites qualitativos, além
dos quantitativos. O primeiro elemento limitador do
quantum de imposto a obter é a própria capacidade
contributiva. Mas recorde-se a curva de Laffer. Esta
evidencia não apenas a questão da capacidade
contributiva, mas também uma forma de reação a
níveis elevados de tributação
lembremos o
problema da fraude e da evasão. Isto, precisamente,
dá a entender que o Estado não pode ou melhor,
não deve ir buscar todas as receitas aos privados.
Esta ideia nasce de uma proibição do excesso, de
proporcionalidade fiscal, de haver limites à
tributação. Quando relacionámos receita e despesa,
vimos que a receita está legitimada pela despesa; e
só deve haver receita pública na medida da
necessidade de despesa. Ora, isto aplica-se na
questão do imposto. Tem de haver um
condicionamento, não se pode ir a todo o
rendimento,
todo
o
consumo
e
tributar
penosamente. Tem de haver uma ideia de
necessidade daquele tributo e uma adequação dos
meios daquele tributo, sendo que, numa análise
custo-benefício, os benefícios da tributação devem
ser superiores aos seus impactos negativos.
Se esta ideia de proibição do excesso /
proporcionalidade fiscal não for atendida, onde
vamos parar? À questão do confisco estamos a
pensar numa lógica de retirar aquilo que é indevido,
para além do que é permitido / legítimo retirar. Este
princípio do não confisco não tem consagração
expressa em qualquer norma, mas, quer em termos
jurisprudenciais, quer em própria construção do
TEDH. No TEDH, esta questão fiscal é muito
trabalhada, tendo em atenção que nenhum artigo na
convenção existe que diga que o Estado não pode
provocar situações de confisco. Há, porém,
protocolos, e estas temáticas têm sido recuperadas.
Não é de somenos importância a questão dos limites
à tributação proporcionalidade fiscal, ligada a uma
ideia de confisco, do ponto de vista fiscal, é também
algo a ter em consideração.
5
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Outro princípio a enfatizar é a questão da igualdade
fiscal. Apesar de o princípio da igualdade fiscal não
estar expressamente previsto na CRP, o princípio
geral constitucional da igualdade também deve ser
reportado à dinâmica fiscal. Portanto, o 13º da CRP
deve ser tido como relevante e considerado a base
concretizadora do princípio da igualdade fiscal.
Mas importante do que a igualdade é, porém, a
equidade fiscal. Também no domínio fiscal importa
tratar o igual como igual e o diferente como diferente.
A própria construção de benefícios fiscais é
reveladora disso: os benefícios fiscais diferenciam;
são uma quebra à igualdade fiscal.
A igualdade fiscal é muito relevante em dois
domínios/sentidos:
Igualdade formal
tributação
-
universalidade
da
pagar impostos.
Igualdade material: é o que nos interessa
sobretudo, a ideia da capacidade
contributiva. Há uma ideia de equidade,
que permite diferenciar o que é diferente;
aqui, temos a capacidade contributiva
como elemento máximo norteador.
6 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
A capacidade contributiva está prevista no 4º, 1. da
LGT, e simboliza a possibilidade de se poder
efetivamente contribuir, ser objeto de tributação.
Esta ideia de capacidade contributiva tem uma dupla
componente: tanto revela uma ideia de justiça como
também revela uma ideia (muito cara aos
economistas) de eficácia. De que valeria à
administração
concretização de um objetivo, é um esforço inglório.
Usar-se-iam
instrumentos
da
máquina
administrativa e da máquina legal em favor de uma
impossibilidade.
Note-se que esta lógica de capacidade contributiva
está incorporada em regras específicas do imposto.
Quando determinamos que há impostos sobre o
rendimento, património e consumo, estamos a
evidenciar a existência de capacidade contributiva.
Quando
identificamos
normas
com
taxas
progressivas, estamos também a revelar este
princípio da capacidade contributiva.
74
Assim, apesar de estarmos a identificar princípios (e
aqueles que são os princípios norteadores e
fundamentais do imposto), todos eles estão
revelados em regras fiscais.
RCP volta a frisar: não significa que os princípios e, neste caso, a questão da equidade tenha de ser
absoluta, plena em todas as circunstâncias. Há,
muitas vezes, conflitos entre princípios. O que
acontece aí? Há um que prevalece. Na questão da
equidade, as normas que concedem benefícios
fiscais a certos contribuintes ou certas bases de
tributação, está em causa afastar-se o princípio da
equidade fiscal. Quem tem capacidade contributiva
deveria ser tributado na sua medida, mas pode
haver um valor ou mais que suplante essa questão
da capacidade contributiva e há uma redução do que
o sujeito tem de tributar. Os princípios fiscais não
têm de ser absolutos. Uma exceção é, porém, a não
retroatividade: essa é absoluta, não pode nunca
haver uma norma fiscal retroativa (para o TC, pode
haver uma norma fiscal retrospetiva, mas isso não é
retroatividade autêntica).
Já temos pilares fortes para perceber as normas
fiscais, mas temos agora de perceber que o imposto
é fruto de um procedimento e de um processo. É
fruto de vários momentos e de várias etapas. Em
cada etapa há objetivos e conceitos específicos. A
nossa preocupação será determinar as várias
etapas por que o imposto passa (como figura
genérica, mas isto estará visível nos impostos em
especial).
Vamos identificar quais são essas etapas e,
simultaneamente, qual é o tipo de legislação que
teremos de procurar para respondermos às
perguntas em cada etapa.
O primeiro objetivo é ter a noção de qual é
procedimento para a determinação do imposto,
quais as fases subjacentes; o segundo objetivo é
ficar bem claro o tipo de terminologia que devemos
utilizar para nos referirmos a cada uma das etapas
especificamente, e, simultaneamente, quais são os
tipos de normas jurídicas que estão subjacentes a
cada uma das etapas. Este quadro é transponível
para qualquer imposto; a lógica é comum a todos os
códigos de impostos em especial.
ESQUEMA ENORME INÊS
Nota: já sabemos o que é retroatividade fiscal e o
que é retrospetividade. E a anterioridade fiscal? Em
Portugal, não temos a consagração e o
reconhecimento desta ideia de anterioridade fiscal.
Mas o Brasil tem. A Constituição brasileira diz que
as alterações feitas à norma fiscal a meio do ano
fiscal não são passíveis de ser aplicadas a esse ano
de alteração. Só entram em vigor e só têm aplicação
no início do ano fiscal seguinte; a aplicação da
norma fiscal alterada só inicia a sua vigência a 1 de
janeiro. Esta lógica da anterioridade fiscal dá muito
mais certeza e segurança; em Portugal não temos
isto. Pela interpretação que o TC faz, ficamos com
A primeira pergunta que devemos fazer é: (i) o que
gera tributação? Temos o facto económico esse
facto é ou não gerador de tributação?
Depois, queremos perceber (ii) quem é que está
sujeito a tributação.
Mas também é importante, depois disto, saber (iii)
quanto é objeto de tributação.
I-7.
Os momentos do
pressupostos
objetivos
e
determinação do quantum
cumprimento
75
imposto: dos
subjetivos
à
e ao devido
Isto faz com que depois tenhamos de (iv)
concretizar. Se temos norma que são abstratas,
queremos, em relação a um facto concreto, uma
pessoa em concreto e um valor concreto, saber
quanto é que temos de pagar.
Uma vez feita a concretização,
cumprimento da obrigação fiscal.
há
o
(iv)
O imposto passa pela identificação de normas que
são abstratas; passa por um momento de
concretização efetiva face a um rendimento
específico, a um sujeito específico e a um valor
concreto, e passa por um momento em que há que
implica o que se pode chamar a a) fixação do
pressuposto objetivo do imposto, o que faz com o
b) fixação do pressuposto
subjetivo do imposto
c) fixação
do quantum de sujeição.
Quando pensamos na a) fixação do pressuposto
objetivo, estamos a pensar em:
A1) Aspeto material - tem a ver com o quid a base
de tributação. Temos um rendimento, um bem ou
ato.
A2) Aspeto espacial a questão da aplicação da lei
no espaço, haver ou não ligação com mais de uma
jurisdição fiscal. Aqui falamos na residência, na
fonte, etc. Podem ser ativados regras internacionais
de tratados.
A3) Aspeto temporal, em que há a ideia da fixação
pela lei do momento em que há o facto gerador. Isto
será visível quando trabalharmos com o IRS e IRC.
quando é que passamos a estar sujeitos a
tributação? Qual é o momento que releva para
efeitos tributários? O espaço temporal é relevante, e
temos normas que nos dão essa resposta;
A4) Aspeto quantitativo-valorativo
pensemos no
apuramento daquilo que é tido como rendimento
bruto ou ilíquido.
sujeição; temos o momento em que se ativa o facto
gerador; e temos a determinação do valor que está
sujeito a tributação.
A resposta aos aspetos objetivo e subjetivo (facto
gerador e sujeito passivo) encontra-se nas
chamadas [N1] normas de incidência/sujeição.
Estas dizem-nos quem e o quê está sujeito; os
códigos começam sempre com normas de
incidência. O apuramento do imposto a pagar iniciase sempre com normas de incidência.
Porém, logo aqui
na determinação do facto
gerador e do sujeito passivo - ainda que estes sejam
os primeiros tipos de normas em causa temos de,
após identificar estas normas
ir à procura das
chamadas [N2] normas de isenção. Lembremo-nos
do ovo estrelado. O primeiro tipo de normas
corresponde àquelas que nos dizem o que está
sujeito e o que não está sujeito. A frigideira, o que
está fora do ovo estrelado, é a não sujeição. As
normas de incidência estabelecem um perímetro
onde a norma fiscal atua; onde existe facto gerador,
onde existe sujeito passivo de imposto. Assim, a
primeira distinção é entre o que não tem nada a ver
com o fiscal/tributação e o que vai ser objeto de
tributação. Mas outro tipo de normas pode vir a ser
ativada subsequentemente (pressupõe-se sempre a
existência de sujeição a imposto) as normas de
isenção, que são a gema do ovo, estando dentro da
clara. Pode haver situações em que, apesar de
haver um facto gerador ou um sujeito passivo, há
características que levam o legislador fiscal a
determinar que não serão efetivamente tributados
totalmente ou parcelarmente. RCP frisa: isto implica
sempre sujeição a imposto
não podemos estar
isentos se não estivermos sujeitos. Tem de haver
sujeição; após a sujeição, pode haver norma fiscal
que isente ou aquilo que gerou a sujeição, ou o
sujeito passivo. Dizemos, assim, que as normas de
isenção podem ser de dois tipos:
Normas de isenção reais têm a ver com o
rendimento, o património ou o consumo,
que deixam de ser efetivamente tributados.
Temos aspetos que têm a ver com a identificação da
base de tributação; temos o local onde ocorre esse
facto económico a ser relevante de determinar para
efeito de aplicação das normas adequadas e da
Normas de isenção pessoais têm a ver
com a qualidade do sujeito passivo (não
com a base de tributação ou o facto
gerador).
76
Quando procuramos fixar o quantum de sujeição,
temos de encontrar [N4] normas que fixam taxas do
imposto e [N3+N5] normas que preveem deduções
ao valor objeto de tributação.
Exemplo 1: RCP publicou livros e são-lhe devidos
direitos de autor. Estes direitos qualificam-se (no
quadro do art.º 3º do CIRS) como rendimento sujeito
a tributação. Há uma norma de incidência que diz
que os rendimentos obtidos com os direitos de autor
estão sujeitos a tributação. Mas, no EBF (art.º 58º),
é dito que os rendimentos derivados de direitos de
autor só vão ser tributados em 50%; não se fala do
autor, e sim do tipo de rendimento, dizendo-se que
uma parte daquele rendimento não será objeto de
tributação.
Exemplo 2: por outro lado, no CIRC, existe uma
norma art.º 10º - que diz que as IPSS (terceiro
setor setor da economia social) estão isentas de
IRC. Não se está a falar nos rendimentos que elas
obtiveram, e sim na qualidade daquele sujeito
passivo. Porque é IPSS, está isento
não será
objeto de tributação.
Assim, as normas de isenção podem ser ativadas ou
para o facto gerador, ou para o sujeito passivo.
Todas as normas de isenção implicam a existência
de uma norma de incidência; só vamos à norma de
isenção depois de detetarmos que estamos na clara
do ovo
no âmbito de incidência, sujeição do
imposto.
A isenção, normalmente quando for real, não tem de
implicar uma isenção a 100% / total. Ela pode ser
uma isenção parcial. Vimos o caso do 58º do EBF,
em que 50% dos rendimentos não são tributados (os
outros 50% são-no, portanto). Aqui, diz-se que 50%
dos rendimentos estão isentos e 50% estão sujeitos.
Quando olhamos para o que gera a tributação,
identificámos aspeto material, espacial e temporal,
mas também falámos numa vertente qualitativa ou
valorativa. Olhe-se à base de tributação rendimento;
tem a ver com o que se chama rendimento bruto ou
ilíquido. Porém, convém ter em atenção que, apesar
de a norma de incidência determinar um quantum
que vai ser objeto de tributação (está sujeito), tal não
significa que não possa haver redução do valor que
é efetivamente objeto de tributação.
Até agora, qual é a nossa versão simplificada de
como chegar ao imposto a pagar? Temos de saber
a taxa do imposto e a matéria coletável. A norma de
000, a norma que fixa a
taxa do imposto que diz que é 10% e o imposto a
egar àquilo a que se
chama matéria coletável aquilo a que a taxa do
imposto é aplicável tem-se que a matéria coletável
pode ser:
Igual ao rendimento bruto (aplicamos a
taxa do imposto e obtemos o valor).
Um rendimento líquido, sobre o qual se
aplicará a taxa do imposto (muitas vezes,
e sobretudo em relação ao rendimento,
temos isto).
Se nada fosse dito, poderíamos ter incidência e não
isenção no rendimento da sra. Clotilde e na sra.
000; a norma diz
Porém, aquilo a que se tem de ter atenção no
rendimento (não sempre, mas em muitos casos) é
que ao rendimento ilíquido o legislador permite que
sejam deduzidas certas despesas que foram
necessárias para a obtenção daquele rendimento.
Imagine-
77
os 50%); mas, para escrever aquele livro, comprou
um computador, utilizou eletricidade, comprou 15
livros de investigação, pagou uma base de dados
com acesso a revistas científicas, etc. Assim, RCP
teve um conjunto de despesas a expressão correta
é gastos necessárias para poder produzir aquele
rendimento. O legislador, atendendo à existência
desses gastos, cria normas onde lhes atende e
permite a sua dedução, total ou parcial. Existem [N3]
normas que fixam a dedução passível de ser feita ao
rendimento ilíquido/bruto, que fazem com que a
norma que determina a taxa de imposto não se
aplique ao rendimento bruto, mas antes ao
rendimento líquido.
Nota: qual é a lógica das deduções parciais? Prevêse que todo o gasto seja fiscalmente relevante ou
assume-se como fiscalmente relevante apenas uma
parcela do gasto. Podemos ter comprado o
computador e a base de dados, somando ao tod
2 000, mas o legislador, na norma de dedução, só
000 sejam considerados.
Uma primeira norma no quantum são as que
permitem deduzir gastos fiscalmente relevantes
para a determinação do rendimento. No caso do
IRS, são normas de dedução específicas; no IRC,
são normas de apuramento do lucro tributável.
Assim, depois de apurado o valor bruto, pode
acontecer que automaticamente se passe para a
determinação da norma que indica a taxa de
imposto. Mas há, também, a possibilidade de o
legislador, antes da aplicação da taxa de imposto,
permitir a dedução de certos gastos aos
rendimentos brutos. Essas normas de dedução aos
rendimentos brutos podem conter deduções totais
ou deduções parciais
tudo depende do que o
legislador determinar como relevante fiscalmente.
Feitas estas deduções ao rendimento bruto,
obtemos o rendimento líquido. A esse rendimento
líquido poderá ser aplicada a taxa do imposto, que
surge numa norma específica, como o 68º do CIRS,
onde se aplica a taxa específica àquele rendimento
coletável. É por isso que o legislador fala em matéria
coletável ou rendimento coletável, que pode ou não
ser igual a rendimento bruto (não tem
necessariamente de o ser).
Desta forma, uma vez aplicadas as normas de
deduções aos rendimentos ilíquidos, procuramos a
norma que fixa a taxa de imposto. Determinada a
norma que fixa a taxa do imposto, podem ainda
existir [N4] normas que preveem deduções à coleta
apurada.
Pensemos na vertente objetiva (rendimento). Há um
rendimento bruto, que é objeto de sujeição e não
isenção. A este rendimento bruto, vamos deduzir
certos gastos fiscalmente relevantes, obtendo, por
consequência, o rendimento líquido. Ao rendimento
líquido, que se tenderá a apelidar de matéria
coletável (não significa que seja assim exatamente,
mas é esta a versão simplificada por agora),
aplicamos a taxa do imposto, taxa essa associada a
uma norma que determina o seu valor. Da aplicação
da taxa à matéria coletável obtemos o que se apelida
de coleta. Significa isto que pode existir outro tipo de
normas que preveem deduções à coleta. Assim,
existem mais gastos fiscalmente relevantes que vão
ser deduzidos e há normas que dizem quais são
esses gastos e em que medida podem ser
deduzidos, na totalidade ou em parte. E daqui
obtém-se o imposto a pagar.
Temos uma norma de incidência. Há que verificar se
existe alguma isenção. Se existir e ela for total,
apesar de estar sujeito, estou isento e não há
tributação. Não havendo norma de incidência ou
sendo ela parcial, o que fica sujeito e não isento
avança para efetivar a tributação. Devemos procurar
se existe para aquele caso concreto uma norma que
determine que certos gastos tidos para a obtenção
daquele rendimento podem ser deduzidos. Assim,
teremos normas que permitem (ou não), total ou
parcialmente, retirar/deduzir gastos que o legislador
considera como relevantes e que têm de baixar o
valor do rendimento obtido a ser efetivamente
tributado. Depois dessas normas, há que verificar a
norma que se aplica no caso e que determina a taxa
do imposto.
Ao rendimento líquido, que tenderá a ser a matéria
coletável, aplica-se a taxa de imposto e obtém-se a
coleta. Nesta coleta temos de apurar se existem
normas que preveem a dedução de certos gastos
fiscalmente relevantes, que não são os mesmos que
ocorreram a propósito do apuramento do rendimento
líquido. São outros; não há aqui duplicação. Há
gastos que, diz o legislador, são para ser atendidos
na etapa do imposto a pagar. São gastos diferentes;
RCP reitera: não há duplicação da mesma natureza
de gastos. Alguns têm de ser deduzidos à base de
78
tributação (rendimento, no caso); outros têm de ser
deduzidos à coleta, diz o legislador. Da dedução
destes gastos à coleta tenderá a haver a
determinação do imposto a pagar.
Na composição da norma, é dito expressamente que
há dedução ao rendimento bruto/ilíquido; nas outras
normas, é dito expressamente que há gastos a
serem deduzidos à coleta.
Olhe-se ao art.º 25º, 1. do CIRS. E olhe-se também
ao 78º, 1. Falanorma fiscal determina a que é que se vai proceder
a dedução: no momento identificado, faz-se essa
dedução.
efetivamente àquele agregado familiar, tendo em
conta a sua efetiva capacidade contributiva. Não é
um juízo seco ou linear. Quando o TC analisa esta
questão, faz estas ponderações. Houve uma
alteração em que o legislador determinou que, entre
os 18 e 25 anos, não se podia ser beneficiário de
RSI. A norma foi julgada inconstitucional. No juízo de
inconstitucionalidade, a justificação foi não ter sido
criada ou apresentada uma norma que garantisse
uma proteção efetiva daquela franja da população.
Como não havia uma norma de proteção social
alternativa,
a
revogação
foi
declarada
inconstitucional.
Nota 3: se as deduções estiverem no rendimento
líquido, o que acontece à matéria coletável? Reduzse, e o imposto a pagar será muito menor. Por isso,
o legislador prefere a existência de muitas mais
deduções à coleta.
Nota: Quando o legislador prevê normas de
uma diferença entre gasto real e gasto fiscalmente
relevante. Porquê? Poderiam estar incluídas
despesas não relevantes; esta é uma forma de
combater mecanismos fraudulentos de utilização
indevida das deduções, de querer reduzir
artificialmente a carga tributária. Mas há outra razão:
o Estado precisa de receita. Se olharmos à
sequência de alterações normativas, a tendência
tem sido clara.
Nota 2: olhe-se ao 104º, 1. da CRP. A interpretação
de RCP da parte final deste artigo fá-la avançar para
a afirmação de que não poderá o legislador revogar
as normas das deduções à coleta, pura e
simplesmente (falamos das despesas familiares
há, também, pagamentos por conta e retenções na
fonte, como veremos). São normas que permitem
este grau de personalização; mas ele também é
atribuído pela taxa de imposto e pela
progressividade dessa mesma taxa. Não havendo
resposta imediata, RCP seria mais a favor de não
haver uma anulação direta dessa possibilidade. Mas
isto depende. Podemos não conseguir deduzir estas
despesas, mas o Estado passa a garantir em tempo
útil os serviços de saúde adequados, ou passa a
garantir um acesso inequívoco a um ensino público
de qualidade. Não é possível o TC fazer um juízo
isolado de uma redução drástica daquilo que é o
montante dedutível, contrariando a CRP; há que ter
mais normas em consideração. E se se acaba com
as deduções à coleta, mas aumentam-se as
específicas? Não há, ou não deve haver, para RCP,
uma afirmação escorreita/seca. Tudo depende da
existência de normas que compensem dentro do
próprio imposto e daquilo que é garantido
79
Tudo isto significa que há necessidade concretizar.
Há normas que dizem o que é tributado, quem e
como; mas quando há a necessidade de
personalizar e aqui pensamos no indivíduo / sujeito
passivo em concreto passamos para algo de que
já falámos: a etapa da liquidação de imposto (lato
sensu). Portanto, além das normas de incidência, as
normas de isenção, às normas de dedução, as
normas da taxa do imposto, as outras normas de
dedução, vamos encontrar aquilo a que se chama
[N6] normas de liquidação. Ou seja, há que
determinar como é que há o apuramento efetivo do
imposto a pagar. Essas são as normas de
liquidação.
Tradicionalmente, a doutrina gosta de distinguir,
dentro das normas de liquidação, as:
Normas de lançamento têm a ver com a
aplicação das normas de incidência e de
isenção.
Normas de liquidação stricto sensu
as normas da taxa e das deduções.
são
tributação (rendimento, no caso); outros têm de ser
deduzidos à coleta, diz o legislador. Da dedução
destes gastos à coleta tenderá a haver a
determinação do imposto a pagar.
Na composição da norma, é dito expressamente que
há dedução ao rendimento bruto/ilíquido; nas outras
normas, é dito expressamente que há gastos a
serem deduzidos à coleta.
Olhe-se ao art.º 25º, 1. do CIRS. E olhe-se também
ao 78º, 1. Falanorma fiscal determina a que é que se vai proceder
a dedução: no momento identificado, faz-se essa
dedução.
efetivamente àquele agregado familiar, tendo em
conta a sua efetiva capacidade contributiva. Não é
um juízo seco ou linear. Quando o TC analisa esta
questão, faz estas ponderações. Houve uma
alteração em que o legislador determinou que, entre
os 18 e 25 anos, não se podia ser beneficiário de
RSI. A norma foi julgada inconstitucional. No juízo de
inconstitucionalidade, a justificação foi não ter sido
criada ou apresentada uma norma que garantisse
uma proteção efetiva daquela franja da população.
Como não havia uma norma de proteção social
alternativa,
a
revogação
foi
declarada
inconstitucional.
Nota 3: se as deduções estiverem no rendimento
líquido, o que acontece à matéria coletável? Reduzse, e o imposto a pagar será muito menor. Por isso,
o legislador prefere a existência de muitas mais
deduções à coleta.
Nota: Quando o legislador prevê normas de
uma diferença entre gasto real e gasto fiscalmente
relevante. Porquê? Poderiam estar incluídas
despesas não relevantes; esta é uma forma de
combater mecanismos fraudulentos de utilização
indevida das deduções, de querer reduzir
artificialmente a carga tributária. Mas há outra razão:
o Estado precisa de receita. Se olharmos à
sequência de alterações normativas, a tendência
tem sido clara.
Nota 2: olhe-se ao 104º, 1. da CRP. A interpretação
de RCP da parte final deste artigo fá-la avançar para
a afirmação de que não poderá o legislador revogar
as normas das deduções à coleta, pura e
simplesmente (falamos das despesas familiares
há, também, pagamentos por conta e retenções na
fonte, como veremos). São normas que permitem
este grau de personalização; mas ele também é
atribuído pela taxa de imposto e pela
progressividade dessa mesma taxa. Não havendo
resposta imediata, RCP seria mais a favor de não
haver uma anulação direta dessa possibilidade. Mas
isto depende. Podemos não conseguir deduzir estas
despesas, mas o Estado passa a garantir em tempo
útil os serviços de saúde adequados, ou passa a
garantir um acesso inequívoco a um ensino público
de qualidade. Não é possível o TC fazer um juízo
isolado de uma redução drástica daquilo que é o
montante dedutível, contrariando a CRP; há que ter
mais normas em consideração. E se se acaba com
as deduções à coleta, mas aumentam-se as
específicas? Não há, ou não deve haver, para RCP,
uma afirmação escorreita/seca. Tudo depende da
existência de normas que compensem dentro do
próprio imposto e daquilo que é garantido
79
Tudo isto significa que há necessidade concretizar.
Há normas que dizem o que é tributado, quem e
como; mas quando há a necessidade de
personalizar e aqui pensamos no indivíduo / sujeito
passivo em concreto passamos para algo de que
já falámos: a etapa da liquidação de imposto (lato
sensu). Portanto, além das normas de incidência, as
normas de isenção, às normas de dedução, as
normas da taxa do imposto, as outras normas de
dedução, vamos encontrar aquilo a que se chama
[N6] normas de liquidação. Ou seja, há que
determinar como é que há o apuramento efetivo do
imposto a pagar. Essas são as normas de
liquidação.
Tradicionalmente, a doutrina gosta de distinguir,
dentro das normas de liquidação, as:
Normas de lançamento têm a ver com a
aplicação das normas de incidência e de
isenção.
Normas de liquidação stricto sensu
as normas da taxa e das deduções.
são
O importante é que estamos a falar de liquidação do
imposto. Vemos como é que, no caso concreto, o
imposto vai ser apurado. Não falámos nas normas
que dizem como é que a administração fiscal calcula
o imposto. Podemos ter normas que geram uma
obrigação de autoliquidação ou normas que geram
heteroliquidação. O legislador pode entender que
quem está em melhores circunstâncias para liquidar
o imposto é o próprio contribuinte e não a máquina
fiscal, criando uma regra de autoliquidação (ex.:
IRC), ou pode determinar que é a própria máquina
administrativa que deve liquidar o imposto (ex.: IRS).
O facto de um imposto ser heteroliquidável (ser a
própria máquina administrar a liquidar) não significa
que não exista colaboração por parte do sujeito
passivo. Pense-se nas obrigações declarativas;
pense-se na declaração de rendimentos no IRS, que
é necessário transmitir à máquina administrativa
para que ela possa liquidar o imposto.
Uma vez liquidado o imposto, há que pagar o
imposto devido. Quando se fala em cumprir, fala-se
no pagamento do imposto
aquilo que é devido
como comportamento por parte do sujeito passivo
mas também podemos dizer que é altura de cobrar
o imposto a mesma coisa, mas vista na perspetiva
da administração tributária.
O pagamento pode decorrer de duas formas:
Nota: quando há um litígio entre A e B a propósito
de uma dúvida, A vai a tribunal para que lhe seja
reconhecido o direito. Supostamente, tudo correndo
bem, após a sentença, o que acontece? Quem ficou
obrigado paga. Mas pode acontecer que ele não
pague. Aí, será necessário executar a sentença.
Nasce, então uma etapa 2
com uma lógica
executiva. Executa-se a dívida
liquidação de imposto é título executivo. O que
significa? A administração tributária não precisa de
ir reconhecer o seu direito; executa a dívida. Há que
ter atenção a que, nas várias normas de cobrança,
existe uma que diz que o ato de liquidação é título
executivo.
Todavia, estas etapas do imposto ainda podem
implicar a resposta a duas questões uma do lado
da AT, outra do lado do contribuinte:
Questão 1 - a AT pergunta: o cumprimento foi
adequado?
Questão 2 o contribuinte diz: não concordo com a
liquidação feita pela AT, o que faço?
Voluntariamente;
Coercivamente
existem ferramentas à
disposição da administração tributária para
executar a dívida fiscal (atenção à
terminologia).
Logo, existem [N7] normas de cobrança. Elas tanto
vão ser para a cobrança voluntária como para a
cobrança coerciva. Isto vem expressamente no 78º
do CPPT (Código de Procedimento e Processo
Tributários). E há uma norma que diz que (tenha a
liquidação sido hetero ou ato) o ato de liquidação é
título executivo.
O contribuinte pode não concordar com a liquidação
adicional e com a não adicional.
Pode não se tratar de um incumprimento, mas sim
de um cumprimento; ainda assim, a AT fica a pensar
se foi realmente pago o devido (por exemplo, se a
autoliquidação foi bem feita).
A resposta à pergunta da AT passa pelos poderes
de fiscalização tributária. A AT pode proceder a atos
de fiscalização. É importante, por isso, identificar
[N8] normas de fiscalização.
Um exemplo é o 63º da LGT, que fala de poderes de
inspeção: a AT pode dirigir-se a uma empresa (aos
80
serviços de contabilidade ou departamento
financeiro) e pedir para fazer uma inspeção a toda a
documentação, para que possa ser feito um
exercício
de
perceber
se
o
que
foi
declarado/liquidado bate certo. Destas inspeções
pode nascer a identificação de discordâncias, dando
origem a atos de liquidação adicional, representando
o facto de ter de se pagar mais imposto do que
aquele que se pagou inicialmente.
Este ato de concordar ou não pode basear-se numa
discrepância muito simples (pode até, pura e
simplesmente, faltar documentação), mas pode
haver coisas muito complicadas. Há os chamados
preços de transferência, de que falaremos a
propósito do IRC. Existe uma regra que diz que, se
as empresas pertencerem todas ao mesmo grupo
empresarial, ainda que haja essa pertença
económica, elas, do ponto de vista fiscal, elas têm
de ser tratadas como entidades separadas; como se
fossem completamente independentes. Isto tem
como consequência que, no caso de existirem
operações intragrupo (ou seja, entre as empresas
desse grupo A, B, C e D por ex., uma compra à
outra matéria-prima), a ideia de serem entidades
separadas faz com que o preço das operações
intragrupo tenha de ser o mesmo que o preço de
mercado. Não pode haver manipulação de preços.
Muita gente discorda disto, em face da natureza do
grupo e dos ganhos que pode haver aqui; mas a
regra fiscal é como é. Numa inspeção, a AT pode
aumentar os gastos, o que significa que se reduz o
lucro. O que é que a AT vai fazer aqui? Uma
liquidação adicional, corrigindo o lucro tributável
(que foi indevidamente reduzido) e dizendo que há
que pagar mais imposto. Isto parece simples, mas
não é. Como se apura o preço de mercado? Por
vezes, há concorrência e não é difícil. Mas há muitas
circunstâncias ligadas ao contrato em concreto que
podem significar que é impossível encontrar o preço
de mercado. E aí há um litígio aberto entre AT e
contribuinte por causa de um ato de liquidação
adicional, em que o contribuinte não concorda com
a liquidação feita pela AT. Escritórios de advogados
e consultoras têm departamentos só para isto; é algo
difícil e chato, que pode ter por detrás questões
muito complexas. Imagine-se que o grupo
empresarial é internacional; ainda aumenta a
complexidade. E é algo que pode aparecer logo ou
a posteriori; daí a necessidade de mecanismos
capazes de antecipar conflitos e solucioná-los (por
exemplo, as informações vinculativas). Um exemplo
de contratos fiscais para além dos benefícios fiscais
são acordos prévios de preços de transferência, em
que a AT se senta à mesa com o contribuinte e deixa
contratualizado os valores que devem ou não ser
considerados para efeitos de operações intragrupo.
81
O que estamos aqui a transmitir? O grau de
complexidade pode implicar a antecipação dos atos
de liquidação, com base nas normas de incidência e
isenção, taxa de imposto e deduções (vertente
abstrata prévia à liquidação / concretização efetiva).
29 MAR 2019
Sumário: Momentos do imposto (continuação).
I-7.
Os momentos do
pressupostos
objetivos
e
determinação do quantum
cumprimento (continuação)
imposto: dos
subjetivos
à
e ao devido
Temos de partir de [N1] normas de incidência (que
podem ser reais ou pessoais) e sujeição, e temos de
apurar da existência ou não de [N2] normas de
isenção (que podem ser reais ou pessoais). Depois,
avançamos para as normas que fixam deduções
para apuramento da matéria coletável, à taxa de
imposto e à coleta. Seguem-se [N6] normas de
liquidação; sabemos que elas podem ter uma
remissão para casos de autoliquidação (onde é o
próprio sujeito passivo a liquidar o imposto) ou os
heteroliquidação (são os próprios serviços da
administração tributária a liquidar). Tudo isto é
finalizado com as chamadas [N7] normas de
cobrança, onde temos de saber que há uma
previsão geral que assume que o pagamento deve
ser voluntário mas, no caso de não ser voluntário,
existem mecanismos de execução fiscal.
Pode tudo parar aqui, cumpridas as obrigações
devidas, e extinguir-se a RJ subjacente; mas podem
existir [N8] normas de fiscalização
a
Administração tem espaço para se interrogar sobre
a adequação do cumprimento fiscal. Ela pode apurar
se há ou não há adequação. Não havendo, o que
acontece? Procede-se a uma correção, que é
normalmente feita através de um ato de liquidação
adicional.
Contudo, se olharmos para este último tipo de
normas
que reconhecem, concedem e depois
regulamentam um comportamento da administração
fiscal que tem o poder de investigar se está certo, e,
não estando certo, corrigir o cumprimento da norma
fiscal, isto é apenas o lado da administração. E hoje
há sempre uma preocupação com o equilíbrio das
duas presenças. Podem dar-se poderes aos
poderes públicos, mas também têm de se conceder
garantias aos particulares.
Também são, portanto, muito importantes as [N9]
normas procedimentais e processuais e [N10]
normas sancionatórias. Estas normas permitem
pedir revisão, reclamação, impugnação, recurso de
atos tributários. Será aqui, através destas normas
procedimentais ou processuais, e através do
balizamento feito pelas sanções (para um lado e
para outro) que o contribuinte, se não concordar,
pode reagir.
Estamos a verificar que este núcleo (até [N5],
inclusive) é o que podemos assumir como [I]
substância do imposto. É nas normas de incidência,
de isenção e naquelas que se calcula o que pode ou
não ser deduzido e qual a taxa do imposto que
temos o sumo, o núcleo duro do direito tributário.
Estou sujeito a quê, quando, como? Qual é a minha
obrigação fiscal principal? Quanto é que tenho de
pagar de imposto? Isso está aqui.
Para concretizar esta substância, existem as normas
de liquidação e cobrança [N6]+[N7]. Elas existem
para aplicar ao caso concreto e saber como é que,
no caso concreto, as normas substanciais vão ser
verificadas e como é que têm de ser concretizadas.
eiro
conjunto de normas; a forma como concretizamos
essa obrigação que sobre nós nasce diz respeito ao
segundo grupo de normas. Normalmente, os
códigos dos impostos em especial (CIRS, CIRC,
CIVA, etc.) trabalham sobre a [II] concretização.
Mas, se estamos perante um sistema, isso significa
que temos de criar normas/espaços que deem [III]
garantias. Numa relação jurídica, as garantias sãono para os dois lados; também no âmbito fiscal isso
acontece. Assim, como instrumento usado pela
administração tributária para ter a certeza de que o
que é suposto ser cumprido foi cumprido, criou-se o
espaço das normas de fiscalização, que permite que
a administração tributária reverifique as situações
concretas.
No
caso
de
se
apurarem
discordâncias/discrepâncias,
há
o
poder
subsequente de corrigi-las. Isto dá espaço a que se
identifiquem sanções para quem desrespeitou / não
cumpriu as normas (não só as normas do sumo
como a lógica da concretização).
Por isso existem o direito fiscal penal e o direito fiscal
contraordenacional; temos crimes fiscais e temos
meras contraordenações. Este bloco está pensado
para garantir o direito da autoridade tributária a
cobrar o que é legalmente devido.
Contudo, numa relação jurídica no âmbito de um
Estado de direito, ambas as partes têm de ter
proteção. Portanto, também na relação fiscal tem de
existir espaço para uma reação do sujeito passivo
(quem tem de pagar), que pode não concordar com
a administração tributária na interpretação e
aplicação que faz da lei. Tem de ter espaço para
reagir. Na dinâmica do direito público, essa reação
pode ocorrer em dois níveis:
Nível procedimental, em que o contribuinte
e
procedimentais à disposição, e a AT
Mas daí pode haver manutenção, ou ir-se
diretamente para a:
Nível da reação jurisdicional
não
esquecer aqui os dois campos. Há
jurisdição tributária especializada, mas há
também possibilidade de arbitragem.
Estas normas (procedimentais e processuais,
sancionatórias) são normas de garantia do lado do
contribuinte; estes ficam a saber como podem reagir
se não concordarem com algo.
Assim, pensar o imposto vai um pouco além da
determinação do valor devido. Esse é o espaço
fundamental; o primeiro em que pensamos quando
abordamos o imposto. Porém, também temos de
conjugar a reação da AT (de verificação ou
82
reverificação) e a reação do contribuinte (normas
procedimentais e processuais, sanções).
Até agora falámos apenas de sanções do lado do
contribuinte: crimes fiscais e contraordenações.
Mas, no caso de ter ocorrido uma liquidação
indevida, o Estado tem de devolver o valor que
indevidamente tinha na sua esfera. Além da
devolução, há uma sanção personificada no espaço
fiscal com a figura dos juros compensatórios.
Também o Estado os deve; é uma sanção que tem
sobre si, por fazer o que não devia ter feito.
Nota: o 75º e segs. do CIRS têm a ver com a
liquidação e saber como a AT vai liquidar o imposto
(IRS é um dos casos de heteroliquidação). O 97º e
segs. pressupõem já ter ocorrido o ato de liquidação
(está apurado o imposto devido) e dizem quando e
de que forma é preciso pagar.
Nota 2: uma realidade é, tendo ocorrido retenções
na fonte (pagamentos por conta do imposto a pagar
no final, antecipados), há que considerar isto no
pagamento do imposto final, deduzindo-o. Pode
ocorrer que tenha pago mais do que devia pagar; o
Estado reembolsa aí; isto é normal, pode acontecer,
é legal. Outra coisa que é o que dizíamos é ter
sido emitido um ato de liquidação de um imposto,
depois de pagar (para não entrar em mora), reclama,
concluindoSão indevidos; e não são comparáveis com um
reembolso derivado de pagamento antecipado do
imposto. Os
indevidos podem vir a ser
devolvidos com juros (os outros não).
Que diplomas contêm estas normas? Os dois
primeiros blocos de normas ([N1]-[N5] e [N6]+[N7],
normalmente, estão unidos num código específico
consoante o tipo de imposto CIRS, CIRC, CIVA,
CIECs. Quando se fala em código, temos de ter o
código aliado ao imposto específico. O regime
jurídico desse imposto, regra geral, está contido num
diploma próprio. Assim, estas normas substantivas
e de concretização estão nos vários códigos.
83
Tal não significa que não se tenha, por vezes, de
compatibilizar isto com a LGT. Pode haver situações
em que é preciso compatibilizar o diploma específico
do imposto com a LGT, mesmo nestes domínios. É
muito provável que, sobre as normas de isenção e
sobre algumas das normas que fixam deduções à
coleta tenha de se ir buscar o EBF. O que é que RCP
quer dizer com isto? O ponto de partida para a
determinação das normas substantivas cálculo do
imposto é feito de acordo com o código do imposto
em especial que estiver em causa (se é o IRS,
vamos ao CIRS, e é lá que encontramos 90% do
regime). Isso não significa que não tenhamos por
vezes de ir à LGT, mas, sobretudo, em relação às
isenções (leia-se benefícios fiscais, em que as
isenções são um tipo) às deduções (outro tipo de
benefícios fiscais) haja que ir ao EBF pois a norma
não estará no CIRS, e sim no EBF (exemplo: 50%
do rendimento de direitos de autor ser isento não
está no CIRS, e sim no EBF).
Por vezes, isto ainda se torna mais complicado, pois,
além do estatuto, existem diplomas avulsos que
preveem normas especiais em face das normas do
Código
inclusivamente, podem existir contratos
fiscais. E o que está contratualizado vale sobre a
regra geral.
Ou seja, ainda que, nas várias etapas, a central
parta de um código (legislação específica sobre
aquele imposto em concreto), tal não significa que
ali esteja 100% do que é para aplicar. Temos de
atender com grande ênfase àquilo que são os
benefícios fiscais e que são derrogações ao regime
geral, criando regimes especiais. Isso pode estar no
EBF, mas também pode estar em diplomas avulsos
ou, inclusivamente, em contratos fiscais.
Nota: vejamos um caso de diploma avulso. As IPSS,
quando adquirem bens e serviços, estão, em regra,
sujeitas a IVA, como qualquer outra pessoa (não
sempre, mas em geral). No início dos anos 90,
porém, foi aprovada uma lei misturando várias
matérias; num dos artigos, criava-se a regra de
permitir às IPSS que pudessem ir buscar parte do
IVA que lhes tinha sido exigido se fosse para
financiar obras nas suas instalações. A norma foi
revogada algures nos anos 2000; desapareceu. Em
2011, foi repristinada, mas o diploma não foi todo
republicado; diz-se apenas que se repristinava o
artigo. Pegar no fio condutor e descobrir as coisas
pode, portanto, não ser simples. Este é um caso de
uma norma fiscal que prevê um benefício fiscal, e
está escondida e perdida. Assim, por vezes, é difícil
apanhar a especificidade completa. Nunca fiquemos
a ideia de que nos devemos bastar com a análise do
código do imposto em especial; é, às vezes,
necessário ir mais além.
Nota 2: veja-se o 2º, 2. do EBF. O benefício fiscal
surge em vários momentos do cálculo do imposto.
Há que ter em atenção aos benefícios fiscais em
vários momentos do processo. Normalmente, , é
logo nas normas de isenção, nas deduções à coleta,
nas deduções à matéria coletável e à taxa de
imposto que o benefício fiscal pode aparecer. Mas o
conceito de benefício fiscal é vasto, e pode aparecer
em qualquer das etapas de determinação do
imposto. Será que pode aparecer até nas normas de
liquidação e cobrança? Imagine-se que o
contribuinte tem de pagar 3 cêntimos; isto resultou
do apuramento. Existe uma norma a dizer que,
nestes casos, como o custo-benefício não é
significativo, este dinheiro não é devido. Isto não é
uma norma que seja interpretada como um benefício
fiscal (houve sujeição, não isenção, liquidação
efetiva), mas, na concretização, resulta que não se
paga. Algo que não é benefício fiscal, mas tem um
efeito semelhante são as normas de isenção de
declaração. Podemos estar sujeitos, isentos, etc.
mas estarmos isentos de declaração de
rendimentos, apesar de os recebermos. O que
existe aqui? Note-se que a obrigação acessória é
que é objeto da isenção, não a obrigação essencial.
Se o contribuinte não declara, como é que isto
funciona? Na retenção na fonte nos bancos, é o que
acontece.
Nota 3: olhe-se ao 2º, 1. do EBF. Tradicionalmente,
a leitura que se faz deste número é que tem a ver
com o cálculo da obrigação principal. Veremos que
o objeto da relação jurídica fiscal é duplo. Muitas
vezes, pensamos que temos o dever de cobrar o
imposto; a nossa obrigação fiscal é o pagamento do
imposto. Mas essa é apenas a obrigação principal.
Associadas a isto existem obrigações auxiliares ou
acessórias (do cumprimento da obrigação principal).
Quando se pensa em benefício fiscal, pensa-se na
primeira obrigação a principal, que vai fazer reduzir
ou eliminar o imposto a que estamos sujeitos. Por
isso, quando há espaços para atuar no campo das
obrigações acessórias ou auxiliares, não podemos
dizer, com rigor, que sejam verdadeiros benefícios
fiscais.
é a obrigação principal. Sobre quem impende a
obrigação? Sobre o contribuinte. É ele que tem de
pagar o imposto. Todavia, lembremo-nos de que era
cada vez mais difícil à administração fiscal, sozinha,
dizer quanto é que os contribuintes teriam de pagar.
Por isso, tem-se reforçado a ideia de que a AT
precisa de instrumentos para concretizar / dar corpo
à obrigação principal. Por isso, a RJ fiscal, para além
da obrigação fiscal, tem obrigações auxiliares ou
acessórias ao pagamento do imposto. O exemplo
mais simples são as obrigações declarativas.
Quando se tem de, todos os anos, declarar os
rendimentos que recebemos, estamos a cumprir
com uma obrigação acessórias, e há normas fiscais
a dizer que temos de declarar. Portanto, a obrigação
tem esta dupla natureza. Efetivamente, há uma
natureza quantitativa (montante a ser pago) e uma
natureza qualitativa (auxílio à determinação do
quantitativo a ser pago). Sobre quem impendem
estas obrigações? Sobre o sujeito passivo da RJ
fiscal. Sobre o sujeito ativo, o que acontece? Existe
um direito - a receber o imposto devido e a receber
tudo o que legalmente for cominado como obrigação
acessória, informação que deva ser feita chegar.
mas não deixemos de ter em atenção que esta ideia
de mais ou menos não retira a ideia das garantias.
Há garantias do lado do sujeito ativo, mas também
temos garantias do lado do sujeito passivo. Há a
questão das informações vinculativas. Falamos de
garantias do lado do contribuinte, mas a obrigação,
subdividida, recai sobre o sujeito passivo, não sobre
o ativo (embora este tenha obrigações, como o
dever de colaboração).
Nota 5: as normas de liquidação e cobrança estão
ou não sujeitas ao princípio da legalidade? O que se
reforça? Como o conceito de benefício fiscal não
encaixa, temos mais uma argumentação para dizer
que, como não é benefício fiscal, não é elemento
essencial do imposto, pelo que não está abrangido
pelo princípio da legalidade fiscal.
4 ABR 2019
Sumário: Momentos do imposto (continuação);
relação jurídica fiscal.
Nota 4: RJ fiscal, quanto ao objeto, olha para a
relação contribuinte-administração e diz: o objeto é
o imposto e o pagamento/cobrança do imposto. Esta
84
I-7.
Os momentos do
pressupostos
objetivos
e
determinação do quantum
cumprimento (continuação)
imposto: dos
subjetivos
à
e ao devido
Onde é que arranjamos o regime a aplicar ao nosso
esquema de normas? Cada imposto tem um código
associado, que é onde devemos ir. Tem um conjunto
de normas, tratando da matéria substantiva e da
aplicação prática. Mas há, também, um espaço para
a LGT, que pode aparecer a complementar.
O conjunto, sobretudo, implica uma análise do EBF
(sobretudo nas normas de dedução, taxa e
deduções à coleta). E, além do EBF, temos
legislação avulsa contendo normas especiais em
relação a certos impostos. Portanto, além dos
códigos, devemos ter em atenção o EBF e,
possivelmente, mais legislação que possa existir,
caso a caso, consoante a matéria. Isto torna o nosso
exercício de análise muito complexo.
Há que ter a noção de onde estas matérias estão
tratadas. Na fiscalização, temos LGT como base
para determinar algumas normas genérica sobre a
matéria; temos algumas normas do código do
imposto que estivemos a tratar (pode conter esse
tratamento e podemos ter legislação especial,
designadamente o Regime Complementar do
Procedimento de Inspeção Tributária. Mas note-se
que também nos códigos podem existir normas que
interessam para esta etapa; muitas vezes, aplicar a
regra fiscal implica análise integrada de vários
diplomas.
Quanto às normas do procedimento e do processo,
é verdade que podem existir algumas regras
genéricas na LGT, mas o grosso/núcleo está naquilo
que conhecemos como o CPPT
Código do
Procedimento e Processo Tributários. Há um código
que organiza especificamente estas normas de
relação
administração/contribuinte,
explicando
como é que o contribuinte se pode dirigir à justiça
tributária e reagir. Não se esqueça a questão do
regime da arbitragem fiscal, que é complementar. Se
a via de reação judicial não for a tradicional (TAF),
se estivermos no âmbito da possibilidade de recorrer
aos tribunais arbitrais fiscais, temos um regime
próprio, com uma jurisdição específica. Há aqui uma
orientação. Atualmente, o CPPT está em mudança.
Nalguns casos, o CPPT tem de ser lido e conjugado
com o CPTA e com a parte administrativa. Mas há a
autonomia do direito fiscal, de que falámos: isso
justifica um procedimento e um processo
85
específicos; por isso, o CPPT surge como núcleo
duro.
Quando pensamos nas normas sancionatórias no
âmbito fiscal, devemos pensar no CPPT como útil,
mas há o Regime Geral das Infrações Tributárias
(RGIT), o qual contém a identificação do que é uma
infração e a sanção associada a essa infração.
Embora no âmbito fiscal também existam crimes
fiscais, são muito poucos os casos para os quais o
legislador tipificou o crime fiscal. Regra geral, o que
existe é uma contraordenação com sanções
suplementares. Temos, portanto, casos de crimes
fiscais, mas a regra é a existência de
contraordenação.
Exemplo: olhe-se ao 105º do RGIT e compare-se
com o 114º do mesmo diploma. Estamos a falar do
mesmo facto, mas os valores quantitativos
envolvidos são diferentes. É essa diferença de
valores quantitativos que altera a qualificação como
crime ou contraordenação. No 105º, temos o abuso
de confiança, aplicado a situações em que não é
entregue à AT a prestação tributária (não é pago o
imposto devido), mas quando a prestação tem um
000, não
temos abuso de confiança, não temos crime fiscal;
olha-se ao 114º e o que temos é uma
contraordenação.
Apesar de tudo, pode dizer-se que existem:
Direito penal fiscal com base em crime
fiscal;
Direito contraordenacional, relacionado
com outras práticas indevidas.
Nota: há múltiplos casos em que existe qualificação
como crime e a identificação de pena associada, às
vezes grave, e isto não estar no CP. Por exemplo, a
responsabilidade criminal de titulares de cargos
políticos não está no CP. Há um diploma próprio.
A ideia chave é casar a identificação das fases do
imposto com diplomas-chave. Nunca se fique com a
ideia que identificar o diploma-chave em dada
matéria significa que ele tem toda a regulamentação
daquele aspeto. Pode ser necessário integrar o
diploma concreto com diplomas suplementares. Mas
é necessário perceber que em cada etapa temos
diplomas específicos associados, que são onde
devemos iniciar a nossa pesquisa.
Note-se que a questão da legalidade se aplica no
primeiro bloco de matérias (A), mas não só. Apenas
na fase da liquidação e da cobrança é que não é
assim. Mesmo na fiscalização, tem de estar
presente o princípio da legalidade.
Assim:
I - Antes de mais, é preciso identificar as várias fases
da determinação do imposto, tendo noção da
longevidade e multiplicidade de etapas por onde a
RJ fiscal passa.
II - Depois de identificadas as etapas e a sua
sequência, identificar quais os atos normativos a que
devemos recorrer em cada etapa, que terá o
conteúdo normativo regulador dessa etapa do
imposto. Temos de saber onde nos dirigimos
quando precisamos da resposta concreta.
RCP volta a frisar: quando analisámos o IRS e o
IRC, olhamos ao primeiro bloco; existem blocos
suplementares. Os litígios contribuinte/AT podem
ocorrer em todos os blocos. Naturalmente, haverá
sempre uma preocupação cimeira com as normas
de sujeição, isenção e apuramento da matéria
coletável, da taxa, da coleta e, por fim, do imposto a
pagar.
Nota: a terminologia é importante; apropriemo-nos
dos vocábulos adequados.
I-8.
A relação jurídica fiscal: aspetos mais
relevantes
86
Trataremos este tema (que aborrece RCP) de forma
simplificada, e apelando aos conhecimentos de
Direito das Obrigações. Reproduziremos, em muito,
aquilo que já estudámos sobre a lógica da relação
jurídica obrigacional.
acessórias ou auxiliares, necessárias para garantir o
cumprimento da obrigação principal.
Passaremos em revista oito temas:
Em relação à obrigação principal (pagamento do
imposto), há que ter em atenção 4 aspetos:
(i)
(ii)
Qual é a obrigação que está
subjacente a uma relação jurídica
fiscal;
Quais são os sujeitos da RJ fiscal;
(iii)
Quando é que a RJ se constitui;
(iv)
Como é que a RJ fiscal se pode
modificar durante a sua existência;
(v)
Como é que a RJ fiscal se extingue;
(vi)
O
que
acontece
quando
incumprimento das obrigações;
(vii)
Quais são as garantias da obrigação
fiscal para a adm. fiscal e quais são as
garantias para os contribuintes?
há
É uma obrigação legal
recorde-se o
princípio da legalidade aqui;
Não depende da vontade das partes olhese ao 36º, 2. da LGT (os elementos
essenciais da RJ tributária não podem ser
alterados por vontade das partes; todavia,
recorde-se a intromissão no direito fiscal de
elementos
que
são
normalmente
associados
à
autonomia
privada,
designadamente os contratos fiscais,
sendo que, ainda assim, há algum lastro
legal de garantia);
Indisponibilidade do crédito tributário
muito importante, está no 30º, 2. LGT. Uma
vez existindo a obrigação, a AT não pode
prescindir dela. Isto tem sido muitas vezes
usado pela AT para negar a possibilidade
1
IDENTIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO
OBRIGAÇÕES SUBJACENTE(S) À RJ FISCAL
/
O núcleo duro a chamada obrigação principal é
o pagamento do imposto. A minha obrigação
enquanto sujeito passivo de uma RJ fiscal é pagar o
imposto.
Porém, além desta obrigação fiscal, temos de
considerar também a existência de obrigações
87
Quando algo corre mal na gestão dos negócios e a
insolvência é iminente, isto pode ser importante. Se
pensarmos do ponto de vista do que deve o direito
fazer perante uma situação em que um negócio
económico corre mal e pode extinguir-se, temos logo
uma preocupação com os credores. Existindo
credores, como é que podem ser protegidos? A
versão simplificada é construir um conjunto de
garantias legais que permitam proteger a esfera
jurídica destes credores. Mas tem-se consciência
(versão amplificada) que os impactos nefastos de
uma insolvência vão muito além, por vezes, do
impacto imediato na esfera jurídica dos credores:
perdem-se
postos
de
trabalho,
perde-se
competitividade económica, põe-se a corda na
garganta em muitas áreas subsequentes da cadeia
de criação de valor económico. Daí que o direito
desenvolva um conjunto de respostas que pretende
perceber se, no momento em que é apurado o facto
de que o negócio funciona bem não poderá, ainda
assim,
haver
espaço
para
uma
revitalização/melhoria.
Há, assim, um conjunto de instrumentos jurídicos
que são criados e têm por objetivo quase conceder
uma segunda oportunidade àquele negócio,
tentando ultrapassar o espaço negativo. Há alguns
instrumentos jurídicos que existem para tentar essa
revitalização; dentro desses instrumentos, temos
várias medidas que podem ser programadas e que
são legalmente previstas. Uma delas é a
renegociação das dívidas
regra geral, significa
ocesso de
renegociar a dívida, quando se identificam os
credores principais, o Estado está no quadro desses
credores especificamente, a Segurança Social e a
AT. E isso foi muito visível na altura da intervenção
da troika, em que houve a criação de mais
mecanismos para a renovação empresarial
(pushup). A AT frequentemente invoca a
indisponibilidade do crédito tributário; hoje em dia,
exige-se a unanimidade entre os credores, e a AT
bloqueia. Quando bloqueia, a reestruturação não
pode ser feita e avança-se para a insolvência. Estes
processos são muito complicados de gerir. A
invocação persistente pela AT da indisponibilidade
do crédito tributário está identificada como castrador
destes processos de revitalização e reestruturação.
Há que fazer uma análise crítica a isto. A
indisponibilidade do crédito tributário não permite
agilizar estes processos de renovação empresarial.
Todavia, há ainda coisas que para RCP são
estranhas. Não é incomum encontrar (não só em
Portugal), de X em X anos, o aparecimento de
amnistias fiscais
o chamado Regime
Extraordinário de Regularização Tributária, onde se
permite que rendimentos não previamente
declarados sejam declarados, havendo perdão de
uma parcela de imposto que devia ter sido pago e
não o foi. Diz-se ao contribui
Literalmente beneficia-se o infrator, para RCP. O
que está aqui em causa é a AT reconhecer que há
dívidas fiscais que, em parte, não são cumpridas; o
justo fica prejudicado porque os incumpridores têm
a sua via de acesso aqui. Isto acontece quando o
Estado precisa muito de dinheiro, mas é uma carta
aberta a branqueamento de capitais, financiamento
de terrorismo e escravatura ainda hoje existente,
diamantes de sangue, etc. Este lado negro da
economia circula à procura destes regimes,
reintroduzindo o dinheiro na esfera normal do fluxo
financeiro e assim lavando-o.
Por isso, apesar de haver a regra da
indisponibilidade do crédito tributário, há estas
lógicas de reestruturação da dívida tributária, que a
RCP não parecem muito compagináveis com as
lógicas envolvidas.
Nota: recordemo-nos das finanças públicas e do
peso que os impostos lá têm. Esta medida é
assumida por sucessivos governos; é receita que
entra e dinheiro que passa a ser legítimo circular na
economia. Esta questão está relacionada com a
fraude, evasão e o planeamento fiscal: quando
aprendemos, ouvimos, lemos falar da globalização,
normalmente olhamos para o fenómeno como uma
caracterização sociológica da sociedade em que
vivemos. A questão é que, quando olhamos para o
fenómeno (social e económico) globalização
e
aqui o próprio conceito, do ponto de vista histórico,
é complexo e denso. Quando começamos a
escamotear como se caracteriza a globalização e
que impacto é que tem no direito, os problemas
começam a surgir. Pensemos em certas
características da globalização e que têm impacto
nas regras fiscais e na forma como o cumprimento
fiscal pode ser conseguido. Há implicações na forma
como o direito é construído e aplicado. O exercício
agora consiste em perceber que fenómenos
caracterizadores da globalização têm impacto no
fiscal e nos dão resposta.
Se fizermos um exercício by heart do que é que a
globalização contém em si que pode impactar na
construção das normas fiscais e na sua aplicação,
RCP diria, em 2019, que o mais importante são a)
mobilidade, b) tecnologia e c) enfraquecimento do
poder público.
Os aspetos a) e b), quando utilizados pelo
contribuinte, podem fazer com que deixe de haver
obrigação fiscal ou podem fazer com que ela não
seja cumprida.
Se formos um trabalhador, o nosso cumprimento
fiscal, por via de regra, havendo um contrato de
trabalho, o cumprimento fiscal é quase garantido,
obrigatório (não é que não haja espaços de fraude,
mas esta é a regra geral). O contribuinte, para não
declarar, implica que também que o seu empregador
não queira cumprir e declarar. Se formos um
trabalhador independente com contabilidade
organizada, há muito mais espaço para declarar ou
não declarar, e introduzir gastos/despesas que
podem não estar ligados àquela atividade. Se
formos detentores de certos rendimentos que
queremos aplicar para retirar ganhos, gerando
aquilo a que se chama rendimentos de capital,
88
temos espaço para uma maior criatividade ainda.
Podemos jogar na bolsa, e nem sequer jogar no
PSI20, indo investir na NASDAQ ou onde
quisermos. A tecnologia hoje permite estar aqui e
aplicar onde quisermos inclusive, num banco nas
ilhas Caimão. O capital desloca-se muito facilmente,
numa sucessão de cliques. RCP não necessita de
agarrar numa mala de dinheiro para isto. Os
trabalhadores do conhecimento, com as novas
tecnologias, podem estar a viver onde lhes apetece,
e onde a tributação é mais vantajosa (por ex., no
Dubai não existe tributação sobre o rendimento
pessoal). Isto é possível porque há mobilidade e
tecnologia, e faz com que, na aplicação das normas
do direito fiscal, muitas vezes, não se consiga o
cumprimento da obrigação fiscal. Também faz com
que, quando são criadas as normas fiscais, porque
os Estados estão sempre em concorrência para
captação de investimento, criem normas fiscalmente
mais apelativas para que, no confronto uns com os
outros, sejam mais interessantes e atraiam capital,
rendimento, investimento e dinamização da
economia. Isto é encontrado na legislação fiscal em
múltiplos microrregimes, não só em Portugal como
no mundo todo há países que vivem da tributação
nula ou residual. Também há países com nível de
tributação médio, mas com microrregimes que dão
vantagens curiosas: na Irlanda, o IRC tem uma taxa
pouco acima de 12%, quando a média na UE é de
quase 30%. Ou seja, as características da
mobilidade e da tecnologia, utilizadas pelos
contribuintes, e associadas a uma lógica de
limitação do poder políticos pelas suas fronteiras
territoriais (o que não acontece no mundo digital). Se
RCP for móvel, a AT até pode sancionar, mas se
RCP se deslocalizar, a obrigação fiscal não é
cumprida. Há aqui espaço para um desequilíbrio
entre os sujeitos do imposto. Estamos habituados a
pensar a RJ fiscal no modelo tradicional, em que a
AT está no topo, com muito mais poderes do que o
contribuinte. Isto é verdade em relação a alguns,
mas não a todos. Estes fatores fazem reequilibrar e
às vezes até fazer pender em favor de certos
contribuintes. Quando se discutem na UE propostas
de tributação dos GAFA, está a assumir-se esta
subversão as tecnológicas não estão a pagar a sua
fair share; não estão a contribuir na medida da sua
capacidade contributiva, mesmo que cumpram as
normas legais das jurisdições em que estão. A
mobilidade
faz
com
que
possam
usar
deslocalizações e presenças nos vários territórios
para conseguirem ganhos fiscais significativos.
Nota 2: ingenuamente, as mentes cumpridoras que
olham para o direito como um criador de comandos
que resultam em ações dos indivíduos fazem custar
acreditar que existe um universo à parte de
89
incumpridores, que fazem do incumprimento o seu
modo de vida. A economia paralela e o seu peso é
geradora de muito dinheiro. Isto está fora dos
radares, quer derivado de profissões perfeitamente
legais (em que o problema é simplesmente não
haver declaração
mia
do crime, como a extorsão. Dependendo das
regiões, pode haver diferente tipo de atividades
envolvidas. Uma das práticas do mundo obscuro
administrações fiscais começaram a criar normas
que significam que, quando são detetadas
manifestações de riqueza que não batem certo com
as declarações de rendimentos, fazem soar uma
campainha. Percebendo esta lógica, foram criadas
normas jurídicas pelo mundo inteiro onde os
intermediários financeiros (bancos, seguradoras,
etc.), ao terem fluxos volumosos não justificados,
avisadas. O mecanismo jurídico foi criando
campainhas para detetar situações jurídicas, o que
cria um problema como é que se gasta o dinheiro
ganho no mundo obscuro? Queremos comprar
carros, fazer voltas ao mundo em 1ª classe, etc. Se
começarmos a gastar, podem soar as campainhas.
Então, há um interesse em fazer entrar o dinheiro
São desenvolvidos mecanismos para fazer esta
passagem: arranjam-se entidades fictícias com
legitimidade na sua profissão (aqui é que surge o
termo money laundering), etc.
a isto é que se
chama branqueamento de capitais. Face a isto, o
que se pode ter do ponto de vista do direito? Tentar
detetar os mecanismos e travar, e depois sancionar.
O penal tem uma dupla faceta: sancionar, mas,
simultaneamente, prevenir. Não queremos que isto
seja estimulado. Também pode acontecer a situação
em que o Estado se aproveita os tais regimes que
vimos. Se alguém arranjou dinheiro de diamantes de
sangue, quando há um regime de regularização, a
pessoa pode dizer que recebeu do estrangeiro X
milhões, passando a declarar, entrando no sistema
financeiro, em contas bancários, são legitimamente
declarados e introduzem-se na esfera da economia
normal. Uma das formas que a própria UE tem para
tentar perceber estas cadeias de combate à
corrupção e branqueamento de capitais foi a
aprovação, em 2015, da diretiva do beneficiário
efetivo. Este é um conceito muito usado no direito
fiscal, em que se exige que todas as entidades
coletivas
associações, fundações, etc.
a
declaração de quem é o beneficiário último das
instituições, quem é o fim da cadeia/linha
(beneficiário efetivo), para acabar com os testas de
ferro. É o fim da inocência.
A obrigação é executiva e autointitulada
a sua execução não está dependente de
outra pronúncia; a liquidação constitui o
próprio título executivo.
Quando pensamos em obrigações acessórias,
pensamos em obrigações necessárias para cumprir
a obrigação principal. Quando falamos em RJ fiscal,
temos o objeto central
a chamada obrigação
principal, de pagamento do imposto
mas
associado a esta há um conjunto de obrigações
acessórias ou deveres auxiliares, que existem para
auxiliar o cumprimento da obrigação principal.
Olhe-se ao 30º, 1., b) da LGT faladireito a
prestações acessórias de qualquer natureza e o
correspondente dever ou sujeição
visível no 31º da LGT.
No nº 2, diz-se que são obrigações acessórias as
que visam possibilitar o apuramento da obrigação de
imposto. Assim, estas obrigações acessórias tanto
podem ter uma natureza declarativa (declarações de
rendimentos, por exemplo) como uma natureza de
contabilidade escrita (deixar bem expresso o que
entra e o que sai, fluxos de entrada e saída de coisas
materiais e imateriais) e de prestar informações (se
a AT pedir uma informação, o contribuinte tem o
dever de responder).
Nota: a maioria das empresas está obrigada a
registar mais e menos. No T, há o mais ou o menos.
Cada ato ocorrido na atividade económica tem de ter
um reflexo contabilístico no (+) ou no (-). Tudo isto
está regulamentado: há um direito da contabilidade.
Há regras específicas de cada país, mas há uma
incorporação,
sobretudo,
de
standards
internacionais. Há a conta 1, a conta 1.1, a venda
pode corresponder ao 1.1.1., etc.
2
SUJEITOS DA OBRIGAÇÃO FISCAL
Quando pensamos em sujeitos da obrigação fiscal,
olhamos para o 18º da LGT e verificamos que temos
dois lados: o sujeito ativo (nº 1) e o sujeito passivo
(nº 3).
O sujeito ativo é o credor do imposto a entidade de
direito público titular do direito de exigir o
cumprimento das obrigações tributárias (plural;
pressupõe-se obrigação principal e acessórias),
quer diretamente, quer através de representante.
Regra geral, o credor do imposto é o Estado.
Nota 1: não tem de ser quem emana a norma
tributária que tem o poder tributário. Falámos da
derrama: quem criou o tributo foi o Estado central,
mas o sujeito ativo da RJ fiscal é o município. Quem
criou não tem necessariamente de ser o ente com o
poder tributário, portanto.
Nota 2: o sujeito ativo da RJ fiscal não tem de ser
quem liquida e cobra o imposto. Isto significa que
podem existir casos, como o da derrama municipal,
em que a derrama é feita pelo contribuinte, e quem
cobra é o estado central. O que se está aqui a
enfatizar é não ter de haver uma coincidência entre
quem liquida e cobra, e quem é o sujeito ativo. A
derrama é apurada em função do IRC (lucro
tributável), liquidada pelo contribuinte e cobrada pela
AT (no âmbito do IRC). Quem é o sujeito ativo da
derrama? É o município, apesar de a gestão ser feita
pelo Estado central. À partida, poderíamos pensar
que o credor do imposto tinha sido ele mesmo a criar
o imposto e seria ele a calcular e a aplicar. O que
estamos a dizer é: isso pode acontecer e acontece
muitas vezes, mas não é necessário.
Pode não haver coincidência entre o sujeito ativo e
quem criou o imposto, quem o liquida e quem o
cobra. Pode haver terceiros envolvidos na RJ fiscal
que são auxiliares, estando ali apenas para garantir
que o tributo é efetivamente cobrado e vai chegar ao
credor devido. O sujeito ativo da derrama é o
município. Quem criou a derrama? A AR, pela LFL.
Quem liquida a derrama? No âmbito do IRC, temos
autoliquidação. E quem cobra? Não é o município, e
sim o Estado central através da AT, aquando da
cobrança do IRC.
Nota: quem criou a derrama foi o Estado central;
mas quem é que define a taxa da derrama? É o
município. E este é um elemento essencial (ainda
que balizado).. Pode estar repartido o poder de
90
criação, sendo, no entanto, óbvio que a AR criou a
figura.
Aproveita-se a máquina administrativo fiscal do
Estado central para cobrar o imposto devido.
Quando pensamos em sujeito passivo, há que olhar
ao 18º, 3.: são três as figuras que surgem
legalmente como designando a figura do sujeito
sujeição, que vimos nas várias etapas. Do lado
passivo, falamos de quem é o cumpridor da
prestação tributária. Mas isto pode ter três formas:
(a) Contribuinte direto;
(b) Substituto;
(c) Responsável.
O (a) contribuinte direto refere-se a sobre quem a
norma de incidência recai. Tem de ter personalidade
tributária e capacidade tributária para exercer essa
personalidade.
No caso de haver incapacidade (16º, 3.), deve haver
representação legal também aqui no âmbito fiscal.
Além da representação legal, também há a
possibilidade de representação voluntária
o
chamado mandato fiscal, nos atos não pessoais.
Exemplo: pense-se num menor que tem património;
tem personalidade e capacidade contributiva, mas
não tem capacidade tributária de exercício.
Quando olhamos para o 18º, 3.
sempre prevalecer a substância sobre a forma é a
questão do realismo económico que vimos
identificada na LGT. Isto significa que, mesmo que
não haja personalidade jurídica, pode haver
personalidade tributária.
Exemplo: aprenderemos em Societário que, no
Código das Sociedades Comerciais, é dito que,
quando uma sociedade não está registada, ela não
tem personalidade. Uma sociedade só passa a
existir após a existência de registo. Que
consequência retiramos daqui? A pessoa só vai ser
tributada após o registo. Se entretanto obtiver
rendimentos, eles não vão ser objeto de tributação?
Errado. Vale a substância sobre a forma. Se há
91
capacidade contributiva, pode haver tributação.
Olhe-se ao 2º, 1., b) do CIRC, conjugado com o 2º,
2. Esta realidade está aqui salvaguardar: incluem-se
como sujeitos passivos de IRC certas entidades
desprovidas de personalidade jurídica.
O 18º, 3. da LGT fala em contribuinte direto; e falase, também, em (b) substituto. Aqui há uma RJ fiscal
triangular, onde, além do sujeito passivo e do sujeito
passivo contribuinte direto, existe um sujeito passivo
substituto, visto pelo legislador fiscal como um
intermediário no cumprimento da obrigação fiscal do
contribuinte direto. Através do mecanismo da
retenção na fonte (20º, 2. da LGT), o substituto,
antes de pagar o que deve ao contribuinte, retém a
parcela que legalmente é devida por imposto.
Quando se fala em substituição tributária, fala-se
numa RJ triangular onde, além do sujeito ativo e do
sujeito passivo contribuinte direto, existe o sujeito
passivo substituto. Este substituto é um
intermediário entre o sujeito ativo e o contribuinte
direto. Que faz ele? Através da retenção na fonte
(20º, 3. da LGT), fica com o valor do imposto
legalmente devido ao contribuinte e entrega-o em
nome do contribuinte ao Estado. O substituto
nenhuma obrigação principal tem; apenas tem uma
obrigação acessória, por conta do substituído
(contribuinte direto).
Por que é este mecanismo existe? Por um lado, o
sujeito ativo tem mais certezas de que vai receber,
numa ideia de garantia do cumprimento. Por outro
lado, através dos mecanismos de retenção na fonte,
o Estado tende a antecipar o momento em que
obtém a receita fiscal. Em vez de esperar por uma
declaração de rendimento feita no ano seguinte ao
facto gerador (os impostos sobre o rendimento são
de formação contínua, como vimos), tem-se que, no
próprio momento em que é colocado à disposição o
valor, o Estado recebe muito pouco tempo depois o
imposto que lhe é devido, pois o sujeito passivo
substituto retém por conta do sujeito passivo
contribuinte e transfere para o Estado logo no
momento em que faz o pagamento.
Há que fazer um aprimoramento. A retenção na
fonte pode ter duas naturezas, que resultam da
análise do 28º da LGT:
Substituição
definitiva;
tributária
com
natureza
pagar
no
final,
sendo
consequentemente
determinado se aquela retenção fiscal salda a dívida
ou, pelo contrário, ainda implica maior cumprimento.
Substituição tributária com natureza por
conta.
Uma RJ fiscal triangular, com Estado, contribuinte e
substituto e onde existe a imposição legal para uma
substituição tributária, há três sub-relações jurídicas
fiscais geradas:
Olhe-se ao 28º, 2.; e olhe-se, também, o nº 3 para
os outros casos, em que a retenção é definitiva e não
por conta.
Quando estamos perante uma >>> retenção na
fonte definitiva, significa que o substituto, quando
retém e entrega ao Estado o imposto retido, faz com
que o substituído nada mais tenha a fazer naquela
RJ fiscal.
Isto é importante, designadamente, para a
eliminação de obrigações acessórias. Fala-se em
retenção com natureza definitiva porque tudo fica
arrumado e nada mais há a fazer. Identificamos aqui
uma situação onde o substituto retém o valor devido
pelo contribuinte e entregue ao Estado. Esta
retenção e esta entrega determinam a inexistência
de mais obrigações para a esfera do contribuinte. A
norma de sujeição sem isenção dava direito ao
entregando-os ao Estado; a RJ fiscal em relação
àquele valor fica resolvida.
Quando é invocada a >>> natureza por conta do
imposto a pagar a final (expressão do 28º, 2.), isto
significa que a retenção feita pelo substituto é
provisória. Ela é feita antecipadamente por conta do
imposto que mais à frente vai ser determinado e terá
de ser pago.
Quando estamos perante uma retenção com
natureza por conta, isto é, por conta do imposto a
pagar a final. Nestas circunstâncias, o mecanismo é
o mesmo. O SJ passivo substituto, ao pagar, retém
o valor devido legalmente e entrega-o ao Estado.
Isto salda a obrigação acessória do substituto face
ao sujeito ativo da RJ, mas não salda a relação
jurídica fiscal entre o substituído (contribuinte) e o
sujeito ativo (Estado), significando que, algures no
tempo, vai ter de ser apurado o valor do imposto a
Relação jurídica fiscal principal
entre o
contribuinte e o Estado. É aqui que existe
uma norma de sujeição e não isenção, que
determina que o contribuinte deve pagar X;
Norma de cobrança diz que o pagamento
do valor devido é feito por um terceiro ao
sujeito ativo.
Mas para que o terceiro passe o dinheiro
devido pelo contribuinte ao Estado, tem de
haver uma relação entre eles que justifique
que o substituto tenha de pagar / colocar à
disposição um valor.
Assim, o direito fiscal usa uma relação contratual
(não necessariamente trabalho), aproveitando uma
relação jurídica prévia entre dois sujeitos
económicos. Um é devedor do outro; há um fluxo
que representa capacidade contributiva na esfera
jurídica do contribuinte. Por ser revelador de
capacidade contributiva, tem norma de sujeição e
não isenção. Em vez de se esperar que o
declaração, há a antecipação da receção daquele
montante. Quando o devedor for
obrigado a aplicar a norma a dizer o que é devido de
10 pode ter uma de duas naturezas: natureza
definitiva (uma vez operacionalizada a transferência,
está feito o que tinha de ser feito; o legislador tem
mesmo de dizer que a natureza é definitiva) ou
natureza por conta
o Estado. Mas há ainda
dizer outra vez se recebeu e declarou X e Y, se o
Estado já recebeu o que tinha a receber? Pensemos
no IRS. O período fiscal é de 1 de janeiro a 31 de
dezembro. Somos tributados pelo que recebemos
92
efetivamente neste período. Mas podemos receber
em diferentes alturas. No fim, há que declarar para
que a AT receba o imposto.
ter além de reter e entregar. A continuação da RJ
fiscal é entre o contribuinte e o Estado; é esta a RJ
substantiva.
Há um conjunto de despesas que são consideradas
fiscalmente relevantes e que reduzem o montante
do rendimento sobre o qual pagamos imposto. O
valor de imposto devido pode ser um de três:
Dependendo da natureza da retenção, há
consequências diferentes para o não cumprimento.
nada há a pagar;
Positivo;
Negativo.
Se for positivo, o que significa? Temos imposto a
pagar, mesmo já tendo pago antecipadamente. O
que pagámos antecipadamente é deduzido, pois já
foi pago, mas ainda assim pode haver imposto a
pagar.
Se o valor apurado for negativo, podemos ter uma
de duas coisas: aquilo que retivemos anteriormente
valor? Se sim, tem que
haver reembolso da diferença. Se não é superior a
isto, e se o valor só é negativo porque houve muitas
despesas familiares, então não somos objetos de
reembolso, mas também não vamos pagar mais
nada. O Estado não nos reembolsa por termos
milhares de euros em despesa; só reembolsa se
pagámos antecipadamente mais do que devíamos.
5 ABR 2019
Sumário: Relação jurídica fiscal (continuação).
Recuperemos o que dissemos acerca da RJ fiscal.
Detetámos qual era o seu objeto; vimos que são
dois: obrigação principal (pagamento do imposto) e
obrigações acessórias. Identificámos os sujeitos
dessa RJ fiscal, verificando que, nos termos do 18º
da LGT, temos o sujeito ativo
o Estado,
normalmente que é credor do imposto; e temos o
sujeito passivo que está vinculado ao cumprimento
da prestação tributária. Nos termos do 18º, 3., esta
relação pode existir por uma de três vertentes:
Como contribuinte direto;
Como substituto tributário;
Como responsável.
Nota 1: também o substituto é sujeito passivo da RJ
fiscal.
Nota 2: a substituição tributária é operacionalizada
através do mecanismo da retenção na fonte.
Nota 3: a retenção na fonte pode ter uma de duas
naturezas: por conta ou definitiva. Se tiver natureza
definitiva, do cumprimento da entrega do imposto
retido cessa a relação jurídica fiscal sobre aquele
rendimento em especial; se o legislador disser que
tem natureza por conta do imposto a pagar a final,
então, ainda que o valor seja retido e entregue ao
Estado como imposto devido, esse valor ainda vai
ser considerado adiante para apuramento do
imposto devido no final por aquele sujeito passivo
contribuinte. Mas o substituto nenhum problema vai
93
No instituto da substituição tributária, vimos que se
gera uma obrigação fiscal triangular, assente em 3
tipos de RJ. Existe o mecanismo da retenção na
fonte como o mecanismo sobre o qual a substituição
é operacionalizada. Vimos como funcionava esta
retenção na fonte, mas verificámos que, apesar de
funcionar sempre do mesmo modo, o valor obtido
com a retenção pode dar origem a a) uma retenção
com natureza definitiva ou b) uma retenção com
natureza por conta. No primeiro caso, o que existe é
uma resolução da relação jurídica quanto àquele tipo
de rendimento quando há retenção: há
cumprimento, e extingue-se a RJ fiscal em relação
àquilo. Se, pelo contrário, a RJ for com natureza por
conta do imposto a pagar, então, nesse caso,
subsistem outras obrigações acessórias para além
da mera retenção e pagamento do imposto retido.
Há o facto de o Estado precisar de ter em atenção
os pagamentos antecipados quando se apura o
valor do imposto a pagar a final.
Nota: há alguma diferença entre contribuinte e
devedor da obrigação?
A obrigação central da RJ fiscal é pagar o imposto,
significando que sobre quem recair a sujeição e não
isenção é o devedor do imposto. Este pagamento do
imposto será sempre feito pelo contribuinte. Mas
este facto não significa que tenha de ser o
contribuinte a efetuar a transferência do valor devido
para o Estado (pode ser ou pode não ser). O
substituto fica com o dinheiro que é devido pelo
imposto a pagar e retém esse valor; mas de quem é
o dinheiro? Do contribuinte (substituído). O que faz
o substituto? Entrega ao Estado (é um
intermediário). A norma de sujeição e não isenção,
porém, recai sobre o contribuinte, que é o
substituído.
Nota 2: além de pagar o imposto expressamente,
podem existir obrigações suplementares. Estas
podem recair sobre o contribuinte ou sobre o
substituto.
Nota 3: olhando ao 18º, 3., o substituto é a pessoa
que, nos termos da lei, está vinculado ao
cumprimento da prestação tributária. Pode haver
contribuinte direto, substituto ou responsável.
Nota 4: fala-se em contribuinte direto, mas não se
surgir terceiros que, pelas suas circunstâncias
económicas e localização económica na relação que
dá origem ao rendimento, são utilizados pelo
Estado/AT como substitutos da própria AT, indo,
portanto, arrecadar/recolher/liquidar em seu nome.
Nota 6: no que toca à retenção com natureza por
conta, olhe-se ao 78º, 3. do CIRS. À coleta podemos
deduzir um conjunto de despesas que fazemos
fazendo e nos são permitidas (nº 1). Diz o nº 2 que,
além do conjunto de despesas do número anterior,
deduzimos o que já pagámos antecipadamente por
conta do imposto a pagar. E olhe-se ao nº 3: apenas
as despesas pagas antecipadamente por conta do
imposto a pagar a final, quando superiores ao
imposto devido, conferem direito ao reembolso da
diferença.
Nota 7: nem todos os tipos de despesa dão origem
ao reembolso. O que o faz é o que pagámos
antecipadamente e acima do que deveríamos ter
pago. Se a diferença dá resultado negativo porque
tivemos muitas outras despesas, não pagamos, mas
também não recebemos.
Exemplo: todos os meses, em vez de recebermos o
vencimento bruto, recebemos o líquido. Desconta-se
X por conta do imposto a pagar; o somatório de tudo
isto é deduzido no imposto a pagar.
Todavia, não confundamos substituição tributária /
retenção na fonte com repercussão legal.
Retenção na fonte =/= Repercussão legal
A repercussão legal acontece no IVA; o que temos
no IVA não é retenção na fonte, e sim repercussão
legal. Quem suporta o IVA é o consumidor final, mas
o sujeito passivo do IVA não é ele, e sim o agente
económico.
Nota 5: a obrigação de pagar o imposto nasce de
uma norma de sujeição e não isenção, que recai
sempre sobre o contribuinte. Tal não significa que
numa RJ fiscal entre contribuinte e AT não possam
94
adquirente entrega os 100 e entrega ainda mais 6 de
IVA. O vendedor fica com os 100, e fica com os 6,
que vai entregar ao Estado. O legislador diz ao
permitir que os 6 que entregaste por
conta do IVA possa ser deduzido das tuas contas;
posso até ter de te devolver esse valor, para tu não
agentes económicos que não forem consumidores
finais podem estar sujeitos à tributação (preço +
de encontro de contas. Isto não acontece na venda
ao consumidor final. Se a venda é feita por 206, com
6 por conta do IVA, o consumidor paga 206 e esta é
a sua despesa total, não podendo fazer
absolutamente mais nada (embora haja agora uma
ou outra exceção).
Nota: a obrigação não é pessoal; é uma obrigação
objetiva, que incide sobre atos ou bens, e sobre
quem pratica esses atos ou presta esses bens. O
sujeito passivo do imposto é o agente económico
desencadeador do facto gerador. Mas esse agente
económico, por ter a possibilidade de deduzir o valor
de IVA previamente suportado por si na aquisição
dos bens ou serviços, não é quem suporta o
imposto. Quem o faz é o fim da cadeia, quem já não
pode deduzir o consumidor. Ainda assim, o sujeito
passivo contribuinte é o agente económico.
A repercussão legal ocorre, portanto, quando quem
suporta o imposto não é o sujeito passivo.
Sobre cada agente económico, no IVA, incide a
obrigação de cobrar IVA. Em cada etapa em que há
um plus com a venda, tem-se que a venda assenta
no preço + IVA. O que é que faz quem vendeu?
Recebe o preço (é a sua remuneração daquela
alienação) e recebe o IVA (embora o IVA não seja
para si, recebe-o e transfere-o para o Estado). Ao
contrário do que acontece com o consumidor final,
estas pessoas, no processo, porque são agentes
económicos, têm (cada uma delas) a possibilidade
de deduzir o IVA suportado. Isto significa que, na
prática, o que o legislador está a querer garantir é
que, apesar de terem efetivamente de entregar o
preço daquilo que adquirem mais o IVA, como
depois vão poder deduzir essa despesa, eles não
têm despesa; era como se houvesse aqui um
encontro de contas
depois deduzes, por isso não tens de suportar o
imposto
Quando há uma transação, alguém adquire e
alguém aliena. Quem aliena pretende um valor:
adquire dá os 100. Legalmente, porém, quem vende
está obrigado a, além dos 100, cobrar o IVA. O
95
O 18º, 3. da LGT apresenta-nos ainda uma terceira
figura: o responsável.
À luz do 18º, 3., o legislador diz-nos que também
aquele que vier a ser chamado a cumprir com o
pagamento do imposto por incumprimento do
contribuinte (sujeito passivo originário) deve ser
qualificado como sujeito passivo.
O que implica isto? No caso de existir uma norma
que estabeleça uma responsabilidade fiscal
havendo, portanto, uma partilha de responsabilidade
o responsável é sujeito passivo. Significa isto que
A pode não ser sujeito passivo da relação fiscal no
seu início, mas, algures no tempo de vida daquela
relação fiscal, pode transformar-se em sujeito
passivo, se for o responsável.
Pessoalmente, RCP acha isto um disparate. O
responsável, na verdade, é um garante do
cumprimento da obrigação de pagar o imposto (é
uma das formas de garantia desta obrigação). O que
temos não é um sujeito passivo da obrigação; ele só
é chamado a intervir no caso de o sujeito passivo
não cumprir. Na perspetiva de RCP, faria mais
sentido falar apenas em contribuinte direto ou
substituto, e a questão do responsável surgir apenas
nas garantias. Porém, ainda que, do ponto de vista
da conceção, o responsável seja um garante da
obrigação, o legislador decidiu que o responsável é
também sujeito passivo da RJ fiscal.
RCP torna a frisar: o responsável não tem de
aparecer na RJ logo de início; pode aparecer a
posterior.
No caso de responsabilidade subsidiária, não
esquecer que pode haver o benefício da excussão.
Assim, quando procuramos identificar os sujeitos da
RJ fiscal, olhamos ao 18º da LGT: há sujeito ativo
(credor do imposto regra geral, o Estado) e sujeito
passivo (à luz do que o legislador entende, pode
haver uma de várias circunstâncias: a) contribuinte,
sobre quem recai a norma de sujeição e não
isenção; b) substituto, se o legislador dizer que, no
caso, há substituição tributária, que opera por
retenção na fonte; c) responsável fiscal).
Veja-se que a natureza da retenção na fonte é
estabelecida legalmente as normas definem se é
definitiva ou por conta, não havendo qualquer
critério doutrinário para definir isto. O que há é
critério legal.
Atenda-se ao 22º da LGT, sobre a responsabilidade
tributária. Na prática, há vários artigos que acabam
por definir quando é que há ou não
responsabilidade; mas pode haver definições
concretas em impostos em especial.
Nota: não há aqui voluntariedade; a pessoa é
responsável por força da lei, não tem escolha.
Há dois tipos de responsabilidade fiscal:
Responsabilidade
subsidiária
responsável só é chamado
cumulativamente:
o
quando
o
Não há cumprimento pelo devedor
principal;
o
O devedor principal não tem bens
para cumprir com a obrigação.
Responsabilidade solidária
basta o
incumprimento
para
ser
ativada,
independentemente de o devedor principal
ter ou não os bens para cumprir.
3
CONSTITUIÇÃO DA OBRIGAÇÃO FISCAL
A relação jurídica fiscal constitui-se com o facto
gerador. Isto implica a adoção de uma teoria: a teoria
do efeito declarativo, que está prevista no 36º, 1. da
LGT.: a relação jurídica tributária constitui-se com o
facto tributário.
Assim, o nascimento da RJ fiscal ocorre com o facto
gerador ou facto tributário (diferente léxico para a
mesma realidade). A primeira pergunta a fazer é:
qual o facto gerador?
O facto gerador varia de imposto para imposto.
Quando é que ocorre o facto gerador no âmbito do
IRC ou do IRS? Há impostos com um momento
96
único imediato de formação e há impostos formados
em várias etapas, vários momentos do tempo. Para
efeitos dos impostos sobre o rendimento, o
legislador fiscal diz que o facto gerador ocorre a 31
de dezembro; porém, no âmbito do IVA, já não
olhamos a 31 de dezembro, e sim ao momento em
que ocorre a aquisição.
Nota: se a relação é contínua, há necessidade de
não cristalizar.
Nota 2: é preciso perceber o que é facto gerador e
distingui-lo do facto económico que revela uma
capacidade contributiva. Há tipos de impostos onde
o ato económico coincide com o facto gerador (ex.:
no momento da compra, pumba); mas também há
impostos onde o ato económico não coincide com o
facto gerador.
Nos impostos sobre o rendimento, por se ter
convencionado que estes são impostos pessoais e
não meramente reais e, portanto, por se ter em
atenção o facto de as circunstâncias individuais do
contribuinte deverem ser consideradas para efeitos
de apuramento do valor do imposto a pagar no final
de tudo, decidiu-se que há um período, que também
foi ficcionado, em que a sucessão de atos
económicos dá origem ao que vai ser a base da
tributação. Convencionou-se que o período é
idêntico ao ano civil: 1 de janeiro a 31 de dezembro.
Ao se convencionar isto, permitindo esta lógica de
longevidade,
assumindo-se
esta
ideia
de
continuidade por forma a garantir uma lógica de
personalização do imposto, o facto económico que
cria a capacidade contributiva não tem
necessariamente de coincidir com o momento em
que se fecha a determinação do círculo dos
montantes que devem ser atendidos para efeitos de
liquidação do apuramento devido.
Por isso, na prática, o que isto implicaria seria que
até 31 de dezembro não se pagaria absolutamente
nada. Até esse momento, nada deveria haver da
relação jurídica. Mas há o equilíbrio das receitas, o
combate à fraude e à evasão. São construídos
instrumentos que procuram das duas uma: ou (a)
antecipar a receita devida (por conta), ou, para
simplificar e para tornar o sistema mais funcional em
certos momentos, (b) ficcionar factos geradores
fechados com factos económicos, o que pode
originar retenções na fonte com natureza definitiva.
Temos aqui quase como uma dupla natureza a
coexistir. Um exemplo está no 71º, 1. do CIRS:
estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo
Y. Neste tipo de rendimentos, não há uma espera
pelo dia 31 de dezembro nem pela declaração em
março ou junho do ano seguinte. No momento em
que os rendimentos são obtidos, ficciona-se (diz-se
que se ficciona porque o legislador fala em 31/12)
97
que aquele momento coincide com o momento do
dever de cumprir a obrigação fiscal.
Assim, na pureza das teorias, se a obrigação do
legislador é que a obrigação fiscal nasce com o facto
gerador/tributário,
dependendo
do
imposto,
depende do momento. Nos impostos de formação
única, há coincidência completa entre o ato
económico e o facto gerador; nos impostos de
formação sucessiva, como foi ficcionado que o
momento final (facto gerador) ocorre a 31/12, sendo
que o período de tributação é de 1/1 a 31/12, o que
acontece? O status do contribuinte a 31/12 é o
considerado para efeitos das obrigações a
contribuir, pelo que, na pureza das coisas, diríamos
que até 31/12 nada é preciso fazer. Todavia, porque
há uma necessidade contrabalançar necessidades
financeiras, introduz-se neste esquema momentos
fracionados, onde não há uma total coincidência
entre o facto gerador e o facto económico
ou
melhor, nos factos ficcionados, ocorre esta
coincidência, que não bate certo com o idealizado
com o legislador. Estas disrupções são introduzidas
contrabalançado os princípios e interesses em
causa.
11 ABR 2019
(Inês)
Sumário: Relação jurídica fiscal (continuação)
I-8.
A relação jurídica fiscal: aspetos mais
relevantes (continuação)
4
MODIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO FISCAL
A regra, se olharmos para o art.º 29º da LGT,
assenta na ideia de que, uma vez nascida numa
esfera jurídica uma dada obrigação, essa obrigação
permanece nessa esfera do início ao fim. Todavia, o
legislador ainda assim admite a possibilidade de
alterações durante a existência da relação, salvo os
casos previstos na lei. Existem situações onde o
legislador permite que haja a possibilidade de
modificação na relação jurídica fiscal. Normalmente,
o que se verifica é uma modificação do sujeito
passivo do imposto.
O caso paradigmático, no 29º, 2., trata-se da
sucessão. Por morte do sujeito passivo originário, há
uma modificação do sujeito passivo original,
passando o sujeito passivo a ser o herdeiro. Quando
há transferência do status do de cujos para os
herdeiros, transferem-se direitos e obrigações. Isso
acontece no âmbito fiscal: havendo uma
modificação do sujeito passivo por morte do sujeito
passivo original, a responsabilidade dos sucessores
não ultrapassa a força da herança.
A reforçar a ideia do nº 1 está o nº 3 do artigo 29º,
mais uma vez salvo os casos previstos na lei.
Um caso que pode ocorrer está no art.º 41º, 2. da
LGT
sub-rogação. Nesta situação, não há uma
modificação do sujeito passivo, mas uma alteração
do lado do sujeito ativo. Há um terceiro que,
devidamente autorizado, cumpre o pagamento do
imposto por conta do sujeito passivo, e a AT cedelhe o seu espaço de credor. Fica esse terceiro na
posição da AT, transferindo-se para ele os direitos
desta. Como está expresso neste artigo, já tem de
ter decorrido o prazo para o pagamento tributário.
Tem de haver uma autorização pelo devedor, ou
pelo menos a prova do interesse legitimo na subrogação. Por outro lado, tem de haver p
requerimento da declaração de autorização da subrogação do órgão competente.
Para o Estado, a questão da sub-rogação interessa
porque o dinheiro vai entrar nos cofres. Há
reconhecimento de que a relação jurídica original
não é com esse terceiro, se o terceiro satisfaz a
obrigação, o terceiro é protegido e fica numa
situação perante o sujeito original que dá
continuidade. O objetivo é permitir que o Estado
satisfaça o seu crédito, ainda que depois haja
proteção daquele que fica com a dúvida efetiva.
A lei 103/2003, de 5 de dezembro, apresenta outro
exemplo de alteração. Este regime gera aquilo que
é apelidado de titularização ou cessão de créditos
para titularização, que vai na senda da lógica da subrogação, embora seja um regime especial. Neste
âmbito, o Estado, porque precisa de aumentar a
liquidez, vai vender os seus créditos de imposto.
Esses créditos, que são alienados pelo Estado a
terceiros, vão ser transformados em títulos de
créditos e obrigações, para poderem ser vendidos.
Cria-se assim uma cadeia de dependência. Aqui, o
Estado vende os seus créditos, que são
transformados em obrigações, e essas obrigações
podem ser alienadas. Todavia, esta figura é um
pouco estranha. Se formos ler o regime legal, não
encontramos nenhuma norma que diga que há
alteração do sujeito ativo da relação jurídica fiscal. O
certo é que se fica com uma ideia da complexidade
da questão: o Estado vê satisfeito o seu credito,
porque o dinheiro entra nos seus cofres, e portanto
deixa de poder exigir a satisfação de um credito,
passando para as mãos de um terceiro, mas esse
terceiro pode continuar a vender é uma cadeia.
Talvez por ser um limbo, é uma figura que não tem
sido muito utilizada. De vez em quando o Estado
lembra-se dela e utiliza-a.
O facto é que esta figura existe, e quando pensamos
nas formas como a relação jurídica fiscal pode ser
transformada, conseguimos perceber que, como o
sujeito ativo tem um conjunto de garantias e
privilégios diferente dos credores normais, a questão
é saber se se transmite tudo ou não. Na subrogação, dir-se-ia que sim. Neste exemplo da
titularização, não há acordo: o Estado tem dividas no
montante X com o devedor 1, 2, 3 e 4, aliena a um
ou mais terceiros ficam na posição de credores, a
obrigação é vendida múltiplas vezes, e o que
acontece? O estado continua ou não a ser sujeito
ativo? Estes sujeitos não são sujeitos públicos, mas
podem ser sujeitos ativos?
A logica da transformação da relação jurídica fiscal
do lado do sujeito ativo deixa, assim, muitos pontos
em aberto. O que há aqui é a necessidade de o
estado fazer entrar nos seus cofres públicos receita.
E tem formas de agilizar a obtenção dessa receita.
Já vimos que a questão da substituição tributária
cumpre igualmente uma preocupação que o estado
tem em antecipar a obtenção de receita. Este é outro
mecanismo que o estado tem. Quanto à subrogação, é mais difícil fazer este raciocínio, pois é
necessário o acordo entre as três partes.
5
EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO FISCAL
Quando é que acontece cumprimento da obrigação
tributária?
5-A
Pagamento
98
Quando há pagamento. O pagamento pode
acontecer fruto de um cumprimento voluntário ou
fruto de um cumprimento coercivo. A obrigação
principal (pagar o imposto) é cumprida quando há o
pagamento do valor devido.
5-B
Dação em cumprimento
Por outro lado, temos a extinção em casos de dação
em cumprimento, em que alguém toma o lugar do
devedor (artigo 40º 2 da LGT). Curiosamente, aqui,
o devedor deixa de ser sujeito passivo, passando a
ser responsável fiscal vai ser um garante. Se o
primeiro não cumprir, ele vai ter de ser chamado a
cumprir. Tem de haver consentimento da entidade
(do credor) para a dação. Temos de trabalhar a
dação em cumprimento com os artigos 87º e 201º do
CPPT.
5-C
Caducidade do direito à liquidação
A terceira forma de extinção é a caducidade do
direito à liquidação. A caducidade, no direito fiscal, é
quanto ao direito a liquidar (a AT poder liquidar
determinado quantum de imposto devido apurar,
em concreto, o quantum de imposto). Esta
caducidade está prevista no artigo 45º da LGT. O
prazo geral é de 4 anos, e é preciso notificação.
Não devemos confundir caducidade do direito à
liquidação com caducidade do direito de reporte.
Enquanto a primeira é vista pelo lado do sujeito ativo
(o Estado só pode liquidar e notificar a liquidação no
espaço de 4 anos), há uma situação de caducidade
quanto ao direito, do lado do contribuinte, de reportar
prejuízos. Se olharmos para o artigo 52º do CIRC,
vamos encontrar a figura da dedução de prejuízos.
Em relação a esta coloca-se a questão da
caducidade do direito de reporte.
Vamos aprender no IRC que a matéria coletável é
igual ao lucro tributável menos prejuízos fiscais.
Significa isto que, no caso de existirem prejuízos por
parte das empresas, elas podem reduzir esses
prejuízos para reduzir o valor da matéria coletável e
reduzir o imposto a pagar. Todavia, pode acontecer
que, no ano 1, haja um prejuízo de 100, no ano 2 um
prejuízo de 50 e no ano 3 um ganho de 200. O que
é que o legislador permite? Imaginando que
estamos no ano 3, e sendo os 200 o lucro tributado,
99
o legislador diz que, apesar dos lucros, nos anos
anteriores houve perdas, que vão ter de ser
compensadas. É justo/adequado que, no ano em
que haja ganhos, deduzir prejuízos que existiram no
passado. Se não houver mais nada, permite-se
deduzir os 50 e os 100 dos anos anteriores.
A possibilidade de ir aos anos anteriores e deduzir
os prejuízos denomina-se reporte. Trazemos o que
temos nos anos anteriores para o ano atual. O
legislador dá prazos para fazer o reporte; não
podemos fazer o reporte de prejuízos que tivemos
há 50 anos. Findo o prazo, caduca o direito.
5-D
Prescrição da prestação tributária
Uma outra forma de extinção é a prescrição da
prestação tributária. Não podemos confundir
prescrição com caducidade. A caducidade opera no
momento da liquidação, a prescrição remete para a
própria prestação tributaria. O artigo 48º da LGT
determina a prescrição das dividas tributárias no
prazo de 8 anos para os impostos periódicos/de
formação sucessiva contados a partir do termo do
ano em que se verificou o facto tributário (31 de
dezembro);
para
os
impostos
de
formação/obrigação única, a partir do momento em
que o facto ocorreu.
Esta prescrição do direito à cobrança, que é
diferente da questão da liquidação, tem legalmente
a possibilidade de interrupção e suspensão do
prazo, nos termos do art.º 49º da LGT. Esta
prescrição tem ainda que ter conhecimento oficioso,
nos termos do art.º 175º do CPPT.
5-E
Compensação
Além desta prescrição, ainda podemos falar de
compensação. Olhando para o art.º 40º, 2. da LGT,
vemos que a compensação é prevista como uma
das possibilidades que o legislador pode oferecer
para extinção da obrigação fiscal. Na compensação,
quem deve o imposto tornar-se credor do credor do
imposto. Quem deve o imposto transforma-se em
credor do credor do imposto. O devedor do imposto,
por várias razoes, fica também como credor do
credor do imposto.
Os arts. 89º e 90º do CPPT referem as duas
possibilidades de compensação no âmbito fiscal. O
art.º 89º prevê os casos de compensação
obrigatória, ou seja, há uma compensação por
iniciativa da AT, e os casos são reembolso, revisão
oficiosa, reclamação e impugnação judicial. O art.º
90º apresenta os casos facultativos de
compensação, que podem ocorrer por iniciativa do
contribuinte.
Isto tem ainda de ser conjugado com o art.º 90º-A
do CPPT, segundo o qual a compensação pode
ocorrer com créditos não tributários.
6
INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO FISCAL
Se eu tenho de pagar o imposto e não o faço, o que
acontece? Depende:
De estar perante uma não entrega de um
pagamento de um imposto a pagar
antecipadamente. Aqui há obrigação legal
de entregar imposto antecipadamente e
não o fiz.
De não entregar um imposto retido ou a
reter no âmbito da substituição tributária.
De todos os outros casos em que o imposto
deveria ter sido entregue e não foi.
6-A
Incumprimento por não pagamento do
imposto que tinha de ser pago antecipadamente
Em certos casos, o legislador exige que sejam feitos
três pagamentos por conta do imposto a pagar no
final. No IRS acontece para os detentores de
rendimentos de categoria B (profissionais ou
empresariais), no IRC é genérico. O legislador diz
que sabe que o contribuinte só pagará o imposto
final quando houver liquidação e cobrança, mas
como precisa de dinheiro tem de pagar
antecipadamente, por conta. O que é que acontece
se eu tiver de pagar antecipadamente e não o fizer?
Há várias consequências.
A primeira consequência é o pagamento de juros
compensatórios
art.º 35º, 1. da LGT: aqui, é
devida a quantia do imposto a pagar mais os juros
compensatórios. Além de ter a penalização de ter de
pagar juros compensatórios, também estou perante
uma infração fiscal. Temos de complementar a LGT
com o REGIT, que vai dar a infração
correspondente. O art.º 114º, 5., f) do RGIT dá a
entender que a falta de pagamento total ou parcial
leva a uma contraordenação fiscal. Assim, se eu
tinha de pagar antecipadamente e não o fiz, há juros
compensatórios e contraordenação fiscal.
6-B - Incumprimento por não entrega de um
imposto retido ou a reter no âmbito da
substituição tributária
Estamos aqui numa situação de substituição
tributária. Isto significa que vamos ter três
consequências. a primeira é que são devidos juros
compensatórios art.º 35º, 1. da LGT
O REGIT qualifica o caso concreto como
correspondendo a uma infração tributária é esta a
segunda consequência. Em relação a esta
circunstância em concreto, não podemos apontar só
um artigo, porque vai depender do valor que devia
ter sido entregue. Pode ser crime ou pode ser
contraordenação. Se não houver entrega à AT total
ou parcialmente uma prestação tributaria de valor
confiança, que é punido com pena de prisão até 3
anos ou multa até 360 dias artigo 105º do REGIT.
este artigo, caindo no âmbito do artigo 114º do
REGIT. Nos casos em que o legislador qualifica
como crime, salvaguarda-se a posição do primeiro
obrigado (obrigado ao pagamento do imposto).
Temos, neste caso, de acrescentar uma terceira
consequência, que é a ativação da responsabilidade
em caso de substituição tributária. Aqui entra o 28º
da LGT. Já tínhamos ido a este artigo para
determinar que a retenção na fonte pode ter ou
natureza definitiva ou natureza por conta. Essa
distinção é essencial para apuramento do ipo de
responsabilidade e de quem é efetivamente
responsável. Antes de distinguirmos a natureza da
distinção, o artigo 28º obriga-nos a uma anterior
separação. A responsabilidade é diferente
consoante quem devia ter retido reteve, mas não
entregou ao Estado, e quem devia ter retido não
reteve sequer.
O art.º 28º, 1. diz-nos, por exemplo, que, se a
entidade empregador tem de reter 20% do
vencimento por conta do IRS a pagar e tem de
entregar esse valor, se a entidade reteve mas não
entregou, o único responsável é a entidade
empregadora, e que os empregadores não têm
qualquer responsabilidade destas circunstâncias. O
100
substituído fica desonerado. Os nº 2 e 3 vão aplicarse nos casos em que não houve retenção nem
entrega. Nesses casos, as consequências divergem
consoante a natureza da retenção na fonte:
Se a retenção na fonte tiver natureza por
conta, há uma consequência. O 28º, 2. diz
que o substituído tem responsabilidade
originaria, e que o substituto tem
responsabilidade subsidiaria. O substituto,
apesar
de
ser
repensável
subsidiariamente, e impende sobre si o
pagamento dos juros compensatórios. Há
aqui uma dupla compensação. O
substituído (por exemplo, o trabalhador
face à entidade empregadora) é
responsável, e é à sua esfera patrimonial
que se vai buscar o dinheiro para cumprir a
obrigação devida. No entanto, o substituo
tem uma obrigação que não cumpriu, e por
isso o legislador diz que é ele o responsável
por pagar os juros compensatórios.
Se a retenção na fonte tiver natureza
definitiva, há outra consequência. Diz o 28º,
3. que o substituído é responsável
subsidiário e o substituto é responsável
originário.
12 ABR 2019
Sumário: Relação jurídica fiscal (continuação).
I-8.
A relação jurídica fiscal: aspetos mais
relevantes (continuação)
Nota: na última aula, podemos acrescentar a
confusão.
Estivemos a analisar as consequências do
incumprimento da obrigação fiscal. Vimos o caso em
que havia um incumprimento por não entrega de
imposto que tinha de ser pago antecipadamente a
consequência passava por juros compensatórios e
contraordenação. Depois, vimos casos de
substituição tributária em que imposto retido (ou que
deveria ter sido retido) não foi entregue, tendo como
101
consequência juros compensatórios e infração
tributária, que pode ser crime ou contraordenação
atendendo ao montante, e ativação da
responsabilidade. Vimos que a responsabilidade, no
âmbito da substituição tributária, dependia de o
imposto ter sido retido ou não (se foi retido mas não
entregue, o substituto era o único responsável). Já
no caso de o imposto não ter sido sequer retido,
depende o agente responsável, tendo em conta a
natureza jurídica da retenção: se for retenção por
conta, o primeiro responsável é o contribuinte
(substituído); havendo apenas responsabilidade
subsidiária, o responsável é o substituto; no caso de
a natureza ser definitiva, o substituto é o primeiro
responsável, sendo o substituído responsável
subsidiariamente.
Quando analisamos este terceiro tipo de
incumprimento, estamos a verificar o que acontece
quando tínhamos de pagar o imposto no dia X,
chegamos ao dia Y e não aconteceu. O que se
passa? Há juros de mora (LGT) e há execução fiscal
(CPPT).
6-C - Incumprimento por incumprimento do
prazo legal
Verificamos
assim
que,
relativamente
ao
incumprimento da obrigação principal, há sempre
juros. Tende a existir, em certos casos, uma
infração.
O terceiro caso de consequências contra o
incumprimento da obrigação principal ocorre nas
demais situações em que não estamos perante
substituição ou pagamento por conta antecipado.
Estamos a pensar numa lógica de haver um prazo
legal
um dia máximo para entregar o imposto
devido. Se entramos em incumprimento, o que
acontece?
A primeira consequência está no art.º 44º da LGT.
Ficam ativados juros de mora. Nos casos anteriores,
falámos em juros compensatórios. Aqui, a
consequência é diferente, sendo ativados juros de
mora. Há uma discussão doutrinária sobre a
natureza destes juros: sanção, indemnização ou
medida compulsória.
E há uma segunda consequência: além dos juros de
mora (44º LGT), há a extração de certidão de dívida
pelos serviços da Adm. Tributária. Esta extração
está prevista no 88º do CPPT.
Em face desta extração, o que acontece? É
instaurado um processo de execução fiscal. Atendase ao 88º, 2 do CPPT e conjugue-se com o 162º a
164º do CPPT.
Nota: pode haver um espaço que ainda permite que
o incumpridor peça para se tornar cumpridor,
requerendo pagamento em prestações. O que é que
isto significa? Temos efetivamente um if/then, mas
há espaços temporais que depende dos serviços
darem vazão ou não aos processos. Nesse período
temporal, apesar de já se estar em execução, existe
a legitimidade para pedir pagamento em prestações,
e há um regime específico para isso.
Incumprimento das obrigações acessórias
Vamos assumir que há um atraso na liquidação,
gerado por causa imputável ao contribuinte (os
dados não foram transmitidos, a declaração não foi
entregue, por exemplo). O art.º 35º, 1. da LGT torna
a prever que a primeira consequência é o
pagamento de juros compensatórios. O RGIT, no
art.º 116º, apresenta uma contraordenação por falta
ou atraso de entrega da declaração. Isto é
importante para mostrar que, mesmo nos casos das
obrigações acessórias, o sistema fiscal está
construído para, no caso de não serem cumpridas,
haver uma sanção associada ao incumprimento.
Quando pensamos em incumprimento, não é só o
Estado ir buscar à força o imposto. A resposta
depende. Podemos falar de obrigação principal ou
acessória. Dentro da principal, há 3 possibilidades.
A resposta ao incumprimento depende da
caracterização especifica do que foi cumprido.
Temos a obrigação de declarar tudo o que
ganhamos. Se não o fazemos, há fraude fiscal.
O Estado, felizmente, não tem um polícia para cada
cidadão. Portanto, o Estado confia no cidadão e
confia que o cidadão vai cumprir. Parte do nosso
sistema jurídico, incluindo o sistema fiscal, está
assente no pressuposto do cumprimento. No
102
entanto, tem a noção de que esse cumprimento vai
ser afastado ou noa vai ser atendido por todos.
assim, cria mecanismos que tentam combater o
incumprimento.
Dentro dos mecanismos, podemos encontrar a
questão da fiscalização, da inspeção. Dessas
fiscalizações/inspeções pode resultar que o Estado
deteta que foi declarado X, e entrou menos. Há aqui
um problema. É só no momento em que fica a
conhecer que o Estado vai desencadear todo
processo de qualificação. Por vezes, o Estado confia
nos whistleblowers. Igualmente, pode acontecer que
o Estado fique a saber desses dados por via de
transmissão
de
informação
de
outras
administrações tributárias, que cada vez mais
cooperam entre si. Ou então, o Estado pode
começar a achar estranho que o que é declarado
não bata certo com os níveis de riqueza (fortuna)
manifestados.
É
óbvio
que
não
será
tendencialmente no momento da eventual
necessidade de declaração que o Estado toma
conhecimento de uma situação de fraude e de
evasão e reage, mas existem mecanismos no
sistema que podem levar a que o Estado, a
posteriori, descubra o facto gerador e perceba que
ele não foi dado a conhecer, ou foi dado a conhecer
indevidamente (em valor mais reduzido). Não há um
casamento entre o momento em que falha a
declaração ou ela não é completa e o momento em
que é detetado o verdadeiro incumprimento por
detrás do ato.
Há a privatização da gestão do imposto. Isto significa
que o Estado depende de terceiros para obter as
informações, para criar a liquidação, para cobrar, às
vezes, o próprio tributo. Obviamente que, ao fazer
esta abertura de dependência de terceiros, são
criados riscos
de perda de receita por
incumprimentos. Portanto, o que vai depois
acontecer é a utilização dos mecanismos criados no
sistema para tentar compensar o tempo perdido e o
incumprimento. Isto faz com que haja uma mancha
significativa de incumprimento que não é conhecido,
e que fica à margem. Por isso é que normalmente,
qual é a potencialidade de ser descoberto. Há um
risco elevado ou não? O agente pode preferir correr
o risco e ter os ganhos imediatos, e o Estado pode
nunca vir a saber. Porém, a tendência
contemporânea, relativamente à questão da evasão
e da fraude, é criar barreiras que impeçam os
contribuintes de não darem a conhecer a sua real
situação. Assim, o Estado, além de tentar que as
suas inspeções sejam mais robustas e minuciosas,
103
também ativa muito o recurso a informações de
terceiros introduzidos nos processos económicos e
conscientes dos valores em causa inclusivamente,
com a potencialidade de ultrapassar o sigilo
bancário. Os intermediários financeiros também são
usados pela AT para transferência de informação; e
há a criação de coordenação entre as AT, com a
questão da globalização, a mobilidade e a
ultradeslocalização. Podem ser criados protocolos
para que a transferência de informação seja
automática. Há um conjunto de mecanismos,
portanto, que auxiliam a criar este combate. Dentro
do próprio Estado, há o cruzamento de informações
entre as várias instituições públicas (difícil de
alcançar). O sistema de informações da AT não é o
mesmo que o da Segurança Social ou do SNS, etc.
Algo onde se tem trabalhado é o cruzamento da
informação interna dentro da AP. O RGPD é um
problema para isto, porém
a transferência de
informação, mesmo intra-Estado, é dificultada. Mas
é assim que se consegue descobrir estas situações,
e através dos whistleblowers.
Quando pensamos no incumprimento da obrigação
fiscal, estes tipos de incumprimento contêm
nuances. Por exemplo, vejamos a questão do
imposto retido e não entregue. As entidades
empregadoras têm a obrigação de, todos os meses,
enviar uma declaração contendo as retenções que
fizeram por conta do IRS dos seus trabalhadores.
Imagine-se que somos entidade empregadora e
contratualizámos
trabalhadores,
mas
não
declarámos que eles são nossos trabalhadores. Se
eles não são conhecidos do sistema, o que
acontece? Pode acontecer que haja uma inspeção
de trabalho e se detete que não estão trabalhadores
que deviam estar. O sistema está pensado para,
uma vez se descobrirem as coisas, haver
consequências. Infelizmente, porém, muitas coisas
não são descobertas.
Nota: o Estado não está tão preocupado com a
violação da obrigação acessória quanto com a
violação da obrigação fiscal. Nesse aspeto, está
interessado em ver se há um caso de fraude ou não,
verificando se avança ou não com o processo neste
parâmetro, porque quer saldar efetivamente a
dívida, mas quer sancionar o comportamento.
Na fraude, atendendo ao 103º, 2., vemos que não
são puníveis os factos previstos no tipo se a
Isto ainda dificulta mais a questão.
Numa
análise
custo-benefício,
o
Estado
compreende que os gastos aplicados ao processo
são superiores aos ganhos que resultariam à
aplicação do check. Assim, o elemento económico
também entra na equação, mesmo quando o
comportamento preenche o tipo fraude.
Nota: RCP separaria dois tipos de situações na
obrigação principal. Há casos em que a) há uma
norma especial no âmbito do incumprimento onde se
prevê automaticamente a consequência (seria esse
o caminho), mas tendo a noção de que, mesmo
nesses casos, pode haver o conhecimento de factos
que o fazem qualificar como uma realidade com uma
cominação ainda ultraespecial. Ou seja, imagine-se
que entregámos retivemos o dinheiro dos nossos
funcionários e não entregámos. O Estado pretende,
em primeira linha, ser ressarcido do que lhe era
devido e não foi. O Estado tem direito ao montante
que foi retido e não entregue, mais juros.
Simultaneamente, o comportamento deve ser
penalizado. Temos uma de duas normas específicas
a aplicar, dependendo do montante: menos ou mais
expressa que resolve imediatamente a situação:
sabemos o que tem de ser feito. O Estado tem direito
a receber, juntam-se juros compensatórios e o
comportamento de quem reteve e não entregou tem
uma sanção associada.
Mas imagine-se que b) ganhámos 100 e não
declaramos. Cumprimos aparentemente com as
nossas obrigações, mas anos/meses depois isto é
descoberto. Há, aí, mais casos a juntar. O certo é
que, quando isto é descoberto, a primeira reação é
o que não foi tributado passar a ser tributado. Há
juros sobre o que devia ter sido entregue e não foi,
também. Mas há ainda um problema: também o
nosso comportamento é objeto de uma sanção.
Temos de procurar a sua qualificação e aplicar. O
raciocínio é sempre este: o primeiro objetivo do
Estado é garantir que o que era devido entre nos
cofres; se não entrou no tempo devido, há juros; mas
isso só não chega, pelo que perguntamos se há
alguma
infração
prevista
para
aquelas
circunstâncias e qual. Isto complementa o direito de
o Estado ser ressarcido; é um plus, vai correndo em
paralelo e vai acrescentando. E ainda pode haver
mais plus. Imagine-se a história do substituto, em
que o substituto é responsável mas não cumpre uma
vez demandado para cumprir. O que é que é ainda
ativado para a obtenção daquele valor? A
responsabilidade do substituído.
7
As garantias da obrigação fiscal são aquilo que está
a proteger o lado do Estado, o lado do sujeito ativo.
Há uma garantia comum, que é o património do
devedor ele constitui a garantia geral dos créditos
tributários. Isto vem expresso no 50º da LGT.
Contudo, mais do que a garantia comum, interessa
analisar as garantias especiais. Aqui há que fazer
uma divisão.
Garantia especial pessoal
estamos a
pensar no património de um terceiro que
aparece a salvaguardar o cumprimento da
obrigação. Aparece aqui a questão da
responsabilidade (ela aprece como uma
fiança legal à própria obrigação fiscal). A
responsabilidade pode ser subsidiária ou
solidária. Na subsidiária, há o benefício da
excussão (esgotamento dos bens do
responsável). Na solidária, findo o prazo do
pagamento,
escolhe-se
qual
dos
responsáveis será aquele a pagar,
independentemente de o devedor ter ou
não património. E, ainda assim, existe
direito de regresso.
Garantias especiais reais
coisas.
sobre as
A primeira e a mais importante garantia real é a
prevista no 50º, 2., a) o privilégio creditório. Há
uma preferência do credor em face de outros
credores. O Estado/AT tem preferência face a outros
credores. Mas isto tem limites temporais: não é ad
aeternum. Veja-se o 736º do CC. É importante para
o Estado garantir as garantias suplementares, para,
uma vez terminado este privilégio creditório,
poderem entrar novas garantias especiais a serem
aplicadas. Há a hipoteca, sobre bens móveis
sujeitos a registo ou bens imóveis; e o penhor, sobre
bens móveis não sujeito a registo.
Há ainda outros tipos de garantias que, em certos
casos, podem ser invocados, caso do direito de
retenção
está no 50º, 2., c) da LGT. Há as
providências cautelares, previstas (a sua regulação
genérica) no 51º da LGT. E há ainda a possibilidade,
de acordo com o 169º e 199º do CPPT, de prestação
de caução, mas só em circunstâncias muito
limitadas.
GARANTIAS DA OBRIGAÇÃO FISCAL
104
Assim, o Estado tem ao seu dispor várias garantias
que almejam a que o imposto que é devido seja
efetivamente arrecadado.
Tão importante quanto garantir que o Estado recebe
o imposto que é devido é proteger o contribuinte.
Mesmo que a RJ fiscal tenha como núcleo duro a
obrigação de pagar o imposto
e, portanto, ao
sujeito ativo terem de ser oferecidas garantias
capazes de sustentar a efetiva arrecadação da
receita não menos importante é compreender que
a posição do contribuinte também tem de estar
garantida. Quando falamos em garantias da RJ
fiscal, não devemos olhar apenas para as que
suportam o sujeito ativo, e, portanto, a obrigação
fiscal há que ter a consciência de que existe um
conjunto de garantias que têm como função proteger
o contribuinte. Isto tem especial valor quando o
contribuinte é não móvel ou não tem à sua
disposição os recursos legais, económicos e de
prestação de serviços especializadas que permitam
antecipar litígios com a AT. Em Portugal, não há o
que se possa apelidar um estatuto do contribuinte.
Seria mais vantajoso tê-lo, estando aí condensadas
todas as garantias. Na prática, o que temos são
garantias espalhadas pela legislação fiscal, o que
pode fazer com que o contribuinte não saiba que tem
aquela proteção. Também não temos em Portugal a
figura do provedor do contribuinte (ombudsman). Já
tivemos isto entre 1996 e 2002. Quem faz hoje este
papel é a provedoria de justiça, onde também as
matérias fiscais são de grande importância.
26 FEV 2019
Sumário: Relação jurídica fiscal (continuação).
Direito de informação
obrigação de
fundamentação de todos os atos tributários
(77º da LGT). Não há diferenciação face à
regra dos atos administrativos, e um ato
tributário é um ato administrativo. E há
obrigação da participação do contribuinte
na formação das decisões acerca dos seus
deveres (60º da LGT), bem como a
questão das informações vinculativas e
orientações genéricas (68º e 68º-A da
LGT) e a informação pública regular e
sistemática acerca dos direitos e
obrigações dos contribuintes).
Direito de assistência no cumprimento nos
deveres veja-se o 59º da LGT: há o dever
de colaboração da administração no
cumprimento dos deveres. E há o caso
legalmente estabelecido do pagamento da
prestações. O contribuinte tem o direito de
assistência no cumprimento dos seus
deveres.
Direito de reparação das ilegalidades o
73º da LGT fala em presunções no âmbito
do direito fiscal serem ilidíveis. E tem de
haver acesso à justiça tributária, que é
tanto
a
prevista
nos
tribunais
administrativos e fiscais como a prevista na
arbitragem tributária. Por outro lado, vejase o 30º, 1., c) da LGT há o direito, à
dedução/restituição do imposto pago
indevidamente, e os juros indemnizatórios
referidos pelo 30º, 1., e) e o 43º, ambos da
LGT, e o facto de haver limitação ao
quantitativo de juros compensatórios
devido pelo contribuinte (35º, 7.).
Garantias procedimentais e processuais
quando falamos em due process, falamos
numa ideia de salvaguarda de direitos de
forma legítima. Veja-se o 63º da LGT: há
proteção nas ações de inspeção de que o
contribuinte pode ser alvo. Há aqui balizas.
7
GARANTIAS DA OBRIGAÇÃO FISCAL
(continuação)
Por outro lado, há a possibilidade de
reclamação ou recurso hierárquico das
decisões da AT, tal como pode haver
procedimento cautelar a favor do
contribuinte.
Analisámos as garantias do lado do sujeito ativo.
Note-se que também há garantias do lado do sujeito
passivo. Temos como exemplos desta ideia de
garantias quatro níveis:
Com que tem a ver o procedimento
cautelar? Temos um processo principal e
não queremos que a nossa casa seja
destruída, e alguém diz que tem
propriedade e vai destruir. Há que discutir
105
quem tem o direito. Será que, enquanto se
discute, o outro pode destruir a casa?
Podemos introduzir certos aspetos que
limitam o espaço de ação naquele caso,
de quem quer destruir
com uma
haver procedimentos cautelares a favor do
contribuinte. Por outro lado, existem prazos
para a AT cumprir, que são vistos como
garantia procedimental e processual. Em
termos de processo, existe mesmo um
processo para a intimação para o
comportamento. Imagine-se que a AT tinha
de agir de dada forma e não o fez;
podemos, por via judicial, fazer a AT agir.
Isto nasce de uma figura administrativa: a
condenação à prática do ato legalmente
devido.
Por outro lado, vimos a caducidade da
liquidação e a prescrição da obrigação
tributária. EM suma, o que retiramos que
trate das garantias como um todo.
O que vemos são artigos que procuram proteger a
esfera jurídica do contribuinte espraiados pela
legislação. Existem quer nos códigos específicos
dos impostos, mas também na LGT e no CPPT. As
garantias dos contribuintes têm vária natureza: não
só procuram manter o contribuinte informado do que
se passa a seu propósito no seio da AT, como temos
garantias de o contribuinte ser auxiliado pela AT a
cumprir os seus deveres, como garantias dos
contribuintes para reparar ilegalidades na relação
jurídica tributária, tal como a necessidade de
proteção procedimental e processual para os
contribuintes de forma a que haja um respeito do due
process (procedimento/processo legítimo. Isto tem a
ver com acesso à justiça e mecanismos
concretizadores; limitações à atuação da AT, quer
do ponto de vista de prazos, quer do ponto de vista
de procedimentos, quer do ponto de vista de ações
a tomar em reação aos contribuintes. Quando
pensamos numa RJ fiscal, pensamos numa RJ
obrigacional que bebe da RJ obrigacional tout court,
mas com aspetos específicos também a ser
considerados não só o lado ativo e o lado passivo.
Há assunção de um natural desequilíbrio entre SJ
ativo e SJ passivo; não estamos perante uma RJ
entre privados, e sim no direito público. O imposto
implica coercividade no caso de incumprimento. Há
vários sujeitos a poderem intervir do lado passivo
há o sujeito passivo em primeira linha, o contribuinte,
mas existe a possibilidade de substituição tributária
e responsabilidade. Temos uma tipologia de
obrigações que vai para além do mero pagamento
do imposto, podendo assumir formas acessórias ao
cumprimento/pagamento do imposto. Temos várias
formas de cumprir a obrigação, formas voluntárias
ou formas obrigatórias impostas, no caso do
pagamento voluntário não ocorrer. Temos
consequências para o caso de incumprimento, que
não passam apenas pelo pagamento da dívida, mas
também pelo pagamento de juros e igualmente por
infrações. E há a necessidade de ter em atenção que
existem garantias para os dois tipos de sujeitos na
RJ: garantias para o cumprimento do pagamento do
imposto e garantias à esfera jurídica do sujeito
passivo.
I-9.
Fraude fiscal e evasão fiscal
Assumindo o imposto como parte de uma RJ,
importa compreender que a vantagem para o Estado
está em garantir um cumprimento voluntário
e,
portanto, vantagem haverá numa adesão dos
contribuintes ao imposto. Todavia, porque há uma
relação jurídica que implica uma lógica de
obrigação,
pode
haver
um
espaço
de
incumprimento. Esse espaço pode ser qualificado
como sendo fraude fiscal ou evasão fiscal. Estes
dois comportamentos indevidos têm por objetivo
eliminar ou reduzir a carga fiscal suportada. Mas
atenção: o legislador tem a noção de que tem de dar
espaço para os contribuintes poderem, por vezes,
escolher várias práticas de forma legítima, podendo
trazer como consequências reduções legítimas da
carga. Aí não há fraude ou evasão, mas
planeamento fiscal legítimo. A forma como o
contribuinte se coloca perante a norma fiscal
cumprir ou não cumprir, ou cumprir reduzindo a
carga tributária pode ser variada.
Se o contribuinte apenas utilizar as opções que o
legislador fiscal lhe coloca à frente, e permite a
escolha para ter um abaixamento/redução do
imposto a pagar, está a praticar-se algo legítimo
conhecido por planeamento fiscal. Se temos uma
taxa de IRC de 26%, mas deslocalizando o negócio
para o interior do país a taxa é reduzida para 20%, é
legítimo. O contribuinte apenas tem de decidir se fica
no litoral ou se desloca para o interior, tendo por
consequência
uma
vantagem
fiscal.
O
comportamento é legítimo; nada há a apontar.
O problema surge quando o legislador não prevê a
escolha, e o contribuinte fá-lo de forma ilegítima ou
até ilegal. Se não declaramos os rendimentos que
obtivemos ou só declararmos parte deles, não
declarando o remanescente, estaremos a ir contra
uma norma fiscal segundo a qual temos de declarar
todo o rendimento (no caso dos residentes, o
106
worldwide income). Não declarar é uma violação
expressa de uma norma legal; é cometida fraude
fiscal.
E se não quisermos ser apanhados, com a
consequência nefasta da fraude fiscal, decidindo
nós não violar a norma e sim arranjar uma forma
artificial de dar a volta à situação de facto, alterando
a sua qualificação e dando origem a um regime fiscal
mais vantajoso? Nessa circunstância, não há uma
violação explícita/expressa de uma norma fiscal,
portanto não há fraude; o que há é o que se conhece
por evasão fiscal. A evasão fiscal caracteriza-se por
o contribuinte rejeitar a norma fiscal que lhe era
aplicada, criando um artifício que vai ativar uma
outra norma fiscal que não deveria ser aplicada,
mas, perante esse artifício, passa a ser aplicada e é
mais vantajosa. Temos aqui uma relação entre uma
norma de cobertura e uma norma evadida. A
situação previa que a norma A fosse aplicada. Com
a norma A, a tributação seria muito pesada, mas
aplicando a norma B a tributação seria muito
vantajosa
mas a qualificação dos factos não
permite entrar na norma B. Assim, criamos uma
modificação para que a norma A (norma evadida)
seja afastada e seja ativada a norma B (norma de
cobertura). Com isso há um ganho fiscal.
Exemplo 1: imagine-se que temos um imóvel e o
vamos vender. Como a tributação das mais-valias é
muito pesada, criamos uma sociedade com o
comprador onde ele entra com dinheiro e nós com o
imóvel. Passado algum tempo, a sociedade
dissolve-se, distribuem-se os bens, nós ficamos com
o dinheiro e o comprador com o imóvel. Evitámos a
tributação das mais-valias; não negámos. Isto viola
o espírito; visa evitar a tributação. Não é ilegal, mas
será lícito? A evasão funciona neste parâmetro.
Recorde-se a questão dos preços de transferência.
Se manipularmos os preços das operações
intragrupo para tornar as coisas mais vantajosas,
também cometemos evasão.
Exemplo 2: trabalhamos em Portugal, vivemos cá
mas achamos que a tributação portuguesa é muito
aborrecida. Deslocamos a residência para Espanha;
mudamos de país, arranjamos casa e trabalho em
Espanha. Aí não há problema; escolhemos
legitimamente mudar. Mas há problema se
deslocalizamos a residência para Espanha e
continua tudo em Portugal. Aí, temos um problema
de evasão
o objetivo era apenas reduzir a
tributação. Isto ainda é mais problemático quando o
sítio para o qual deslocalizamos a residência (que
pode ser de um indivíduo ou uma pessoa coletiva) é
107
um paraíso fiscal, onde não há tributação ou ela é
muito reduzida (nominal). Aí, o regime fiscal é muito
obscuro e não há transparência. Ainda mais
complicada é a questão. E tudo isto ainda fica mais
complicado quando se começam a introduzir várias
jurisdições e vários bocados de jurisdições fiscais
mais vantajosas. Imagine-se que RCP escreve um
livro, tendo direitos de autor. No Japão decidem
publicar o livro. Em vez de celebrar um contrato
editorial com a editora japonesa, que daria azo à
existência de rendimentos qualificados como
royalties, RCP contratualiza com a editora um
contrato de alienação; não cede, mas aliena os
direitos de autor. O contrato tem duas cláusulas:
é exatamente o ter direito de autor, e, portanto,
criámos um artificio para ter uma norma que mais
vantajosamente é tributada, no âmbito de um acordo
para eliminar a dupla tributação. Isto é mais
complicado sendo uma Google ou uma Apple, em
que, em vez de uma operação direta entre dois
Estados, colocamos uma empresa detentora de
propriedade intelectual nas Bermudas (paraíso
fiscal). A empresa das Bermudas não passa para o
RU, e sim para a Irlanda, onde a tributação daqueles
rendimentos não é muito vantajosa, e vai ainda à
Holanda onde as tributações das holdings são muito
mais vantajosas, passando depois ainda outra vez
acabando finalmente no Reino Unido. Para que
serve isto? Os esquemas de evasão podem ser
muito simples e muito complicados; podem implicar
uma jurisdição ou muitas jurisdições. Podem
implicar múltiplas normas ou não; o grau de
complexidade varia de extremos. É cada vez mais
difícil dizer o que é que é verdadeiramente evasão
fiscal.
O facto é que há complexidade crescente, e isto
tornar muito difícil conseguirmos dizer o que é
evasão fiscal. Há uma grande discussão sobre isto.
A expressão mais correta, hoje em dia, é até
planeamento fiscal agressivo, que é diferente do
planeamento fiscal. Há quem diga que são
realidades diferentes; RCP acha que são a mesma
coisa. Apesar de se falar nisto, não há uma definição
nem na jurisprudência do TJUE, nem em
comunicações da Comissão, nem em diretivas, nem
no relatório BEPS. Existem ideias, elementos que
auxiliam a qualificar um comportamento do
contribuinte como sendo planeamento fiscal
agressivo, mas não há certezas. Não se tem a
certeza sobre se o se está a fazer é legítimo ou não,
do lado das empresas; e há muitos litígios,
naturalmente. Veremos as formas de combate
desenvolvidas pela AT.
Da análise de jurisprudência do TJUE, das
comunicações da Comissão, da análise de diretivas
que implicam o conceito de planeamento fiscal
agressivo, da análise de diretivas, do regime
nacional, de trabalhos da OCDE não há definição de
planeamento fiscal agressivo ou evasão fiscal. O
que há é ideia de um comportamento que é indevido,
utilizando um esquema artificial para criar uma
vantagem fiscal. O que seja um esquema artificial
depende do caso concreto; note-se que não é
preciso que o único objetivo desse esquema seja a
redução do imposto. Pode haver alguma substância
no esquema, sendo apenas um dos vários impactos
a redução da carga tributária.
Em 2018, foi lançado pela Comissão Europeia um
relatório (não comunicação, diretiva ou regulamento)
onde foram estudado e identificado um conjunto de
elementos económicos que, no comportamento das
multinacionais, tenderá a auxiliar o reconhecimento
de uma prática como sendo de planeamento fiscal
agressivo.
Prendem-se,
sobretudo,
com
manipulação dos dados de pagamentos de juros,
royalties e preços de transferências. São três áreas
dominantes onde as práticas indiciam um
planeamento fiscal agressivo. Mas atenção: isto é
indicativo. Geralmente, pede-se um conjunto de
critérios, que é complicado demonstrar. Grande
parte da litigiosidade contemporânea assenta nisto.
É cada vez mais uma discussão que não se prende
com uma única jurisdição; normalmente, não se
prende numa única jurisdição.
Nota: o planeamento pode ocorrer em três níveis
diferentes. Fala-se numa deslocalização para da
base tributária para um país de baixa tributação, mas
também pode constituir um rearranjo internacional
dos fluxos económicos para evitar a tributação (há
uma ideia de alterar os fluxos para outros que dão
origem a uma norma mais vantajosa), mas também
pode consistir numa redução da base de tributação
via dupla dedução e/ou dupla não tributação (onde
só é permitido que isto acontece duas vezes; o
Estado não quer que o mesmo gasto seja deduzido
duas vezes).
E há as operações financeiras híbridas: imagine-se
que uma sociedade de advogados é uma chamada
sociedade transparente; considere-se que são
tributados os sócios e não a sociedade. A realidade
que em Portugal é tida por transparente pode ser
opaca noutra legislação, sendo preciso olhar para
essa instituição. Isso pode dar azo a duplas
deduções. Podendo aí ser deduzido duas vezes o
mesmo facto, e pode haver origem a dupla não
tributação. Há um conjunto de esquemas e
artificialidade embutida que torna as coisas mais
difíceis, mais ainda quando estamos perante grupos
multinacionais.
Imagine-se uma sociedade-trampolim. O pagador
deve dinheiro a um credor; o que se faz? Cria-se
uma sociedade num sítio e outra noutro. Tudo tem a
ver com a escolha dos regimes fiscais mais
vantajosos. Imagine-se que o pagador, em vez de
pagar a X, paga a Y, num Estado que até tem uma
tributação normal, parecendo tudo legitimo. Mas há
contrato com outra sociedade que dá origem a
pagamento de comissões, que está, por sua vez,
ligada com a outra. Following the money, há um
rasto. As sociedades conectoras trampolim fazem
passar, dando conexão com áreas mais vantajosas.
Tudo isto é legal; será legítimo? Possivelmente não.
Nota: uma entidade e um esquema construído para
planeamento fiscal não tem apenas o impacto da
redução fiscal; o TJUE tende a aceitar que o ganho
fiscal pode ser um de vários aspetos económicos a
serem considerados, e não o exclusivo, e não o
importante. O objetivo, vimos, era o ganho fiscal:
mas começou a perceber-se a complexidade dos
esquemas criados, o facto de alguns esquemas
terem por detrás uma certa complexidade. Pode
haver ganhos económicas, mas tem de haver ganho
fiscal. Imaginem-se as sociedades-veículo.
Nota: a sanção para o planeamento fiscal agressivo
criminalização.
I-9.-a.
Combate à fraude
Na fraude, tem de haver:
108
Boa inspeção tributária;
Boa rede de troca de informações entre as
várias administrações tributárias.
A consequência é a criminalização da fraude. Algo
que no fiscal se tende a utilizar também muito é se
deve ou não haver levantamento do siglo bancário,
sendo que as contas bancárias tenderão a ser uma
radiografia das opções do contribuinte, tendendo a
haver um conjunto de informações que poderá
ajudar a provar a existência de fraude.
No 63º-B da LGT, há a questão do levantamento do
segredo
bancário.
O
que
se
discute
internacionalmente
é
como
fazer
esse
levantamento. Pode a administração tributária ir
diretamente à conta bancária ou pedir a terceiro
essa autorização? Temos um confronto entre
interesses constitucionais.
desconsiderando o facto de terem sido criados
gastos artificiais para reduzir o lucro a ser tributado.
Imagine-se uma operação intragrupo em que o
preço é diferente do de mercado. O que acontece?
Imagine-se que o preço de mercado é de 10, mas B
compra a A, que é do seu grupo, porque A ficciona
que o preço será de 20. Por que é que B tem
interesse em que seja 20 e não 10? Porque tem mais
gastos. O que é que isso vai significar para o imposto
a pagar? Uma redução. No âmbito do IRC, para as
empresas tributadas de acordo com o lucro, temos:
Lucro contabilístico +- variações patrimoniais +correções fiscais
IRC: MC = Lt - Pf
E veja-se o 64º do CIRC, onde há uma correção ao
valor da transferência de direitos reais sobre
imóveis. Se é declarado que a casa foi comprada por
100 mas na realidade foi por 200, pode fazer-se a
correção desse valor.
Quando chegamos à evasão, a criminalização não
ocorre. Como é que fazemos então? O meio
tradicional
encontrado
para
combater
a
evasão/planeamento fiscal agressivo é através de
medidas antiabuso. Que medidas são estas? São
normas que têm a finalidade de desconsiderar os
efeitos fiscais vantajosos e impor a tributação-regra
a que devia ter ocorrido, e não ocorreu porque
houve uma manipulação dos dados. Vimos que a
evasão consiste em contornar as regras para aplicar
algo mais vantajoso; o que fazemos como
consequência é desconsiderar o ganho e aplicar a
norma inicialmente aplicável.
As normas antiabuso podem ser de dois tipos: gerais
ou especiais. As especiais são de mais fácil
aplicação: significam que já foi detetada a prática
abusiva concreta. Se já sabemos isso, então temos
a norma concreta para aquela situação em concreto.
Um exemplo são os preços de transferência. Há uma
norma no CIRC (art.º 63º) que diz o seguinte:
quando for detetado que os preços intragrupo são
diferentes do preço de mercado, o que acontece? A
administração tributária, ao detetar, vai corrigir o
lucro (aumentando-o nessa medida), assim
109
Quanto menor for o lucro contabilístico, menor será
o lucro fiscal, e menor será a matéria coletável e o
imposto a pagar. Interessa à empresa ter mais
gastos para reduzir o valor do imposto. O que
acontece? Imagine-se que temos Estados
diferentes. A AT procura anular a vantagem,
corrigindo o lucro tributável, aumentando-o, pondo
10 e não 20. Quando é descoberto, há que anular a
vantagem, anulando os gastos que foram tidos
superiormente e não deveriam ter acontecido. Há
que ter em consideração o valor de mercado,
baixando os gastos.
Nota: poderá dizer-se que o crime compensa, se a
sanção é só esta? Por isso é que as inspeções e a
troca de informações são muito importantes. A
Google e a Apple não pagam impostos significativos
legalmente. É legítimo? Isto tem a ver com a fair
share. Se arranjamos uma forma artificial de reduzir
a carga fiscal, será isto legítimo, ético, moral? Estas
questões estão em cima da mesa hoje em dia no
internacional, com consequência nas interpretações
mais acérrimas do que seja ou não evasão.
Nota 2: há normas fiscais diferentes nos
ordenamentos fiscais, e os agentes vão
aproveitando. Por isso, tem de haver uma mudança
radical em termos de ética e cumprimento fiscal.
Estes mecanismos tem um impacto nefasto muito
grande; há uma penalização continuada dos
contribuintes contribuidores, criando uma violação
do princípio da equidade fiscal entre contribuintes.
Aqueles que não têm outra forma que não cumprir
são os verdadeiramente penalizados, pois o Estado
continua a depender da receita fiscal como primeira
e grande receita. Se há uma grande redução, não
obtendo a receita efetiva, penalizam-se aqueles que
cumprem. Há um caso de justiça e iniquidade a
surgir como decorrência de um incumprimento da
fair share. Se todos cumpríssemos na medida da
capacidade contributiva, os que pagam não teriam
de pagar tantos impostos. É o Estado um bom
aplicador das receitas que legitime e crie a
convicção do dever de cumprir? É precisa uma
grande mudança da mentalidade intrínseca (como
no aspeto ambiental). Não basta uma norma
antiabuso para conseguir a resolução do problema.
E o que é exigido uma cláusula geral antiabuso
provar? Não estamos perante ilicitude. Como é que
provamos? Isso é extraordinariamente complicado.
Nota: se B tem mais gastos, A aumenta o seu lucro
e não lhe é vantajoso? Isto acontece geralmente em
Estados que têm regimes diferentes; a tributação de
A, naquele caso, será muito reduzida e a vantagem
estará garantida no cômputo geral.
2 MAI 2019
Sumário: Fraude e evasão (continuação); IRS.
I-9.
Fraude fiscal e evasão fiscal (continuação)
Recorde-se o contexto da evasão fiscal. Estamos a
estudar direito fiscal
portanto, direito que versa
sobre os impostos. Compreendemos o que é o
imposto na contraposição com os outros tipos de
tributos. Compreendemos quais as características
específicas das regras que regulam e interpretam a
forma como se deve aplicar estas normas fiscais.
Identificámos esta figura tributária
o imposto
como fazendo. Caracterizámos essa relação, que
compreendemos ser uma relação entre alguém que
deve e alguém que paga. Esse alguém que deve
pode cumprir ou não cumprir; já vimos quais as
consequências do incumprimento. Todavia, quando
analisamos a questão da fraude, da evasão e do
planeamento fiscal agressivo, estamos a procurar
compreender que, por detrás de alguns tipos de
incumprimento, existe uma motivação de redução ou
até eliminação da carga tributária. Identificámos a
figura da fraude como uma violação direta e frontal
da lei; identificámos a evasão como um contornar da
regra fiscal que seria aplicável, criando
artificialmente factos conducentes à aplicação de
uma norma fiscal mais vantajosa, e compreendemos
que o planeamento fiscal legítimo assenta numa
seleção do contribuinte legal de opções que as
normas fiscais colocam ao contribuinte.
A preocupação não está, neste domínio, no âmbito
do planeamento fiscal legítimo (opções que o
legislador coloca ao contribuinte para escolher entre
ser mais ou menos tributado de forma legítima);
antes, as preocupações estão centradas no
comportamento do contribuinte evasivo ou
fraudulento. O grande problema destas práticas é
que reduzem, em grande medida, a receita fiscal
arrecadada. Para o Estado significa perda de
receita; isto é grave quando vemos que o imposto é
a receita fiscal mais significativa (ligando com a
questão das finanças públicas).
Por outro lado, há um segundo nível de impacto
destes comportamentos indevidos: o quadro da
justiça, da equidade da RJ fiscal. Eles provocam um
desequilíbrio indevido, injusto entre contribuintes
cumpridores e não cumpridores. Se o Estado tem
necessidade da receita e não a vai obter no âmbito
da verdadeira capacidade contributiva, então vai
reforçar a tributação daqueles que são cumpridores.
Portanto, há uma quebra da equidade. Daí que
RCP volta a frisar
pensar fraude e evasão /
planeamento fiscal agressivo deve significar não
apenas uma crítica à quebra de receitas fiscais e,
portanto, uma quebra nas receitas públicas, algo
que não é desejado pelo Estado mas igualmente
deve ser analisado também pela perspetiva de
relação entre contribuintes, colocando em
desvantagem
os
cumpridores
face
aos
110
incumpridores. Isto é visível no facto de o Estado ir
sufocar os cumpridores por causa dos não
cumpridores.
Esta mensagem é importante: normalmente há
muita tendência para analisar as temáticas da fraude
e da evasão na perspetiva do Estado: deixa de
arrecadar a receita, fica penalizado. Mas estes
comportamentos não penalizam apenas o Estado;
penalizam também os contribuintes cumpridores.
Não só porque a capacidade contributiva fica
afetada, mas também porque o incumprimento fiscal
significa que, como o Estado precisa e não arrecada,
sobrecarrega os contribuintes cumpridores com
mais tributação. Não significa que se criem mais
impostos; podem manter-se os mesmos e aumentar
o nível de tributação (mas também podem criar-se
novos impostos).
Compreendemos, então, que há uma necessidade
de combater estas realidades.
Já vimos que, em relação à fraude, em primeira
linha, a forma de combater é apostar numa
fiscalização robusta. Os serviços de fiscalização da
AT têm de ser suficientemente eficientes e eficazes
para detetar estas práticas indevidas. Claro que só
isto
não
chega.
Este
espaço
de
inspeção/fiscalização tem de ser complementado
com troca de informações.
Ou seja, a AT e Aduaneira portuguesa precisa de ter
uma forma de aceder à informação robusta, que não
dependa apenas da inspeção. Por isso é que os
bancos têm obrigações de transmissão de
informação à AT; por isso é que os consumidores,
pedindo fatura, estão a auxiliar o Estado a obter
informação das transações. Verificamos que a AT
procura, junto de outros agentes económicos, obter
as informações que permitem confirmar ou não
se aquilo que é declarado está a bater certo com o
que é real.
Além destas trocas de informações
além das
obtidas por agentes económicos
pensamos,
sobretudo, no âmbito internacional de mobilidade
dos agentes económicos, numa troca de
informações entre administrações fiscais de vários
países. As AT dos vários países enviam informação
sobre contribuintes que têm elementos de conexão
(que estudámos a propósito da aplicação da lei fiscal
no espaço) com vários territórios. Isto pode ser feito
com pedido de uma AT a outra, ou pode acontecer
de forma automática, tendo já acontecido antes um
acordo entre ATs para transmitir automaticamente
informação fiscal relevante.
111
Atualmente, há a ideia de que as ATs devem
interagir entre si, trocando informações para
poderem combater a fraude e a evasão.
Outro mecanismo de combate que existe é o
chamado levantamento do sigilo bancário. Pode a
AT dirigir-se ao banco e permitir a consulta dos
movimentos e dos saldos das contas bancárias de
outros contribuintes. Ninguém internacionalmente.
tirando os paraísos fiscais defende que deve haver
o levantamento do sigilo bancário
que é uma
importa arma de combate à fraude e vasão. O que
se pode juridicamente discutir é se a AT, para aceder
à conta bancária, deve fazê-lo automaticamente, por
sua iniciativa, ou se deve recorrer a um terceiro
independentemente, justificando a sua necessidade,
e esse terceiro juiz, árbitro, etc. autorize o acesso
às contas.
A tendência internacional é que a AT possa,
automaticamente e por si só, aceder às contas
bancárias. É a tendência atual, que pode ser
criticada do ponto de vista dos direitos fundamentais
nomeadamente, reserva da intimidade da vida
privada.
No nosso OJ, isto está regulado pelo 63º-B da LGT.
Há aqui um regime misto, em que pode haver
acesso ou garantir que um terceiro independente
possa ou deve ser chamado a pronunciar-se sobre
essa questão. Outra área usada para combater é a
chamada lista (negra) dos paraísos fiscais. Tanto
Portugal como a UE em si, enquanto entidade e
instituição, têm listas negras de países que são
considerados paraísos fiscais e que, se houver uma
localização/conexão
de
um
contribuinte
europeu/nacional, pode dar azo à ativação de regas
fiscais penalizadoras. A temática dos paraísos
fiscais é muito complicada: na fraude e na evasão
analisamos o comportamento do contribuinte, mas
nos paraísos fiscais olhamos não para o
comportamento do contribuinte, e sim para o
comportamento do Estado.
Um dos aspetos fundamentais na classificação dos
impostos era a distinção entre impostos fiscais e
impostos extrafiscais. Essa classificação torna a
aparecer agora para revelar a ideia de que o imposto
pode ser utilizado como instrumento de política
pública ou seja, o Estado pode utilizar o imposto
como forma de atração de investimento, criando
regimes fiscais mais vantajosos dos que estão à
volta para trazer investimento.
O problema não está nesse poder, que todos os
Estados de todo o mundo têm. O problema é quando
esta prática que se chama concorrência fiscal se
torna
prejudicial,
tornando-se
apelativa
a
comportamentos fraudulentos ou evasivos. O facto
de existirem normas fiscais diferenciadas, mais
vantajosas, atrai os contribuintes, que podem usar
estas diferenças para criar esquemas artificiais que
criem vantagens para a sua esfera jurídica.
É óbvio que quando o Estado tem poder tributário
criar e reger o seu sistema fiscal
dentro desse
poder, está poder tributar ou não tributar, mais ou
menos. Isto é completamente da responsabilidade
dos poderes públicos de cada Estado. É normal que
cada Estado tenha certas normas que não se
repetem no país vizinho. Mas pensemos numa
lógica comercial, de concorrência e direito
internacional. Há interesse em concorrência muito
agressiva entre os Estados? Para uns sim e para
outros não. Quer criar-se um espaço de alguma paz
e alguma harmonização. Não significa que todos os
Estados que tributam empresas teriam 20-30%, mas
há um padrão que está a ser balizado. Esta
tendência tem a ver com a lógica da capacidade
contributiva, o tipo de Estado, o tipo de direitos
salvaguardados e o tipo de atividade pública em
resumo, o gasto público para cada Estado concreto.
Ora, percebe-se que quem faz uma opção por um
Estado social de direito tem de ter cargas fiscais
elevadas. Se começa a aparecer um Estado que
prescinde nisso, até apostando em dumping social,
práticas indevidas do ponto de vista dos
trabalhadores, que não tem SNS digno, que não tem
sistema educativo público. Pode usar os impostos
como ferramenta para captar investimento,
conseguindo receita e desenvolvimento dos serviços
de outra maneira. O que se verifica é, então, uma
lógica de luta. É normal haver concorrência fiscal,
mas não é desejável que ela se torne prejudicial e
que haja uma quebra muito elevada da neutralidade
fiscal.
Por isso, há uma necessidade criar um padrão de
normas. Assim, procura combater-se estes Estados
que são qualificados como paraísos fiscais.
Claro que o direito fiscal internacional não significa
que tenhamos um polícia com um cassetete para
acertar nos Estados. Que mecanismos temos? Uma
lista que afete a reputação do Estado do ponto de
vista internacional; ou usar a lista para criar normas
internas que criam regimes fiscais maus, de impacto
negativo, para os contribuintes que se deslocalizam
e vão para essas localizações tidas por paraísos
fiscais.
Por isso, quando se fala no combate à fraude e à
evasão, é preciso atentar à lista negra
número
avultado de países considerados paraísos fiscais
e que devem ser combatidos. No nosso sistema
fiscal temos a portaria 150/2004, que tem um
conjunto de 83 países considerados paraísos fiscais
(exemplos: Antilhas Holandesas, Aruba, Bahamas,
Bermudas, mas também Emirados Árabes Unidos
que têm zero de tributação sobre o rendimento e
Mónaco, Panamá, etc.).
É preciso ter em atenção que, nesta lista, não
aparecem só ilhas paradisíacas. Note-se que é
importante ter em atenção que, atualmente, apesar
de esta ser a lista do que é considerado paraíso
fiscal, não existam certos países com sistemas
fiscais ditos desenvolvidos e de acordo com os
princípios-regra, que possam ter micro-regimes
internamente que são considerados prejudiciais.
Desde logo, temos como exemplo a Irlanda e o nível
de tributação empresarial que vai abaixo dos 12,4%,
quando a média europeia está acima dos 28%.
Pense-se, também, na Holanda: o regime de
tributação privilegiado das holdings, empresas que
têm participações sociais que são, digamos, a
empresa-mãe do grupo de empresas. E há o caso
de Portugal, com a Zona Franca da Madeira, que já
tem agora uma configuração muito mais
penalizadora.
Assim, apesar de termos uma lista de paraísos
fiscais, há países que têm um sistema fiscal
perfeitamente legítimo, têm normas contestadas do
ponto de vista internacional. Um exemplo nosso que
foi muito badalado nas notícias foi o regime do
residente não habitual, que dá espaço para uma
tributação privilegiada de certos residentes na UE
que venham para Portugal e não tenham residido
antes no período de 5 anos. Esta lógica de atração
tem sido, sobretudo, de pensionistas do norte da
Europa, que deixam para a altura da reforma a sua
residência nos seus países e vêm para o sul da
Europa. Qual é o problema? Se conjugarmos o
regime fiscal nacional com o acordo de dupla
tributação
Portugal-Finlândia
ou
PortugalDinamarca, etc., quem tem a exclusiva competência
para tributar é o Estado onde eles são residentes,
que é Portugal, perdendo receita o Estado que paga
as pensões.
Portanto, isto serve para demonstrar como normas
internas de países que até podem ter cargas fiscais
elevadas tem por vezes, micro-regras que criar
desvantagens relativas com a generalidade dos
112
países. Também estas normas micro são
contraditadas pelos países, embora nenhuma regra
exista a dizer que são proibidas, pois estamos no
domínio do poder tributário cada Estado decide
quando, como tributar.
Os países unem-se para dificultar a vida aos
paraísos fiscais. Tornam o seu nome negro, ficando
a reputação do país afetada, o que pode ser
penalizador para a atividade de investimento. Mas
normalmente existem normas internas que
penalizam quem se deslocaliza para estes
territórios. No IRS português, se alguém se mudar
para o Qatar, tem-se que, durante os 5 anos
seguintes, o Estado português desconsidera essa
mudança de residência e continua a tributar como
residente, ou seja, pela totalidade dos rendimentos.
Está a desconsiderar-se essa mudança ais para
Muitas vezes, estas deslocalizações têm como único
objetivo a redução da carga tributária continuamos
com casa, conta bancária etc. em Portugal. O
Estado continua a defender a sua tributação cá,
querendo retirar esta ficção que foi criada pelo
contribuinte. O que se verifica na prática é que,
muitas vezes, isto é ficcionado não é substância, é
forma. Mas permite-se a prova do contribuinte em
contrário; por exemplo, imagine-se o caso de um
piloto que vai mesmo trabalhar para o Qatar. A maior
parte dos países têm estas normas, que permitem a
atacar os paraísos fiscais. Há muitos países que são
países em vias de desenvolvimento, e que, muitas
vezes, estão dependentes ed efluxos de
investimento
e,
inclusivamente
auxílios
internacionais. Tende-se aqui coartar e levar estes
países a aderir a um sistema fiscal adequado; mas
é legítimo ou não? Os Estados têm o seu poder
tributário; é legítimo os outros Estados limitarem o
seu poder tributário? É um problema da relação
entre Estados.
Isto tem impacto na própria tipologia das tributações
nacionais. Se fizermos uma análise comparativa de
tributação, os Estados desenvolvidos apostam mais
nos impostos sobre o consumo; e, além dessa
receita, o que vem a seguir? O correspondente ao
fator trabalho. Não são as empresas, e sim os
indivíduos. É justo? Isto coloca uma questão: porquê
não penalizar mais o capital e a tributação das
empresas, se queremos criar um sistema mais
justo? Globalização e modalidade. O capital vota
como os pés, já dizia Thibaut, e o capital escolhe
uma jurisdição mais vantajosa. Sem capital, o que
acontece à economia nacional? Reduz o
crescimento e cria desemprego. Diminui o consumo,
aumenta a pressão do Estado para subsídios de
desemprego.
113
A equação da justiça fiscal é muito complicada de
conseguir. O direito, apesar de impositivo, tem
limitações em face dos poderes económicos. Há
uma fragilidade do poder público face ao poder
económico. Podemos dizer que vamos ser superjustos e tributar a 50% o capital, as empresas a 60%,
os trabalhadores a 3%. Isto não funciona, porque o
investimento/capital vai à procura dos sítios onde
consegue ter mais resultados. Há um problema de
forma, e há um problema de substância no sistema.
A equação é difícil por estes fatores. Por isso é que,
por vezes, o combate à fraude e à evasão fica-se
pelas tendências. Sabe-se que tem de haver este
combate, mas como é que se consegue sabendo
que há diferenças de tratamento significativas entre
países? Como explicamos que os GAFA, onde criam
valor, sejam tributados quase nada e tenham lucros
imensos? Utilizam vários esquemas internacionais
para reduzir a carga tributária. Será que
conseguimos bater na cabeça das Bermudas, da
Irlanda, da Holanda, da Google? É difícil, o que não
quer dizer que não possamos fazer alguma coisa. É
uma questão de ética empresarial.
Há muita doutrina a dizer que deve haver limites aos
benefícios fiscais, não podendo/devendo ser
contrariado o médio.
Em que é que isto também se traduz do ponto de
vista normativo? Já vimos o reforço dos poderes de
inspeção, da troca de informações
quer com
agentes económicos, quer com outras ATs. Esta
dinâmica de tentar combater estas práticas dos
contribuintes de forma indevida tem uma
representação muito forte naquilo que é tido como a
principal arma de arremesso contra a evasão fiscal,
que é a criação nos sistemas fiscais de cláusulas
antiabuso. Ou seja, os sistemas fiscais procuram
incorporar normas que tentam contrariar o
comportamento abusivo dos agentes económicos.
Neste domínio, há dois tipos de cláusulas antiabuso:
Cláusulas especiais
o sistema fiscal
olhou para a realidade económica fáctica e
identificou comportamentos específicos
tomados como evasivos e que vão ser
contrariados.
Cláusulas gerais.
A criatividade humana vai para lá do que o legislador
ode prever de forma imediata; são abrangidas pelas
clausula gerais tudo o que noa é abrangido pelas
cláusulas especiais.
Exemplo de cláusula especial antiabuso: os preços
de transferência. O que estava em causa era um
grupo de empresas ligadas entre si, nas suas
operações intragrupo deverem respeitar um
princípio internacional de neutralidade (que dá azo à
arms length principle
plena ocorrência),
normativizado nos CDTs e nestas cláusulas
especiais antiabuso no caso português, 103º do
IRC o preço das transações tem de ser igual ao de
mercado. Se for detetado que o preço não é igual ao
de mercado, as ATs têm o poder de corrigir o lucro.
Qual é a cláusula especial antiabuso? Aquela que
diz que dentro das operações de grupo o preço tem
de ser o de mercado ou a subnorma que diz que, no
caso de não haver o cumprimento desta regra, as
ATs podem corrigir o lucro, aumentando a tributação
/ o IRC a pagar, lançando uma nota de liquidação
adicional.
Falámos há pouco, no âmbito das pessoas
singulares, para quem vá para um dos países
constante da portaria. A portaria diz que, nos 5 anos
seguintes, não se considera a transferência. É uma
cláusula especial antiabuso no âmbito das pessoas
singulares.
Todavia, porque a criatividade dos agentes
económicos pode ser superior e ir para além daquilo
que a AT e que o legislador consegue determinar,
olhemos ao 38º, 2. da LGT. Aqui encontramos a
existência da cláusula geral antiabuso, onde não se
determina um comportamento específico como
sendo contrário e por isso devendo ser
desconsiderado,
mas
se
identifica
um
comportamento com determinadas características
(que veremos agora) e que deve ser
desconsiderado. FalaSão ineficazes no
âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos
essencial ou principalmente dirigidos, por meios
artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas
jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento
temporal de impostos que seriam devidos em
resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de
idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens
fiscais que não seriam alcançadas, total ou
parcialmente, sem utilização desses meios,
efetuando-se então a tributação de acordo com as
normas aplicáveis na sua ausência e não se
produzindo as vantagens fiscais referidas.
Assim:
-Quando a AT identifique a existência de redução,
eliminação ou diferimento temporal de impostos,
conseguida por meios artificiosos ou fraudulentos,
ou abuso de forma jurídicas, sendo que a substância
daqueles factos económicos levaria a outro tipo de
tributação, qual é a consequência? Desconsidera-se
o esquema artificial e ativa-se a tributação normal
que era devida.
Isto é genérico; não fala das operações intragrupo,
de difícil prova para ser ativada pela AT. Tem de se
mostrar a lógica de artificialidade e abuso das
formas jurídicas, bem como a vantagem fiscal
indevida. Muitas das operações que poderiam levar
a aplicação disto estão muito bem estruturadas.
Quando se usam a Holanda e a Irlanda, estes países
não estão na lista negra; isto não é simples.
A AT usou esta cláusula pela primeira vez por volta
de 2010. O tribunal deu razão à lógica da AT; o
contribuinte
chamava-se
Jerónimo
Martins.
Estranhamente a JM mudou a sua holding para a
Holanda; votou com os pés. Houve a prova de
ativação da cláusula geral antiabuso, detetou-se o
comportamento indevido. A consequência não
deveria ser ir atrás do Estado (Holanda)? O Estado
tem poder tributário.
Existem normas que pretendem resolver estas
situações, mas a solução nem sempre é líquida.
Em Portugal há exemplos de casos que permitem
tentar combater as práticas ardilosas de redução da
carga tributária. Falaremos de duas delas
especificamente.
Primeiro, falamos de métodos indiretos. Verificamos
que toda a base de liquidação do imposto assenta
numa lógica declarativa (de factos reais
determinados pelo contribuinte). Todavia, pode o
contribuinte não facultar esses factos e, com isso,
tentar não ser tributado. A legislação nacional criou
a possibilidade de a AT, devidamente autorizada
para o efeito do ponto de vista legal, poder
determinar a liquidação do montante do imposto a
pagar de acordo com os chamados métodos
indiretos. Assim, a AT não se apoia em factos
declarados pelo contribuinte, e sim cria presunções
de acordo com indicadores económicos medianos.
114
Tal como, derivado disto mesmo, se houver
manifestações de fortuna que não sejam
compatíveis com as declarações, se pode aplicar
uma forma de liquidação alternativa. Quando a bota
não bate com a perdigota, recorre-se a indicadores
económicos que indiciam aquilo que indicia o que
devia ser a base de tributação, que não foi declarada
ou foi declarado indevidamente.
Por outro lado - segunda realidade criou-se com o
DL 29/2008, um regime de combate ao planeamento
fiscal agressivo. Qual foi o objetivo? Se temos de
combater a lógica evasiva de planeamento fiscal
agressivo, e todas as armas que juntamos na nossa
legislação não chegam e a troca de informações
também não, então impomos uma obrigação aos
consultores fiscais que criem esquemas de
planeamento fiscal que informem a AT desses
esquemas propostas para a AT decidir se eles são
legítimos ou ilegítimos. Este diploma cria uma
obrigação não para o contribuinte, mas para os
consultores fiscais de se dirigirem à AT e fornecerem
os dados dos esquemas de planeamento fiscal
(redução da carga tributária) que propõem aos seus
decisão teria sido diferente? Talvez; este um dilema
do fiscal contemporâneo.
O objetivo, neste momento, é que, para além de
todos os elementos conceptuais, também tenhamos
sido capazes de nos apropriar das dificuldades que
implica a interpretação e consequente aplicação das
normas fiscais. Isto é comum a todos os impostos.
Assim, o objetivo neste momento é adquirir o
mindset do fiscal, em que uma simples interpretação
de normas fiscais pode não ser e muitas vezes não
é
ligeira, direta, plena e simples. Há que ter a
noção de que, conforme os lados onde estivermos
da barricada, há interpretações diferenciadas.
Porque os interesses em jogo são vários e, por
serem vários, os próprios conceitos e os normativos
que incorporam esses conceitos, muitas vezes,
geram desníveis. Não esqueçamos que o imposto é
a receita orçamental mais significativa, e a pressão
que isto coloca sobre a AT para interpretações mais
rígidas das normas fiscais, crescentemente literais
mas também crescentemente criativas, quando o
objetivo é lutar contra esquemas fraudulentos,
artificiais.
abusivo,
não pode ser feito.
Deste diploma saíram 13 fichas, identificando 13
esquemas de planeamento fiscal agressivo.
Anualmente existe um relatório feito pela AT sobre
os resultados da atividade de cobrança e as
orientações para o ano seguinte acerca das
inspeções, que também contém normalmente no
fiscal esquemas de planeamento alternativos
identificados. O que significa isto? Está tudo a
apalpar terreno. Não há um conceito expresso legal
normativo do que seja planeamento fiscal
agressivo/abusivo. Existem exemplos, que não
fecham. Também o DL não define o que é
planeamento fiscal agressivo; diz-se apenas que
tem impactos nefastos. E há penalizações no caso
de isto não ser cumprido? Houve um grande boom
destes diplomas. E aplicam-se sanções?
Exemplo: A cria uma empresa com a mãe (familiar).
É árbitro internacional; mas, em vez de pôr na sua
esfera jurídica, poe na esfera da empresa familiar,
que não tem função alguma ativa. Daí diz que se
paga ao árbitro, mas os membros da empresa são a
mãe e o árbitro. Qual é vantagem? A empresa pode
ter muito mais gastos que são reduzidos. É legítimo
ou não? A AT considera que é planeamento fiscal
agressivo e usou a clausula geral antiabuso, mas o
tribunal decidiu que não, que seria legítimo. Se a
pessoa tivesse ido para os tribunais judicias, a
115
Do lado do contribuinte, tenhamos a noção de que a
RJ não é de igualdade. O imposto é coercivo, e
haverá sempre desigualdade
mas isto não
significa ausência de garantias. O discurso de
proteção das garantias do contribuinte é aquilo que
tende a legitimar maior liberdade de ação e de
seleção de regras de cumprimento fiscal. Aqui há
uma forma de pensar a norma fiscal, e saber pensar
de forma integrada. Há que conhecer o lado da AT e
o lado do contribuinte, quer sejamos juízes, quer
queiramos ir para a AT e chacinar todos os
incumpridores, quer sejamos contribuintes.
Parte integrante e fundamental do semestre tem a
ver com conceitos e criação de mindset; saber
pensar o imposto, e ter noção da integração das
várias perspetivas, e que as normas interagem entre
si de acordo com o impacto que lançam. Para se
conseguir atuar e compreender a posição do lado
que assumimos, temos de conscientemente ter a
noção da complexidade do que é pensar o fiscal.
Uma das críticas cimeiras às normas fiscais é a
constante mutação. Temos de ter o mindset para
que possamos perceber o que foi mudado e quais
as consequências dessas mudanças. Identificar o
capítulo das alterações no OE não interessa muito;
há que perceber o impacto efetivo dessas
mudanças. RCP volta a frisar: o nosso tópico tem
sido predominantemente nacional, mas temos
falado de aspetos normativos mas também
principialistas do internacional, que dificultam a
forma como as normas são aplicadas.
No IRS, a primeira etapa passa pela (i) incidência.
Aqui temos:
Incidência pessoal quem está sujeito.
Incidência real
o que está sujeito
(apuramento dos rendimentos brutos).
PARTE II IMPOSTOS EM
ESPECIAL
Encontramos normas específicas a dizer quem é
que está sujeito (incidência pessoal) e quem está
sujeito (incidência real) e, subsequentemente, o que
1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO
DAS PESSOAS SINGULARES (IRS)
Como é que as temáticas que abordámos se
concretizam no imposto em especial? Vamos olhar
para o imposto sobre o rendimento e tentar perceber
as bases da sua construção.
Tal como detetámos a existência de fases do
imposto, é essencial em cada imposto que
estudamos delimitar corretamente as suas fases. A
cada fase corresponde um conjunto de norma
específico e só a essas normas devemos recorrer.
Se tivermos um problema de isenção, não vamos
recorrer às normas de sujeição; se tivermos um
problema de despesas, que devem ser atendidas na
determinação do imposto, não vamos ligar apenas a
uma questão de taxa de imposto. É essencial, em
primeira linha, compreender as etapas de cada
imposto e ligar a elas um conjunto de normas.
Quando detetamos um problema, devemos
identificar essas fases e o conjunto de normas
aplicáveis.
Podemos identificar:
(i)
Incidência (13º a 21º do CIRS; 1º-12º;
12º-A)
(ii)
Apuramento dos rendimentos líquidos
(25º a 55º do CIRS);
(iii)
Apuramento do rendimento coletável
(22; 71º; 72º);
(iv)
Apuramento da coleta (68º a 70º; 78;
78º-A a 88º);
(v)
Apuramento do imposto a pagar (78º,
2.; 98º a 102º).
não esta isento, apesar de sujeito (recorde-se o ovo
estrelado)
A segunda etapa no IRS é o (ii) apuramento dos
rendimentos líquidos. Na incidência real, procede-se
ao apuramento dos rendimentos brutos. A
passagem dos rendimentos brutos para os líquidos
é feita através das deduções específicas. Estas
deduções específicas são operações de dedução de
certos valores aos rendimentos brutos; dessa
dedução obtemos o resultado dos rendimentos
líquidos. Isto significa que o início do IRS é feito com
uma multiplicidade de rendimentos. Há vários tipos
de rendimentos a considerar, devendo, para cada
rendimento identificado aplicar regras específicas de
deduções.
Contudo, o que se chama ao imposto? Imposto
sobre o rendimento singular, e agora estamos a falar
em plural. Significa, portanto, que numa terceira fase
há que agregar todos os rendimentos, ou quase
todos, transformado a multiplicidade num somatório.
Isso faz-se através do quê? Falamos do (iii)
apuramento do rendimento coletável ( = matéria
coletável). No IRS, o legislador usa a expressão
Falamos de algo que é singular. Como é que isto é
feito? Através da figura legal do englobamento, que
tem a ver com o somatório dos rendimentos líquidos.
Porém, isto complica, porque nem todos os
rendimentos são englobáveis. Portanto, há certos
rendimentos que o legislador diz não poderem ser
englobados. Quando o legislador diz isso, significa
116
que vai ser tributado à parte, individualmente. Só se
algo é objeto de englobamento é que vai constar do
somatório em que se apura o rendimento coletável.
Uma vez apurado o rendimento coletável, vamos
para o (iv) apuramento da coleta. Como é que
passamos de uma coisa para a outra? Aplicando a
taxa de imposto.
Nos rendimentos englobáveis, há um englobamento,
aplicando-se a taxa e obtendo-se o apuramento da
coleta; para os não englobáveis, isto feito à parte do
somatório, sendo aplicável uma taxa específica de
imposto.
Uma vez apurada a coleta, o que queremos? O (v)
apuramento do imposto a pagar. Como é que
passamos de uma fase para a outra? Procedendo
às deduções à coleta.
Num primeiro aspeto de desenvolvimento, há aqui
que reforçar: os rendimentos objeto de
englobamento têm uma taxa; os não objeto de
englobamento (não englobáveis) têm outras taxas.
Ela não é a mesma.
Numa segunda questão: o que constitui deduções à
coleta? Há dois tipos:
despesas tinham de ocorrer. A dedução específica
está intimamente ligada com o tipo de rendimento
obtido. Feitas essas deduções específicas,
apurámos os rendimentos líquidos e verificamos se
eles são todos objetos de englobamento. Os que
não forem objeto de englobamento são tributados à
parte. Se forem, soma-se tudo e ficamos com o
nosso rendimento coletável, o valor total. Sobre esse
valor total vamos aplicar a taxa do imposto, obtendo
em consequência a coleta. Sobre a coleta, o
legislador fiscal reconhece a necessidade de certas
despesas, ligadas em concreto ao indivíduo (e ao
seu agregado familiar) e não ao rendimento, que
devem ser consideradas relevantes para reduzir o
valor do imposto a pagar. Além dessas deduções
individuais do contribuinte e do seu agregado,
também aquilo que o contribuinte foi pagando
antecipadamente por conta do IRS a pagar, que lhe
foi sendo retido na fonte, o que teve de pagar por
conta do imposto final, tem de ser considerado, e
tem de haver uma redução ao montante devido
(porque o Estado já cobrou aquilo).
Note-se que dissemos que o IRS é um imposto
pessoal, por oposição a um imposto real. Tem em
atenção as circunstâncias individuais e pessoas do
contribuinte. Onde verificamos isto?
Na taxa de imposto (onde há diferenças,
pois ela é progressiva);
Nas deduções à coleta;
Na incidência pessoal.
Deduções pessoais e familiares;
Deduções
de
imposto
pago
antecipadamente por conta do imposto a
pagar a final.
Há que saber se estamos ou não sujeitos e não
isentos a IRS; há normas para o contribuinte em
especial (incidência pessoal).
Depois, há que saber se temos ou não rendimentos
sujeitos e, se sujeitos, se não estão isentos
(incidência real). Trabalhamos com vários
rendimentos qualificados de forma diferente
consoante a sua natureza.
Atendendo à tipologia de rendimento que tivermos
na nossa esfera jurídica, vai ser operacionalizada ou
não uma dedução específica para aquele
rendimento em concreto, cujo significado é para
obter aquele rendimento se considera que certas
117
Na verdade, é importante perceber se o contribuinte
é contribuinte, mas também se ele tem um agregado
familiar. Isso pode alterar a taxa de imposto e as
despesas que podem ser deduzidas.
Que artigos nos dão respostas? Quanto à incidência
pessoal, temos sempre de analisar os arts. 13º a 21º
do CIRS. Quanto à incidência real, vamos aos arts.
1º a 12º (e há que acrescentar o 12º-A). As
deduções específicas estão previstas nos arts. 25º
a 55º.
118
O que é englobado ou não englobado está previsto
no art.º 22º. E os não englobados têm o seu regime
no 71º e no 72º.
A taxa de imposto dos rendimentos englobados
implica os arts. 68º a 70º. As deduções à coleta
estão previstas no 78º, sendo que as primeiras estão
previstas no 78º-A a 88º (+ v. 78º, 1.). As deduções
por conta do imposto a pagar a final estão no 78º, 2.,
desenvolvido pelo 98º a 102º.
Assim, dependendo de cada etapa e da questão que
temos, devemos procurar a resposta no conjunto de
artigos específico dessa etapa, e não andar a
navegar de um lado para outro do Código. Não
significa isto que o CIRS seja autossuficiente,
podendo ter a necessidade de ser compatibilizado
com outra legislação
sobretudo, pensando no
exemplo mais paradigmático, o EBF. Pode ter de ser
aplicado um artigo do EBF com implicação no CIRS.
1 - INCIDÊNCIA
1A
INCIDÊNCIA PESSOAL
Na incidência pessoal, qual é a nossa primeira
grande preocupação? Saber se o sujeito é ou não
residente em território nacional.
1
O primeiro passo é apurar:
Residência;
Não residência.
Se houver determinação da residência fiscal em
Portugal, diz-nos o 15º, 1. que o sujeito está sujeito
a tributação pela totalidade dos seus rendimentos,
tenham eles sido obtidos em Portugal ou no
estrangeiro é o worldwide income de que falámos
a propósito da aplicação territorial do direito fiscal.
Onde é que encontramos a determinação da
residência? No 16º do CIRS. Se olharmos para este
artigo, o nº 1 estabelece um critério quantitativo: é
119
residente quem permanece no território por mais de
183 dias no período do ano fiscal (esta é a regra
geral). Se estão cumpridos aqueles dias, kaput; mas
pode acontecer que estejamos cá menos de 183
dias e ainda assim possamos ser considerados
residentes se, olhando ao 1º, b., disponhamos, num
qualquer dia do período referido, de habitação em
condições que façam supor intenção atual de a
manter e ocupar como residência habitual. Assim, se
tivermos permanecido o por menos de 183 dias, mas
ainda assim tivermos ido aqui residência habitual,
considere-se que houve residência habitual em
Portugal.
A consequência do apuramento da residência está
prevista no 15º, 1., determinando que a sujeição é
pela totalidade dos rendimentos obtidos, incluindo
os que foram obtidos fora de Portugal. Se a pessoa
é residente, aplica-se este artigo. Todos os
rendimentos estão sujeitos a tributação.
Porém, há que ter em atenção a existência de
algumas regras especiais de residência. Estamos a
referir-nos, por exemplo, ao 16º, 1., c) e aos pilotos
e tripulantes de aeronaves ou navios. Estes podem
estar cá apenas um dia; se têm contrato de trabalho
com uma empresa residente em Portugal, são
considerados residentes em Portugal naquele
período fiscal.
Por outro lado, olhe-se ao 16º, 6. são residentes
as pessoas que se deslocalizem para um país
constante da lista negra (como vimos atrás).
Outro aspeto é a criação prevista no 8, 9, 10, 11. e
12. do art.º 16º - há uma norma especial para os
residentes não habituais. Quem são estes
residentes não habituais? Existe uma portaria que
identifica um conjunto de profissões apelidadas de
. Certo tipo de
profissões como designer, professor universitário,
gestor
é encarado como produzindo um valor
acrescentando, desenvolvendo o tecido económico
e humano dos países. Face à mobilidade dos
cérebros e ao brain drain (em certos Estados não
desenvolvidos, há tendência para as grandes
cabeças criadoras se deslocalizarem para Estados
desenvolvidos um exemplo dramático foi o da Índia
para os EUA). Criou-se um regime fiscal específico
vantajoso para atrair os cérebros, os trabalhadores
do conhecimento.
Quem pertencer a essas profissões de, durante os 5
anos em que se desloque para Portugal par
desenvolver a sua atividade, escolher tornar-se
residente não habitual durante 10 anos. E assim,
durante 10 anos, a pessoa vai ser tributada abaixo
dos rendimentos habituais. Isto tem a ver com o
apelo a certos tipos de profissionais; e cria um
espaço de distanciamento face aos nacionais. Isto
não é estranho face à postura internacional
portuguesa em relação ao internacional.
Foi criada uma norma especial
o 12º-A
que
especificamente re-atrair os que se foram embora
com a crise, criando uma exclusão de tributação
portanto, uma não sujeição de 50% dos seus
rendimentos de trabalho dependente. Parte do
rendimento total é desconsiderado para efeitos de
imposto. Estas pessoas têm de ter sido residentes
em Portugal antes de 01/12/2015; há alguma
restrição.
2
Uma vez apurado se o contribuinte é ou não
residente, a segunda etapa é verificar a existência
de agregado familiar.
1ª pergunta: és casado?
2º pergunta: tens filhos?
Nota: as normas fiscais podem criar situações
incoerentes. Mas isto tem a ver com a mentalidade
do nosso país: temos um grau de subserviência
grande face ao estrangeiro. Por que é que há esta
ideia quando, lá fora, os trabalhadores portugueses
são bem vistos? É uma mentalidade de séculos.
Em termos de residência, ainda temos normas
específicas que dão uma tributação mais vantajosa
em RA - regiões autónomas (17º).
E há que ter em atenção o 17º-A. Aqui a UE
conseguiu modificar uma norma interna fiscal sem
harmonização. Procurou garantir-se que, se somos
residentes em outro EM da UE, e obtemos em
Portugal pelo menos 90% da totalidade dos nossos
rendimentos, entra, apesar de não sermos cá
residentes, podemos escolher ser tributados como
residentes. Qual é a vantagem? Acesso às
deduções.
Isto porque, se formos considerados não residentes,
os arts. 18º e 15º, 2. do CIRS determinam que
somos só tributados pelos rendimentos aqui obtidos,
e não pela totalidade. Ora, os não residentes são um
dos casos tributados à parte. O que significa que
haverá, neste caso concreto, uma tributação pelo
rendimento bruto.
Se olharmos para o 72º do CIRS, verificamos que os
rendimentos dos não residentes são tributados pelo
seu valor bruto e são objeto de retenção na fonte.
Há que apurar a existência de cônjuge e filhos (13º,
4.).
O facto de existirem mais pessoas na realidade
familiar, do ponto de vista fiscal, é irrelevante para a
definição de agregado familiar. Mas não significa isto
que seja fiscalmente irrelevante; um dos exemplos
de deduções pessoais e familiares permitidas são as
deduções com lares. Tal como também se pode
deduzir por ascendentes que estejam na
dependência económica: no entanto, os avós que
viverem no agregado familiar não são considerados
fiscalmente como pertencendo ao agregado familiar.
E veja-se o 14º para unidos de facto: são
considerados como cônjuge.
Qual é a importância da definição do agregado
familiar? Tem a ver com o apuramento dos
rendimentos sujeitos e não isentos a tributação.
Conforme a dimensão do agregado, haverá mais ou
menos rendimentos considerados. O que queremos
dizer com isto?
a) Rendimentos dos cônjuges opção ou não pela
tributação conjunta. Quando vamos determinar qual
é o universo de rendimentos que vão estar sujeitos,
há que ligar os rendimentos a um sujeito /
contribuinte em concreto. A regra atual
nem
sempre foi assim (até 2014)
é que cada
contribuinte só está sujeito e tem de fazer a sua
declaração de acordo com os seus próprios
rendimentos. Mesmo que sejamos casados, a regra
diz que temos os nossos rendimentos, que são
tributados, e o nosso cônjuge tem os seus
rendimentos, que são tributados separadamente. A
120
regra faz com que nos declaremos os rendimentos,
e o cônjuge declare os seus. Em face da lógica de
coesão e orçamento familiar, permite-se hoje que o
contribuinte selecione que quer ser tributado
conjuntamente. Um casado ou unido de facto pode
optar por uma tributação conjunta, que será uma
declaração dos nossos rendimentos e o do nosso
cônjuge. Alarga-se o leque dos rendimentos
integrados no apuramento do imposto. Só é
apresentada uma declaração, se os cônjuges assim
escolherem.
b) Rendimentos dos dependentes. Por que é que o
agregado familiar também é importante? Se os
nossos filhos pertencerem ao nosso agregado
familiar e tiverem rendimentos, esses rendimentos
podem vir a ter de ser integrados na declaração
conjunta. Porquê? Porque não podemos ter mais de
uma declaração quanto aos filhos, se são
dependentes. Se somos filhos, somos considerados
ainda dependentes dos nossos pais. O que significa
ser dependente? Quando chegamos à definição da
taxa de imposto
seja no final do ano, seja
mensalmente
quando fazemos as deduções
familiares, os gastos que os pais tiveram são
contabilizados para deduzir o imposto a pagar. Se
isto acontece, então não podemos ter o próprio
sujeito que recebeu os rendimentos a ser tributado à
parte, autonomamente, com as suas despesas a
reduzirem o imposto a pagar, e simultaneamente a
ser despesa de um agregado familiar. Isso permitiria
duas deduções. Então
dependente e ganhas dinheiro, mas não tens
autonomia para seres contribuintes por ti mesmo,
então tudo o que ganhares deve ser declarado na
contribuinte por ti mesmo, os teus pais já não te
podem colocar como fazendo parte do agregado
familiar, o que significa que não podem deduzir as
13º, 5. indica as
situações em que o filho é assumido como
dependente; o limite está nos 25 anos e não auferir
valores mensais superiores à RMMG (remuneração
mínima mensal garantida).
Sumário: IRS (continuação).
IRS (continuação)
A propósito da incidência fiscal, falta referir a
transparência.
No 20º do CIRS temos uma norma onde se fala de
sociedades transparentes, e onde se diz que, sendo
qualificada uma sociedade como transparente quem
é tributado diretamente são os seus sócios, daí que
se fale em sociedades apesar de nos estarmos a
referir ao CIRS. No fundo, se estivermos a falar de
uma sociedade qualificada legalmente como
transparente, tal significa que se vai desconsiderar a
sociedade e o contribuinte não é a sociedade, mas
sim o seu sócio e vai ser tributado em sede de IRS.
Qual é a pergunta subjacente? O 20º não diz quem
são essas sociedades. Diz apenas que há uma
tributação direta dos sócios. Temos de conjugar o
20º do CIRS com o 6º do CIRC. O exemplo
paradigmático destas sociedades transparentes são
as chamadas sociedades de profissionais (ex.:
sociedades de advogados).
Na identificação do contribuinte de IRS, há que ter
em atenção tudo o que falámos, nomeadamente a
questão de estarmos perante uma sociedade
qualificada
legalmente
como
sociedade
transparente. Se, nos termos do 6º do CIRC,
estivermos perante uma sociedade transparente,
qual é a consequência dada pelo 20º do CIRS? A
tributação direta dos seus sócios.
Quais os rendimentos que têm de ser alvo de análise
de sujeição / não sujeição? Depende da situação
agregado familiar; haver ou não cônjuges com
tributação conjunta e dependentes que tenham ou
não rendimentos.
3 MAI 2019
121
No esquema das várias etapas de cálculo do IRS,
identificámos a necessidade de compreender que
regras existem para a determinação do contribuinte
residência, não residência com consequências
na amplitude da obrigação fiscal (worldwide income
ou apenas os rendimentos obtidos em território
nacional). Havia que apurar da existência ou não
existência de agregado familiar, e que para o
conceito de agregado familiar, do ponto de vista
fiscal, relevam apenas o cônjuge ou o unido de facto
e os seus dependentes (o legislador apresenta aqui
os filhos). Verificámos que esta etapa é fundamental
para verificar quais os rendimentos que têm de ser
abrangidos por aquele agregado familiar.
1B
INCIDÊNCIA REAL
A etapa seguinte por determinar, precisamente,
quais os rendimentos sujeitos a tributação. RCP
volta a frisar: nesta primeira etapa, não só estamos
a falar em vários rendimentos (multiplicidade;
estamos a categorizar o rendimento) como estamos
a abordar a questão do rendimento bruto, sem
qualquer desconto ou dedução.
Verificámos que a resposta à questão da incidência
real nos é apresentada nos arts. 1º a 12º. Olhando
para o art.º 1º, verifica-se que são várias as
categorias de rendimentos que o legislador
identifica. Fala-se nas seguintes categorias:
Categoria A
dependente;
Categoria B
profissionais;
Categoria E
Categoria F
Categoria G
Categoria H
rendimento do trabalho
rendimentos empresariais e
rendimentos de capitais;
rendimentos prediais;
incrementos patrimoniais;
pensões.
Nota: há alguns saltos nas designações porque
algumas categorias foram extintas.
Uma vez detetado o contribuinte e o seu agregado
familiar, assim, a nossa preocupação, é olhar para
os rendimentos obtidos por esse agregado familiar e
qualificá-lo. A nossa preocupação passa por
qualificar os rendimentos, portanto.
RENDIMENTOS DE CATEGORIA A
Os rendimentos de categoria A vêm expressos no
art.º 2º, e o conceito base deste tipo de rendimentos
assenta na existência de um contrato de trabalho e
nas remunerações que são recebidas na
decorrência desse contrato de trabalho. Está aqui a
buscar-se um conceito de direito de trabalho laboral;
e, portanto, estamos a cingir-nos a uma relação de
chamado trabalho dependente.
Quando é que há trabalho dependente? Quando o
sujeito se insere numa hierarquia/sistema onde há
espaço para receber instruções de certos superiores
hierárquicos ou seja, temos uma lógica de direção
e fiscalização do trabalho desenvolvido. Há uma
ideia de subordinação.
Não se fique com a ideai de que apenas quem tem
um contrato de trabalho formal é que vê os seus
rendimentos encaixar na categoria A. Teve-se
consciência de abusos nas práticas laborais, de
falos recibos verdes. Os falsos recibos verdes são
encaixados como rendimentos de categoria A; olhese para o 2º, 1., 1., b) são encaixados os
Ou
seja, o que interessa é se há ou não autoridade,
supervisão, posicionamento hierárquico numa lógica
de dependência; a forma contratual não interessa
(este é um caso de substância sobre a forma).
Situações de pré-reforma são também encaixadas
nesta categoria A, só passando a ser encaixados os
pagamentos como verdadeiras pensões na
categoria H quando se atingiu ai dade de reforma e
há uma transformação do rendimento obtido.
Aquilo que está subjacente ao art.º 2º - depois, no
nº 2 e sobretudo no nº 3 é que tudo o que derivar
do contrato de trabalho, daquela relação laboral
deve ser encaixado como rendimento de categoria
A. Não interessa se o recibo de vencimento diz que
recebemos 100 de salário e 10 de prémio; não
interessa se são 100 de salário e 1000 de
bonificações. Chamemos o que chamarmos, a regra
122
é que tudo o que é recebido numa relação laboral
dependente é considerado rendimento de categoria
A. Mas há certos valores que o legislador assume
como podendo não estar incorporados nesta lógica.
Tome-se como exemplo o subsídio de refeição;
olhe-se para o art.º 2º, 3., b), 2. Note-se que está
exceder o limite legal estabelecido ou em que o
exceda em 60 % sempre que o respetivo subsídio
Imagine-se que o empregador paga 100 de subsídio
de refeição e 1000 de vencimento. Se esta norma
não existisse, o que faríamos? O rendimento de
categoria A é 100. Mas o que resulta da norma não
é isso. O que a norma diz é o seguinte: o subsídio
de refeição não será considerado rendimento de
categoria A e, portanto, não será tributado se
cumprir com o limite legal estabelecido. Ou seja, há
um diploma legal a estabelecer isto.
Imagine-se que a lei diz que o subsídio de refeição
é 90. O que o legislador está a dizer é que 90 não
pode entrar para rendimento de categoria A, e
apenas os 10 (o que excede). Qual é o rendimento
de categoria A? É 1010. Assim, para certos
rendimentos, apresenta-se legalmente um limite.
Isto não quer dizer que o empregador decida pagar
mais do que isso; ele pode fazê-lo. Mas a parte
excedente do limite legal passa a estar incluído
como rendimento de categoria A.
Nota: imagine-se que pertencemos a um conselho
de administração e não temos remuneração
associada; somos administradores não executivos,
não recebemos um vencimento, mas o conselho de
administração reúne 2 vezes por mês e há que
gastar aquele tempo e até deslocarmo-nos. A senha
de presença é uma remuneração por aquele
exercício localizado, circunscrito naquele espaço e
tempo. Como não é salário, dir-se-ia que não é
tributado, por não estar no âmbito da categoria B;
mas tem de ser tributado, na verdade.
Há outro aspeto que é importante ter em
consideração sobre o que está ou não incluído.
Há que ligar o art.º 2º com o 2º-A, onde se apresenta
uma delimitação negativa do rendimento de
categoria A. Certas remunerações decorrentes do
contrato de trabalho não estão abrangidas pela
tributação. O empregador, consciente do seu dever
de criar um bom local de trabalho, apelativo, onde o
trabalhador fica para lá da hora de funcionamento,
cria uma creche para os seus colaboradores que têm
123
filhos possam levar os filhos para a creche e não
tenham de se preocupar com ir e vir de um lado para
o outro com creches privadas. O empregador
oferece este serviço a todos os seus trabalhadores.
É uma prestação em espécie, mas o Código pode
encará-la como remuneração de trabalho; uma coisa
não exclui a outra. Mas na questão dos fringe
benefits, se o benefício é geral (para toda a
comunidade dos colaboradores do empregador),
não deve ser considerado como rendimento objeto
de tributação.
Imagine-se que somos todos colaboradores de uma
empresa que teve lucro. São distribuídos dividendos
aos sócios, mas os trabalhadores têm uma
participação nesses lucros através de prémios. Os
prémios de desempenho estão sujeitos a tributação
em sede de categoria A, mas se os colaboradores
decidirem que o pagamento do prémio não é em
dinheiro e sim em vales-infância (o legislador, para
consagrar uma política de incentivo à natalidade,
para os colaboradores que têm filhos em idade
escolar recebem vales, estabelece que os prémios
não são sujeitos a tributação).
Ou seja, em primeiro lugar, a regra é que tudo o que
é obtido na decorrência de um contrato de trabalho
deve ser considerado rendimento de trabalho
dependente. Mas existem exceções. A primeira é
que pode haver um diploma legal a estabelecer
limites máximos de certas transferências entre
empregador e trabalhadores, só tributando acima
dos valores estabelecidos legalmente, caso do
subsídio de refeição, das despesas de
deslocalização e representação.
E se estiver em causa a atribuição de benefícios não
individuais, e, portanto, generalizados
segunda
questão esses benefícios também estão de fora.
Se o legislador disponibiliza habitação ao
trabalhador, ela tem de ser tributada. Já para criar
certas medidas de extrafiscalidade, permite o
legislador que, se o pagamento de certas quantias
for efetuado como determinada forma legalmente
regulada, elas não são objeto de tributação um
exemplo são os vales de infância e as creches.
Nota: há sujeição, mesmo que seja para toda a
gente, exceto nos casos indicados na lei (vales de
infância, creches v. 2º-A, 1., b)). Estes últimos
rendimentos não estão sujeitos (o que é diferente de
isenção). Isto pode criar alguma injustiça entre quem
tem e não tem filhos, mas é opção do legislador.
Nota: a delimitação negativa significa exclusão, não
sujeição.
FalaNota 2: os vales sociais são regulados pelo DL
26/1999, que densifica estas matérias. E há
orientações genéricas da AT sobre interpretação
destes normativos; recordemos a conciliação das
fontes.
-se às
exceções e à construção das exceções. Podem
estar completamente de fora, mas veja-se também
a questão dos subsídios de alimentação, que são
considerados no que corresponde ao excesso do
valor legalmente estabelecido.
Tendo
aberto
atividade
nas
Finanças,
desenvolvendo
uma
atividade
destas,
os
rendimentos que obtemos pelos contratos de
prestação
de
serviços
são
considerados
rendimentos de categoria B.
Se, pelo contrário, tivermos um estabelecimento
comercial
porque, por exemplo, vendemos
almofadas em nome individual olhando para o 4º,
1., a), isto faz parte de uma atividade comercial e,
portanto, também os rendimentos obtidos do
desenvolvimento dessa atividade comercial são
objeto de qualificação como rendimentos de
categoria B.
RENDIMENTOS DE CATEGORIA B
Nota: se RCP for apicultura e produzir mel, é a
mesma coisa.
Os rendimentos de categoria B incorporam os
rendimentos derivados de trabalho independente
tanto como os rendimentos
derivados de atividades empresariais. A questão do
empresarial não significa uma tributação das
sociedades (isso é feito no IRC); o que estamos a
dizer é que as pessoas singulares que têm negócios
em nome individual, desenvolvendo serviços, veem
os seus rendimentos qualificados como de categoria
B. Isto vem expresso no 3º, 1., a) e b).
O que se entende por atividade comercial, silvícola,
pecuária, etc., há que compatibilizar com o art.º 4º.
Para fundamentar que a atividade desenvolvida é
uma prestação de serviços e tem esta lógica por
conta própria, devemos compatibilizar o 3º, 1., b)
com a portaria 1011/2011, que contém a chamada
tabela de atividades do 151º do CIRS.
Olhe-se ao 3º, c). Estão igualmente na categoria B
os rendimentos derivados de propriedade intelectual
direitos de autor incluídos
isto se formos o
proprietário original (se tivermos sido nós a
escrever). Se tivermos direitos de autor de terceiro
(adquiridos), já não conseguimos ter o rendimento
enquadrado em sede de categoria B.
Nota 1: se não temos atividade aberta estabelecida
junto das Finanças, e, uma vez por ano ou once in a
lifetime, prestamos um serviço, que nos é pago.
Também este rendimento é objeto de tributação em
sede de categoria B, pois é qualificado como um ato
único
veja-se o 3º, 2., h) ou i). Este é um ato
isolado, mas é também objeto de tributação,
qualificando-se esse rendimento como pertencente
à categoria B.
Por que é que precisamos ir buscar o 151º do CIRS
a propósito do 3º, 1., b)? Porque há uma
classificação das atividades segundo uma
classificação do INE, que faz parte de uma tabela
aprovada por uma portaria do Ministério das
Finanças, que é a portaria 1011/2011, onde há uma
listagem das chamadas profissões independentes.
Para iniciar uma atividade, tem de haver uma
obrigação acessória, que é a declaração de início da
atividade. O contribuinte dirige-se às finanças e
declara que vai começar a desenvolver uma
atividade profissional, e diz em que área é que tal vai
acontecer. A área tem de bater certo com estas
indicações da portaria, mas ela não está
completamente fechada.
124
Nota 2: cuidado com os rendimentos obtidos por
arrendamento. Imagine-se que temos uma
propriedade e a arrendamos, pelo que temos
rendas. As rendas, à partida, poderiam ser
encaixadas em rendimentos prediais. Todavia, vejase que o 4º, 1., n) permite atualmente que o detentor
das rendas (portanto, o proprietário do imóvel que
recebe as rendas pela utilização de terceiro) possa
escolher ser tributado por aquele rendimento como
rendimento como pertencente à categoria B.
Nota 2a: RCP arrenda um castelo durante 6 meses,
existe uma norma segundo a qual há que fazer a
opção entre rendimento de categoria F (predial) ou
categoria B. Na declaração de rendimentos há uma
manifestação da vontade, que cabe ao contribuinte
decidir. O que significa em termos de consequência
o que podemos deduzir, em sede de deduções
específicas, é diferente. E, em categoria B, é
possível que os rendimentos podem ser englobados.
Mas se optarmos por categoria F, há uma tributação
à parte com uma taxa específica para aquele
rendimento apenas. Há diferenças de regime nas
deduções e na taxa de tributação.
Nota 2b: veja-se o 3º, 2., c). Se o rendimento predial
não é porque temos uma casa e a arrendamos
porque está vazia e para obter ganhos com isso, e
sim porque temos uma empresa de gestão e
arrendamento
de
espaços,
então
aí
obrigatoriamente o que recebemos não é uma renda
e sim a remuneração da nossa atividade. Aí, será
uma atividade de categoria B; portanto, quando
pensamos em rendimentos prediais, pensamos
naqueles em que a atividade profissional não é gerir
e arrendar espaços.
Nota 2c: quando pensamos em rendimento, qual é a
primeira pergunta? Se é atividade económica,
vamos sempre para a categoria B. Se não for, vamos
para a categoria F ou B. Ela é em primeira linha F,
mas é dada legalmente a possibilidade de escolher
que haja tributação como B.
Nota 2d: olhe-se para o art.º 4º. O que resulta daqui?
A atividade económica desenvolvida pelo sujeito tem
um caráter profissional, não é um biscate. Tem
forma, tem substância. Pode ser uma empresa em
nome individual formada, website, contabilidade
organizada; há uma estruturação da atividade
desenvolvida (que não tem de ser exclusiva) desse
parâmetro, que teve de ser declarada previamente.
Se, pelo contrário, somos proprietários de um
prédio, moramos no 1º andar, mas temos os outros
vazios e os arrendamos o ano inteiro, o que
acontece? Nessa circunstância, não há uma
atividade económica de exploração daqueles
125
espaços. Como proprietários, estamos a ceder a
terceiros e a receber uma remuneração em troca,
mas não o fazemos enquanto atividade económica,
e sim como proprietário no estímulo de
rentabilização do património.
Imagine-se que temos uma quinta e decidimos usála para ser feita a Gala da Faculdade, arrendando o
espaço. Não é once in a lifetime; há claramente a
possibilidade de o espaço servir para eventos. Aí há
um negócio. Essa ideia de negócio é que está por
detrás de rendimentos empresariais e profissionais.
Há uma atividade aberta como gestores de eventos.
Há um caráter de desenvolvimento negocial que não
é a mesma coisa que sermos proprietários e
retirarmos
rendimentos
pela
cedência
da
propriedade sem um objetivo lucrativo. É diferente
sermos agente económico com caráter comercial e
ser agente proprietário que rentabiliza a propriedade
existente. Uma coisa é haver negócio montado;
outra coisa é arrendar só. Neste último caso, não há
por detrás o substrato de desenvolvimento de uma
atividade económica.
Entremos, agora, na questão da propriedade
intelectual. Imagine-se que RCP escreveu um livro,
obtendo direitos de autor. Olhando para o 3º, 1., c),
conjugado com o 3º, 5., verificamos que é
qualificado o direito de autor recebido como
rendimento de categoria B.
Olhe-se, porém, para o final do 3º, 1., c); o que é dito
na parte final? Quando auferidos pelo titular original.
Assim, quando quem recebe não é titular originário,
kaput categoria B; não é categoria B.
Aqui, depende do quê? Nós
originários) termos rendimento:
(não
titulares
Ou porque alienámos os direitos de autor;
Ou porque cedemos temporariamente
aquela propriedade intelectual.
Se alienámos, há que olhar ao 9º, 1.: há uma maisvalia (categoria G). Se, pelo contrário, cedemos
temporariamente e obtivermos o que se chama
royalties, então já temos rendimentos de categoria E
(art.º 5º, 1. e 2. e art.º 2º, m)).
Assim, há que ter cuidado. Só constituirá rendimento
categoria B no caso de quem obtém os rendimentos
ser o titular originário. Se não for, não será nunca
categoria B, e dependerá de categoria E ou G
conforme a operação económica. Se for uma mera
cedência, temos rendimento de categoria E; se for
uma alienação, temos rendimento de categoria G
(mais-valias). Assim, o mesmo rendimento e a
mesma natureza, dependendo do sujeito passivo
que o aufere, tem qualificação fiscal diferenciada. A
má qualificação dá origem a incorreção nas
deduções específicas e na taxa de tributação.
RENDIMENTOS DE CATEGORIA E
Os rendimentos de categoria E (terceira categoria)
são os rendimentos de capital. Ou seja, temos um
certo montante disponível, aplicamo-lo, e, por esse
montante aplicado, recebemos uma remuneração.
Estes rendimentos de capital são o resultado de
aplicações financeiras. Temos a disponibilidade
financeira, aplicamos, temos uma remuneração
associada. Essa remuneração é rendimento, que se
qualifica como categoria E.
Se olharmos para o nº 2, este apresenta uma
listagem exemplificativa. Falamos de juros, lucros
(não os obtidos, mas os distribuídos; os dividendos
se formos acionistas e nos for pago um dividendo,
esse dividendo é rendimento de capital). Os
mercados financeiros e as remunerações a eles
associadas estão ligadas a rendimentos de
categoria E (rendimentos de capital).
Há, contudo, a necessidade de ter a noção de que,
se alienarmos partes sociais ou outros valores
mobiliários, isso já constituirá rendimento de
categoria G, por serem caracterizados no âmbito do
10º, 1, b) como mais-valias.
Exemplo: imagine-se que somos acionistas e
recebemos dividendos da empresa; eles são
rendimento sujeito a tributação, porque qualificados
como categoria E no âmbito do 5º, 1. e 5º, 2., h)
lucros e reservas colocados à disposição dos
associados. Se, pelo contrário, nos fartámos de ser
acionistas e queremos rentabilizar, vendendo
(alienando) as nossas ações, o que obtemos já não
é rendimento de categoria E. Nos termos do 9º, 1.,
a) e 10º, 1., b), esse rendimento é qualificado como
sendo de categoria G mais-valias.
9 MAI 2019
Sumário: IRS (continuação).
IRS (continuação)
Já identificámos como se determina o sujeito
passivo do imposto. A primeira etapa era residente
vs. residente e amplitude da obrigação fiscal, a
segunda etapa é, se residente, a existência ou
inexistência de agregado familiar e sua constituição
e dimensão, com consequência na amplitude dos
rendimentos a ser considerados.
Depois de identificada a incidência pessoal, a
segunda etapa assenta na determinação dos
rendimentos brutos, ou seja, dos rendimentos
sujeitos a imposto (IRS). Ficámos com a noção de
que nesta etapa não falamos num rendimento
global, mas antes numa multiplicidade de
rendimentos que têm de ser todos qualificados na
sua correspondente categoria.
Portanto, o exercício a fazer é identificar o
rendimento, qualificar esse rendimento à luz das
regras das categorias de rendimentos no CIRS e, a
posteriori, haver a identificação dos valores brutos.
Verificámos que há várias categorias, sendo a
primeira
categoria A
rendimentos de trabalho
dependente. O elemento base caracterizador do
trabalho dependente é a existência de uma relação
laboral onde existe uma ideia de subordinação e
hierárquica. Verificámos igualmente que não há
necessidade de um contrato de trabalho formal; o
que releva é a substância sobre a forma. Vimos
então que, no 2º, também as prestações de serviços
qualificadas como tal, mas que, na verdade se
revelam verdadeiros contratos de trabalho (casos
dos recibos verdes) devem ser qualificados como
categoria A.
126
Na categoria B, há quer rendimentos profissionais,
quer rendimentos empresariais. Quando há a
qualificação da atividade laboral como sendo uma
atividade por conta própria
numa lógica
independente e encaixando no quadro da portaria
que tem o elenco das profissões consideradas
liberais (1011/2011), verificamos que há um espaço
para qualificar como rendimento de categoria B.
Vimos, igualmente, que a atividade comercial,
industrial ou agrícola (com os conceitos previstos no
art.º 4º), vê os rendimentos aí apreendidos
qualificados como sendo de categoria B.
Identificámos ainda como de categoria B os
rendimentos derivados de propriedade industrial e
propriedade intelectual, incluindo direitos de autor,
quando o titular originário seja o detentor desses
rendimentos. Se não for, isto poderá pertencer à
categoria E ou G.
Há, ainda, na categoria B, a questão dos atos
individualizados
situações esporádicas que
surgem sem lógica de repetição.
Quanto à categoria E, vimos que tem que ver com
uma remuneração de uma aplicação financeira. Há
tanto a vertente de um instrumento financeiro que,
regra geral, produz rendimento e encaixará na
categoria A, e a questão dos lucros distribuídos.
Quando somos acionistas de dada empresa, quando
ela tem dados e distribui lucros (que juridicamente
se chamam dividendos é a mesma coisa), temos
também rendimento de categoria E. No âmbito dos
direitos de propriedade intelectual, caso não seja o
titular originário e o titular originário provoque uma
cedência desses direitos e obtenha uma
remuneração associada, isto é rendimento de
categoria E.
RENDIMENTOS DE CATEGORIA F
Quando falamos na categoria F, estamos a referirnos a rendimentos prediais, isto é, a rendas. Olhese ao 8º, 1., isto inclui prédios rústicos, urbanos e
mistos. É qualquer renda que derive de uma
propriedade existente. Porém, na parte final deste nº
1 deteta-se uma realidade que tínhamos identificado
no 4º, 1., n): a questão de o detentor da renda
(quando se trata de um arrendamento) ter a
possibilidade legal de optar pela tributação no
âmbito da categoria B. Ou seja, se nada for dito, o
127
rendimento é de categoria F; mas o legislador
permite a possibilidade de o sujeito passivo escolher
ser tributado em sede de categoria B. Assim, há que
ter em atenção que, quando falamos em rendas, a
categoria legal imediata é a F, mas há que ter
cuidado com a opção pela tributação em sede de
categoria B.
Há a fazer uma nota suplementar em relação ao
alojamento local (28/2014). Se regressarmos ao
art.º 4º, 1., h), verificamos que existe aqui a
isto é essencial. Os códigos dos impostos, muitas
vezes, não são autossuficientes, e é preciso
compatibilizar a norma do Código com normas
legais acessórias. No caso do alojamento local, este
tem um regime legal / diploma próprio, onde, apesar
de não trabalhar densamente as questões da
tributação, aborda-as qualificando a atividade do
alojamento local como uma atividade hoteleira ou
similar, embora esteja dependente da qualificação
do tipo de alojamento (moradia ou não, hostel ou
não, etc.), regra geral, como pertencendo à
categoria B no âmbito do CIRS. Não significa isto
que os valores obtidos pelo arrendamento provisório
em termos de alojamento local deem espaço para
categoria F; na verdade, eles vão ser categoria B, e
isto está muito ligado à atividade económica de
exploração. É diferente arrendar de forma
indeterminada ou de forma persistente, numa lógica
de alojamento local. Veja-se este caso como uma
situação em que há necessidade de compatibilizar
legislação fiscal (CIRS) com legislação legal
abrangente (alojamento local) com uma norma que
remete para legislação fiscal.
Veja-se que o que é assumido como renda é
efetivamente um conceito lato. RCP faz nota do art.º
8º, 2., b), em que, mesmo que haja um
arrendamento e uma renda que é paga
mensalmente e um suplemento por mobiliário que é
cedido nesse contrato de arrendamento, apenas
aquilo que é obtido em sede de renda seria categoria
F; mas não. Olhando a este artigo, as próprias
importâncias obtidas pelo aluguer do mobiliário
estão incluídas naquilo que constitui a renda.
Igualmente veja-se que aquilo que é recebido pelo
proprietário pela utilização do seu edificado para
publicidade, também esses rendimentos são
categoria F (8º, 2., d)).
Inclusivamente,
veja-se
as
antenas
de
telecomunicações. Estas quantias recebidas pela
utilização do espaço para a colocação daquele
aparelho também é, à luz do art.º 8º, considerado
renda de categoria F.
Assim, não fiquemos com a ideia de que renda é
apenas o que se paga pela utilização daquele
espaço. Inclui também tudo o que está associado
àquele espaço.
Há que ter atenção quando falamos em mais-valias.
A ideia 1 é que é fruto da alienação o ganho obtido.
E a ideia 2 é que isto é tributado no momento da
realização.
RENDIMENTOS DE CATEGORIA G
Existem, ainda, as categorias G e H. Em relação à
categoria G (e havia ainda a I), apelidada de
incrementos patrimoniais, olhando ao 9º, 1.,
verificamos que, à partida, o que não for encaixado
nas restantes categorias, e for rendimento (aumenta
o património) tenderá a cair aqui.
Todavia, há um tipo de rendimento que tem
importância extrema e que normalmente é o mais
relevante quando falamos de categoria G: são as
mais-valias. Por isso, no art.º 10º, encontramos uma
norma específica sobre esse tipo de rendimentos. O
que é uma mais-valia? Quando pensamos numa
alienação de um nosso bem, o que está pensado?
Alienamos para obter um valor. Normalmente,
adquirimos por 10 e vendemos por 15, para ter um
ganho, sendo o ganho não os 15 (pois gastámos 10
para adquirir), mas sim 5. Desta forma, a mais-valia
são esses 5; é o ganho que obtivemos face àquilo
que tivemos como gasto para obtenção daquele
rendimento. O que se está aqui a querer dizer é que
constitui uma mais-valia o ganho que obtivermos da
alienação de um bem económico, desde que essa
alienação do bem económico não seja a nossa
atividade profissional/comercial, caso contrário não
será categoria G, e sim B. Esta ideia básica de maisvalia tem a ver com alienação e o ganho
efetivamente obtido dela.
RCP volta a frisar: as mais-valias tendem apenas a
ser tributadas quando há a sua realização. Esta é
uma ideia-chave. Até podemos conseguir vender por
15 a mesma coisa que comprámos por 10; ou
porque agimos sobre o bem, ou porque a situação
foi propiciadora disso. A mais-valia não é tributada
no momento em que pode surgir na esfera jurídica,
e sim no momento em que é realizada. Em regra, a
tributação das mais-valias é feita no momento da
sua realização. Quando há realização? Quando há
Mas atenção. Se olharmos para o 10º, identificamos
desde já que existe uma qualificação de mais-valia
diferente consoante o bem que é alienado. Veja-se
a alínea a) para a alienação onerosa de direitos
reais sobre bens imóveis; depois, partes sociais e
outros valores mobiliários; depois, propriedade
intelectual, etc. Ou seja, dependendo daquilo que é
alienado, há um tipo de mais-valia. Isto é importante
porquê? Significa terceiro nível que dependendo
do que é alienado há uma qualificação de um tipo de
mais-valia, que é relevante para determinar qual a
regra jurídica que vamos aplicar no cálculo da maisvalia.
Como se determina mais-valia em causa? Qual o
seu valor? Como vimos, se compramos por 10 e
vendemos por 15, a mais-valia não é 15. Vamos ver
como é que a regra geral determina o apuramento.
RCP volta a frisar: depende do tipo de mais-valia em
causa.
O importante aqui é termos a noção de que aquilo
que aquilo que vai ser tributado vai ser a diferença a
diferença entre as mais-valias e as menos-valias. Se
olharmos para o 43º, 1., verificamos que o que o
legislador quer tributar é a diferença entre aquilo que
é uma mais-valia e aquilo que é uma menos-valia.
Ou seja, ideia 1 no mesmo ano fiscal, podemos ter
obtido várias mais-valias. Podemos ter alienado
vários bens, dando origem a várias mais-valias.
Aquilo que o legislador quer tributar em sede de
categoria G é o resultado do somatório de todas
essas mais-valias. Ideia 2 se alienarmos dado bem
que, à partida, poderia dar azo a uma mais-valia,
também pode acontecer que tenhamos perda.
Legalmente, ela chama-se, neste caso, menos-valia.
Assim, quando vamos apurar o nosso rendimento de
categoria G, há que ter em atenção as mais-valias e
as menos-valias. Às mais-valias temos de retirar as
menos-valias que eventualmente tenhamos; vamos
ter mais-valias - menos-valias.
nossa esfera jurídica.
Nota: no exemplo da Expo, havia uma qualificação
como imposto das contribuições especiais por
melhoria (art.º 4º, 3.) como impostos. Aqui falamos
de todos os outros aspetos que não tem a ver como
uma legislação específica.
Nota: podemos vender por 11 uma ação que
comprámos por 10. Não tem de estar em causa um
imóvel, e não têm de ser valores astronómicos.
Quando identificamos um rendimento como
pertencente a uma categoria, estamos a assumir um
mais um plus mas temos de perceber que de
uma operação de que resulta um rendimento, na
128
comparação com aquilo que foi a base do valor para
a alienação pode não resultar um ganho, mas uma
perda. Portanto, isso tem de ser considerado.
Apesar de estarmos a trabalhar em microrendimentos ainda (antes do englobamento), que se
qualificamos como incremento patrimonial, e aí
dentro do campo das mais-valias, há que ver que
nem todas as alienações têm um ganho associado;
algumas representam uma perda. E se há um a
perda, o legislador tem isso em atenção. Tributamse os ganhos, mas abatem-se operações que não
levam a ganhos, e sim a perdas. Isto tem a ver com
uma questão de justiça do próprio sistema.
O que vemos a propósito do 43º? A primeira ideia é
que olhamos paras operações, e a categoria G é o
somatório das mais-valias. Se tivermos menosvalias, desconsideramos. Ficamos na mesma com o
problema de resolver terceiro nível como é que
determinamos se temos uma mais-valia ou menosvalia. Olhe-se ao art.º 10º. Dependendo do tipo de
bem em causa, temos uma qualificação diferente de
mais-valia. Portanto, a regra de tributação e de
apuramento da mais-valia é específica. Vai estar
especificamente aliada a esse tipo de bem em
concreto.
Regra geral, olhando ao art.º 10º, 4., a), o que é,
regra genérica, sujeito a IRS? A diferença entre o
valor de realização e o valor de aquisição. Assim, a
mais-valia é calculada tendo em atenção pelo
menos dois valores: o valor da aquisição do bem que
foi objeto de alienação e o valor de realização. Isto o
traz na necessidade apurar o que se entende, do
ponto de vista legal, como valor de realização e valor
de aquisição. Daí, precisamos de ir ao 44º e segs.
Olhe-se aos arts. 45º a 49º. Estes artigos identificam
o que, para o legislador, constitui o valor de
aquisição. Depende o valor de aquisição da foram
como obtivemos aquele bem. O 45º fala no valor de
aquisição a título gratuito, se não tivemos gasto para
o bem vir para a nossa esfera jurídica. O 46º fala em
valores imóveis em que gastámos para a aquisição.
O 48º fala em partes sociais, e o 49º em tudo o que
não foi especificado pelos artigos anteriores.
Ideia 1 o apuramento do valor de aquisição (45º a
49º) depende da situação em que estivermos
inseridos. Ideia 2 apurado o valor de aquisição, nos
termos destes artigos, qual é o valor de realização?
Há que recorrer ao art.º 44º.
129
O que interessa aqui? De que estamos a falar?
Temos incrementos patrimoniais, categoria B. O que
estamos a analisar dentro deles? Mais-valia. A maisvalia para apuramento (categoria G) tem em atenção
todas as mais-valias e menos-valias obtidas num
ano fiscal (43º, 1.). Dependendo do tipo de maisvalia (art.º 10º, 1. e suas alíneas), temos regras
diferentes de apuramento desse valor sujeito a
tributação. Assim, há que qualificar as mais-valias. A
regra do 10º, 4. diz o quê? Que a mais-valia é a
diferença entre o valor de realização e o valor de
aquisição. Como se obtém o valor de aquisição e o
valor de realização previstos aqui? Há que ir ao 44º
e segs.
No 44º, obtém-se o valor de realização aquilo que
vulgarmente se chama o valor pelo qual vendemos.
Mas, olhando ao 44º, 1., o valor em causa depende
do tipo de mais-valia em questão, no âmbito do
encaixe feito no 10º, 1. O apuramento do valor de
aquisição depende da forma como o bem entrou na
nossa esfera jurídica (gratuitamente ou por via
onerosa), e, se for por via onerosa, depende do tipo
de bem em causa.
Atenção: é este o esquema. Qualificar e depois
determinar o valor em causa, atendendo à tipologia
de mais-valia e às regras específicas de apuramento
dos valores em causa.
Nota 1: olhe-se ao 44º. Se for uma troca, o que
temos? Existem regras que tentam quantificar o que
for obtido. Se fomos alvo de expropriação, há o valor
da indemnização; noutros casos, há o valor de
mercado. E em casos não previstos, há o valor da
contraprestação.
Nota 2: quando o de cujus passa o bem para a
esfera dos seus herdeiros, há que ter em atenção
que há aqui uma operação decorrente de uma
sucessão. Nessa circunstância, não se aplica o IRS,
e nada disto interessa à partida, porque, se se
aplicar alguma coisa, o que conta é o chamado
imposto do selo. Nós abolimos o imposto
sucessório. Mas há uma nota quanto aos familiares
diretos, como o cônjuge. O que acontece é que não
há uma tributação; ela está fora, com uma isenção.
Não se aplica esta questão. Todavia, podemos ter
obtido o bem a título sucessório e depois aliená-lo.
Aí o valor de aquisição é pelo título gratuito. Há que
ter em atenção esta ligação e esta duplicidade.
Como se vê na alínea f) do nº 1 do art.º 44º, a regra
passa por o valor de realização ser o valor da
contraprestação. Se não há uma norma especial a)
a e), a contraprestação é o valor da realização, ou
seja, aquilo que obtemos por alienar/ceder
efetivamente a título definitivo o nosso bem.
Todavia, isto é uma versão muito simplificada.
Simplificada porquê? Há uma primeira justificação
para complexificar esta questão. Olhe-se ao 43º, 3.
verificamos que há uma isenção de parte do
rendimento obtido com a alienação. Ou seja, apesar
de o rendimento ser qualificado como mais-valia
pelo 10º, e apesar de como consequência o
rendimento estar sujeito (está na clara do ovo
estrelado), há situações onde o legislador isenta.
Neste caso, não isenta a totalidade e sim
parcialmente o rendimento de tributação. Exemplo
disto é o nº 3 do art.º 43º
é o resultado total das mais-valias menos as menosvalias. Falamos de partes sociais e outros valores
mobiliários, e de micro e pequenas empresas (o que
requer legislação especial sobre esta qualificação),
só há 50% do valor (do resultado total). Por aqui se
vê o grau de complexidade e interligação da
legislação fiscal, neste caso, com legislação
económico-social.
E veja-se o 43º, 2., e em especial para a alínea b).
Fala-se das transmissões efetuadas por residentes.
A incidência pessoal está a determinar uma regra
específica na tributação, para além da regra
genérica de sujeição (se não for residente, não tem
direito a isto). Olhando às alíneas a), c) e d) do art.º
10º, o que acontece? Na alínea b), apenas é
considerado em 50% do seu valor. Há uma isenção
de 50% do rendimento.
Qual é o aspeto que aqui evidenciamos? A regra
geral é mais-valias
menos-valias. Há que ir ao
valor de realização e compatibilizar com o valor de
aquisição. Temos regras específicas para apurar
este valor. Mas só isto pode não bastar, porque,
dependendo da mais-valia em causa, pode haver
uma isenção parcial
e, portanto, neste caso,
apenas metade do rendimento obtido está sujeito a
tributação.
Há, ainda, mais um grau de complexidade.
Peguemos na questão dos imóveis. No 43º, 2., b),
verificamos que apenas 50% do valor será tributado.
Porém, o cálculo da diferença entre valor de
realização e valor de aquisição não chega. Olhe-se
ao art.º 50º e para o 51º do Código. O que
significa isto? Há que ter em atenção que, quando
calculamos as nossas mais-valias (e utilizamos a
fórmula de diferença entre valor de realização e valor
de aquisição), temos de estar a comparar
verdadeiramente comparáveis. Se adquirimos a
casa em 1940 mas só alienamos em 2019, há um
problema: não só a questão dos escudos face aos
euros (isso não é o mais importante), e sim o valor
da moeda. Não é possível comparar os fatores.
Logo, o legislador pede para fazermos uma
chamada correção monetária, atualizando o valor da
aquisição. Portanto, temos de poder comparar o
valor que recebemos agora com o valor que
efetivamente pagámos. Como foi antes, e
atendendo às flutuações e alterações da moeda, há
que poder comparar e corrigir aquele valor. Por isso,
vemos o art.º 50º, que remete para uma portaria que
todos os anos é aprovada, contendo os coeficientes
de correção monetária consoante os anos em
causa.
Além desta necessidade de corrigir o valor, para
poder comparar, o ganho que obtivemos pode ser
justificado com despesas/gastos que fomos fazendo
ao longo do tempo para melhorar o nosso bem. Se
tivemos esses gastos para melhorar o bem e
valorizá-lo, então a justiça diz-nos que temos de
considerar esses gastos na determinação daquilo
que vamos efetivamente obter como ganho. Como
tal, o legislador, no 51º, diz que é necessário
atender-se às despesas e aos encargos. Da
aplicação de todos estes artigos, o que resulta? Uma
fórmula matemática. Estamos a tratar de valores, e
queremos apurar um quantitativo para ser objeto de
tributação. Logo, nasce uma fórmula matemática
que tem de ser aplicada para determinar a maisvalia. Pensemos na questão das mais-valias dos
imóveis, para vermos o que resulta do somatório de
artigos indicados pelo legislador.
O que acontece? O art.º 43º, 2., b) diz o quê? Que
só vamos tributar 50% da nossa mais-valia. Agora,
porém, falamos em 50% de quê? O que é a maisvalia? Há que olhar ao 10º, 4. Há uma diferença
entre o valor de realização e o valor de aquisição. A
diferença vem de onde? 10º, 4. Como calculamos o
valor de realização? Há que olhar ao 44º.
Assumamos que houve uma alienação do imóvel.
Olha-se ao 44º, 1., f) (vendemos a casa, pagaramnos dinheiro, esse valor obtido é o valor da
realização). Qual é o valor de aquisição? Imagine-se
que comprámos a casa em 1979. Que artigo temos
de usar para determinar o valor de aquisição? O 46º.
Este artigo diz que, à partida, se considera valor de
aquisição o que tiver servido para liquidação de IMT.
Porém, não há só isto. Se comprámos o imóvel em
1979, há que comparar valores. É preciso criar uma
operação para atualizar o valor. É preciso ver um
coeficiente de correção monetária, que vem no art.º
130
50º. Isto necessita da portaria do ano em causa da
operação para se poder fazer a atualização. Se
comprámos por 1000, há que multiplicar isso por
11,92. Há uma correção monetária a fazer. Contudo,
o que temos de perguntar? Se fizemos obras na
casa. Imaginemos que pintámos a casa e gastámos
5; que fizemos uma remodelação na cozinha que
custou 10; etc. Temos de poder, nos termos do art.º
51º, deduzir despesas com a alienação ou com a
aquisição mais encargos. Imagine-se que se coloca
a casa numa imobiliária, que cobra X % do valor
alienado. Isto é importante: podemos ter vendido por
100, mas ter tido de pagar 2% à imobiliária. Ora,
esse valor tem de ser deduzido.
contraprestação obtida, o tipo pode ser determinante
para a qualificação daquilo que é efetivamente maisvalia em termos fiscais, e podem existir múltiplas
operações a serem desenvolvidas para a
determinação desse quantum.
Nota: o erro de não considerar tem implicações no
montante final a pagar. Há que perceber o impacto
dessa aplicação, que muitas vezes facilita a
perceção.
RENDIMENTOS DE CATEGORIA H
Assim, é verdade que a base de cálculo das maisvalia é o valor de realização valor de aquisição. É
aquilo que a lei diz. Porém, só isto pode não chegar.
As normas sobre a categoria G podem
complexificar. O primeiro aspeto é que, no
apuramento do valor de aquisição, temos de
atualizá-lo para poder compará-lo com o real valor
que obtivemos. Por outro lado, se tivemos despesas
com aquele bem, alienação, etc. (51º), temos de
permitir que haja uma dedução. Além disso, há que
ver que o legislador pode dizer que aquilo que
obtivemos de mais-valia, ainda que sujeito, é apenas
parcialmente sujeito, pois gera uma isenção (de
parte do rendimento). Então, o que acontece?
Aparecem os 50%. Veja-se, assim, como as normas
fiscais podem dar origem a uma determinação do
valor em concreto. Estamos a falar da alienação de
um imóvel a título oneroso, e da obtenção de um
ganho. Mas aquilo que é objeto de tributação bruto
obtido daquela tributação. Há que ter em atenção,
efetivamente, o que é líquido de rendimento obtido.
Para isso, é preciso desconsiderar gastos
associados a essa obtenção de rendimento. Veja-se
como uma sequência de artigos que almejam uma
questão de justiça e uma obtenção do rendimento de
acordo com a efetiva capacidade contributiva (e não
aparente) produz uma fórmula matemática.
Percebe-se que na administração tributária é
importante a parte da programação da fórmula
matemática, onde, introduzidos os valores, temos o
cálculo do valor devido.
Serve isto para revelar
e RCP quer que
encaixemos isto que apesar de estarmos a falar de
rendimento de categoria G e, dentro destes, os mais
relevantes serem as mais-valias o cálculo da maisvalia pode ser um exercício não tao simples como
isso. O cálculo da mais-valia não é igual ao valor da
131
Falta-nos passar em revista a última categoria:
categoria H (pensões). Pensamos naquilo que
conhecemos como reformas. Os rendimentos de
categoria H são as chamadas pensões. Regra geral,
encaixa-se automaticamente a questão das
prestações devidas por velhice, mas também por
invalidez ou de sobrevivência (alínea a) do nº 1 do
art.º 11º). Em finanças públicas, falámos do sistema
complementar. Vimos que o sistema é composto por
uma parcela contributiva, uma parcela não
contributiva e ainda uma terceira componente
(complementar), que assenta voluntariamente em
contribuições feitas suplementarmente pelos
trabalhadores. Também há o 11º, 1., b) a revelar que
estas
prestações
obtidas
dos
sistemas
complementares
também
são consideradas
rendimentos de categoria H.
Atenda-se a que igualmente se está a pensar nas
pensões obtidas no âmbito do poder parental a
pensão de alimentos também está incluída como
rendimento de categoria H, para quem recebe. Já
para quem paga é uma dedução, que veremos
adiante.
Já vimos, com o exemplo das mais-valias, que
podemos ter rendimento sujeito, mas isento, que
aparece em artigos específicos. Veja-se ao art.º 58º
do EBF. Aqui temos um novo exemplo de
rendimento sujeito (direitos de autor), mas
parcialmente isento só 50% é tributado 58º. Este
rendimento, apesar de ser sujeito, está isento (uma
parcela dele).
Nota: vimos que, apesar de um rendimento estar
sujeito, pode estar parcialmente isento. Demos o
exemplo das mais-valias, e recordámos que há outro
caso que está no EBF em que o direito de
propriedade intelectual (categoria B) está
parcelarmente isento.
Estes casos de isenção pressupõem a sujeição.
Olhe-se, contudo, ao art.º 12º do CIRS. Aqui vê-se
que existe espaço para nem sequer haver sujeição.
Talvez isto devesse estar no art.º 2º, para evitar
estar tão à frente. No 12º há certos rendimentos que
não estão sujeitos. É o caso, por exemplo, de bolsas
atribuídas aos praticantes de alto rendimento
desportivo. Há uma regulação específica indicada;
não há sujeição.
Nota: a SS atribui subsídios a pessoas com invalidez
superior a 60%. Estas ajudas são rendimento para
efeitos de categoria H? Temos de ir buscar o sistema
de segurança social e a divisão entre contributivo e
não contributivo. Se for derivado de uma prévia
contribuição, o que é que nos diz o 11º, 1., a)? Diznos que sim. Porém, se for uma prestação social
financiada pelo sistema não contributivo, que implica
a condição de recurso (ou seja, carências que dão
origem àquilo), não há sujeição. Aquilo que é pago
pelo sistema não contributivo, regra geral, não está
sujeito a tributação em sede de IRS - por exemplo, o
RSI não está sujeito a tributação em sede de IRS.
Tal não significa que, no âmbito do sistema
contributivo, não possa haver algumas prestações
que não estão sujeitas a tributação em sede de IRS.
É o caso das prestações de parentalidade: elas não
estão sujeitas. Isto tem a ver com uma política de
apoio à natalidade. Mas se houver mais de 60% de
incapacidade, já há sujeição.
O que estamos a dizer? Há que compatibilizar o
valor obtido com a origem, fazendo uma conexão
entre sistema de segurança social e fiscal, identificar
o regime jurídico e ver se há alguma conexão.
quantitativo até ao qual não se tributa, por se
entender que, até àquele limite, não há uma
verdadeira capacidade contributiva. É rendimento,
mas não pode ser alvo de tributação, porque o
Estado tem de garantir que não é afetada a
existência condigna.
2 APURAMENTO DO RENDIMENTO LÍQUIDO /
DEDUÇÕES ESPECÍFICAS
Resolvido o patamar da incidência (pessoal e real),
o passo seguinte é olhar para cada rendimento e
proceder às deduções específicas. A etapa consiste
em, do rendimento bruto, passar para o rendimento
líquido. Continuamos ainda a funcionar em vários
rendimentos, pois as deduções específicas existem
porque, para cada tipo de rendimento, entendeu o
legislador que deve ser deduzida determinada
parcela necessária à obtenção daquele rendimento.
categorias de rendimentos
específicas, como veremos.
têm
deduções
Assim, primeiro trabalhámos a questão da incidência
pessoal e real, obtivemos os rendimentos brutos e
agora vamos proceder ao apuramento dos
rendimentos líquidos. Como é que o fazemos?
Através, como vimos, das deduções específicas.
Note-se que continuamos a funcionar categoria a
categoria.
RENDIMENTOS DE CATEGORIA A
Nota: há uma ausência de condições económicas
que permita uma existência digna. Há capacidade
contributiva, que é obtida, contudo, com a
transferência de valores. E dizrendimentos são reduzidos e não são efetivos, só
surgiram com aquela possibilidade.
Atenda-se ao 70º do CIRS, que fala em mínimo de
existência. O que aqui se diz é que o Estado só pode
tributar se o rendimento líquido depois da tributação
que sobra for capa de contribuir para uma existência
condigna. O que se fez? Estabeleceu-se um limite
O que é que o legislador entendeu dever deduzir-se
para a categoria A? Se estivermos perante
rendimentos de trabalho dependente, o art.º 25º
permite uma dedução (nº 1, a)
104.
O que diz o legislador? Ao rendimento bruto de cada
titular que tenha auferido (imagine-se um casal; são
1
104 são deduzidos
num e outros no outro, ou juntando tudo). Note-se
132
que isto é tudo igual para toda a gente. A lógica é de
proporcionalidade e não de progressividade naquilo
que é dedutível.
A ideia na categoria A é garantir que uma parte do
rendimento que é obtido não vai ser objeto de
tributação. Mais uma vez, isto reforça a lógica do
4 104 têm a ver com critérios económicos, e
aparecem com a aplicação de 3 ou 4 vezes o valor
104
têm que ver com o limite dos limites que tem sempre
de ser assegurado e está fora de tributação.
Mas esta é a versão express. Pode ter de se deduzir
104 se a
2 000, e não se é tributado). Qual é a exceção?
Olhe-se ao 25º, 2. Se, porém, as contribuições
obrigatórias para regimes e proteção social e para
subsistemas sociais de saúde excederem o limite, a
dedução é pelo montante total dessas contribuições.
104 tem de ser posto de lado, mas, se
a contribuição para a Segurança Social obrigatória
104, o que acontece? É o valor
104 que é deduzido. Na prática, o que
104 é garantido, mas depois há
que saber quanto é que no ano o sujeito passivo
pagou de contribuições obrigatórias, e compara-se o
104 com o valor de contribuições
obrigatórias, para deduzir o maior dos valores.
104. O que faz isto? Que
tenha de se saber qual o regime do trabalhador de
SS, para saber qual a contribuição efetuada pelo
trabalhador. Regra geral, será 11%, mas pode
preencher requisitos de um regime especial, e pode
ser diferente. A base legal é o Código dos Regimes
Contributivos.
determinação dos rendimentos empresariais e
profissionais faz-se alínea a) com a aplicação
das regras do regime simplificado e b) com base na
contabilidade.
Ou seja, aquilo que será possível deduzir ao
rendimento bruto obtido em sede de categoria B
depende de o contribuinte estar sujeito a regime
simplificado ou a regime de contabilidade
organizada.
A dedução aos rendimentos de categoria B depende
do regime que for aplicável (regime simplificado ou
contabilidade organizada). Como sabemos se é um
ou outro? Depende do anterior. Olhe-se para o 28º,
2. O legislador diz-nos que quem, no ano antes, tiver
000,
tem por consequência que pertence ao regime
simplificado. Em contrapartida, se no anterior os
rendimentos líquidos brutos de categoria fora
superiores a 200 mil, isso significa contabilidade
organizada.
Assim, a qualificação do regime em que ficamos
abrangidos depende do valor obtido no ano anterior.
E se ano anterior não houver nada, por ser início de
atividade? O legislador prevê uma norma para isso.
Veja-se o nº 10. Fala-se em início de atividade, e tem
a ver com uma estimativa daquilo que se pretende
obter.
Dependendo do regime simplificado ou da
contabilidade organizada, há diferentes deduções a
fazer.
Nota: se não tiver havido nada no anterior, então o
valor é 0; não há aí início de atividade.
Os rendimentos de trabalho dependente estão no
art.º 25º 104, ou, olhando ao 25º,
2., aquele que foi o valor superior em termos de
contribuições obrigatórias (não as complementares
ou voluntárias) de Segurança Social.
RENDIMENTOS DE CATEGORIA B
Se, pelo contrário, não estivermos na categoria A e
sim na categoria B, o caso muda de figura. Nessa
circunstância, a dedução depende. Depende, em
primeira linha, do valor que foi obtido no ano anterior.
Olhe-se ao 28º do CIRS. O nº 1 diz-nos que a
133
Se tivermos um regime de contabilidade organizada,
olhe-se ao 32º. Há uma remissão para o CIRC.
Portanto, o apuramento do rendimento líquido em
sede de categoria B do sujeito passivo que tem
contabilidade organizada depende das regras de
contabilidade fiscal previstas no CIRC. Assim, o
apuramento desse rendimento líquido é feito com
base nas regras do IRC, e não nas regras do IRS,
com exceção do previsto em certos artigos, e com
as adaptações dos arts. 32º-A a 39º-A. O que é que
RCP quer que saibamos?
Se formos um sujeito passivo com contabilidade
organizada, isso significa que o apuramento do
rendimento líquido de categoria B é feito, nos termos
do CIRC, compatibilizado com o CIRS (32º-A a 39º-
A). Em termos contabilísticos, como se avalia o
rendimento líquido / lucro? Rendimentos gastos,
mas não é só isto. Em sede de IRC, o rendimento
líquido do período (RLP) que é dizer o mesmo que
lucro contabilístico isto não é igual ao lucro fiscal.
Ou seja, há regras fiscais que condicionam quanto
se pode deduzir, o que se pode deduzir. Assim, não
basta saber que da contabilidade pura resulta um
lucro de 100, porque d aplicação das regras fiscais
pode resultar um lucro fiscal de 1000. A regra da
contabilidade pura pode não ser igual às regras da
contabilidade fiscal.
Assim, a base para compreender é o seguinte: se
somos sujeito passivo de IRS e temos rendimentos
de categoria B, estando sujeitos a contabilidade
organizada (32º e segs. do CIRS), há que apurar o
rendimento líquido de categoria B com base no
CIRC adaptado com o 32º-A e segs. do CIRS.
Assim, tem de haver uma compatibilização entre
regras de cálculo de lucro tributável e regras
adaptadas a estes casos concretos previstos no
CIRS.
Nota: considera-se o período 1 de janeiro a 31 de
dezembro. Mas quando há declaração de
rendimentos? Agora, é em maio até junho (do ano
seguinte). Ora, não podemos, a meio, refazer as
contas todas. A 1 de janeiro, temos de saber o que
vamos aplicar. Porque se tivermos de ter
contabilidade organizada, há regras a respeitar.
Temos de conhecer as entradas e saídas. Qual é a
base para sabermos a nossa obrigação? O que
obtivemos no ano anterior. É muito normal, nas
regras fiscais, encontramos um apuramento de
obrigações com base no ano imediatamente
anterior. Isto tem a ver com uma lógica de haver ou
não contabilidade.
Nota: a contabilidade organizada, antigamente,
correspondia a livros (agora a programas
informáticos) que tendem a cumprir com as regras
contabilísticas que existem. Há uma preocupação
internacional de uniformização, procurando saber-se
o que se lança, o que se considera, o que não se
considera. Contabilidade organizada significa que
todas as entradas e todas as saídas têm de ter uma
contabilização. No regime simplificado, isto não
acontece. E as regras não são as mesmas. É uma
lógica empresarial; o volume de atividade exige um
grau de contabilidade evoluído.
Nota 2: o que entra e o que sai não são operações
aritméticas, há regras que dizem que só parcelas
podem ser deduzidas.
Se não temos obrigação de contabilidade
organizada, então aplica-se o regime simplificado.
Note-se que o legislador, no 28º, 3., permita que
quem tem regime simplificado pode ter contabilidade
organizada, mas já não o inverso.
O que podemos deduzir quando temos regime
simplificado? Veja-se o 31º. Dependendo do título de
atividade que desenvolvemos, há uma regra de
quantidade do que podemos deduzir. Aqui varia o
que podemos deduzir. Olhe-se para o 31º, 1. Se a
nossa atividade é a venda de mercadorias e
produtos (ou prestações de serviços na restauração,
hoteleiras ou similares), o que vai ser tributado é o
resultado da aplicação de 0,15 ao rendimento bruto.
Pelo contrário, se somos profissionais independente
(daquela lista da portaria 1011), o que acontece no
331º, 1., b)? O coeficiente é 0,75. Se há uma
prestação de serviços fora da lista das profissões
liberais, então o coeficiente é 0,35, etc.
Assim, dependendo do tipo de atividade económica,
permite-se uma dedução concreta. É algo que varia.
Mesmo sendo regime simplificado, o tipo de
atividade vai fazer com que varie a quantidade do
que é dedutível ao rendimento bruto.
Todavia, isto complica mais. Se formos
jurisconsultos e abrimos atividades, prestando
serviços de consultoria fiscal, o que acontece?
Passamos recibos. Estamos na categoria B, e
encaixamos na prestação de serviços de atividades
profissionais (listagem da portaria 1011). À partida,
o 31º, 1., b) diz que o que é tributado são 0,75. O
remanescente fica de fora e não é tributado.
Se olharmos para o nº 2, após a aplicação dos
coeficientes aí previstos, podem ser deduzidos até à
concorrência do rendimento líquido assim obtido, os
montantes comprovadamente suportados como
contribuições obrigatórias para regimes de proteção
social conexas com as atividades em causa. Mas
não é dito só isto -também se diz que é na parte que
exceda 10% dos rendimentos brutos, quando não
sejam deduzidos a outro título.
Complexidade 1
se somos trabalhadores
independentes, e também como trabalhador
independente estamos sujeitos a contribuições
obrigatórias para a segurança social (nota: as de
134
trabalhador dependente já estão consideradas na
categoria A), essas também podem ser deduzidas
se excederem 10% dos rendimentos brutos. Assim,
acumula-se essa possível dedução.
aquilo que pode ser abusado o espaço de abuso
por pare dos contribuintes para redução da carga de
tributação.
LER 13 E ALÍNEAS
Aqui há uma lógica de proteção conexa com a
atividade. A lógica profissional tem de ser
considerada, se não houve dedução a outro título.
Nota: por que é que as vendas de mercadorias têm
coeficiente de 0,15? Isto tem a ver com estudos
económicos que demonstravam que a quantidade
de gastos, o risco, o peso e a gestão de stocks a isto
obrigaria. Há uma lógica de proteção.
10 MAI 2019
Sumário: IRS (continuação)
E há um segundo nível de complexificação. Olhe-se
ao nº 13. Qual é a complexificação do 13.? Qual é o
objetivo? Desmistifiquemos. O que está aqui a ser
dito? No 31º, 1., encaixámos o tipo de atividade. Aí,
percebemos que temos uma dedução efetiva a ser
feita. O que diz o nº 3? Se encaixamos na alínea b)
ou na c) (atividades profissionais / advogados), os
0,75
que
aqui
estão
são
parcialmente
condicionados. O que quer isto dizer? É verdade que
são 0,75, mas atenção pode não ser. Como é que
sabemos se são ou não os 0,75? Isto está
condicionado a quê? À verificação de despesas e
encargos efetivamente suportados. Significa que,
para serem só 0,75 assumidos, os 0,25 que faltam
têm de ser efetivamente gastos que tenha tido. O
que acontecia antes de isto existir? Tenha tido
gastos efetivos ou não, só 75% do rendimento era
tributado. Aqui dizHá que provar que
houve gastos em 25%; vamos limitar isto ao que
efetivamente aconteceu. Há um condicionamento
daquilo que é o valor a ser descontado. Há que notar
apenas que o que se diz até aqui é: 0,75, mas
atenção há que provar que foi gasto mesmo aquilo
que é para descontar. Se repararmos, a norma diz
que, acrescendo ao rendimento apurado nos
números anteriores,
se equipara aos 0,25, há que ter em atenção mais
valores. E são estes valores específicos. Portanto, o
raciocínio não para. Há uma abordagem de
capacidade contributiva efetiva
o que desconto
deve bater certo com aquilo que gastei.
Note-se que, quanto mais for necessário o Estado
combater evasão e planeamento fiscal agressivo,
uma das consequências imediatas é a
complexificação das normas fiscais. Parte da
complexidade das normas fiscais advém da tentativa
de o legislador tentar circunscrever ao máximo
135
IRS (continuação)
Estamos a apurar os rendimentos líquidos, fazendo
aquilo que o legislador fiscal determina como
deduções específicas.
Cada categoria tem regras para as deduções.
Analisámos a categoria A e parte da categoria B. A
dedução específica da categoria B depende:
1)
Se temos regime de contabilidade
organizada ou simplificado. Olhando ao
28º, 2., já sabemos como determinar isso.
2)
Se tivermos contabilidade organizada,
vamos aos arts. 32º e 39º-A, onde há uma
remissão para o CIRS, com as adaptações
previstas especificamente nestes artigos
no âmbito do IRS; havendo um apuramento
do lucro tributável nos termos previstos em
IRC.
3)
Se tivermos regime simplificado, o ponto de
partida é, de acordo com o 31º, a
determinação do valor do rendimento
tributável através da aplicação de um
coeficiente consoante o tipo de atividade
desenvolvido,
sendo
que
estudos
económicos deram origem à logica de
seleção
dos
comportamentos
aqui
apresentados.
No caso específico dos rendimentos derivados de
atividades profissionais e outras prestações de
serviço, o 31º, 13. coloca um condicionamento a
estas deduções. No nº 13, há uma primeira
dificuldade: perceber o que é dito.
veterinários, isso não conta; note-se que
esta alínea é importante, por exemplo, para
comprar produtos na Amazon).
Vimos que este tipo específico de atividade os 0,25
que faltam nas atividades profissionais só vão ser
efetivamente deduzidos se comprovadamente
tivermos despesas desse valor. Portanto, está
parcialmente condicionada a verificação de
despesas e encargos efetivamente suportados.
Depois, tudo isto complica ainda mais
ao rendimento tributável apurado nos termos dos
números anteriores a diferença positiva entre 15 %
dos rendimentos brutos das prestações de serv
.
O que significa isto? Há que comparar o que
gastámos efetivamente com 15% mais do
rendimento bruto obtido. Isto menos o somatório de
um conjunto variado de importâncias, nas alíneas a)
a f).
Acresce ao rendimento tributável (75%) qualquer
coisa. Que coisa? A diferença positiva (se for
negativa, kaput) entre 15% dos rendimentos brutos
da prestação de serviços e o somatório de certas
importâncias.
Quais?
Está a dizer-se o seguinte: no apuramento do
condicionamento, não devemos fazer pura e
simplesmente uma verificação, se o conjunto das
despesas é de 25% - que é o que resultaria se o nº
13
acontece é um confronto entre um conjunto variado
de valores que o legislador enquadrou como sendo
legítimos para o exercício daquela atividade, tendo
em atenção que este somatório de despesas tem de
ser suportado com 15% do rendimento bruto, tendo
a diferença de ser
.
Nota: é preciso ter em atenção a terminologia.
Rendimento
bruto,
rendimento
tributável,
rendimento coletável e coleta são conceitos
diferentes. O legislador também fala em
rendimentos líquidos e ilíquidos
Tem-se que:
O montante de dedução específica previsto
no 25º, a,) 1.);
Despesas com pessoal e encargos a título
de remunerações, ordenados ou salários;
Rendimento bruto = ilíquido
Rendimento após
tributável/coletável.
deduções
=
rendimento
Rendas de imóveis afetas à atividade
profissional ou empresarial;
1,5% do valor patrimonial dos imóveis
afetos à atividade empresarial
ou
profissional;
Outras despesas com a aquisição de bens
e prestações de serviços relacionadas com
a atividade;
Importações
ou
aquisições
intracomunitárias de bens e serviços
relacionados com a atividade (nota: se
somos médicos e comprámos comida de
cão, a não ser que pretendamos tornar-nos
Qual é o porquê desta norma? Ela apareceu em
2017, para entrar em vigor a 01/01/2018. O objetivo,
dito pela AT, foi garantir uma maior justiça na
tributação entre os trabalhadores dependentes e os
independentes, e uma lógica de efetivação da
capacidade contributiva (efetiva). Antes, havia um
0,75 e acabava ali. Como se calculava o rendimento
líquido de categoria B para profissionais
independente? Rendimento bruto, 0,75, o resultado
era o rendimento tributável. O regime era mesmo
muito simplificado.
136
Com uma lógica de equilibrar e fazer a capacidade
contributiva ser efetiva, a AT passa a exigir um teste
se o que vai ser reduzido tem correspondência no
conjunto das despesas efetuadas pelo contribuinte.
não seria necessário, porque os 75% estariam
garantidos.
O que também há aqui é uma preocupação de obter
mais receita. Em vez de se dizer que X será sempre
considerado como devendo ser uma despesa, dizse que há que comprovar que foram feitas aquelas
despesas, e que ascendem a um valor significativo.
De outra forma, só o que gastámos mesmo é que vai
ser deduzido.
Nota 2: por que é que as informações vinculativas
têm muita importância? E por que é que as
orientações genéricas são tão relevantes? Falámos
no direito circular como essencial para conhecer
verdadeiramente o fiscal. Temos aqui dicas acerca
de como a norma fiscal é aplicada. A norma fiscal é
complexa, e a tendência é sê-lo cada vez mais. O
direito circular está assente nestas construções
meramente internas à AP. Muitas das formas
jurídicas aqui são circulares ou despacho circulado,
daí falar-se em direito circular.
Nota: diferença positiva é superior a 0.
Nota 2: o contribuinte tem interesse em que a
diferença positiva seja a menor possível; tem
interesse em que o somatório das importâncias das
alíneas do nº 13 seja elevado.
Veja-se como uma norma justificada em termos de
discurso político que surge para equilibrar a
capacidade real efetiva, no final, o que pode gerar é
mais receita, com uma fórmula constituída com base
nas normas do que se pode ou não deduzir e como
isto é exigido.
Há que ter em atenção que este regime, para este
tipo de profissões, já não é talvez tão simplificado
como isso.
Há cada vez mais profissões de home office. O que
se permite aqui? Apesar de ser um imóvel de
habitação familiar, é equitativo e justo que os gastos
desse imóvel possam também ser considerados.
Uma parte do valor patrimonial não o valor total do
imóvel é considerada para a despesa. Veja-se que,
no nº 14, as coisas continuam: apensa 25% deste
1,5% é considerado, se falarmos de um caso de
home office, porque não é a totalidade do imóvel que
está à disposição do exercício daquela atividade.
Nota: mesmo para quem não tem contabilidade
organizada, nesta lógica do regime simplificado, há
obrigação de ter livros com receitas e despesa. Isto
é exigido por lei, mas ninguém cumpre. Este
sistema, mais ainda com a alteração, exige que se
tenham os livros, mas a AT nem vê isto nas
inspeções. Implica-se um registo que supostamente
137
RENDIMENTOS DE CATEGORIA E
Na categoria E (rendimentos de capitais), há
deduções específicas? Não há. Regra geral, os
rendimentos de capitais são tributados pelo seu
valor bruto/ilíquido.
-se para o 40º-A. Aqui
verifica-se que pode haver uma isenção de 50% dos
dividendos (i.e., os lucros distribuídos). Pode haver
espaço para uma isenção de 50% dos dividendos.
Mas tal só acontece (olhando ao 40º-A) se, em vez
de serem tributados à parte, forem englobados.
Recorde-se que, quando fizemos o esquema inicial
do IRS, vimos deduções específicas e depois
falámos em englobamento significa um somatório
de todos os rendimentos líquidos. Dissemos que
havia certos tipos de rendimento que não eram
objeto de englobamento, sendo, portanto, tributados
à parte. O tipo de rendimento por excelência
tributado à parte é o rendimento de capital. Isto tem
a ver com quê? Art.º 22º, 3., b), onde se diz que não
Os
rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º
auferidos por residentes em território português,
sem prejuízo da opção pelo englobamento neles
previsto.
Há a ideia base de que os rendimentos de capitais
não é englobada, havendo uma tributação à parte. A
base é o 22º, 3., b) conjugado com o 71º, 1., a). A
regra geral é que são tributados à parte.
Isto significa, olhando para os artigos das deduções
especificas, como não encontramos qualquer
dedução, que aqueles são tributado pelos
rendimentos brutos. Quando o banco paga juros, já
recebemos o valor líquido de imposto. Se pusemos
100 no banco, o banco não vai dar 10 e sim 8,
porque há retenção na fonte / substituição tributária.
Olhe-se, porém, ao 40º-A. O que está a dizer?
Dentro dos rendimentos de capitais, os lucros
distribuídos (dividendos) podem vir a ser
considerados apenas em 50%, mas não sempre.
Assim, a regra é serem tributados pelo valor bruto;
mas se (40º-A) houver a opção pelo englobamento
destes rendimentos isto é, se o contribuinte optar
por englobá-los então só 50% do seu valor é que
é considerado.
Olhe-se para o 22º, 3., b). Dizo contribuinte obtiver rendimentos de capitais e
assim quiser, pode optar por englobá-los. Se optar
por englobar os rendimentos de capital, então eles
vão acrescer ao somatório do englobamento. Tal
significa que não são tributados à parte, passando a
estar integrados no somatório que constitui o
rendimento coletável e ao qual se aplica a taxa de
imposto.
Desta forma, fazem parte do somatório do
rendimento coletável e aplica-se a taxa de imposto
do 68º.
O que se está aqui a dizer? Atenção: se a seleção
pelo englobamento for feita no âmbito dos
dividendos, o que será objeto de englobamento não
serão 100% e sim 50%. Os restantes 50% ficam
isentos.
tributado duas vezes em sujeitos passivos
diferentes: a empresa e o sócio. Temos
possibilidade aqui de eliminação da dupla tributação
económica, no caso de a opção ser o englobamento.
O que acontece nos outros casos? Kaput.
RCP quer acrescentar que este é apenas um dos
artigos da dupla tributação económica.
Quando chegarmos ao IRC, vamos falar de dupla
tributação económica.
Assim, regra geral, os rendimentos de capital não
têm deduções específicas. Apenas haverá uma
dedução a efetuar no caso de um tipo específico de
rendimentos de capital (dividendos) e no caso de
esses dividendos serem objeto de englobamento
(40º-A).
Olhe-se ao 41º (rendimentos prediais). Verifica-se
que o nº 1 diz que aos rendimentos brutos se
e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir
com
exceção dos gastos de natureza financeira, dos
relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário,
eletrodomésticos e artigos de conforto ou
decoração, bem como do adicional ao imposto
Assim, quando temos rendimentos de categoria F
prediais o detentor desses rendimentos prediais
pode deduzir os gastos que teve na
manutenção/gestão do imóvel. Mas cuidado: há
limitações ao que pode ser deduzido.
Veja-se o exemplo dos artigos de conforto e
decoração. O aquecimento central é um artigo de
interpretação da
norma não é fácil. E será talvez diferente aqui e na
Suécia.
Qual é o porquê desta isenção? A epígrafe do artigo
que o nosso legislador incorporou para eliminar a
dupla tributação económica dos dividendos. Não é
uma verdadeira eliminação: isenta-se 50%, mas
noutros mantém-se. É apenas uma atenuação da
dupla tributação económica.
A dupla tributação jurídica internacional consiste no
mesmo rendimento ser tributado duas vezes no
mesmo sujeito passivo. A dupla tributação
económica diz respeito ao mesmo rendimento
RENDIMENTOS DE CATEGORIA G
Nos incrementos patrimoniais, não há deduções
art.º 42º. Mas isto não significa que não haja a
necessidade de apuramento das mais-valia / menosvalia. Há todo um cálculo exigido para apuramento
do rendimento tributável naquela categoria. A
operação significa valor de aquisição, valor de
138
realização e, consoante o tipo de mais-valia, os
aprimoramentos necessário a estes aspetos.
RENDIMENTOS DE CATEGORIA H
Quanto a pensões categoria H veja-se que os
4101 aparecem novamente no 53º, 1. Porém, vejase que, no nº 4, se permitem ainda deduções
suplementares para quotizações sindicais e
contribuições obrigatórias para regimes de proteção
social e subsistemas de saúde.
RESULTADOS NEGATIVOS
eG
CATEGORIAS B, F
Numa última nota, há que ter em atenção que as
categorias B, F e G, na perspetiva das mais-valias,
podem ter resultado negativo. Nas categorias A e H,
nunca poderá haver resultado negativo (ou tenho
salário/pensão, ou não tenho). Mas na categoria B,
por exemplo, já poderá haver rendimento negativo
(prejuízo), tal como nas categorias F e G.
O que diz o legislador? Se tivemos rendimento
negativo, então não seremos tributados naquele ano
por aquele rendimento. Mas atenção: no ano
seguinte ou em anos subsequentes ao limite legal
legitimado legalmente, pode acontecer que, quanto
tivermos o rendimento positivo naquela categoria,
poderão ser deduzidos os prejuízos tidos
expressão legal. A base legal é o 55º do CIRS. O
facto de haver perdas num dado ano fiscal pode ter
efeito em anos fiscais posteriores, permitindo uma
redução dos rendimentos líquidos daquela
categoria.
Há duas subnotas importantes. Estamos a falar de
categorias de rendimentos. No próprio ano, não
podemos ir deduzir a A por termos rendimento
negativo em B. Não há interpenetração dos vários
rendimentos.
Atenção: dependendo do objeto em si, também varia
o elemento temporal.
(é a expressão usada em IRC; aqui, no IRS, fala-se
em dedução de perdas em anos anteriores)
sempre dentro das mesmas categorias de
rendimentos.
16 MAI 2019
Sumário: IRS (continuação).
IRS (continuação)
A etapa 1 do IRS que analisámos foi a incidência
quem e o quê está sujeito. Depois, passámos à
etapa 2
apuramento dos rendimentos líquidos,
onde trabalhámos a dinâmica das deduções
específicas. Há, portanto, uma preocupação de
apuramento
Rendimento a rendimento, existem regras que
identificam o que pode ser deduzido como gasto que
o legislador interpreta como estando ligado à
obtenção desse rendimento. Verificámos que, para
certas categorias, há a possibilidade de poder haver
um resultado negativo. Havendo-o, no próprio ano
significa que não se tributa. Porém, no ano seguinte
ou nos seguintes, quando houver resultado positivo
nessa categoria, poderá haver um reporte de
prejuízos o IRS chama-
Segunda nota: há que ter em atenção o limite
temporal, que varia consoante as categorias:
3
APURAMENTO
COLETÁVEL
Categoria B: 12 anos;
Categoria F: 6 anos;
Menos-valias: 5 anos.
139
DO
RENDIMENTO
O ponto seguinte passa por proceder a um
apuramento do chamado no CIRS (iii) rendimento
coletável (ou matéria coletável). Até aqui
trabalhámos cada rendimento de acordo com a sua
qualificação, com regras específicas a essa tipologia
de rendimento. Porém, o IRS é um imposto único, o
que significa que tem de haver um momento em que,
de vários rendimentos, passamos a um quantitativo
único o rendimento coletável.
Este apuramento do rendimento coletável, como já
tínhamos visto, é feito pela operação do
englobamento. O que fazemos? Englobamos. O que
significa isso? Somar os vários rendimentos líquidos.
Porém
nem todos
rendimentos tributados em sede de IRS são
englobáveis.
Por isso, temos de recorrer ao art.º 22º para
sabermos o que é que é englobado ou não. Quando
olhamos para o 22º, percebemos, no nº 3, que
existem rendimentos não englobáveis rendimentos
esses que são tributados à parte. Assim, não vão ser
parte do somatório dos rendimentos líquidos; serão
alvo de um a tributação separada.
Como sabemos o que é ou não englobado? O nº 3
diz-nos o que não é englobado. E na alínea b)
vemos certos rendimentos noutros artigos. Significa
que o nº 3 do art.º 22º não é autónomo; remete-nos
para uma análise dos arts. 71º e 72º do CIRS. Qual
é o nosso raciocínio? Se tivermos um rendimento
previsto nos arts. 71º e 72º auferido por residentes
e obtido em Portugal, esse rendimento não será alvo
de englobamento, sendo tributado à parte, nos
termos das taxas previstas no 71º ou no 72º.
O que é que já vimos? O típico deste tipo de
rendimentos que encaixam ali são os de capital, que
não são objeto de dedução específica. Serão alvo de
tributação à parte ou taxa liberatória (71º) de 28%.
juro, o banco não nos paga o
menos os 28% que o banco retém e entrega ao
Estado em nosso nome.
Nota: havia um pacote que queria privilegiar os
contratos de arrendamento prolongados. Uma das
formas de implementar isto foi criar taxas de IRS
mais vantajosas, com benefícios fiscais para este
tipo de arrendamentos. Daí os nºs 3., 4. e 5.
Conjugando o 22º, 3., b) com o 71º e 72º, se
encontrarmos no 71º e 72º os rendimentos que
estamos a tentar qualificar e tributar, o que significa?
Eles não serão englobados e terão, portanto, uma
tributação à parte, com a taxa de imposto
determinada no 71º e no 72º.
Nota: quando é que os juros são tributados? O 71º
diz que é quando são pagos ou colocados à
disposição. Quando os recebemos, já estão líquidos
de imposto. Isto não tem de coincidir com o
momento da declaração; é totalmente independente.
Todavia, o que aconteceu nos rendimentos
prediais? A opção do legislador se os introduzir e
tributar no momento da declaração de rendimentos.
Mas foi criado um anexo na declaração à parte,
específico para rendimentos prediais (categoria F)
onde se aplica a taxa dos 28% ou a taxa reduzida,
se for o caso. Portanto, depende do tipo de
rendimento e do tipo de tributação subjacente. No
71º, as taxas liberatórias chamam-se assim porquê?
Porque liberam de uma declaração, de posteriores
obrigações. Porquê? Porque o substituto tributário
cumpre, e o sujeito passivo está desonerado de tudo.
Pelo contrário, no caso de taxas especiais (72º),
pode dar-se o caso de elas ainda assim terem de ser
declaradas. Não há englobamento, mas tudo se
passa no mesmo momento de o englobamento. E
podemos falar de um momento autónomo ou no
momento da declaração final.
Se não estivermos perante rendimentos que
recaiam no 71º e 72º, o que acontece nos termos do
22º? Estamos perante rendimentos englobáveis. O
que significa isto? Como vimos, vamos proceder ao
somatório dos rendimentos líquidos que são
englobáveis (categoria A, B, G, H). Aquilo que for
englobado é somado. Portanto, deixamos a partir
deste momento de trabalhar com vários rendimentos,
e passamos a ter um único valor. A esse único valor
chamamos rendimento coletável.
Além dos rendimentos capitais, olhe-se ao art.º 72º,
1., e). Também os rendimentos prediais (categoria
F) são tributados com uma taxa especial/autónoma
de 28%. Também eles não são englobados.
140
a tributação conjunta, como é progressiva a taxa de
IRS). Se houver tributação separada, há uma taxa
mais baixa, pois há menos rendimentos. Para
minorar este impacto negativo, há o quociente
familiar (antigo quociente conjugal), no 69º. A
primeira etapa na aplicação da taxa de imposto à
coleta passa não pela aplicação direta do 68º, mas
por uma aplicação do 69º.
4
APURAMENTO DA COLETA
Qual é o passo seguinte? Está apurado o
rendimento coletável; o que fazemos com o valor
obtido do somatório dos vários rendimentos líquidos
englobáveis? Procedemos ao (iv) apuramento da
coleta. Da matéria coletável queremos obter a coleta
aquilo que, à partida, o Estado terá como base
para a nossa tributação, que pode ou não ser o
imposto a pagar (normalmente não é, pois há ainda
as deduções à coleta).
Como apuramos a coleta? Há a aplicação da taxa do
imposto, que não está prevista no 71º nem no 72º
(pois visam apenas determinar quais os rendimentos
não englobáveis e qual a taxa da sua tributação à
parte), mas está no art.º 68º. Aqui encontramos a
tabela
que
detém
a
característica
da
progressividade. É no 68º que encontramos a taxa
de imposto.
O que é que este artigo nos diz?
são as correspondentes ao rendimento coletável
. Ou seja, o 69º, 1. força a que, para
os casados ou unidos de factos que tenham levado
com tributação conjunta, se vá buscar o rendimento
coletável total (somatório dos rendimentos
englobáveis) e se divida por dois.
Assim, chegamos ao 68º - segunda etapa com o
quê? O X. É neste X, que foi o rendimento coletável
dividido por dois, que vamos proceder à aplicação
da taxa progressiva. Imagine-se um casal que tem
000. O que há a
fazer? No 69º, 1.
000.
68º. Se o casal tem
000, o que acontece? Já vimos antes como se
aplica a taxa progressiva.
RCP torna a dizer: se não estivermos perante um
sujeito passivo casado que tenha optado por
tributação conjunta, aplicamos diretamente o 68º. O
69º, 1. É apenas para casos de dois sujeitos
passivos que optaram por tributação conjunta.
Nota: há dois casados, os dois trabalhadores por
No entanto, dissemos que o IRS é um imposto de
natureza
pessoal,
o
que
significa
uma
personalização, que está visível em várias etapas.
Logo no início indicámos uma lógica de
personalização quando houve o apuramento do
sujeito passivo. Não interessou apenas a questão do
sujeito passivo, mas igualmente do agregado
familiar. Ora, percebemos que o apuramento do
agregado familiar foi importante para determinar o
quantum dos rendimentos obtidos, mas também é
essencial para determinar não propriamente a taxa
do imposto (porque essa será sobre a coleta), mas
para determinar o quantum que estará efetivamente
sujeito à taxa do imposto.
É que o legislador, tentando neutralizar o impacto
negativo que uma tributação familiar tem (duas
pessoas em conjunto, com o somatório dos seus
rendimentos, têm tendencialmente mais do que uma
sozinha, podendo haver um espaço para prejudicar
141
100 e aos 200 que entram por diferentes sujeitos e
cuja dedução específica é feita por cada um, o que
acontece? Unidade. A categoria A é o somatório
daqueles rendimentos líquidos. Deixa de haver
diferença. Há apenas uma unidade fiscal. É tudo o
que é dos dois que será tributado. Qual é objetivo de
tributar apenas nos 50%? Anular a desvantagem de
ter o somatório dos dois, face a uma pessoa que não
escolha o somatório. Quer criar-se um espaço de
neutralidade fiscal. E sim: só 50% do rendimento é
que leva à aplicação da taxa do 68º.
Mas olhe-se ao 69º, 3. novamente. O que diz?
taxas fixadas no artigo 68.º aplicam-se ao quociente
do rendimento coletável, multiplicando-se por dois o
obtido para se apurar a coleta do IRS. Aos
50 000 aplicámos as taxas do 68º. O que fazemos
ao resultado obtido? Há uma terceira etapa:
multiplicamos por dois. Isto anula os 50%. Note-se
que se não tivesse havido a divisão por dois,
falaríamos de 100 000, e falaríamos de uma taxa de
48%. Aqui, as taxas são mais vantajosas. Houve
uma redução.
de raciocínio que temos de fazer. Há um artigo
constitucional que defende os valores da família?
Sim, o 36º da CRP.
5
APURAMENTO DO IMPOSTO A PAGAR /
DEDUÇÕES À COLETA
Imagine-se que 100 mil é o rendimento coletável de
um agregado familiar com dois sujeitos que optaram
por tributação conjunta. São casados / unidos de
facto? Sim. O que acontece? Antes de ir ao 68º,
vamos ao 69º. O que diz o 69º, 1.? Dividimos 100 mil
por 2, criando neutralidade fiscal e não prejudicando
a tributação conjunta. Isto dá 50 mil. O que fazemos
numa segunda etapa? Os 50 mil são tributados
como? Olha-se ao 68º. A taxa é de 28,838%; isto dá
629 (arredonda-se para mais,
embora na prática vá ao cêntimo). Qual é o
000
856, que foi o que
já foi tributado. Isto dá 13 144. Aqui aplicamos a taxa
915. Qual é o resultado desta
tributação? 10 629 + 5 915 = 16 544.
Isto chega? Não. Como aplicámos o 69º, 1. (se não
tivéssemos aplicados, estaria resolvido), temos de ir
ao 69º, 3.
087.
É esta a nossa coleta.
Uma vez obtida a nossa coleta, o que é que
fazemos? Não temos ainda o nosso imposto a pagar.
Há que passar para o (v) apuramento do imposto a
pagar. Como é que o fazemos? Através de
deduções à coleta. Isso permite saber quanto é que
temos de pagar efetivamente; este é o outro
momento de personalização, onde as circunstâncias
individuais e concretas são consideradas. Se
olharmos para o 78º, verificamos que o legislador
introduz dois tipos de deduções à coleta.
As previstas no nº 1 são deduções pessoais e
familiares, onde há uma verdadeira preocupação de
personalização. Mas não nos esqueçamos do nº 2,
onde se deduzem os pagamentos por conta do
imposto a pagar a final e importâncias retidas na
fonte que tenham natureza de pagamentos por
conta. Não é de somenos importância a última parte.
Só se fala nas deduções com natureza por conta. No
78º, portanto, temos dois tipos de deduções à coleta:
Despesas pessoais e familiares - é outro
dos momentos de personalização do IRS,
em que se atenta àquele(s) sujeito(s)
passivo(s) e ao seu agregado familiar;
Deduções
de
antecipadamente.
imposto
pago
Assim, há aqui um espaço de personalização do
imposto quanto à aplicação da taxa ao rendimento
coletável. E há uma questão de neutralidade fiscal a
ser implementada pelo legislador. O que é que é
neutralidade fiscal? Não influenciar a opção do
sujeito passivo. Na prática, o que se está a ver? Que
princípio constitucional está a ser salvaguardado?
Igualdade e equidade fiscal, sim, mas que outro
princípio/valor não fiscal, mas constitucional, está
também aqui a ser protegido? A família. Este é o tipo
142
a. DEDUÇÕES PESSOAIS E FAMILIARES
Quando olhamos para o nº 1, nas suas várias
alíneas, vemos que a questão pessoal/familiar está
aqui mais do que evidenciada. Na alínea a), vemos
por dependente e ascendentes que vivam com o
sujeito passivo. Os ascendentes não são
considerados no momento de determinação do
agregado familiar. Porém, podem ser considerados
para efeitos de deduções à coleta. Exige-se, porém,
que vivam em comunhão de habitação. Mas há
certos entraves: além da comunhão de habitação,
também os rendimentos obtidos por esses
ascendentes têm de ser muito reduzidos, o que faz
com que sejam dependentes do sujeito passivo.
E nas outras alíneas? há despesas gerais familiares,
saúde, educação e formação, encargos com imóveis,
importâncias de pensões de alimentos, exigência de
fatura, encargos com lares, pessoas com deficiência,
dupla tributação internacional, benefícios fiscais e
novidade o adicional ao IMI.
O que verificamos nas alíneas a) a l)? Há um
conjunto de encargos que a família tem que são
contabilizados fiscalmente, e vai permitir-se uma
dedução dos encargos. Se houver dupla tributação
internacional, o que acontece? Também aqui é
deduzido aquilo que pagámos no estrangeiro? Tudo
o que o legislador considera como despesa do
agregado que tem relevância fiscal será objeto de
dedução. Esta é a primeira ideia.
Nota: quem recebe pensão de alimentos tem um
rendimento que é objeto de tributação. Para quem
paga, este é um gasto relevante para efeitos fiscais,
deduzido no momento das deduções específicas.
Nota 2: nos encargos com imóveis, podemos pensar
em empréstimos e arrendamento.
Nota 3: por que é que as pessoas celebram
contratos de arrendamento e não passam recibo? É
uma fraude. E pode haver uma fraude parcial. Para
o contribuinte, interessa o recibo / a fatura. O
comportamento fiscal tem dois lados: pode ser o
contribuinte o violador da norma fiscal, ou o
contribuinte evasivo, mas há depois o outro lado.
Quando
maior
pressão
houver
para
o
comportamento ser adequado, melhor. Um aspeto
muito importante é a educação fiscal.
143
Nota 4: e quando no mesmo agregado familiar não
se opta pela tributação conjunta? O código tende a
dividir as despesas. Há uma norma que diz que,
quando há tributação separada, o contribuinte deduz
aquilo que está aliado ao seu universo. Por isso, as
deduções no seu NIF são as dedutíveis. No caso de
a despesa ser no NIF do dependente, a regra é
haver uma divisão ou uma integração num dos lados,
que tem a ver com pagamento fiscal legítimo. Se há
mais rendimento, deduzimos face ao nosso valor. A
ideia é: não há espaço para duplas deduções. Ou há
divisão, ou há o todo ligado a um dos sujeitos
passivos. Ou o legislador, ou é tudo só para um: não
há duplicação da dedução.
Nota 5: nas deduções dos dependentes e dos
ascendentes, o que foi considerado para efeitos de
apuramento do agregado familiar? O que é
agregado familiar para efeitos fiscais? Se o
dependente tem rendimentos, o que lhes acontece?
Caso seja tributado, é objeto de englobamento. Os
rendimentos dos ascendentes são considerados
para efeitos do agregado familiar? Não são objeto de
tributação; são sujeitos de imposto autónomos. Mas
encontramos que as despesas que o agregado tem
com aqueles ascendentes são consideradas
dedutivas. Mas vimos que o ascendente ou tem de
viver em comunhão de habitação, ou tem de ser o
sujeito passivo a suportar o lar, e não pode ter
rendimentos significativos. Têm de ser rendimentos
tao baixos que não podem ser objeto de tributação.
Veja-se o 78º-A, c). Condiciona-se o montante dos
rendimentos obtidos pelo ascendente a um
quantitativo; se houve ultrapassagem desse
quantitativo, já não pode a despesa ser considerada
fiscalmente relevante e, portanto, ser deduzida. Os
valores anualmente fixados são muito reduzidos e
que estão nos limites de tributação. Que norma é
esta, atendendo às várias matérias que trabalhámos
ao longo do semestre? A norma está construída de
forma limitativa. Tenta evitar-se um abuso.
If o ascendente obtiver rendimentos superiores à
pensão mínima do regime geral, then os encargos
da família com o ascendente não são considerados
para as deduções. Se não houvesse isto, imputarse-iam gastos fiscais de uma forma não condizente
com a efetiva capacidade contributiva e as
necessidades do agregado. Imagine-se que o
nos de ele viver na nossa casa, pondo todas as
despesas suplementares no imposto para reduzir. É,
portanto, uma norma anti-abuso. Há vários tipos de
normas especiais, tanto as mais óbvias (paraísos
fiscais, preços de transferência, etc.), mas também
este tipo de condicionamento faz com que haja um
anti-abuso.
Nota: a pensão mínima do regime geral está na casa
Assim, quanto aos ascendentes que estejam em
comunhão de habitação ou em lares pagos pelo
sujeito passivo, o valor que o sujeito passivo gastou
com lares e uma parcela podem ser
deduzidos à coleta do sujeito passivo, mas exige-se
que não sejam auferidos rendimentos relevantes. Se
for superior, o que acontece? Os valores não são
dedutíveis fiscalmente.
Há que perceber que o quantum do que pode ser
deduzido como dedução específica está limitada; ou
seja, não é a totalidade da despesa que será objeto
de dedução, mas apenas uma parcela que o
legislador determina.
Quanto é que pode ser deduzido? A resposta é que
nem tudo pode ser deduzido. Havendo uma despesa
000, não são eles que se podem deduzir, e
sim apenas uma parcela.
Onde é que isso é visível? Olhe-se para o 78º-A, 1.,
c). Isto tem a ver com deduções por pessoa. O valor
fixo é determinado pelo legislador. Contudo, o
problema surge não tanto aqui. Imagine-se que
Veja-se que, se isto for superior ao limite global, só
ele é dedutível. O limite global é para a despesa total
do agregado familiar. Releia-se o 78º-C, 1.: é
dedutível o montante correspondente a 15% do valor
suportado a título de despesas de saúde por
qualquer membro do agregado familiar, com um
000. Há uma limitação global à
despesa.
Imaginededuzidos. Na prática, o que acontece? Se há
sujeitos passivos unidos de facto com tributação
conjunta, há aquele limite, mesmo que as despesas
sejam muito superiores. Por isso é que as pessoas
dizem que, a partir de dado momento, deixam de
pedir fatura
mas continua a ser importante no
combate à fraude e evasão. O imposto é a receita
orçamental principal que suporta a maioria das
despesas públicas. Se temos um problema de défice
orçamental, ou se não temos problema algum mas
temos muitas despesas, há que garantir que as
receitas compensam aquelas despesas. Logo, o
Estado pretende encurtar o mais possível o que vai
ser deduzido. Por isso é que muitas das alterações
orçamentais que existem têm muitas vezes que ver
com condicionamentos suplementares às deduções,
aumentando o imposto a pagar. Nas despesas de
000.
Quando se afunila a necessidade de receita, a
norma fiscal continua a ter mais condicionamento no
que é considerado um benefício fiscal. Face ao que
é a prática do setor privado, não há casamento dos
valores; mas aqui há um interesse orçamental na
arrecadação da receita.
naquele ano. O legislador, à partida, iria deduzir os
5 mil, mas isso é muito penoso para o Estado, que
iria perder muita receita; por isso, o Estado diz que
apenas é deduzida uma parte das despesas
efetuadas. Assim, diz-se que à coleta é dedutível um
montante correspondente a 15% do valor suportado
por despesas de saúde por qualquer membro do
agregado familiar. Assim, 15% do total vai poder ser
deduzido. Não se deduz a totalidade do gasto, e sim
uma parcela/percentagem no caso das despesas
de saúde, 15%. Qua
Todavia, isto complica ainda mais. Há dois limites;
agora olhe-se ao 78º, 7. Como as necessidades
orçamentais são crescentes, o legislador decidiu
colocar um terceiro limite para algumas destas
deduções. Para lá das limitações específicas das
despesas gerais familiares, despesas de saúde,
educação, encargos com imóveis, etc., o que é que
o 78º, 7. diz? Na soma das deduções à coleta
previstas nas alíneas c) a h) e k) do nº 1 (saúde,
educação, encargos com imóveis, fatura, lares e
benefícios fiscais), o somatório dos valores a serem
deduzidos não podem exceder, por agregado
familiar e, no caso de tributação conjunta, apos a
aplicação do divisor do 69 os limites constantes
muito de receita fiscal, impõe um segundo limite: o
000. Se os 15% forem superiores
000 serão
deduzidos. Se os 15% forem inferiores, o que
acontece? Podem ser deduzidos.
daquilo que já podemos deduzir limitadamente, há
ainda que perceber se ele ultrapassa o que o
legislador colocou como limite àquele somatório.
144
Imagine-se que há despesas de saúde no valor de
10, educação no valor de 20 e lares no valor de 5.
Isto dá 35. O somatório disto não pode ser superior
a alguma coisa. Que coisa? Veja-se a alínea a). Se
o rendimento coletável é igual ou inferior ao valor do
1º escalão do 68º, 1., não há limite. Quem recebeu
muito pouco pode deduzir o somatório completo.
Mas
alínea b)
se os contribuintes têm um
rendimento coletável superior ao valor do 1º escalão
e igual ou inferior ao valor do último escalão do 68º,
1., o limite resulta da aplicação de uma fórmula. O
que é que o legislador diz? Tem-se em consideração
o rendimento coletável, e tem-se em conta quanto
houve de rendimento coletável para apurar a
limitação global total que efetivamente se pode
deduzir. O que implica isto? Voltar ao rendimento
coletável e aplicar esta fórmula. Veja-se a alínea c).
Se o rendimento coletável é superior ao último
000.
Isto pode significar que o contribuinte tem um
rendimen
-se para o
68º
000. Imaginededuz a totalidade das despesas. O que acontecia?
O sujei
000. Portanto, prejudica-se na despesa
do agregado e apenas uma parcela do somatório
das despesas é que seria deduzida. É aqui atendida
a questão da progressividade: dependendo do
escalão, os limites alteram-se
Esta norma aparece porque o Estado tem
necessidade de despesa. Além da limitação que faz
no quantum, também há um limite suplementar no
somatório destas várias despesas.
Nota: as deduções pessoais e familiares estão, por
isso, limitadas. E atenção ao nº 7: o somatório não
pode exceder certo valor.
b.
DEDUÇÕES
DE
ANTECIPADAMENTE
IMPOSTO
Ou seja, o que o legislador diz é: atenção, pois quem
tem rendimentos de categoria B pode ter de pagar
pagamentos por conta, isto é, pode ter de fazer
antecipadamente por conta do imposto a pagar a
final três pagamentos no ano.
Nota 1: atenda-se a que o cálculo do pagamento por
conta tem de ter em consideração se é feito no ano
em que ainda estão a ser obtidos os rendimentos.
Pode ter de ser feito no ano anterior. Aí, o legislador
vai aos rendimentos obtidos em ano fiscal anterior
para determinar a obrigação fiscal. Por isso, há uma
fórmula no nº 2 que tem em atenção rendimentos
obtidos no ano anterior naquela categoria.
Há a possibilidade de não se estar obrigado a fazer
os pagamentos por conta. A obrigação pode cessar
e ficar sem aplicação; mas o que interessa reter é
que os rendimentos de categoria B podem estar
sujeitos a pagamentos por conta. São três
pagamentos anuais feitos antecipadamente por
conta do imposto a pagar a final, o que faz com que,
se pagámos antecipadamente, então, quando
estamos a calcular o imposto a pagar, tenhamos de
deduzir esses montantes já pagos antecipadamente.
Assim, vamos tributar janeiro a dezembro; estamos
a tributar um ano inteiro. Mas quando é feito o
apuramento da tributação? Em maio/junho do ano
seguinte. Quando pagamos antecipadamente,
estamos a pagar antes. Quando chegamos ao
momento de apuramento, deduzimos o que já
pagámos antecipadamente por conta daquele
imposto.
PAGO
Contudo, verificámos que o 78º, 2. fala ainda nas
deduções de imposto pago antecipadamente. Ou
seja, se houve pagamentos efetuados antes do
145
apuramento dos rendimentos obtidos num ano
fiscal: o que pode ser pago antecipadamente no
IRS? Pagamento por conta e retenções na fonte com
natureza por conta. Os pagamentos por conta,
encontrados também, em sede de IRC, só são
devidos a quem obtém categoria B (art.º 102º do
CIRS). Diz-nos o legislador, no 102º, que a
titularidade de rendimentos de categoria B
determina, para os respetivos sujeitos passivos, a
obrigatoriedade de efetuarem 3 pagamentos por
conta do imposto devido a pagar a final até dia 20
daqueles meses.
Nota: se isto for
À parte destes pagamentos por conta (que são
específicos da categoria B), o que há? Podemos ser
objeto de retenção na fonte. Quem paga o
rendimento tem uma obrigação legal de reter uma
parcela e entregar ao Estado. A versão mais comum
está no 99º. Vemos que há um conjunto de regras
de retenção na fonte específicas para as categorias
A e H (trabalho dependente e pensões). É dito aqui
que há a necessidade de reter na fonte. No 99º-C e
D,
estão
estabelecidas
algumas
regras
suplementares; mas, para sabermos efetivamente
quando é que temos de reter, há que olhar ao 99º-F.
O CIRS remete para quadros que todos os anos são
aprovados no início do ano fiscal, determinando as
percentagens de retenção na fonte. Todos os anos
são aprovados despachos com as tabelas de
retenção na fonte para as categorias A e H. E até há
um DL que trabalha sobre a retenção na fonte. O
despacho para o ano de 2019 diz o quê? Veja-se a
p. 217 da compilação.
Olhe-se para as tabelas. O que encontramos? O
montante retido depende do rendimento mensal
obtido, mas não apenas disso. Também há uma
tabela ao lado que apresenta um número de
dependentes (personalização). Portanto, variando o
rendimento mensal, e variando o agregado familiar
quanto aos dependentes, e variando a nossa
situação familiar (casado/unido de facto ou não),
varia o montante de retenção.
Todavia, não fiquemos com a ideia de que apenas
as categorias A e H são objetos de retenção na fonte.
Olhe-se para o 101º do CIRS; também outras
categorias são objeto de retenção na fonte. Mas
cuidado com o 101º, 1. As entidades que devam
dispor de contabilidade organizada devem reter o
imposto.
Imagine-se que RCP prestou um serviço de
consultoria a um banco, e também ao sr. Anacleto.
RCP recebe o rendimento categoria B (atividade
profissional). Olhe-se à alínea b)
há objeto de
retenção na fonte em 25%. Não é pago 100, e sim
25%. Nestes dois casos, por um lado, tem-se uma
retenção na fonte; por outro lado não, apesar de ser
uma prestação idêntica. Porquê? Os bancos
(pessoas coletivas) têm contabilidade organizada.
Retém-se na fonte; há 100
25%. Mas o sr.
Anacleto não tem contabilidade organizada; não faz
a retenção na fonte, pelo que recebemos os 100 por
inteiro. O que releva é a existência ou não de
contabilidade organizada em quem paga (não em
quem recebe). Muitos alunos interpretam isto ao
contrário.
Nota: quanto mais baixa a taxa, menos se retém.
Retira-se do rendimento bruto mensal uma parcela.
Nas categorias A a H, as tabelas são anuais e há
uma lógica de personalização. A primeira
personalização é se se é casado ou não, titular único
ou não de categoria A. Olha-se
segunda
personalização
ao valor do rendimento obtido
mensalmente. A terceira personalização diz respeito
aos dependentes do agregado familiar e ao nº de
dependentes. Tendo em consideração estes
elementos, varia a taxa de retenção.
Havendo um contrato de trabalho, são devidos 14
pagamentos (incluindo o subsídio de férias e o
subsídio de natal). Sobre todos recai retenção na
fonte. E no mês em que é recebido o subsídio,
recebe-se a duplicar. Não se faz o somatório dos
rendimentos, pois a taxa poderia aumentar; continua
a fazer-se a individualização mensal.
Nota: a coleta vai ser deduzida a totalidade das
retenções na fonte de que fomos objeto durante o
ano fiscal que está a ser objeto de tributação.
E veja-se a categoria F na alínea e). Além das
categorias A e H, se obtivermos rendimentos de
categoria B ou F, então, nos termos do 101º, verificase que pode haver espaço para uma retenção na
fonte com natureza por conta do imposto a pagar no
final.
Caso tenha havido retenção na fonte nos termos do
101º, o que acontece a essas quantias? Serão
deduzidas à coleta.
Nota: a RJ fiscal é constituída por que tipos de
obrigações? Obrigação principal e obrigações
acessórias. A obrigação principal que está
subjacente incide, no caso do consultor e do banco,
sobre quem? Quem é o sujeito passivo? O consultor
(é quem obtém o rendimento); sobre ele incide uma
obrigação principal. Mas sabemos que pode haver a
introdução de substitutos nesta RJ fiscal, incidindo
sobre eles obrigações legais que não têm que ver
com a sua obrigação principal, mas com um efetivar
a tributação da obrigação principal do substituído. É
Uma coisa fantástica ou um peso ter de reter na
146
fonte, registar e entregar ao Estado? É uma
responsabilidade adicional, não um benefício.
O Estado só impõe isto porque, normalmente, quem
tem contabilidade organizada tem um conjunto de
sistemas de gestão do negócio que permite mais
facilmente cumprir esta obrigação, o que não é
compatível com o cidadão que não tem
contabilidade organizada.
Atenda-se ao 78º, 3. Este artigo diz que, se houve
resultado negativo, tudo para e nada mais há a
pagar. Mas isto não significa necessariamente que
tenha de haver reembolso. Só há reembolso se o
que foi pago antecipadamente por conta do imposto
a pagar a final for a mais.
17 MAI 2019
Sumário: IRC.
O critério utilizado para aferir a residência de uma
pessoa coletiva em território nacional é o critério da
sede ou direção efetiva. Temos aqui um critério
formal e material em simultâneo.
É, por um lado, formal, pois tem a ver onde está a
sede. Se a sede for em Portugal, há residência em
território português. Por que é que este é um critério
formal? Porque as empresas podem estabelecer
onde querem a sua sede.
Por outro lado, diferente é o critério subsequente,
que é de direção efetiva. Este é um conceito dito
material / substancial que tem que ver com o
desenvolvimento da atividade. É
versão
simplificada o local onde são feitas as decisões de
gestão estratégica da empresa.
Assim, uma pessoa coletiva com fins lucrativos será
residente em Portugal se aqui tiver a sua sede
(estatutária) ou aqui se encontrar a direção efetiva.
Não é preciso acumulação das duas há uma ou
outra. Significa isto que uma empresa pode ter a sua
sede na Irlanda, mas se o desenho estratégico da
sua intervenção é feito em Portugal, então Portugal
considera-se Estado da residência.
1I. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO
DAS PESSOAS COLETIVAS (IRC)
1
INCIDÊNCIA REAL E PESSOAL
O primeiro aspeto a ser trabalhado em IRS foi a
residência e não residência. Também em IRC é
fundamental apurar, dentro das sociedades com fins
lucrativos, se estamos perante residente ou não
residente.
O conceito de residência de uma empresa é
diferente comparativamente a uma pessoa singular.
Em termos de IRS, estamos preocupados em
compreender o número de dias de permanência
num território. Não fosse isso, seria a existência ou
inexistência de habitação permanente. No âmbito
das pessoas coletivas, o critério, nos termos do 2º,
3. do CIRC, é qual?
147
Primeiro, significa isto o quê? O legislador teve o
cuidado de ir além da forma. Se podemos escolher
a jurisdição em que vamos situar a nossa sede
estatutária, podemos fazer a seleção com critérios
de planeamento fiscal agressivo para se situar num
sítio privilegiado. Já a questão estratégica tem mais
a ver com uma atividade efetiva, de substância.
Diz o legislador: podes até ter sede estatutária
noutro sítio, mas se tens aqui a sede efetiva, vais
aqui ser tributado como residente.
Os critérios não são cumulativos, mas alternativos.
Podem existir casos em que a pessoa coletiva tem
sede e direção efetiva em Portugal, sem problema.
Mas pode suceder que a pessoa só tenha um dos
critérios em Portugal, e Portugal assume-se como
estado da residência e aí há o worldwide income
previsto no 4º, 1. Há um paralelismo com o IRS
estudado.
Tal significa que, havendo distinção da sede
estatutária e da direção efetiva, isso pode levar a
dupla tributação
portanto, dois Estados
assumirem-se como Estados da residência, um
porque diz que está ali a sede estatutária, o outro
porque diz que está ali a direção efetiva.
Assim, não há uma determinação legal; há que ir
buscar elementos jurisprudenciais, doutrinais e
internacionais. São vários os critérios que podem ser
apontados, dependendo tudo isto de uma base
casuístico. A ideia-chave é onde as decisões de
cúpula são tomadas/desenhadas.
Existe uma norma nos CDTs que resolve estes
problemas de dupla residência, e diz qual é o Estado
que deve prevalecer face ao outro.
Nota: e se houver mais de um lugar em questão? E
se ligarmos ao modelo de negócio da economia
digital? Este é um modelo de negócio plurilocalizado,
com uma pulverização inclusive das decisões
estratégica. Em muitas circunstâncias, do ponto de
vista prático, não é possível l de terminar o local da
direção efetiva.
A direção efetiva refere-se ao local de direção
estratégica. Face a toda a literatura produzida sobre
a matéria, nenhum país diz o que é direção efetiva.
Não há uma definição legal, o que significa que
temos de ir bsucar:
O que acontece? Há uma lógica internacional de
procurar as formas de tributação do digital. Uma das
razoes é os critérios tradicionais de apuramento de
bases de tributação não funcionarem nessas áreas.
A direção efetiva não funciona bem (v. tese RCP).
Critérios de direito internacional fiscal (que
trabalham esta matéria nos CDTs);
Jurisprudência nesta matéria (não só
nacional, mas como de outros Estados);
Doutrina (elemento inspirador para apurar
os elementos caracterizadores de uma
direção efetiva).
O conceito de direção efetiva, que tem esta base
ampla de apreciação, tem de ser identificado
casuisticamente com base em vários critérios.
De uma forma genérica, tendo em atenção o modelo
da OCDE e a aplicação de jurisprudência interna e
estrangeira, RCP pode dizer que o local onde se
reúne conselho de administração, onde são
implementadas políticas estratégicas, de onde
partem informações são critérios considerados
relevantes para o apuramento da ideia de direção
efetiva.
Nota: há o digital nomadism.
Nota 2: uma importante questão em cima da mesa é
o centro do negócio digital. No modelo de negócio
digital, qual será o elemento crucial de criação de
valor? Para RCP, há três elementos:
Tecnológico (intermediário e o que é
potenciado para o modelo de negócio);
Financeiro (intermediário financeiro e
importância das transações worldwide);
Consumidor é aqui que está o centro. Não
só há um modelo de negócio customeroriented de uma forma muito proativa, mas
onde o próprio consumador cria conteúdo e
valor, e é parte da construção do valor do
negócio. Isso transformar completamente a
forma como conseguimos tributar. Por isso
é que há a grande questão de Facebook,
Twitter, Google, Instagram.
Veja-se que muitos negócios digitais não são
tributados no rendimento que obtêm face aos
negócios digitais físicos. Muitos negócios assentam
em distância, havendo uma presença meramente
148
digital (e não física). Não têm um rendimento direto
resultante do pagamento direto dos utilizadores,
porque o serviço é gratuito mas mesmo através
disso conseguem obter rendimento, capitalizando a
utilização por parte dos utilizadores. Quid juris? Os
EUA, desde 1998, defendem que não se devia
tributar. Isto porque as tecnológicas são deles; já a
Europa tem uma perspetiva diferente, pois está a
perder valor assim. Uma possibilidade é considerar
presença digital significativa a partir de certos
critérios (como conexão relevante para efeitos
fiscais, e não a residência) e outra, enquanto isso
não se alcançasse, tributar rendimentos brutos das
empresa tecnológicas
fala-se em 3% - para
garantir uma equidade e uma fair share entre estas
empresas e as outras.
Nota: visa-se a tributação dos lucros obtidos pelas
tecnológicas. Os nossos códigos (pelo mundo todo)
estão orientados para empresas física, mesmo
trabalhando com intangíveis, presentes num
território, com rendimentos e gastos, sendo que o
valor é apurado com base nas vendas produzidas,
naquilo que entra como rendimento. Com o digital já
tudo é diferente. Embora o esquema seja na mesma
rendimentos e gastos, o local onde se gera o
rendimento não tem de estar necessariamente
ligado a uma venda. Porquê? Há o conceito de
sociedade de informação. E há o capitalismo digital
e o surveillance capitalism. Isto demonstra a
mudança que está a ocorrer em termos de
construção de valor económico e de modelos de
negócio e, consequentemente, o apuramento das
bases de tributação dos lucros. Como são gerados
os lucros? Como quantificamos isto? Não se paga
para utilizar o Facebook. E há a questão do
Consumer-to-Consumer (C2C) no Facebook
(pequenos negócios). São raros os países com
normas específicas sobre a tributação dos
rendimentos do digital.
Assim, a ideia-base é que a incidência pessoal em
sede de IRC assenta na determinação da residência
e não residência.
Como é que apuramos a residência das nossas
entidades? A direção efetiva (ou a sede, mas a maior
parte dos CDTs, quando têm de resolver o confronto
direção efetiva vs. sede, dão prevalência à direção
efetiva, privilegiando a substância sobre a forma
embora o modelo de convenção deixe hoje em dia
isto ao critério dos Estados.
149
Se há sede ou direção efetiva em Portugal, o que
acontece? Há tributação pela totalidade dos
rendimentos (art.º 4º, 1. do CIRC). Porém, o facto
de uma empresa não ter direção efetiva não significa
que não possa também ser aqui tributada pelo
rendimento obtido / lucro.
Em sede de IRS, os não residentes são também
tributados pelos rendimentos gerados. O mesmo
acontece no âmbito das pessoas coletivas, mas com
um twist. Uma pessoa coletiva pode ser não
residente em Portugal e ser tributada pela totalidade
dos rendimentos aqui obtidos com regras muito
semelhantes às empresas residentes em Portugal,
se tiver aquilo que é conhecido por um
estabelecimento estável (art.º 5º do CIRC). Qual a
vantagem? Permite que não se seja tributado por
rendimentos brutos e há algumas deduções para
apuramento do lucro obtido.
Nota: não falamos em worldwide income, e sim
apenas o que é obtido pelo estabelecimento estável
em Portugal, e apenas em Portugal.
O conceito de estabelecimento estável, previsto no
5º do CIRC, bebe da construção internacional da
figura. É igual em Portugal e no resto do mundo. É
uma figura sem personalidade jurídica. O
estabelecimento estável não tem PJ; se tivesse,
nunca poderia ser um estabelecimento estável, e
teria de ser um residente.
Se quisermos ir para o Japão exercer uma atividade
económica como pessoa coletiva, temos duas
hipóteses: ou criamos uma filial
uma outra
empresa, com PJ residente fiscal no Japão, uma
empresa japonesa com, por hipótese, 100% de
capital português, ou podemos optar por ir para o
Japão, não constituir uma chamada filial (empresafilha) e antes constituir um estabelecimento estável,
uma sucursal. Esta figura das sucursais ou do
estabelecimento estável não tem PJ. Portanto, quem
é o detentor? Quem criou o estabelecimento estável.
O obrigado, embora seja o EE, está sempre ligado
ao detentor, que é quem tem efetivamente a PJ
associada.
Porém, no fiscal, quase se ficciona uma espécie de
personalidade jurídica para o estabelecimento
estável. Por isso é que há uma tributação pelo lucro
tributável, o que significa rendimentos gastos, e
não sobre o rendimento bruto. O conceito de
estabelecimento estável previsto no art.º 5º, que
casa com o conceito internacional, assenta numa
ideia-chave de fisicalidade / presença física que
pode ser de 3 formas:
5º, 1. instalação fixa através da qual se
desenvolve uma atividade comercial /
industrial / etc. Significa que é preciso um
armazém, um escritório, um local físico que
pode ser uma roulotte (não presa ao solo),
uma vending machine / máquina de vendas
automáticas uma coisa a ocupar espaço
num território e através da qual é feita
/promovida a atividade da pessoa coletiva
que a detém.
5º, 3. se estivermos perante atividade de
construção civil prédios, estradas, pontes,
etc.
também temos estabelecimento
estável mesmo que o estaleiro de
construção só exista por um período
reduzido de tempo (6 meses) e possa
andar de um lado para o outro (na
construção de uma estrada, o estaleiro vai
andando à medida que vai andando o troço.
Também a isso se chama EE.
5º, 6. - se, em vez de um local, optarmos
por ter uma pessoa (singular ou coletiva)
intitulada nosso agente e esse agente
celebrar por nós contratos que nos
vinculam, também esse agente / essa
pessoa (singular ou coletiva) é considerada
EE / agência. E tem de ser um agente
dependente,
isto
porque
se
for
independente (nº 7) não há lugar a
estabelecimento estável. Ou seja, tem de
haver uma dependência entre o agente que
desenvolve a atividade e quem o contratou.
Essa dependência tende a ser vista, como
critério máximo a nível nacional e
internacional,
como
celebração
de
contratos por conta da pessoa / que
vinculem a pessoa, mesmo que não esteja
lá o nome da pessoa.
que trabalha pra um cliente? Depende. Interessa a
substância. Isto é feito habitualmente, com
persistência, com regularidade? Recai os risco
sobre si ou sobre outros?
Se formos residentes e tivermos estabelecimento
estável, o que diz o 3º, 1., c)? há tributação segundo
o lucro tributável que seja imputado ao EE (ligado à
sua atividade efetivamente desenvolvida). Se, pelo
contrário, somos não residentes e não temos EE
(não sendo o 5º aplicável à nossa circunstância),
então nós (empresa), em Portugal, só vamos ser
tributados pelos nossos rendimentos obtidos em
Portugal e nos termos do IRS). Porquê? Se não
tivermos cá EE, não temos como base de tributação
o lucro; somos tributados apenas pelo rendimento
que obtivemos isoladamente.
O legislador diz que não se aplicam as normas do
CIRC, porque estão todas pensadas para
apuramento de lucro (somatório de vários
rendimentos tendo em conta os gastos necessários
para os obter); aplicamos antes as regras individuais
do IRS quanto à qualificação dos rendimentos
obtidos (de capitais, empresariais/profissionais e
prediais) e tributam-se individualmente cada um
desses rendimentos. É mais um exemplo da
interação CIRS / CIRC.
Qual é outro exemplo de interação? Estudámos a
categoria B de rendimentos. Falámos em deduções
específicas. Nos sujeitos com contabilidade
organizada, o apuramento do rendimento líquido de
categoria B será feito de acordo com o apuramento
do lucro tributável em matéria de IRC
Efetivamente a substância está assumida e é isso
que interessa.
Nota: imagine-se que há uma imobiliária que
trabalha em exclusivo para um cliente, isso poderá
ser um estabelecimento estável, ou um advogado
150
Assim, PC que tenham fins lucrativos e sejam
consideradas residentes têm apuramento da matéria
coletável tendo por base o lucro tributável,
deduzimos-lhe os prejuízos fiscais e eventuais
benefícios fiscais que ocorram à matéria tributável.
Todavia, precisamos que o legislador nos explique o
que é que é isto de lucro tributável; o que constitui e
como se deduzem os prejuízos fiscais de anos
anteriores; e que o legislador diga quais são os
eventuais benefícios fiscais que ocorram na matéria
coletável. Temos de encontrar na lei o que tudo isto
significa.
Onde encontramos o que é considerado o lucro
tributável? O 15º, 1., a) remete para o art.º 17º.
Assim, o passo seguinte é olhar para o 17º para
definir o que é lucro tributável. O que é dito no 17º,
1.? Fala-se, para as entidades referidas, numa soma
algébrica:
2
APURAMENTO DA MATÉRIA COLETÁVEL
Resultado líquido do período (RLP) +/- Variações
patrimoniais (Vp) +/- Correções fiscais
O que estivemos a analisar? Os arts. 2º, 3º, 4º e 5º,
na incidência pessoal. Resulta daqui que há
diferentes formas de tributar consoante a definição
da nossa qualidade de sujeito passivo. Onde é que
nos estamos a centrar? A nossa preocupação, nesta
versão express, está no lucro. Se somos pessoa
coletiva residente em PT, desenvolvemos um
atividade comercial /industrial/agrícola, vamos ser
tributados pelo lucro. É este o nosso ponto de partida.
Que pergunta imediata se faz? O que é que isto
então significa? A nossa base de tributação é o lucro,
mas como é que isto se faz?
Deve olhar-se ao art.º 15º. O 15º, 1., a) diz que as
pessoas coletivas que desenvolvem a titulo principal
(etc.) portanto, fins lucrativos que são residentes
e cuja base de tributação seja o lucro, tem-se que a
matéria coletável (já não se fala em rendimento
coletável como em IRS) é igual a: Lucro tributável
Prejuízos fiscais Benefícios fiscais.
MC = LT
151
PF - BF
Assim, como apuramos o lucro tributável? Partimos
do rendimento líquido do período. A ele
acrescentamos ou retiramos Vp positivas e
negativas, e procedemos a correções fiscais. O
primeiro aspeto é o RLP. O que é o rendimento
líquido do período? É o mesmo que falar em lucro
contabilístico. Na expressão do código, o que está
em causa é: rendimentos gastos. Está aqui o que
entra (+) e o que sai (-); é contabilidade pura. Para
se saber IRC, tem de se saber contabilidade.
que haja uniformização tendencial de regras
contabilísticas do ponto de vista mediano, o
interesse fiscal pode dar espaço para que haja
correções fiscais ao lucro contabilístico, isto porque
nem a totalidade da despesa/gasto é considerada
(pois o gasto em si não é considerado, porque o
rendimento não pode ser rendimento na versão
completa e tem de ser mais reduzida ,etc.
Assim, há um problema em que a regra da
contabilidade pode não coincidir com a regra fiscal,
porque o Estado está preocupado em garantir que
não há abuso, um aproveitamento da liberdade dos
rendimentos e dos gastos para reduzir brutalmente
a tributação das empresas.
A maior parte das empresas, na prática, faz coincidir
o RLP com o lucro tributado (versão simplificada).
Mas por vezes não o pode fazer, pois não bate certo.
Pensemos num saco azul, criado pela empresa com
um valor de 100 e a empresa não diz em que vai
aplicar,
ficando
o
lançamento
feito.
Contabilisticamente isto é possível: o fluxo financeiro
está identificado. Mas, do ponto de vista fiscal, o
Estado não admite sacos azuis. Não aceita
despesas não documentadas, provisões indefinidas.
Portanto, apesar de contabilisticamente o saco azul
estar transparente, precisamos de fazer operações
porque não podemos, do ponto de vista fiscal,
contabilizar o saco azul ou despesa não
documentada como um gasto relevante ou uma
provisão fiscalmente relevante. O que produz isto?
O lucro tributável aumenta, pois o gasto não é
relevante do ponto de vista fiscal.
Mas aquilo que entra e sai, e é contabilizado pela
empresa, e tem regras próprias que têm de ser
cumpridas, sendo que elas não são cada vez mais
regras nacionais mas sim internacionais havendo,
portanto, uma lógica de uniformização contabilística
global (IAS) apesar de existirem estas regras e de
as empresas as adotarem, muitas vezes, do ponto
de vista fiscal, o Estado não concorda com tudo o
que está contabilizado e com a forma como está
contabilizado. Não porque vá fazer uma revisão do
que é a regra contabilística, mas sim garantir que
não há um aproveitamento da contabilidade dos
gastos e rendimentos para fazer reduzir brutalmente
o valor do imposto a apagar. Por isso, o legislador
fiscal parte da contabilidade (do lucro contabilístico),
mas cria regras próprias fiscais para certos
componentes
contabilísticas,
limitando/condicionando o que é gasto relevante, o
que é rendimento aceitável do ponto de vista fiscal.
Ou seja, o que estamos a tentar transmitir é o quê?
Apesar de as empresas terem contabilidade
organizada e de fazerem o seu apuramento do lucro
com base nessa contabilidade organizada mesmo
Nota: há uma tentativa de casar logo, mas o que
acontece é que a declaração vai ser à parte do que
é a realidade, por causa destas limitações fiscais.
O que verificamos? Tem de haver uma preocupação
de perceber o que é que na lei fiscal (olhando ao 20º,
23º e ao 23º-A) do que se aceita como rendimento
ou gasto fiscalmente relevante, do ponto de vista
fiscal. Tem de haver uma análise casuística par
aperceber se aquele fluxo + ou
é fiscalmente
aceite, apesar de contabilisticamente sim.
Na prática, isto representa o quê? Imagine-se que o
nosso RLP é 100. Nestes 100, estão contidos o
pagamento
de
IRC
no
valor
de
5.
Contabilisticamente, os 5 são um pagamento que
fizemos em sede de IRC, um gasto.
152
E veja-se o 23º-A, 1., a). O que significa isto? Não
temos um gasto relevante para efeitos fiscais, nos
termos do apuramento da mateira coletável
(especificamente, o lucro tributável): O que é preciso
fazer? Uma correção fiscal. Os 5 representam o que
nos 100? Um menos; o lucro tributável foi reduzido
em 5, em termos simplificados. Para cumprir com o
23º-A, 1., a), o que fazemos? Aos 100 somamos 5.
Qual é o lucro tributável? 105.
Se não há relevância fiscal, temos de fazer uma
correção ao RLP. Em que sentido? Temos um gasto
que foi contabilizado e não devia para efeitos fiscais.
Por isso, aos 100 somamos os 5 que reduziam o
lucro e que não podiam fazê-lo. Concordemos ou
não, a norma fiscal é esta; contabilisticamente as
coisas são de uma maneira, mas o legislador fiscal
entendeu que certos gastos não são fiscalmente
relevantes.
Recorde-se a lógica dos preços de transferência.
Dependendo da jurisdição, pode haver interesse em
rendimentos mais elevados numa dada sociedade
num grupo, porque a tributação vai ser mais
vantajosa, visto que, apesar de haver muitos lucros,
a base será mais pequena.
Olhe-se para o 20º, sobre rendimentos e ganhos.
Imagine-se que não foi contabilizado (porque não foi
passada fatura) uma prestação de serviços que faria
aumentar o rendimento entrado, e, portanto, houve
um contrato de prestação de serviços em que há
uma ausência de 10 num contrato de prestação de
serviços que não foi formalizado, não foi passada
fatura e não entrou na contabilidade. Isto foi
detetado em denúncia/inspeção. Em termos de 20,
o rendimento tinha de estar lá considerado. Isto vai
fazer aumentar o lucro tributável. Se se detetou a
ausência de 10 de rendimento obtido por contrato de
prestação de serviço, o que se faz em termos de
correção? Aos 100 pomos mais 10, porque houve m
rendimento que não foi declarado e teve de ser
introduzido. Descobriu-se, introduziu-se.
153
Este raciocínio é muito importante; é a base de
determinação do lucro tributável em todo o IRC: O
que é que os arts. 20º a 52º, incluídos, têm aspetos
específicos / normas concretas onde se diz o que é
que não pode ser considerado relevante do ponto de
vista fiscal, e o que é que tem de ser considerado do
ponto de vista fiscal, que gastos são, que
rendimentos são ou não são. Parte-se sempre do n
e do 23º (rendimentos e gastos), mas depois temos
várias subcategorias de matérias que geram a
necessidade de um olhar mais específico, dando
azo a correções fiscais. Caso estejam contidas no
RLP e não devessem estar, ou caso não estejam
contidas no RLP e devessem estar. E por isso
falamos em mais em menos, porque depende das
circunstâncias: podemos ter de somar ou subtrair.
Nota: o que são variações patrimoniais? Tem a ver
com conceitos contabilísticos. A contabilidade pode,
muitas vezes, apenas refletir a exploração norma da
atividade daquela PC. E podem existir outros dados
que influenciam os valores daquela PC, e que
podem não estar previstos na contabilidade,
segundo as regras existentes. Pense-se numa
empresa que mandou fazer a um artista plástico de
renome a nível internacional um busto do fundador.
Isto nada tem a ver com a atividade desenvolvida a
fazer cadeiras, por exemplo. Mas o busto tem um
valor, aumento o património (Vp). Se é doado o
busto, há uma variação patrimonial, e temos de ver
se do ponto de vista fiscal deve ou não estar vertida
no RLP. Ou seja, aquilo que, não sendo atividade
profissional da empresa, mas que faz variar o
património da empresa, tem regras específicas,
constituindo variações patrimoniais que têm regras
próprias do ponto de vista fiscal. Não estando
vertidas, tem de haver um olhar específico.
De que aspetos é fundamental ter noção, em versão
express?
Vejam-se os arts. 28º, 28º-A e 28º-B do CIRC.
Para alemã das variações patrimoniais, há um
conjunto de gastos que temos de ver se, do ponto
de vista tributário, são ou noa admissíveis. O
primeiro caso é o destes artigos. Aqui falamos em
perdas por imparidade. Esta ideia tem que ver com
perdas que surgem por ocasião de um ativo
escriturado, por um quantitativo superior ao
recuperável
por ex., previa recuperar 100 mas
apenas vou recuperar 50. Assim, escriturei na
contabilidade que tinha um crédito de 100, mas
porque o devedor entrou em insolvência só
conseguirei obter 50. Pare fazer face a estas
diferenças, permitem-se estas perdas por
imparidade, ou seja, um benefício daquilo que pode
ser
abatido
aos
rendimentos
obtidos.
Contabilizámos 100 e só vamos obter na prática 50;
o nosso crédito ficou reduzido. Pode vir a dar
prejuízo, mas é um elemento antes disso, pois
estamos na operação de apuramento do lucro
tributável. O prejuízo só é apurado se não tivermos
lucro tributável. Ora, isto vai ser objeto de uma
correção fiscal.
Aquilo que não obtivemos será inscrito não como
prejuízo, não como um gasto, mas como uma
específica categoria
perda por imparidade. Só
pode ser feita a inscrição destes 50 em perda por
imparidade se o 28º-B o permitir. Isto é reduzido ao
RLP, se não estiver nele contido e possa estar
contido na maneira como foi.
Uma segunda questão é a dos arts. 29º e segs. e
até ao 38º. Falamos em depreciações e
amortizações. São normas específicas fiscais que
levam a que tenhamos de reanalisar o contido no
RLP e saber se o que está aí contido está de acordo
com esta exigência fiscal ou, se não está contido,
devia estar, de acordo com a exigência fiscal.
máquina vai perder o valor faseadamente. Portanto,
o legislador fiscal criou regras que dizem quanto é
que podemos ir abatendo/retirando todos os anos do
valor, assumindo como amortização ou depreciação.
Assim, existem regras específicas para saber como
amortizamos ou depreciamos. É a mesma coisa,
apenas varia consoante o bem ser tangível ou
intangível.
E vejam-se os arts. 39 e 40º para um terceiro
elementos. Aqui encontramos provisões. Convém as
empresas, muitas vezes, irem constituindo fundos e
porquinhos mealheiros para fazerem face a
acontecimentos futuros previsíveis ou imprevisíveis.
Todavia, para efeitos fiscais, nem todas as provisões
são consideradas relevantes. Há regras que nos
dizem que provisões é que são fiscalmente
dedutíveis.
Uma última questão a apontar nas correções
possíveis e regras específicas: olhe-se ao 22º do
Código. Aqui encontramos a expressão subsídios.
Quando uma empresa recebe um subsídio uma
verba que pode estar orientada para um fim concreto
/especifico, essa quantia/subsídio deve ter também
uma qualificação própria do ponto de vista fiscal e
um tratamento fiscal específico. É um rendimento,
uma coisa que entra, mas, como tem a natureza de
subsídio, há uma sub-regra fiscal que trata disto de
maneira concreta (22º). Isto é considerado para
efeitos de rendimento, mas quer-se não prejudicar a
finalidade para que são atribuídos, pelo que se
garante a possibilidade de não se integrar a
totalidade desses subsídios.
Exemplo: depreciações e amortizações. Os bens
tangíveis ou intangíveis que as empresas detêm
podem ser alvo de desgaste. Ou seja, podemos
começar com um bem que vale 100, mas conforme
ele vai sendo utilizado perde valor. Numa lógica de
contabilidade, temos de ir revelando essa perda de
valor; não podemos manter os 100 eternamente. Por
outro lado, também é fundamental pôr de lado valor
para eventualmente substituir esse bem.
Então, o legislador fiscal criou regras onde diz que,
do ponto de vista fiscal, como é que estas
depreciações e amortizações reduções de valor9
podem ser efetuadas. O que significa isto? Nos
empresa não podemos comprar uma máquina de
fazer bolachas e, no mesmo ano em que a
compramos, amortizar 100% do seu valor, porque a
Nota: há diferença de tratamento para subsídios
privados e públicos? Sim.
Há os chamados
subsídios com ativos não correntes, etc. Há uma
grande densidade na qualificação que gera uma
norma fiscal diferenciada.
154
O que está em causa? Que raciocínio está
subjacente? Ao apurar a matéria coletável, há que
apurar em primeiro lugar o lucro tributável. Isto é
feito tendo por base o lucro contabilístico. Partimos
do rendimento líquido do período, da contabilidade,
do resultado do lucro contabilístico. Qual é o nosso
olhar enquanto juristas? Olhamos para o que está
contido no lucro contabilístico e vemos as normas
específicas fiscais norteadoras do lucro tributável.
Essas normas específicas fiscais podem ser de dois
tipos:
Variações patrimoniais positivas - têm a ver
com o que não está diretamente ligado com
a atividade e é um plus ou uma retração ao
património da empresa.
Correções fiscais - podem ser exigidas por,
no RLP, estarem ou não contidos valores
que deviam ou não estar contidos. É
necessário fazer um alerta para que
matérias?
Perdas
por
imparidade,
amortizações e depreciações, provisões e
subsídios. Destas regras há que ver se
tudo está contido da maneira certa no RLP.
Caso contrário, é necessário corrigir o
resultado líquido do período. Este é o
raciocínio essencial.
Pense-se em in-house counseling. Como é tratada
fiscalmente a venda do busto do fundador? Imaginese que recebemos o subsídio Europa 20-20 ou do
Portugal 20-20; como fazemos isto do ponto de vista
fiscal? In-house counseling. E se há outsourcing
numa sociedade de advogados? Normalmente, o
que acontece na sociedade? O cliente recebeu uma
liquidação adicional, havendo uma disputa com a AT
sobre a inclusão ou não de um gasto fiscalmente
relevante, ou dum rendimento que não estava e
devia estar.
Apurado o lucro tributável, não nos esqueçamos que
só está feita parte do caminho para o aumento da
matéria coletável. O que temos de fazer a seguir?
Verificar se, nos anos anteriores, existiram prejuízos
fiscais art.º 52º do CIRC.
Aqui, há dois aspetos a reter:
Se existirem prejuízos fiscais de anos
anteriores,
eles
vão
poder
ser
considerados para dedução ao lucro
tributável.
155
Não podemos deduzir indeterminadamente
no tempo os nossos prejuízos fiscais,
havendo um limite temporal. Depende:
olhe-se ao nº 1, que fala em 5 anos, mas
depende. Há um limite temporal ao reporte
de prejuízos. Não podemos ter prejuízos há
20 anos atrás e pô-lo agora a deduzir ao
lucro tributável. Mas também temos,
olhando ao 52º, 2., limite quantitativo de
dedução de prejuízos. Não vamos poder
deduzir a totalidade do nosso prejuízo ao
lucro tributável.
Imagine-se que temos lucro tributável 100 e prejuízo
fiscal no valor de 100, acumulado de vários anos ou
num ano só. Se nada mais dissermos além do nçº1,
o que aconteceria? LT
PF, o lucro tributável
desaparecia, e ficaríamos com um prejuízo de 100
ainda. Não pagaríamos imposto. O legislador
precisa de dinheirinho, pelo que disse: vamos deixar
deduzir, mas com limites. Veja-se o nº 2. dedução
a efetuar em cada um dos períodos de tributação
não pode exceder o montante correspondente a
70% do respetivo lucro tributável
naquele
ano, vamos poder deduzir apenas o quê? Aos 100
(LT), vamos poder deduzir 70% * 100 como prejuízo
fiscal. O que acontece ao que sobra? No ano
seguinte, deduz-se. E se chegarmos ao fim
daqueles anos então conseguimos deduzir tudo?
Kaput. A base é o lucro tributável, a que vamos
deduzir o prejuízo fiscal.
O que diz o legislador? Ao obter o lucro tributável, e
deduzir o prejuízo, mas o valor do prejuízo a deduzir
não pode ir alem de 70% do lucro tributado. Só é
possível reduzir 70% dos 100, = 70. Aos 100 deduzse 70. O resto passa para o ano seguinte, para ser
eventualmente deduzido, e o meso até oa limite
temporal. Com esta técnica o Estado consegue
arrecadar alguma coisa.
Isto é reporte de prejuízos limitado no tempo e na
quantidade.
tributação económica internacional nalguns casos
(não em todos), benefícios fiscais (deduções à
coleta), pagamento especial por conta, retenções na
fonte e (apesar de não estar aqui) pagamentos por
conta.
3
DETERMINAÇÃO DA COLETA
Apurada a matéria coletável (MC), o que temos de
fazer? No esquema do IRS, o que fazíamos? A
determinação da coleta. Ela é feita como? Por
aplicação da taxa do imposto. Assim, partimos de
um lucro contabilístico, e vemos se temos de fazer
alguma correção. Na medida certa, apuramos o
lucro tributável. Ao lucro tributável deduzimos os
prejuízos fiscais de anos anteriores (caso existam,
limitadamente no tempo e na quantidade) e
apuramos a matéria coletável. Apurada a MC,
aplicamos a taxa do imposto para que seja obtida a
coleta.
Onde está a taxa do imposto? Há que olhar ao 87º.
O que temos de taxa de IRC normal? Uma taxa
proporcional (nº 1), de 21 %. Mas olhe-se ao 87º, 2.
Houve uma tentativa de se criar alguma
progressividade
com
caráter
extrafiscal,
privilegiando / discriminado positivamente as PMEs.
Isto tem a ver com o tecido empresarial português,
que em mais de 90% é feito de PMEs.
No final do nº 2, fala-se nos primeiros 15 mil com
uma taxa de 17%, aplicando-se a taxa previstas no
nº 1 ao excedente (no que for mais de 15 mil, já se
aplica 21%). Uma empresa que não se qualifique
como média ou pequena tem uma taxa de 21%.
4 DETERMINAÇÃO DO IMPOSTO A PAGAR /
DEDUÇÕES À COLETA
Assim, aplicada a taxa à MC, obtemos a coleta. O
que fazemos à coleta? Deduções. Também em IRC
existem deduções à coleta. Olhe-se ao 90º, 2. E
segs. Isto é equiparado ao 78º do CIRS veja-se o
que é dito no 90º, 2. Como principais deduções à
coleta? Dupla tributação jurídica internacional, dupla
Assi, há questões de dupla tributação que tem de ser
resolvidas, mas também em IRC o sujeito passivo
pagou imposto antecipadamente, por várias formas.
Como pagamentos por conta, mas a maior parte dos
sujeitos passivos de IRC estão sujeitos a
pagamentos por conta, e há um pagamento
suplementar chamado pagamento especial por
conta, havendo retenções na fonte que ocorreram
por conta do imposto a pagar a final. O que foi pago
antecipadamente de imposto tem de ser deduzido.
Uma vez feitas estas deduções, temos o imposto a
pagar.
Todavia, acrescente-se a derrama municipal. Alem
do IRC, sobre o lucro tributável incide uma derrama
municipal, que vai cumula ao pagamento do imposto
a pagar.
Falta tratar tributação autónoma e a derrama
estadual. Qual e o esquema necessário de IRC que
temos de fixar, o if/then? Partimos do lucro tributável,
que não coincide obrigatoriamente com o
contabilístico. Deduzimos eventuais prejuízos
(limitada ente), apurada a matéria coletável,
aplicamos a taxa de imposto, obtendo a coleta. A
coleta temos deduções a fazer, que tem a ver com
credito de imposto por dupla tributação existente ou
pagamentos antecipados por conta do imposto a
pagar a final. E assim e que obtemos o IRC a pagar.
Mas alem disto temos de ter em atenção que ha uma
sujeição à derrama municipal. E a base de cálculo
não é o IRC a pagar, mas o lucro tributável. Assim,
pode não haver IRC a pagar e haver derrama a
pagar.
É que a derrama municipal é um suplemento de
tributação feito para os municípios com base no
lucro tributável. Nos termos da LFL, a base de
tributação é o lucro tributável. Se temos lucro
tributável, há derrama municipal a pagar. Podemos
vir a não pagar IRC, mas temos de pagar a derrama
municipal.
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