DECOMPOSIÇÃO DO PERSULFATO DE SÓDIO NA HOMOPOLIMERIZAÇÃO DO ÁCIDO ACRÍLICO Gabriel M. Araujo1*, Reinaldo Giudici1 1 - Universidade de São Paulo (USP), Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. 3, No. 380, CEP 0550-810), São Paulo, SP (gmaraujo@usp.br, rgiudici@usp.br) Resumo: A polimerização de monômeros acrílicos em meio aquoso é muito utilizada industrialmente e um dos monômeros mais utilizados devido ao seu bom custo-benefício é o ácido acrílico. Por apresentar cargas parciais e momentos dipolos em sua molécula, interagem com a água de forma que podem desviar a polimerização do seu comportamento usual. O presente trabalho focou na polimerização em batelada do ácido acrílico em solução aquosa usando persulfato de sódio como iniciador. Os dados de conversão medida por gravimetria foram interpretados usando os modelos cinéticos clássicos de polimerização, considerando o tempo de indução observado devido à presença de inibidor no monômero comercial utilizado nos ensaios. Parâmetros cinéticos foram estimados por regressão não-linear e comparados com dados da literatura. As diferenças observadas são atribuídas pelo efeito do pH sobre este tipo de polimerização. Palavras-chave: Persulfato de sódio, cinética, ácido acrílico, decomposição, polimerização. Decomposition of sodium persufate in the acrylic acid homopolymerization Abstract: Polymerization of acrylic monomers in aqueous media is widely used industrially and acrylic acid is one of the most used monomers. Because acrylic acid has partial charges and dipoles moments in their molecules, the interaction with water can cause deviations from the classical behavior of solution polymerizations. The present work studied the batch polymerization of acrylic acid in aqueous solution using sodium persulfate as the initiator. The gravimetric conversion data were interpreted using the classical kinetic polymerization models, considering the observed induction time due to the presence of inhibitor in the commercial monomer used in the assays. Kinetic parameters were estimated by non-linear regression and compared with data from the literature. The observed differences are attributed by the effect of pH on this type of polymerization. Keywords: Sodium persulfate, kinetics, acrylic acid, decomposition, polymerization. Introdução Polímeros solúveis em água são utilizados em diversas áreas, como por exemplo, na indústria farmacêutica, de cosméticos, de tintas, entre outras. Suas características principais são provenientes dos chamados monômeros vinílicos solúveis em água, como por exemplo, o ácido acrílico, os quais são empregados na produção desse tipo de material [2, 3]. A presença de cargas e partes polarizáveis que a molécula apresenta torna esse tipo de material aplicável para estabelecer interações eletrostáticas entre a cadeia polimérica e seu meio circundante, fazendo com que possa ser utilizado na estabilização coloidal de uma tinta, por exemplo [2, 7]. Como consequência dessas interações, a solução polimérica e suas propriedades superficiais, assim como seu caráter viscoelástico, são afetadas por esse tipo de interação, determinando as características desse tipo de material, o que o torna tão interessante e versátil. Além dos efeitos nas propriedades do material, essas interações influenciam no comportamento da cinética da polimerização radicalar em meio aquoso [2]. A presença de cargas e dipolos podem induzir diversas interações entre os reagentes, dificultando a mobilidade das espécies, devido a forças intermoleculares, provocando assim efeitos difusionais que podem afetar o comportamento cinético dessa classe de monômeros. Essas interações estão relacionadas a diversos fatores, entre eles, parâmetros físico-químicos, como por exemplo, o pH. No presente artigo foi estudada a polimerização de ácido acrílico em solução aquosa usando persulfato de sódio como iniciador. Os dados experimentais foram interpretados usando modelos clássicos de polimerização modificados para considerar a ocorrência de período de indução inicial na polimerização, causada pela presença de inibidores no monômero comercial utilizado. Experimental Experimentos de homopolimerização do ácido acrílico em solução aquosa, iniciada com persulfato de sódio foram realizados em um reator batelada (de volume 1 litro) de vidro confeccionado pela FGG Vidrarias. Acoplou-se ao sistema um agitador mecânico movimentado por um motor (WEG) de 0,5 CV conectado a um inversor (WEG modelo CFW500). A troca térmica foi realizada por meio da camisa do reator conectada com mangueiras de silicone em um banho termostático Tecnal (modelo TE-184). A retirada do oxigênio do meio foi realizada injetando-se nitrogênio durante 1 hora antes de alimentar o iniciador e, após o início da reação, o borbulhamento de nitrogênio permaneceu até o final da reação (4 horas). Os ensaios foram realizados de acordo com um planejamento experimental mostrado na Tabela 1. Amostras aproximadas de 10 a 20 gramas foram retiradas do reator em tempos previamente determinados para se realizar a medição das conversões pelo método gravimétrico. Tabela 1 – Planejamento experimental desenvolvido. YI,0 (mol de iniciador Na2S2O8/mol ácido acrílico) e YAA,0 (gramas de ácido acrílico/ gramas total) Ensaios T (°C) ππ°,π (%) H1 60 0,10 H2 65 0,10 H3 55 0,10 H4 60 0,12 H5 60 0,08 H6 60 0,10 H7 60 0,10 ππ¨π¨,π (%) 6,5 6,5 6,5 6,5 6,5 8,0 5,0 Modelo cinético Adotando o tratamento cinético clássico de polimerização, considerando a hipótese de cadeia longa para o consumo de monômero (Eq. 1) e estado pseudoestacionário para os radicais (Eq. 2), e densidade constante da solução, os balanços de massa para o monômero, para os radicais poliméricos e para o iniciador são descritos por: 2πππ [πΌ] π[π] (2) = −ππ [π][π β ] (1) [π β ] = √ ππ‘ ππ‘ [πΌ] = [πΌ]π expβ‘(−ππ π‘) (3) Combinando as equações (1), (2) e (3), e introduzindo a definição de conversão do monômero na forma x = 1 – [M]/[M]0 , é possível integrar a equação (1) desde conversão zero para um tempo de indução tind até uma conversão x em um tempo t resultando na Eq. 4. π₯ = 1 − ππ₯π {√π΄β‘[πΌ]0 (ππ₯π (− ππ ππ π‘) − ππ₯π (− π‘πππ ))} 2 2 (4) π΄= 8 ππ2 π ππ ππ‘ (5) A equação (4) pode ser ajustada aos dados experimentais de conversão versus tempo por regressão não-linear, estimando-se os parâmetros A, kd e tindução. Ajustes individuais (para cada ensaio separadamente) e simultâneos foram realizados usando a ferramenta solver do Excel, minimizando-se a soma dos erros quadráticos entre as conversões experimentais e calculadas pela eq. 4. Para o ajuste simultâneo de ensaios feitos a diferentes temperaturas, utilizou-se a equação de Arrhenius para expressar a dependência de A e kd com a temperatura (e neste caso foram estimados A(Tref), EA, kd(Tref) e Ed, adotando Tref = 60°C = 333,15K) ): ππ (π) = ππ (ππππ )ππ₯π (− πΈπ 1 1 ( − )) π π ππππ (6) π΄(π) = π΄(ππππ )ππ₯π (− πΈπ΄ 1 1 ( − )) π π ππππ Resultados e Discussão Na Figura 1 está mostrada a comparação entre o modelo ajustado (equação (4)) e os dados experimentais para 3 ensaios feitos a diferentes temperaturas. Um bom ajuste é observado. Os valores dos parâmetros ajustados estão apresentados na Tabela 2. 1,0 0,9 Conversão Monomérica 0,8 H3 Exp H1 Exp H2 Exp H3 Mod individual H3 Mod simultâneo H1 Mod individual H1 Mod simultâneo H2 Mod individual H2 Mod simultâneo 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 0 40 80 120 160 200 240 tempo (min) Figura 1 – Resultados de conversão dos ensaios H1, H2 e H3 (Exp: dados experimentais, MOD: previsão do modelo) (7) Tabela 2 – Parâmetros encontrados pelo solver do Excel para o mínimo erro quadrático entre as conversões experimentais e calculadas Ajuste Individual Ensaios H3 H1 H2 T (°C) 55 60 65 ππ«β‘ (s-1) 2,03E-04 4,41E-04 6,92E-04 A (L/mol) 3820 1931 1485 ππππ β‘ (min) 58,5 13,5 5,6 Ajuste Simultâneo A(60°C) (L/mol) EA/R (K) ππ«β‘ (60°C) (s-1) Ed/R (K) 2234 9946 3,95E-04 12808 ππππ β‘ (min) 58,5 13,5 5,6 O valor de kd do ensaio H1 foi comparado com o encontrado na literatura (Tabela 3). A discrepância encontrada pode ser atribuída à diferença de pH. A literatura diz que a decomposição dos persulfatos segue dois caminhos. Em meio neutro e alcalino, ocorre uma ruptura simétrica formando dois radicais persulfato, enquanto que em meio bem ácido (como é o caso neste trabalho), uma ruptura assimétrica formando peróxido de hidrogênio e ácido sulfúrico [8]. Tabela 3 – Valores (em s-1) de constante cinética de decomposição do persulfato de sódio em diferentes soluções. T (°C) 60 0,1 M NaOH 5,00E-06* 0,1 M HClO4 3,17E-05* 0,9 M ácido acrílico 4,41E-04 *Valores retirados da ref [4]. Na Figura 2 é possível avaliar com mais clareza o que foi exemplicado na Tabela 3. Pode-se avaliar um comportamento semelhante conforme altera-se a temperatura (duas retas praticamente paralelas), o que tudo indica que essa diferença de ordem de grandeza é proveniente do pH. 9,0 Experimentais 8,5 Referencia [4] ln(A) ln (kd) -4 -5 -6 -7 -8 -9 -10 -11 -12 0,0029 8,0 7,5 0,003 0,0031 1/T (a) 0,0032 7,0 0,0029 0,0030 0,0031 1/T (b) Figura 2 – Efeito da temperatura sobre os parâmetros obtidos: (a) valores de kd; (b) valores de A. A quantidade de iniciador restante no instante igual ao tempo de indução pode ser calculada pela quantidade inicial subtraída da quantidade de iniciador consumida pelo inibidor. Admitindo um coeficiente estequiométrico ο§ entre o consumo de moléculas de iniciador por molécula de inibidor (ο§= mols de iniciador/mol de inibidor), uma relação entre as quantidades molares iniciais de monômero e iniciador α = [M0]/[I0], e a concentração inicial de inibidor no monômero β = [Z0]/[M0], é possível deduzir a Eq. 8. π −ππ β‘π‘πππ = 1 − β‘πΌ. π½. πΎ (8) Assim, o gráfico de exp(-kd tind) versus αβ‘=β‘[M0]/[I0] deve ser uma reta com coeficiente angular β.ο§ interceptando o eixo y no valor igual a 1. Esta relação foi testada utilizando as constantes e os tempos de indução ajustados aos dados dos ensaios H4, H5, H6 e H7 com seus respectivos valores de concentração inicial de monômero e iniciador para o cálculo do α. Os dados obtidos estão apresentados na Figura 3, comparando-os com a Eq. (8)., comprovando a validade da relação (8) aqui apresentada e permitindo estimar o valor de β.ο§ = 3,06E-04. exp(-kd*tind) 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 0 500 1000 1500 αβ‘=β‘[M]0/[I]0 Figura 3 – Verificação da equação (8) usando os valores ajustados de kd e tind calculados. Conclusões Os ajustes realizados pelas equações clássicas mostraram, dentro dos ensaios realizados, que as interações descritas não desviaram a polimerização do comportamento clássico, e ambos os ajustes, tanto o individual como o simultâneo previram constantes de decomposição do iniciador e tempos de indução semelhantes e aceitáveis. No entanto, os valores de constante de decomposição do iniciador persulfato de sódio diferem de alguns dados encontrados na literatura, o que pode ser explicado pelos diferentes valores de pH dos ensaios comparados. Agradecimentos Target Indústria Química, CNPq e FAPESP Referências 1. D. Henton; C. Powell; R. Reim J. of Applied Polymer Science. 1997, 64, 591-600. 2. Eric J. Fischer, Tese de Doutorado, ETH Zurich, 2017. 3. G. Odian; Principles of Polymerization, Ed.; Wiley-Interscience, New York, 2004, Vol. 4. 4. I.M. Kolthoff; I.K Miller J. Am. Chem. Soc. 1951, 73, 3055. 5. J.C. Coimbra in anais do 20° Congresso Brasileiro de Engenharia Química, Florianópolis, 2014. 6. M. Riahinezhad; N. Kazemi; N. McManus J. of Applied Polymer Science. 2014, 131,1-7. 7. S. Farrokhpay; G. Morris; D. Fornasiero Powder Technology. 2010. 8. T.K. Brotherton; J. Smith; J.W. Lynn J. Org. Chem. 1961, 26, 1.283-1.284.