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análise comparativa do conceito de trauma em Winnicott e Kohut

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Instituto Superior de Psicologia Aplicada
UMA ANÁLISE COMPARATIVA DO CONCEITO DE
TRAUMA EM
WINNICOTT E KOHUT
Carla Susana da Veiga e Silva Ferreira
Dissertação orientada por: Profª Doutora Teresa Santos Neves
Tese submetida como requisito parcial para obtenção de grau de
Mestre em Psicologia Aplicada
Especialidade em Psicologia Clínica
2008
Dissertação de Mestrado realizada sob a
orientação de Profª Doutora Teresa Santos Neves,
apresentada no Instituto Superior de Psicologia
Aplicada para obtenção do grau de Mestre na
especialidade de Psicologia Clínica conforme o
despacho da DGES, nº 19673/2006 publicado em
Diário da República 2ª série de 26 de Setembro,
2006.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de começar por expressar todo o meu agradecimento à Profª Doutora
Teresa Santos Neves, a orientadora desta dissertação pela sua dedicação e inesgotável
disponibilidade através de uma partilha sistemática e constante do seu conhecimento e
ideias.
Deixarei aqui também expressos os meus agradecimentos às pessoas que
indirectamente contribuíram para que fosse elaborado este trabalho. Gostaria de
salientar o quanto foi enriquecedor trabalhar com crianças no último ano e perceber que
tudo o que precisam é de um mundo simples recheado de afecto, atenção,
reconhecimento e protecção. No entanto também foi possível conhecer de perto pais
alheios a tudo isto, por vezes nocivos e desconcertantes.
Agradeço também ao meu companheiro, pela sua genuína dedicação e inesgotável
incentivo durante a realização deste trabalho. Obrigado pelo seu apoio, amizade e amor.
Muito obrigada
I
RESUMO
A presente tese tem como objectivo apresentar uma reflexão crítica acerca da
utilização do conceito de trauma psíquico nos autores Winnicott (1949, 1952, 1956b) e
Kohut (1971, 1977). Será feita, com base numa investigação conceptual (Dreher, 2000),
uma análise e exploração do uso implícito e explícito do conceito em ambos os autores
assim como um olhar detalhado sobre os factores da infância que contribuem para a
emergência de organizações patológicas no indivíduo. Winnicott (1952, 1956a, 1956b,
1963) traz-nos uma reflexão sobre a importância da empatia materna e da providência
adequada desde o nascimento até uma fase de independência relativa e refere-nos como
traumático a necessidade do bebé reagir interrompendo o seu continuar-a-ser. Kohut
(1971, 1977) salienta também a importância da empatia e apresenta-nos a perturbação
narcísica da personalidade como originada a partir de falhas empáticas graves, como
intrusões e decepções com as figuras parentais, que se revelam traumáticas e que
promovem uma paragem no desenvolvimento com dinâmicas regressivas. Ambos os
autores apresentam a noção de falha ideal como necessária ao desenvolvimento do
equilíbrio psíquico e transportam-na para o contexto terapêutico como frustração óptima
promotora da reelaboração.
Palavras-chave: trauma psíquico, infância, empatia, falha ideal, intrusões.
II
ABSTRACT
The purpose of the present research is to present a critical reflection on the use of
the concept of psychic trauma in the theoretical work of the authors Winnicott (1949,
1952, 1956b) and Kohut (1971, 1977). Based on a conceptual investigation (Dreher,
2000), it is developed an analysis and an exploration of the implicit and explicit use of
the concept in both authors as well as a detail look at the infancy factors that contribute
to the emergence of pathologic organizations in the individual. Winnicott (1952, 1956a,
1956b, 1963) emphasises the importance of the maternal empathy and the adequate
environmental provision from the birth until a relative independence stage. This author
describes as traumatic the babys’s need to react due to the failure of the environment,
stopping is going-on-being process. Kohut (1971, 1977) also emphasizes the importance
of empathy and present the narcissist distorder as originated in serious empathic failures,
as well as intrusions and deceptions with the parental figures that reveal themselves as
traumatic and causing the paralysis of the development with regressive dynamics. Both
authors give us the notion of ideal failure as necessary to the development of a balanced
physic organization and brings it to the therapeutic context that promote the elaboration
of trauma.
Key Words: psychic trauma; infancy; empathy; ideal failure; intrusions.
III
INDÍCE
Capítulo 1
- Introdução ……………………………………………………………………….
1
Capítulo 2
- Breve Resenha Histórica do Conceito de Trauma ………………………………….4
Capítulo 3
O Conceito de Trauma em Winnicott ………………………………………………12
3.1 – O Desenvolvimento Normal e Traumático ………………………………….. 14
3.2 – O Trauma do Nascimento ………………………………………………….... 17
3.3 – Psicose ………………………………………………………………………. 19
3.4 – A Tendência Anti-social …………………………………………………….. 21
Capítulo 4
O Conceito de Trauma em Kohut ………………………………………………….24
4.1 – O Desenvolvimento em Kohut ………………………………………………25
Capítulo 5
Análise Comparativa do uso do Conceito de Trauma em Winnicott e Kohut …….31
5.1 – Delimitação do Conceito de Trauma ………………………………………...32
5.2 – O Trauma nas Fases de Desenvolvimento Emocional ………………………33
5.3 – O Papel do Pai ……………………………………………………………….35
5.4 – Processo Terapêutico ………………………………………………………...37
5.4.1 - Kohut e o Trauma Benigno ……………………………………………..38
5.4.2 - Winnicott e as Falhas Ideais …………………………………………….39
Capítulo 6
Análise do Material Clínico e Utilização do Conceito de Trauma em Winnicott ….43
IV
Capítulo 7
Análise do Material Clínico e Utilização do Conceito de Trauma em Kohut……… 49
Capítulo 8
Conclusão …………………………………………………………………………. 55
Referências Bibliográficas ………………………………………………………… 58
V
1
CAP˝TULO 1
1. INTRODU˙ˆO
Trauma ou traumatismo, sªo dois termos cuja s primeiras utilizaıes remontam
medicina. A palavra trauma tem origem grega e significa ferida mais especificamente uma
fractura cutnea. Traumatismo, por sua vez, refere- se s consequŒncias sofridas pelo
organismo advindas da violŒncia externa (Laplanche & Pontalis, 1970). Nesta primeira
abordagem dos termos trauma e traumatismo Ø possvel detectarmos dois momentos. O
primeiro, o do momento da ocorrŒncia do trauma fsico que origina um dano nos tecidos
cutneos e o segundo momento, o do traumatismo, em que o organismo reage lesªo sofrida,
ou seja, podemos atØ delinear uma realidade inicialexterior e uma reacªo interna posterior.
A palavra trauma comeou por significar dan os fsicos, no entanto, uma das vertentes
que este trabalho pretende explorar Ø a forma como o conceito de trauma psquico tem sido
desenvolvido, quer na explicitaªo terica do conce
ito, quer a partir da sua utilizaªo na
prÆtica clnica.
A definiªo de trauma em psicanÆlise mantev e-se por muito tempo relativamente
constante. Freud (1893, 1896, 1897, 1914) comeou p or dar Œnfase ao mundo interno dos
indivduos como gØnesis dos distœrbios psquicos e alterou gradualmente a sua teoria
enfatizando o significado pessoal dos acontecimentos externos tendo em conta a forma como
os mesmos eram processados e significantes para o sujeito. Em relaªo a estas duas
definiıes de trauma, Sandler, Dreher e Drews (1978 ) indicam que, a relaªo entre o que era
interno e externo nunca foi precisamente estabelecida e que as teorias psicanalticas
permaneceram durante algumas dØcadas sem integrar os novos elementos que surgiam
implicitamente na mente dos analistas que se deparavam crescentemente com as vitimas da
2“ grande guerra.
Neste estudo, serÆ feita uma investigaªo co nceptual (Dreher, 2000) e explorada a forma
como a formulaªo explcita do conceito de trauma d ifere do seu uso implcito na prÆtica
clnica de Winnicott (1949, 1952, 1953, 1955, 1956b ) e Kohut (1971, 1977). SerÆ dado
enfoque s relaıes de interdependŒncia na infncia
, desde o nascimento atØ uma fase
edipiana, com especial destaque para a necessidade de um contexto inicial empÆtico e nas
2
possveis falhas do cuidado das figuras paternas qu e originem bloqueios no processo de
consolidaªo de estruturas psquicas.
O objectivo desta tese tambØm se centra na anÆ
lise da forma como os conceitos tericos
dos autores sªo definidos, delimitados e articulado s com a sua prÆtica clnica. De que forma o
trauma, que Ø explicitado nas teorias se torna implcito na sua prÆtica clnica sem ser definido
como tal?
Com esta finalidade, foram escolhidos para estudo, os autores Winnicott (1949, 1952,
1956b) e Kohut (1971, 1977), na medida em que, parecem existir algumas discrepncias na
delimitaªo do conceito de trauma nas suas obras, a pesar do mesmo ser central no corpus
terico da psicanÆlise.
SerÆ tambØm verificado, atØ que ponto o dano
psquico pode ser reelaborado no processo
terapŒutico, atravØs do fornecimento de um contextodisposto a corresponder s necessidades
do indivduo, suprindo os erros da relaªo parental
do passado e serÆ tambØm estabelecida
uma anÆlise comparativa entre o uso do conceito emWinnicott (1949, 1952, 1956) e Kohut
(1971, 1977).
Serªo explorados os modelos tericos dos au tores, numa abordagem critica com especial
enfoque nas vicissitudes das relaıes de dependŒnci a parental como determinantes para a
instauraªo de um trauma psquico. Para esta anÆlis e serªo apresentados como exemplo
ilustrativo, dois casos clnicos, os quais nos perm item verificar, atØ que ponto a prÆtica
terapŒutica corresponde
abordagem terica dos aut ores e de que forma o analista se
posiciona a nvel terapŒutico perante um individuo que teve um desenvolvimento traumÆtico.
Sªo de grande importncia as experiŒncias p essoais durante a infncia, como
determinantes para a edificaªo de um equilbrio ou
de um desequilbrio psquico. A
abordagem psicanaltica salienta que, as experiŒncias precoces podem revelar-se traumÆticas
com repercussıes na dinmica psquica dos indivduo
s, nomeadamente em sectores da vida
tªo diversos como, a capacidade de autonomia, a emp atia com os outros, a auto-estima, a
individualizaªo, a noªo de realidade objectiva, a
capacidade de consolidar relaıes
baseadas na confiana, entre outras.
Para este trabalho, serÆ especificamente abordada a noªo de trauma nas teorias de
Winnicott (1949, 1952, 1956b) e de Kohut (1971, 1977), nas quais estÆ explicito o conceito
de trauma psquico. A experiŒncia terapŒutica deste
s autores trouxe-nos uma extensa reflexªo
acerca do mundo psquico dos indivduos e da forma como o mesmo pode ser edificado na
infncia atravØs das relaıes com as figuras de ref erŒncia.
3
Este trabalho Ø composto por oito captulos. Num primeiro momento serÆ feita uma
breve apresentaªo da metodologia a ser utilizada n este estudo assim como as questıes mais
pertinentes a serem esclarecidas. No segundo captu lo serÆ feita uma abordagem histrica
acerca da evoluªo do conceito de trauma em psicanÆ lise e nos terceiro e quarto captulos
serÆ feita uma exposiªo da conceptualizaªo teric
as do conceito em Winnicott (1949, 1952,
1956b) e Kohut (1971, 1977). No quinto captulo Ø feita uma anÆlise comparativa do uso do
conceito em ambos os autores seguindo-se uma exposiªo de como Ø feita a articulaªo o
conceito de trauma na prÆtica clnica no sexto e sØtimo captulos. Por fim serÆ apresentada a
conclusªo do trabalho e verificado se as questıes p ropostas para estudo foram devidamente
esclarecidas.
4
CAP˝TULO 2
2. BREVE RESENHA HISTRICA DO CONCEITO DE TRAUMA
Falar do conceito de trauma em psicologia implica necessariamente falar de Freud
(1893, 1896, 1897, 1914) considerando a reflexªo e a reformulaªo que caracterizam o seu
pensamento. Nos avanos e recuos da sua obra, que s e revelaram uma tentativa de
compreender e interpretar o novo material que surgia nas anÆlises, constatasse por um lado,
uma forte marca da sua formaªo em medicina porta
nto, a busca das causas para os
sintomas com a explicaªo de fenmenos orgnicos, m
as tambØm por outro lado, a
emergŒncia cada vez maior de uma compreensªo qualitativa dos fenmenos psquicos.
O conceito de trauma psquico teve um papel importante nas teorias de Freud. Ao tentar
compreender a importncia que certos acontecimentos tinham na vida dos sujeitos, comeou
por desenvolver a teoria da seduªo procurando um a contecimento externo como causa œnica
da histeria (1893, 1896, 1897). Era necessÆrio localizar no tempo um episdio traumÆtico na
histria do sujeito que pudesse ser associado, pela sua natureza intensa e penosa aos conflitos
psquicos actuais. Freud enunciou que o sujeito tin ha experienciado algo que superava
qualquer esforo defensivo pela sua intensidade e i mprevisibilidade - o que Freud (1893a)
denominou de afecto de terror. Era um acontecimento muito grave, uma ofensa sofrida capaz
de provocar um conflito psquico que perdurasse no indivduo para o resto da sua vida. Uma
vez que, em todas as situaıes descritas pelos paci entes havia uma experiŒncia intensa e
desagradÆvel, Freud (1893) passou a denominar todaa histeria como traumÆtica.
Freud (1893a) considera que, algo permanecia no psiquismo como um corpo estranho
e que continuava a actuar mesmo muito tempo depois da origem, promovendo no sujeito
sintomas fsicos, Devemos presumir que o trauma ps quico ou mais precisamente a
lembrana do trauma age como um corpo estranho que, muito depois da sua entrada deve
continuar a ser considerado como um agente que ainda estÆ em acªo (Freud, 1893, p.43).
Havia uma reacªo necessÆria que nªo tinha tido lugar, o sujeito nªo tomou uma atitude,
nªo reagiu proporcionalmente ou nªo o fez de todo a uma ofensa sofrida. Houve um aumento
de excitaªo mas nªo houve a eliminaªo da mesma. S
egundo Freud (1893), a forma como o
5
acontecimento traumÆtico foi vivido, foi desprovidode reacıes e de associaªo de ideias
sendo as representaıes penosas recalcadas e o afec to original reprimido e convertido em
sintoma fsico pela conversªo histØrica. Deste modo , havia elementos passados que
permaneciam no aparelho psquico do sujeito com a m esma forma e intensidade. Sobre isto
Breuer (1895) afirmou que
Os sintomas da histeria
sªo determinados por certas
experiŒncias do paciente que actuaram de modo traumÆtico e que sªo reproduzidas na sua
vida psquica sob a forma de smbolos mnØmicos. (Br euer 1895, p.109).
Na sua tentativa de delinear as condiıes e m que os sintomas histØricos se formavam,
Freud (1893, 1896, 1897) determinou que a situaªo
relatada como traumÆtica devia
apresentar em simultneo, fora traumÆtica e funcio nar como determinante. Ao constatar
haver relatos em que nªo se verificava uma das duas condiıes quando o paciente relatava o
acontecimento que estava na origem do trauma, Freud (1893, 1896, 1897) decidiu procurar a
causa dos sintomas fazendo o paciente recuar ainda mais nas suas lembranas. Encontrou, a
origem do trauma no campo da experiŒncia sexual napuberdade. No entanto, perante a
descriªo de cenas aparentemente triviais foi feito um novo recuo atØ Øpoca da primeira
infncia como sendo um campo de grande potencial pa ra a ocorrŒncia de acontecimentos
traumÆticos.
Como factor traumÆtico responsÆvel pelo conf
lito psquico na histeria estava uma
seduªo feita criana numa altura muito precoce d
a sua vida em que a mesma ainda nªo era
capaz de representar o acontecimento. Era s mais t arde, durante a puberdade que era dado o
sentido sexual e o carÆcter violento da cena traumÆ
tica vivida na infncia. Havia uma cena de
seduªo que tinha sido imposta criana por um adu
lto, uma lesªo sofrida por um rgªo
prematuro ainda em desenvolvimento ou uma estimula ªo de um rgªo sexual por parte de
um adulto prximo, tutores, amas ou atØ de irmªos, de forma sistemÆtica e continuada. Havia
um comportamento sexual de um adulto, normalmente um familiar prximo que surpreendia
a criana, a qual nªo experimentava qualquer excita ªo sexual.
A cena de seduªo era o acontecimento extern o traumÆtico que determinava o conflito
psquico. Quanto tentativa de trazer lembrana
durante a anÆlise a cena real e traumÆtica,
Freud (1897) deparou-se gradualmente com o facto de que, em todos os casos analisados
havia um tutor perverso ou uma cena de coito presenciada em tenra idade e colocou a
hiptese de grande parte dos relatos serem ficıes
produzidas na medida em que era enorme
a dimensªo de perversªo. Deste modo passou a ser co nsiderado o papel importante da
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fantasia como uma resistŒncia emergŒncia das representaıes recalcadas no inconsciente
onde eram misturados factos da realidade com ficªo .
Freud abandonou a teoria da seduªo sendo c ada vez mais difcil encontrar a verdade
objectiva e considerou a seduªo uma construªo fan
tasiosa do prprio sujeito passando a
considerar a existŒncia de uma realidade psquica (1897), nªo acredito mais na minha
neurtica (Freud 1897).
A cena traumÆtica deixava de agir pela suaprpria energia e passava a interagir com
variÆveis individuais e subjectivas do sujeito. r ealidade psquica pertenciam os fantasmas,
as pulsıes e os desejos inconscientes que ignoram o tempo, a realidade material e social.
Nesta nova etapa terica, deixavam de haver cenas c onsideradas triviais e sem conteœdo
traumÆtico. O objectivo na terapia deixou de ser apenas a lembrana, a ab-reacªo e a
eliminaªo de sintomas, agora deviam ser revelados os desejos, os fantasmas e os sonhos,
devia ser dito tudo o era pensado.
Freud (1914) observava durante o processo terapŒutico de alguns pacientes fenmenos
de repetiªo que pareciam trazer desprazer mas que havia uma tendŒncia a serem repetidos
compulsivamente como numa tentativa de libertar as situaıes de desprazer. Estes sujeitos
nªo verbalizavam as lembranas dolorosas, o que ele s faziam era agir na transferŒncia para
actualizar o conflito recalcado com o analista.
Nesta sua segunda reformulaªo, Freud (1920)
fala-nos tambØm do princpio da
realidade e considera-o na medida em que nem todas as acıes praticadas pelo ser humano
tinham como finalidade œnica o princpio do prazer. O princpio da realidade nªo punha de
parte o objectivo de alcanar prazer, o que acontec e Ø que adia essa satisfaªo e adapta a
busca de equilbrio do aparelho psquico Æs contrap artidas da realidade.
Na compulsªo
repetiªo (1914), estava subj
acente uma tentativa das experiŒncias
traumÆticas em acederem ao inconsciente sob a forma de sintoma fazendo com que o
paciente agisse durante a transferŒncia como se quisesse voltar a instaurar o momento
anterior ocorrŒncia do trauma caracterizado pela constncia do aparelho psquico e por um
equilbrio entre prazer e desprazer.
Freud passa a conceber o trauma como um misto de acontecimentos exteriores e
interiores que vªo buscar a sua eficÆcia s fantasi as e desejos internos e subjectivos.
A psicanÆlise manteve-se fiel s suas concepıes iniciais atØ s dØcadas de 40 e 50,
Øpoca em que surgiram as vtimas da 2“ Guerra Mundial, as quais tinham estado sujeitas a
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aprisionamentos prolongados e dolorosos que superavam qualquer capacidade espectÆvel do
indivduo em resistir. Perante estes factos em que era notrio a existŒncia de causas externas
como preditoras de traumas psquicos, era inevitÆvel haver uma futura revisªo do corpo
terico juntamente com as modificaıes de uma terap
ia que se revelava limitada por se
encontrar assente em interpretaıes.
Baseados na teoria de que as definiıes da p sicanÆlise clÆssica seriam um obstÆculo ao
trabalho clnico, que revelava uma crescente necess idade em se adaptar s vtimas da guerra,
surgiu na dØcada de 50 um projecto (Sandler, Dreher e Drews, 1978) cujo objectivo era
analisar e agrupar os dados clnicos. Este projecto foi desenvolvido por um grupo, o
Hampstead ˝ndex (Sandler, Dreher e Drews, 1978) e foi iniciado tendo como convicªo, o
facto do mØtodo psicanaltico poder flexibilizar-se e adaptar-se s necessidades individuais
do paciente, o que tambØm foi decisivo para que surgissem novos debates na dØcada de 60,
como a emergŒncia do paradigma das relaıes de obje cto que se revelou muito importante
para a formulaªo de novas hipteses que pudessem e
xplicar a emergŒncia do trauma
psquico.
Foram tericos como Bowlby (1958), Spitz (19 54), Winnicott (1963), Mahler (1952)
entre outros, que reforaram a importncia dos obje ctos precoces para a formaªo do ego,
assim como as consequŒncias potencialmente traumÆti
cas que advinham das vicissitudes
nessa relaªo. O trabalho com crianas passou a ser
muito importante e trouxe a formulaªo
de novas hipteses de relacionamento com o objecto que contrariavam a procura œnica do
prazer.
Uma vez que o conceito de trauma psquico man teve-se relativamente constante na
literatura, foi reunido, no inicio dos anos 80, no Instituto Sigmund Freud de Frankfurt um
grupo de trabalho, composto por psicanalistas, cujo objectivo era fazer uma pesquisa
conceptual sobre a forma como o conceito de trauma psquico estava desenvolvido
implicitamente na mente dos analistas (Dreher, 2000). Com o aumento da experiŒncia
clnica na interacªo com o paciente, principalment e aps a 2“ Guerra Mundial, era
espectÆvel que ajustes fossem feitos nas teorias psicanalticas jÆ existentes na literatura. Foi
neste sentido que o Trauma Project foi criado da dØcada de 80, na procura de uma melhor
compreensªo das dimensıes do significado do conceit o de trauma psquico.
O termo trauma era atØ agora usado na literatura para referir, tanto a consequŒncia
mental de um acontecimento externo, como o evento em si prprio, sendo tambØm visto
como um evento externo nªo tªo doloroso mas que pod eria ter sido significativo para o
indivduo. Nªo era claro se o trauma era o evento e m si ou a experiŒncia subjectiva de tal
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acontecimento, no entanto o Trauma Project nªo tinh a como pretensªo identificar a natureza
do conceito mas sim os significados pessoais do termo nos psicanalistas pedindo-lhes para
falarem sobre casos nos quais o trauma era relevante.
As vÆrias dimensıes do significado implcito dadas ao conceito eram depois
categorizadas e discutidas sendo as mais comuns; a situaªo traum Ætica entendida como a
relaªo entre evento e experiŒncia, as consequŒncias da situaªo traumÆtica, a predisposiªo
em ser traumatizado e consideraıes sobre tØcnicas terapŒuticas.
Em relaªo s consequŒncias patolgicas do t
rauma, foram abordadas as directas ao
trauma, em que os indivduos conseguiam psiquicamen te criarem medidas adaptativas e as
posteriores, que originavam uma adaptaªo patolgic
a s ocorrŒncias.
Este trabalho criou a possibilidade de teorias implcitas emergirem e serem categorizadas
de forma a acompanharem as mudanas na tØcnica tera pŒutica jÆ levada a cabo por analistas
experientes. O Trauma Project que teve como influŒncia o Hampstead ˝ndex, explicitou o
que estava implcito na prÆtica clnica e analisou os vÆrios significados que eram atribudos
ao conceito de trauma. Deu, deste modo o seu contributo, para novas reflexıes e para uma
abertura na teoria, a qual poderia gradualmente aproximar-se da experiencia clnica em
detrimento de formulaıes standard tidas atØ agora
como referŒncias incontornÆveis.
Tornava-se importante considerar o indivduo na sua subjectividade, articulando os factores
internos com os externos e promovendo uma reflexªo conjunta acerca do passado e do que
poderia estar na base de desconfortos e organizaıe s patolgicas. Uma nova atenªo sobre a
infncia tinha surgido de forma notria na dØcada d e 60 assim como a importncia dada
histria do desenvolvimento incluindo os objectos c uidadores e o significado pessoal que o
paciente atribua aos mesmos.
possvel constatarmos que existem abordag ens com enfoque especial sobre o mundo
interno e que reforam o papel do mundo interior na gØnese das perturbaıes psquicas e
como Ø considerado em Klein (1946), em predominavam as fantasias inconscientes dos
objectos internos como determinantes para a configuraªo de certas dinmicas de
funcionamento mental como a neurose ou a psicose. Em contrapartida, hÆ autores que
salientam os factores externos ao indivduo na dete rminaªo da saœde psquica como nos
descrevem por exemplo, as teorias de Bowlby (1958), Spitz (1954) e Winnicott (1963).
No entanto parece-me pertinente salientar que, embora a maioria dos autores fizesse uma
associaªo entre as organizaıes psquicas patolgi
cas e a relaªo catastrfica com os
objectos externos, foram raros os tericos que expl icitaram o conceito de trauma psquico nas
9
suas conceptualizaıes tericas. Alguns autores con
sideravam que os problemas psquicos
dependiam do cuidado materno (Bowlby, 1958), outros, que os atrasos no desenvolvimento
mental e motor se deviam inexistŒncia de relaªo com a mªe (Spitz, 1954).
Embora no incio, Freud (1893, 1896, 1897) c onceptualizasse o determinismo psquico
atravØs de uma aproximaªo ao campo das ciŒncias dentro de um modelo causa-efeito,
verificou gradualmente que uma causa nªo determinav a um efeito de forma linear, havia
vÆrios factores causais presentes. O trauma era sentido como algo doloroso mas ainda era
pouco claro se devia ser considerado como os eventos em si mesmos ou a experiencia
subjectiva de tal evento.
Numa visªo que se tem revelado cada vez mais integrativa de vÆrios factores podemos
salientar, o desenvolvimento pessoal como resultan te da maturaªo das estruturas, da
integraªo dos instintos, de reacıes emocionais pr
imÆrias e de uma boa experiencia vivida
nas trocas relacionais humanas (Santos, 2000, p.20 5).
A perturbaªo de stress ps-traumÆtico esta r eferida no (DSM-IV, 2004), desde a dØcada
de 80 onde podemos desde logo verificar que o trauma se refere a uma pessoa que foi
exposta a um acontecimento traumÆtico que suscitoumedo intenso, sentimento de falta de
ajuda ou horror e manifesta-se posteriormente sob a forma de lembranas perturbadoras
intrusivas e recorrentes do acontecimento. Esta classificaªo indica-nos tambØm que em
crianas podem passar a ocorrer sonhos perturbadore s ou brincadeiras repetidas em que
aspectos do acontecimento traumÆtico sªo expressos. Esta consideraªo Ø completada com
um mal-estar psicolgico intenso com a exposiªo a
estmulos internos ou externos que
simbolizam a aspectos do acontecimento traumÆtico DSM-IV,
(
2004).
Como uma das primeiras referŒncias na associaªo en tre cuidado materno e a emergŒncia
de uma ansiedade intensa e de problemas psquicos s urgiu Bowlby (1958) ao reforar a
importncia do amor e dos cuidados maternos para a edificaªo de um indivduo igualmente
capaz de amar. O autor definiu a teoria do apego com o conceito de base segura, como sendo
uma busca de sentimento de segurana atravØs da pro ximidade e do contacto com uma figura
concreta, os comportamentos do bebØ estªo em inter caªo inevitÆvel com os
comportamentos recprocos da figura maternal (Bowl by 1958, p. 207)
Esta foi uma das primeiras formulaıes que s erviu como ponto de partida para uma
teoria baseada no desenvolvimento a partir de uma matriz relacional. Falamos entªo do
campo das relaıes de objecto com especial Œnfase n a infncia e nas fases iniciais da
formaªo do ego.
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Spitz (1954) investigou os factores favorÆveis e desfavorÆveis ao desenvolvimento
infantil e foi notÆvel o seu trabalho num orfanato em que detectou que, esse grupo de
crianas em comparaªo com outras que estavam num b
erÆrio numa prisªo de mulheres,
mostravam uma maior debilidade fsica e atraso ment al ao fim de dois anos. Spitz relacionou
este atraso no desenvolvimento com a ausŒncia de relaªo com a mªe. Estas crianas nªo
recebiam carcias fsicas reais em contraste com as que estavam no berÆrio e que eram
pegadas e acarinhadas sistematicamente pelas mªes.
Esta e outras observaıes vieram reforar a
teoria que o desenvolvimento se funda na
relaªo entre a mªe e as figuras e referŒncia desde o incio da vida.
Grindberg (2000) refere que o nascimento pode-se revelar um momento traumÆtico com
o aparecimento de ansiedades persecutrias e de uma culpa precoce, O estado de privaªo e
dØfice Ø determinado pelo trauma do nascimento. Sen
te a perda da mªe e perdas de partes do
corpo como cordªo (2000, p.99).
O papel da existŒncia de um outro que cuide edo qual se depende sobretudo no inicio da
vida Ø um facto sublinhado por muitos autores. Wallon (1980) refere que no incio da vida a
criana precisa das pessoas que a rodeiam concretiz ar as suas primeiras satisfaıes, as quais
comeam por ser necessidades desejos. Para Berger ( 2003), autor que tambØm explicita o
conceito de trauma, a ideia da necessidade de um v nculo familiar Ø muito forte, sendo que
existem os positivos, que permitem a organizaªo do
mundo interno e os negativos,
traumÆticos, causadores de uma excitaªo violenta e fortemente desorganizadores. de facto
das funıes da mªe que o bebØ depende para se senti r satisfeito e para em seguimento destes
cuidados criar uma equivalente representaªo mental (Bion 1957).
Outro dos autores que faz uma consideraªo ex plcita do uso do conceito de trauma
psquico Ø Anna Freud:
O que considero evidente para a ocorrŒncia de um evento traumÆtico Ø uma reacªo imediata a
isso, um estado de paralisia na acªo, respostas f sicas do sistema nervoso e uma confusªo de
sentimentos. Significa que o funcionamento do ego foi posto fora de acªo e que o organismo
foi forado a usar modos arcaicos de funcionamento prØ-egoico (1974, p.238).
Kohut (1971, 1977) traz-nos tambØm uma visªo explcita do conceito de trauma
psquico e considera que, alØm de factores genØticos, Ø sobretudo nas relaıes interpessoais
que o individuo se espelha e que as mesmas sªo dete rminantes para o desenvolvimento de
um self coeso e narcisicamente equilibrado. O autor salienta a importncia das figuras
cuidadoras, sendo num primeiro momento a resposta da mªe essencial e num segundo
11
momento a importncia da figura parental no perodo
instauraªo do equilbrio psquico no indivduo. Pa
com decepıes macias com os self objectos idealiza
edipiano, ambas decisivas para a
ra Kohut (1971) o trauma esta relacionado
dos durante o crescimento.
Quanto ao uso do conceito em Winnicott (1949, 1952, 1956b), podemos constatar que
nos traz uma abordagem que abrange todo um perodo em que a criana permanece
dependente dos cuidados da mªe. Desde o momento do nascimento atØ uma fase de
independŒncia relativa. Como potencialmente traumÆt
icas, o autor refere a necessidade do
bebØ em reagir perante respostas externas que se revelam confusas e nªo empÆticas.
atravØs de uma anÆlise detalhada e critica que de seguida serªo descritos os conceitos
tericos em ambos os autores.
12
CAP˝TULO 3
3. CONCEITO DE TRAUMA EM WINNICOTT
Segundo Winnicott (1949, 1952, 1956b, 1963), o desenvolvimento psquico saudÆvel do
ser humano pressupıe uma interacªo equilibrada ent re, factores internos (a tendŒncia inata
no sentido do desenvolvimento emocional a qual inclui os processos de maturaªo) e os
factores ambientais externos ao individuo. O autor indica-nos (1956a, 1963) que, a saœde
psquica depende de um ambiente externo favorÆvel que responda empÆtica e activamente Æs
necessidades do indivduo desde o nascimento. m
ªe que cabe a tarefa importantssima de
adaptaªo perfeita atØ uma desadaptaªo gradual Æs
necessidades do bebØ, de forma a
facilitar-lhe o percurso de desenvolvimento emocional, que comea com uma dependŒncia
absoluta aos seus cuidados atØ uma independŒncia re
lativa dos mesmos. A este respeito o
autor considera que, para qualquer indivduo situa do no incio do seu desenvolvimento
emocional existem trŒs coisas: num extremo encontra-se a hereditariedade, no outro extremo,
o ambiente que apoia ou que falha e traumatiza. E no meio estÆ a capacidade individual de
viver, defender-se e crescer. (Winnicott 1959, p.3 7).
Para a formaªo de um adulto feliz e equilib rado e para que o desenvolvimento
emocional seja sinnimo de saœde psquica Ø necessÆria a existŒncia de um ambiente
empÆtico que permita que o potencial herdado do individuo se manifeste e exista sem ter de
reagir a falhas graves referentes ao acto de cuidar. Em relaªo s perturbaıes ambientais
Winnicott refere que, Na saœde as perturbaıes amb ientais atØ um certo grau constituem um
estmulo valioso, mas para alØm desse grau tais perturbaıes sªo contraproducentes na
medida em que dªo margem a reacıes. (Winnicott 19
49, p.263).
No seu texto Distorªo do ego em termos de falso e verdadeiro
self (Winnicott 1963) o
autor refora o papel empÆtico da mªe para um saudÆvel percurso de desenvolvimento
emocional com uma crescente capacidade de acreditar na realidade externa. As falhas
ambientais na funªo de providenciar a resposta cer ta no momento adequado podem distorcer
o comportamento do indivduo e promover o surgiment o de um falso self. Se as falhas
13
ambientais se repetem, o bebØ tem tendŒncia a organ
izar-se atravØs de defesas para conseguir
sobreviver.
O self ou self verdadeiro, Ø a essŒncia de ada
c indivduo, Ø o que existe de forma nªo
desenvolvida desde o nascimento e manifesta-se gradualmente medida que as necessidades
sªo satisfeitas com devoªo e empatia por parte do
objecto cuidador. um elemento inicial
que precisa de ser reconhecido atravØs do outro, mais concretamente da mªe. No entanto, Ø
possvel ser tomada a direcªo contrÆria, a qual ed ifica um eu que nªo Ø verdadeiro e
espontneo, o que Winnicott (1960) chamou de falso self, cuja funªo Ø a de defender o
individuo de angustias precoces e de interrupıes d o curso natural do processo de
desenvolvimento em que estÆ eminente a aniquilaªo do seu self verdadeiro.
A adaptaªo do ambiente deve ser total no in cio da vida do bebØ, no entanto, hÆ medida
que os processos intelectuais se desenvolvem, o ambiente deve amadurecer tambØm falhando
gradualmente na sua adaptaªo total.
O conjunto de distorıes, falhas ou ausŒnci as de resposta externas na adaptaªo do
ambiente s necessidades de desenvolvimento emocion al do bebØ, desde intrusıes ambientais
atØ mensagens ambguas que nªo respeitam as fases d e desenvolvimento naturais precoces do
ser humano, vªo originar diferentes defesas patolg icas.
Segundo Winnicott (1952), estes mecanismos defensivos, originados pela necessidade de
reagir podem variar de acordo com a etapa de desenvolvimento emocional em que a criana
se encontra na medida em que, sªo os processos inte lectuais adquiridos atØ ao momento que
entram em acªo para enfrentarem o fosso existente
entre as falhas e o que seria uma
adaptaªo suficientemente boa.
Para o autor, cada ser humano tem de forma inata uma predisposiªo para desenvolver
uma integridade fsica e psquica seguindo a direc
ªo, da nªo-integraªo integraªo e da
dependŒncia total para uma independŒncia e confiana em relaªo ao meio. Para que se dŒ
este processo de crescimento e amadurecimento Ø imprescindvel que o ambiente comece por
responder de forma sensvel aos primeiros movimento s do bebØ.
O trauma advØm da necessidade de reagir cujosefeitos traumÆticos originam vÆrios perfis
defensivos mais ou menos graves numa tentativa de sobrevivŒncia psquica, o que se
encontra descrito de forma explicita, nos textos de Winnicott, Memrias do Nascimento,
Trauma do Nascimento e Ansiedade (1949); Psicose
e Cuidados Maternos (1952) e em
A TendŒncia Anti-social (1956b) em que descreve
a vulnerabilidade psquica de um ser
humano imaturo face a um ambiente que nªo providenc ia a resposta adequada para a
necessidade apresentada. Estas falhas despertam angœstias que fazem com que o bebØ seja
14
obrigado a reagir, por vezes, interrompendo o seu continuar-a-ser, que Ø a tendŒncia inata
no sentido do desenvolvimento e neste sentido o autor refere-nos que, A ideia de trauma
envolve uma consideraªo de factores externos; em o utras palavras Ø pertinente
dependŒncia. O trauma Ø um fracasso relativo dependŒncia. (Winnicott 1965, p.145).
Winnicott (1949, 1952, 1956b) salienta-nos a emergŒncia de trŒs momentos da vida
potencialmente traumÆticos em seguimento da ocorrŒn
cia das falhas na adaptaªo do
ambiente que provocaram reacıes no indivduo e que
realizaªo dos processos de maturaªo: integraªo,
vªo impedir, dificultar ou distorcer a
personalizaªo e de noªo de espao e de
realidade, indispensÆveis para o equilbrio psquic o. Sªo eles o nascimento, em que hÆ uma
dominncia do ambiente sobre o bebØ, a psicose - or iginada pela acªo intrusiva do ambiente
que leva o bebØ a reagir refugiar-se no isolamento primÆrio com clivagem, e o
comportamento anti-social em que a criana perde a confiana no meio que outrora foi
confiÆvel.
A este respeito o autor indica-nos que:
O Trauma Ø um fracasso relativo fase de dependŒncia (...) De incio, o trauma
implica um colapso na Ærea da confiabilidade no meio ambiente expectÆvel mØdio,
no estÆgio de dependŒncia absoluta. O resultado de
tal colapso mostra-se no fracasso
ou relativo fracasso no estabelecimento da estrutura da personalidade e organizaªo
do ego. O Trauma no sentido mais popular do termo implica uma quebra da fØ.
(Winnicott 1965, p.145).
3.1 - O DESENVOLVIMENTO NORMAL E TRAUM`TICO
O papel do ambiente e em especial da mªe Ø o de uma figura decisiva na emergŒncia ou
nªo de patologias psquicas. ela que deve comear
por facilitar a manifestaªo da essŒncia
inata do seu bebØ o continuar-a-ser.
Winnicott (1956a), indica-nos que, a mªe no inicio deve garantir a integridade de um
ego corporal, atravØs de uma adaptaªo sensvel s
primeiras necessidades que sªo fsicas,
depois, deve ser empÆtica e constante nas suas respostas para permitir que o bebØ comece a
associar os seus impulsos a determinadas respostas, por fim, numa altura em que
15
naturalmente irÆ falhar na sua providencia perfeitao bebØ jÆ deverÆ estar apto para confiar na
constncia da mªe rumo a um ego coeso.
a mªe que cuida com devoªo e amor mas ta
mbØm Ø ela que erradamente pode falhar
e causar danos traumÆticos que se vªo revelar decisivos para uma vida psquica que pode ser
vulnerÆvel, confusa e submissa.
Nos seus vÆrios textos Winnicott (1945, 1956b, 1963) descreve-nos a mªe
suficientemente boa, a mªe nªo suficientemente boa e um estado muito especial em que esta
se encontra no final da gravidez e algumas semanas aps o nascimento - a preocupaªo
materna primÆria.
Winnicott (1963) considerou a existŒncia de rŒs
t
etapas maturacionais no processo de
desenvolvimento emocional que ditam o rumo de um plano inato de maturaªo e
desenvolvimento do ego desde as necessidades de um ego corporal atØ a um ego total em que
o individuo se diferencia do ambiente com uma correcta noªo de fantasia/realidade, eu/outro,
do tempo e do espao (Neves, 2007). As etapas sªo a dependŒncia absoluta, a dependŒncia
relativa e a independŒncia em que o bebØ segue umadirecªo que vai de um estado inicial
nªo integrado atØ a uma realizaªo como ser humano total, integrado, personalizado e em
contacto crescente com a realidade externa.
Na etapa de dependŒncia absoluta, que duraatØ algumas semanas aps o nascimento, as
necessidades do bebØ sªo essencialmente corporais. O bebØ estÆ num estado primÆrio de nªo
integraªo em que nªo tem qualquer noªo que existe
m cuidados maternos dos quais
depende vitalmente, nªo se reconhece como pessoa in teira e nªo sabe que existe um eu e um
outro. A mªe deve envolver o bebØ continuamente de modo a providenciar-lhe sensaıes
corporais de unidade e corresponder activamente s suas primeiras necessidades.
Nesta altura o bebØ nªo controla o que Ø bemou mal feito, ou usufrui de uma experiencia
positiva ou sofre distœrbios vivendo o ambiente como sendo ele mesmo. A este respeito
Winnicott (1963) compara dizendo, eu lhes lembrari a a temperatura da Ægua do banho,
testada pelo cotovelo da mªe; a criana nªo sabe qu e a Ægua podia estar ou muito quente ou
muito fria, mas vΠde modo natural a temperatura corporal. (Winnicott 1963, p.82).
Segundo o autor (Winnicott 1956a), a preocupaªo materna primÆria, Ø caracterizado
por um estado de fusªo e de extrema sensibilidade d a mªe em relaªo s necessidades do
bebØ. Nesta altura, a base para o futuro esquema de relacionamentos entre a mªe e o bebØ
baseia-se em necessidades tªo elementares como o ac to de comer. Esta etapa Ø muito
delicada e fundamental para o incio de um desenvol vimento psquico saudÆvel. As tensıes
instintivas servem para o bebØ comear a criar um m undo pessoal atravØs do padrªo de
16
respostas do ambiente. mªe cabe o papel de perceb er as necessidades e providenciar algo
na medida adequada evitando que o seu filho seja perturbado e reaja nesta sua primeira fase
de isolamento primÆrio. Qualquer falha neste primeiro estagio nªo Ø sentida externamente
como falha da mªe mas como ameaa existŒncia pess oal do bebØ.
A ligaªo emocional tem desta forma, como i ncio, a satisfaªo de uma experiŒncia
fsica de satisfaªo e considerando o estado especi al da mªe, vai surgir uma resposta activa e
adequada de acordo com a exacta necessidade do bebØ, por exemplo, um seio.
Esta resposta adaptada permite ao bebØ alucinar gradualmente as suas necessidades
fsicas e gozar da ilusªo de que, ao desejar alguma coisa esse algo surge como por magia.
importante que a mªe possibilite ao bebØ manter a sensaªo de que o seio Ø produzido pela
sua necessidade garantindo-lhe desta forma a manutenªo da sua tendŒncia inata de
desenvolvimento sem ser perturbado com movimentos externos confusos. S estando nesta
condiªo Ø que a mªe pode proporcionar um continuar -a-ser e estªo lanadas as bases para a
constituiªo de um ego forte, integrado e verdadeir o.
Esta adaptaªo perfeita vai permitir, que o bebØ entre no estÆgio de dependŒncia relativa.
Comea a fazer elaboraıes imaginativas estÆveis da s experiencias positivas com a mªe, a
qual deve estar apta para receber os impulsos espontneos pessoais do bebØ, interpretando-os,
sobrevivendo a eles e devolvendo a sua resposta nas medidas adequadas. Nesta altura os
processos intelectuais do bebØ jÆ lhe deverªo permi
tir associar os seus apelos a certas
respostas como sinonimo de uma ilusªo positiva que Ø o primeiro contacto entre a psique e o
ambiente. O bebØ vai tomando consciŒncia que certasprovidŒncias nªo sªo produzidas pela
sua imaginaªo mas sim pelos cuidados de um outro
a mªe suficientemente boa. Surge
entªo o incio de um relacionamento consciente do q ual o bebØ comea a formar a ideia que a
mªe Ø uma pessoa que lhe assegura padrıes de respos ta satisfatrios e constantes e comea a
confiar nesta providŒncia. O sucesso deste segundoestÆgio estÆ no facto do bebØ comear a
ganhar consciŒncia da dependŒncia que tem em relaªo mªe.
No terceiro estÆgio, o bebØ vai cristalizara capacidade de confiar devido constncia
das respostas empÆticas tidas atØ agora, jÆ foramemorizados
m
esses cuidados e Ø natural que
a adaptaªo perfeita da mªe diminua de forma gradua l, jÆ nªo tem a adaptaªo sensvel do
perodo de preocupaªo materna primÆria e jÆ regressou ao quotidiano anterior gravidez.
Falamos neste momento, do estÆgio de independŒncia, em que a criana jÆ comeou a
acreditar na mªe, na sua dedicaªo, tolerncia e co
mpreensªo. JÆ tomou consciŒncia que tem
um lugar dentro da famlia e adquire uma crescente capacidade de suportar as falhas e tolerar
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a mudana nas providŒncias da mªe com uma crescente confiana no ambiente. Deste modo
a criana vai comear a estar preparada para lidar
com a perda de forma organizada.
A criana vai ganhando gradualmente a capac idade de superar as contrariedades do
ambiente e das relaıes sociais de forma equilibrad a, adaptada e satisfatria
FalÆmos essencialmente nas providŒncias matern
as e da importncia do acto de cuidar, no
entanto Winnicott (1949) considerou com igual importncia o contexto referente ao momento
do nascimento - o parto e as consequŒncias emocionais que da podem advir.
3.2 - TRAUMA DO NASCIMENTO
Em relaªo ao trauma do nascimento Winnicot t (1949) refere que, antes de nascer e
durante o nascimento, o bebØ nªo tem qualquer noªo
experimenta o parto como se de uma separaªo da mªe
de que existe um outro nem
se tratasse sendo nesta altura um ser
inteiramente narcsico.
Normalmente a experiŒncia do nascimento Ø po
sitiva e flui com normalidade e quando a
experiŒncia do nascimento nªo Ø traumÆtica, torna-s
e favorÆvel ao desenvolvimento futuro de
um ego forte e estÆvel que facilita os processos decrescimento emocional.
No entanto, Winnicott (1949) constatou ao observar a dinmica da transferŒncia de
alguns pacientes na anÆlise, que a experiŒncia pess
oal do nascimento era mantida na memria
de alguns de forma incomum, por vezes com regressıe s na atitude corporal em que os
indivduos pareciam estar a renascer. Surgiam tambØm fantasias e sonhos cujas
interpretaıes remontavam a experiŒncias intra-uter inas ou do momento do nascimento,
Quando o trauma do nascimento Ø significativo, cad a um dos aspectos da intrusªo e da
reacªo Ø, digamos, entalhado na memria do indivd
uo da mesma forma como nos
acostumamos a ver quando os pacientes revivem experiencias traumÆticas de uma Øpoca mais
tardia. (Winnicott 1949, p.265).
Ainda no mesmo texto o autor refere que, no nascimento, o bebØ encontra-se num estado
de dependŒncia absoluta e nªo deve ser perturbado de todo, ou seja, deve manter-se no seu
estado primitivo de isolamento primÆrio que Ø a nec
essidade de nªo reagir a estmulos
externos. Winnicott (1949) diz-nos que o incio do desenvolvimento mental ocorre antes do
nascimento e que o ego vulnerÆvel pode sucumbir seocorrer uma necessidade de reagir
impedindo o bebØ de continuar-a-ser.
18
No momento do parto Ø o ambiente que predomina sobre o eu do bebØ, o qual jÆ se
encontra, de certa forma preparado para tolerar esta intrusªo ambiental que deve ser breve.
Aps o momento do nascimento, que nªo deve ser prol ongado, Ø esperado que o bebØ retome
a um estado primÆrio em que ele predomina, no entanto, o nascimento pode revelar-se
traumÆtico quando o parto Ø demorado com vÆrias ame
aas de nascimento. Neste caso o bebØ
vai sentir a predominncia do ambiente mais do que uma vez e como nªo Ø uma situaªo para
a qual estava preparado ele reage. exactamente es ta necessidade de reagir que se torna
traumÆtica e que vai definir um padrªo de expectativas de novos exemplos de interrupªo e
perda de continuar a ser.
A este respeito, Winnicott complementa a ideia afirmando que:
possvel dizer que o mais importante Ø o trauma r epresentado pela necessidade de
reagir. A reacªo neste estÆgio de desenvolvimento humano significa uma perda
temporÆria de identidade. Isto provoca um sentimento extremo de insegurana, e
situa-se na base da expectativa de novos exemplos de perda da continuidade do ser, e
mesmo uma desesperana congØnita quanto possibili dade de alcanar uma vida
pessoal. (Winnicott 1949, p.265).
O nascimento traumÆtico desencadeia uma falhaprematura, que se revela adversa ao
saudÆvel desenvolvimento pessoal do ego pois condiciona precocemente as suas tendŒncias
inatas de desenvolvimento emocional tornando-o fraco. Quando o ego prematuro Ø colocado
perante esta situaªo, em que o ambiente insiste em predominar prolongadamente, Ø impelido
a agir, ou se direcciona para um desenvolvimento intelectual precoce ou falha nesse
desenvolvimento intelectual. Ambas as reacıes sªo
bvio que antes do nascimento jÆ hÆ um incio de
negativas neste estÆgio tªo incipiente,
um desenvolvimento emocional, e Ø
possvel que mesmo nessa Øpoca jÆ exista a capacidade para uma aceleraªo falsa ou nªo
saudÆvel desse desenvolvimento. (Winnicott 1949, p.263).
Para o autor, o nascimento traumÆtico tem graves implicaıes no desenvolvimento
emocional na medida em que a experiŒncia do nascimento Ø mantida na memria do
indivduo.
Winnicott (1949) afirma que os indivduos qu e sofreram um trauma do nascimento tŒm
uma maior dificuldade em regular os seus nveis fut uros de ansiedade, sªo detentores de um
ego frÆgil e Ø a experiŒncia traumÆtica do nascimen
to que se mistura com outros factores
ambientais traumÆticos exercendo ambos influŒncias
recprocas.
19
No material surgido na anÆlise, era verificada uma tpica demonstraªo corporal da
sensaªo de ser agarrado por algo externo como se a
mªe agarrasse impondo os seus
movimentos de forma persecutria. O autor refere-no s (1949) que, nas observaıes que fazia
dos bebØs havia como que uma predisposiªo, logo ap s o nascimento, para uma base de
parania. A este respeito Winnicott deixa claro que , Em minha opiniªo, um trauma
(psicolgico) do nascimento agudo pode dar lugar a uma condiªo que eu chamaria de
parania congØnita (embora nªo herdada). (Winnicott 1949, p.267).
referido ainda que, nos estados psicticos
, Ø mais fÆcil aceder a estas lembranas do
nascimento, ao contrÆrio dos estados nªo psicticos em que estas recordaıes ficam
normalmente fora do acesso consciente.
3.3 - PSICOSE
Winnicott (1952) indica que, a Øpoca do desenvolvimento propcia a emergŒncia de
defesas primarias contra a confusªo e a nªo-integra ªo Ø a fase de dependŒncia absoluta em
que o bebØ ainda nªo se sente uma pessoa total e integrada e comea a testar o ambiente
atravØs de movimentos espontneos numa tentativa na tural de criar um ambiente pessoal.
Nesta altura o bebØ ainda estÆ numa fase mu
ito incipiente de apresentaªo realidade
externa e existe um isolamento primÆrio no qual precisa de permanecer.
O bebØ depende inteiramente da empatia e das providencias da mªe para se manter
calmo e sem nenhuma agitaªo a qual deve adaptar-se e servir as suas necessidades fsicas e
psquicas, sendo apenas dele, que devem partir os p rimeiros movimentos que servirªo de
base para as primeiras trocas com o ambiente externo.
As falhas do ambiente que provocam uma necessidade de reagir do bebØ, sªo
traumÆticas e correspondem ao facto da mªe ter uma atitude intrusiva que nªo se adapta ao
isolamento primÆrio em que o bebØ se encontra de mo
do a garantir o seu continuar-a-ser.
Este ambiente nªo reduz as suas respostas apenas ao s momentos em que o bebØ tenta
explorar o meio, ao contrÆrio, torna-se intrusivo provocando nele uma reacªo de retirada ao
isolamento primÆrio para evitar a perturbaªo. O be bØ precisa de manter o seu ambiente
pessoal e a œnica forma de o fazer Ø manter-se isolado. Quanto maior Ø a intrusªo e a
desadaptaªo do ambiente maior Ø a organizaªo defe nsiva que precisa de ser providenciada.
esta adaptaªo deficiente do ambiente que se reve
la traumÆtica, Ø um ambiente que impıe a
sua importncia sem respeitar os ritmos naturais do bebØ, o qual recorre a uma organizaªo
20
defensiva de isolamento para evitar perturbaıes, q ue se mostra cada vez menos pura
medida que vai crescendo. A respeito da inadaptaªo
considera que, A adaptaªo variÆvel, devido sua
do ambiente Winnicott (1952)
imprevisibilidade, revela-se traumÆtica e
anula os bons efeitos de um ocasional atendimento extremamente sensvel Æ necessidade.
(Winnicott 1952, p.312).
Esta fase serve como base para ser iniciada a dinmica de resposta do ambiente aos
impulsos do bebØ.
Perante este ambiente, surge uma distorªo no desenvolvimento emocional que se revela
uma perda do continuar-a-ser e uma ameaa de aniqui laªo. A capacidade de usar a
compreensªo intelectual Ø posta em causa pela existŒncia de uma desadaptaªo e confusªo no
modo como a realidade externa Ø apresentada. Perante esta imprevisibilidade ambiental, o
processo de integraªo, personalizaªo e introjecª
o do espao e do tempo sªo
inevitavelmente distorcidos.
O processo de personalizaªo tambØm fica com prometido. O acto de pegar ao colo e de
envolver o corpo do bebØ, de manter a temperatura corporal, ou seja, de providenciar uma
unidade do ego corporal tambØm se dÆ de forma defic
iente havendo mªes que agarram o
bebØ com muita fora, nªo seguram a cabea, dªo ban ho a temperaturas incomodas e
raramente chamam os seus bebØs pelo nome.
Segundo o autor, ainda no mesmo texto, as intrusıes do ambiente nesta fase, nªo sªo
sentidas como externas mas sim como internas e mª e cabe o papel de receber e neutralizar
as tensıes instintivas sentidas como desagradÆveis. Deste modo o bebØ, ao ter momentos de
integraªo prematura (individuo/ambiente) estarÆ pr otegido contra sensaıes de medo e de
perseguiªo das tensıes desagradÆveis e aprenderÆ gradualmente a emergir como um todo.
Se a mªe nªo sustentar o seu bebØ nestes movimentos ainda tªo inseguros ele terÆ uma
sensaªo de ameaa persecutria mantendo-se em fuga
permanente integraªo e unidade.
Considerando a importncia empÆtica da mªe aos apel os do bebØ, o autor (1962) refere que:
O
desenvolvimento
emocional
ocorre
na
criana
se
pr ovŒm
condiıes
suficientemente boas, vindo o impulso para o desenvolvimento de dentro da prpria
criana. As foras no sentido da vida, da integraª
o da personalidade e da
independŒncia sªo tremendamente fortes e com condi ıes suficientemente boas a
criana progride; quando as condiıes nªo sªo sufic
ientemente boas essas foras
ficam contidas dentro da criana e de uma forma ou de outra tendem a destrui-la.
(Winnicott 1962, p.63).
21
A forma como o bebØ vai sobreviver a esta adaptaªo variÆvel traumÆtica baseia-se na
cisªo da personalidade uma vez que nªo hÆ estrutura psquica suficiente para evitar o fosso
entre as suas necessidades e a falta de empatia da mªe. O bebØ mantØm entªo, uma vida
interior que pertence pouco Æ realidade externa, permanece na sua omnipotŒncia e alucina
uma realidade perfeita atravØs de uma organizaªo d efensiva de isolamento, por outro lado.
desenvolvido um falso self submisso, aparentemente adaptado a um ambiente que Ø intrusivo
e desrespeitador da sua subjectividade. Este falso self emerge numa Øpoca em que o bebØ estÆ
naturalmente num estado nªo integrado em que ainda estÆ a comear a fazer as primeiras
associaıes entre os cuidados maternos e os seus im pulsos pessoais. Segundo Winnicott
(1952), a organizaªo psictica Ø exemplo da emergŒ ncia dessa organizaªo falsa
principalmente quando surge a cisªo da personalidad e. O indivduo organiza-se
defensivamente em torno de um personagem que nªo Ø real, que nªo Ø ele mesmo e Ø
sinnimo de carŒncias muito bÆsicas. O bebØ permane
ce emocionalmente na fase de
dependŒncia pois nªo alcana um ego total e genuina mente integrado na realidade objectiva.
Considerando a etapa inicial da vida em que emerge esta patologia, o autor (1952) considera
que, Trata-se de uma fase de desenvolvimento reple ta de armadilhas e do sucesso nesta
etapa depende a saœde mental no que diz respeito psicose. (Winnicott 1952, p.308).
Nesta situaªo, o trauma interrompe o caminh o para uma relaªo com o mundo objectivo
sentido como externo. dificultada a tarefa de sep arar o mundo real do subjectivo em que a
necessidade Ø servida por alucinaªo. Desta forma, Winnicott deixa claro que Ø a mªe nªo
suficientemente boa que promove a psicose, O lacte nte s pode ter uma apresentaªo nªo
confusa da realidade externa se for cuidado por um ser humano que esta devotado ao
lactente. (Winnicott 1963, p.82).
3.4 - TEND˚NCIA ANTI-SOCIAL
Outra das falhas ambientais que se revela traumÆtica dÆ-se normalmente numa altura em
que a criana Ø privada de um aspecto emocional exp erimentado atØ agora como satisfatrio.
Winnicott (1956b) reflecte sobre situaªo de de-pri vaªo, ou seja, uma privaªo emocional
de uma provisªo atØ agora assegurada pelo ambiente de forma positiva. HÆ uma interrupªo
abrupta de algo satisfatrio e constante na experiŒncia relacional da criana com a mªe, como
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Ø o caso do que acontece, por vezes, com o nascimento de um irmªo em que hÆ uma mudana
da atitude da mªe que contraria a dedicaªo tida at Ø agora com a criana.
Esta mªe, ao contrÆrio do que acontece tipicamente na psicose, correspondeu atØ ao
momento da ruptura, criatividade primÆria do bebØ, foi empÆtica, tornando-se aquilo que
ele desejava encontrar, amparando desta forma as primeiras necessidades do ego. As
provisıes maternas tinham sido atØ agora adaptadas e suficientes e a criana acreditava na
existŒncia de um objecto exterior que cuidava e doqual dependia e confiava e a este respeito
Winnicott (1956b) considera que, a mªe corresponde u criatividade primÆria da criana,
tornando-se assim o objecto que a criana estava pr onta para encontrar. (Winnicott 1956b,
p.411).
Segundo Winnicott (1956b), o que difere o comportamento anti-social da psicose tem a
ver exactamente com o grau de maturidade do ego na Øpoca que as falhas ocorreram e com
os processos intelectuais que o bebØ dispıe. No comportamento anti-social, a criana jÆ
alcanou a capacidade de perceber que a causa da fa lha Ø do ambiente, jÆ sabe que o seu bem
estar depende das providŒncias de um outro e por vezes jÆ tem consciŒncia que tem um lugar
na famlia, ao contrÆrio da psicose, em que as falhas sªo sentidas como internas.
No entanto, a mªe falha agora no que toca
c ontinuidade dos seus cuidados,
especialmente ao tornar as suas ausŒncias demasiadoprolongadas numa etapa emocional em
que o bebØ esta gradualmente a consolidar a confiana numa mªe que tolerou atØ agora os
seus impulsos destrutivos e a sua excitaªo. Esta a usŒncia prolongada dos cuidados maternos
incapacita gradualmente a criana de manter a memr ia da experiŒncia positiva.
A expectativa de que serÆ retomada uma relaªo de compreensªo e tolerncia com a mªe
Ø arremessada para o inconsciente e convertida sob a forma de sintomas, em actos de
provocaªo e de destrutividade que apelam ao cuidad o do ambiente.
Esta dinmica inconsciente Ø basicamente um reclamar dos cuidados interrompidos e
perdidos, sendo que este comportamento baseia-se num ataque ao ambiente atravØs da
provocaªo do objecto para que aja, o que Ø tipicam ente posto em prÆtica pela compulsªo de
roubar e destruir.
23
A este respeito o autor (1956b) situa o momento da de-privaªo original:
Reconhece que a crueldade esta a beira de se tornar uma caracterstica e agita o
ambiente para que este exera a sua funªo de toler
ar o transtorno. O momento da
privaªo original Ø quando o ego esta em processo d e alcanar a fusªo entre razes
libinal e agressiva (motora). (Winnicott 1956b, p.35).
A mudana radical do manejo revela-se traum Ætica e desencadeia uma tensªo
igualmente traumÆtica que se manifesta por uma compulsªo sistemÆtica e inconsciente de
repor algo que foi bom, que permitiu ao bebØ criar uma ilusªo positiva do cuidado. Sªo os
rasgos de esperana num ambiente acolhedor e tolera nte que promovem os momentos de
conduta anti-social, Ø esta compulsªo inconsciente a roubar e destruir que formam o sintoma
deste comportamento e que prolonga o trauma inicial no tempo. A criana tenta resistir
tensªo do comportamento instintivo provocando no am biente o acolhimento e a tolerncia
perdida. A busca do objecto e a destruiªo sªo, por
um lado uma tentativa de providenciar
inconscientemente algo a que tem direito por que jÆ teve e perdeu, ou seja, o amor e
aprovaªo, fazendo movimentos de provocaªo, como s
e incitasse o outro a cuidar dele, a ter
tolerncia e compreensªo. Nesse sentido Winnicott ( 1956b) refere-nos que, A definiªo
abrangente de de-privaªo incluiria tanto a situaª
o tardia quanto a anterior, tanto o trauma
especfico quanto a situaªo traumÆtica que se prol onga no tempo, e tambØm
simultaneamente a condiªo quase normal e a clarame nte anormal. (Winnicott 1956b, p.
410).
Podemos verificar nesta patologia que o ambiente priva o indivduo numa fase em que
ainda estÆ a ser posta prova a capacidade da mªe em ajudar a fundir os instintos libinais e
agressivos. Desta forma a tensªo gerada em torno de um impulsos agressivo nªo Ø aceite e
organizada pela mªe. Neste caso podemos constatar q ue existe um grau de falso self na
medida em que indivduos com comportamento anti-soc ial nªo tŒm esta conduta sempre, os
seus apelos compulsivos surgem apenas em seguimento de rasgos de esperana. Winnicott
(1956b) refere-nos que, quando confrontados com a terapia, notava-se inicialmente uma
organizaªo numa linha defensiva de falso self e po steriormente uma emergŒncia do self
verdadeiro em que era experimentado com o analista, o dio e a raiva contidos por
indisponibilidade ambiental atØ entªo.
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CAP˝TULO 4
4. CONCEITO DE TRAUMA EM KOHUT
Para Kohut (1971, 1977) os indivduos depen dem essencialmente das relaıes com os
outros para se constiturem psquica e fisicamente com uma crescente sensaªo de integraªo,
segurana, auto-estima e realidade ao longo da vida . No entanto, o autor (1971) contempla
tambØm a possibilidade de existirem factores genØti
cos herdados que contribuem para uma
tendŒncia do aparelho psquico de manter ou nªo um self coeso. Na sua experiŒncia clnica,
havia pacientes que tinham crescido em ambientes familiares manifestamente catastrficos,
mas que no entanto, nªo se mostravam tªo perturbado s como era esperado, As vicissitudes
do desenvolvimento psicolgico normal e anormal s
sªo inteligveis se consideradas, nªo
como devido a incidentes isolados na vida da crian a, mas como resultado de interacªo de
diversos factores etiolgicos. (Kohut 1971, p.56).
O autor (1971) considera, que Ø a interacªo das caractersticas psicolgicas herdadas,
juntamente com a personalidade dos pais, mais do que os grandes eventos traumÆticos
isolados, que durante o crescimento vªo predispor a criana a uma maior ou menor
vulnerabilidade perante situaıes adversas.
Kohut assenta o seu pensamento na teoria do self como uma entidade que se edifica e
consolida a partir da experiŒncia com um meio ambiente que contenha empatia e capacidade
de admiraªo.
O autor refere (1971) que a diferena entre a perturbaªo narcsica da personalidade e a
psicose reside sobretudo na influŒncia dos factoresgenØticos que, no caso da perturbaªo
narcsica, impedem que haja uma desintegraªo irreversvel do self arcaico ao c ontrÆrio da
psicose. Para Kohut (1971, 1977), deve haver um ambiente empÆtico, desde a primeira
infncia atØ fase edipiana. O autor salienta o pa pel da mªe no inicio da vida, a qual deve
providenciar as primeiras necessidades corporais de integraªo, tranquilidade, consolo,
segurana, confiana e empatia, para que se inicie
de modo positivo o percurso de
desenvolvimento rumo a um self coeso.
Como veremos mais adiante, Kohut (1971) traz-nos um novo conceito, o de falha ideal, a
qual corresponde a pequenas decepıes cuja gravidad e traumÆtica Ø moderada e que se
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revelam essenciais para mudana de Œnfase que Ø dada ao self objecto. Sªo estas falhas
necessÆrias, tambØm chamadas de frustraªo ptima, que retiram gradualmente a idealizaªo
do objecto transformando-a numa internalizaªo das suas funıes especficas reguladoras e
canalizadoras da tensªo originada pelos instintos.
O que possibilita a formaªo destas estrutura s Ø a capacidade maturacional do aparelho
psquico, a qual, por sua vez, Ø fundada nas experiŒncias entre a criana e os self objectos que
deverªo ser adequadas a cada fase do desenvolviment o. Se a criana sofre graves traumas
narcsicos entªo as suas estruturas primÆrias, o self grandioso e a imago parental idealizada
nªo serªo integradas na personalidade, o indivduo continua a lutar por objectivos arcaicos
atravØs de relaıes fusionais sem atingir um self m aduro capaz de se equilibrar
narcisicamente.
Kohut (1971) fala-nos da perturbaªo narcsic a da personalidade como uma patologia que
se edifica a partir de falhas empÆticas graves quese revelam decepcionantes e traumÆticas e
que promovem uma paragem no desenvolvimento com dinmicas regressivas, como Ø o caso
das intrusıes, das separaıes, da falta de admiraª
o de orgulho manifesto dos pais em
relaªo as pequenas conquistas da criana.
Para que os indivduos nªo precisem durante toda a vida da confirmaªo sistemÆtica do
seu narcisismo pelos outros Ø necessÆrio que as exp
eriŒncias com os self objectos sejam
integradas gradualmente de forma simblica. Para aj udar a compreender como se edifica o
narcisismo pessoal irei descrever com maior detalhe o processo de desenvolvimento
emocional e as vicissitudes que se podem impor durante a vida.
4.1 - DESENVOLVIMENTO EM KOHUT
Kohut (1971, 1977) apresenta-nos o self como um nœcleo, que s desenvolve na
experiŒncia com os outros. O self Ø uma essŒncia equcaminha no sentido de uma sensaªo
crescente de estarmos integrados com as nossas ambiıes e ideais e para que este fim seja
alcanado Ø essencial a existŒncia de outros que nos cuidem e que permitam que um
narcisismo pessoal na criana se consolide.
No incio da vida hÆ um nœcleo primÆrio, oue
q o autor denominou de self nuclear, onde
reside toda a espontaneidade de um mundo pessoal, a qual irÆ se consolidar em interacªo
com os objectos exteriores, ou seja, nas respostas empÆticas, no espelhamento positivo dos
cuidadores e na concretizaªo de ambiıes pessoais.
O fim œltimo desta necessidade de
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interacªo positiva que consolida a auto-estima e a integridade Ø a de formar um indivduo
psiquicamente equilibrado, satisfeito consigo prpr io, resistente Æs adversidades e detentor de
um self coeso. Kohut (1971, 1977) caracterizou a coesªo do self como uma sensaªo de viver
lealmente de acordo com as ideias e vontades mais pessoais e tambØm por uma crescente
sensaªo de estar integrado no tempo e no espao co
rporal e fisicamente.
O self nuclear tambØm se inicia na fantasiados pais quando estes comeam a formar as
primeiras expectativas em relaªo
criana, as qua
is, juntamente com a interacªo
estabelecida, vªo-se revelar decisivas a nvel de e quilbrio psquico e emocional.
No seu texto Consideraıes introdutrias (1
971), Kohut refere que no incio da vida o
bebØ encontra-se num estado de perfeiªo narcsica
, sendo que o seu self nªo estÆ
estruturado. O bebØ investe o outro narcisicamentee experiencia-o como indiferenciado de si.
indispensÆvel a existŒncia inicial de um outro que permita ao bebØ usufruir de uma
sensaªo de fusªo e de omnipotŒncia, sªo os self ob jectos arcaicos. Eles cumprem as funıes
bÆsicas e devem ser empÆticos para com estas necess
idades, corporais e psquicas, devem ser
estÆveis nas suas funıes, as quais sªo impossveis
de ser executadas pelo bebØ e permitir
assim o incio de uma relaªo de confiana.
Aps ser mantida esta primeira fase de estad o de perfeiªo narcsica, Ø esperado que
continue a haver uma interacªo positiva entre o se lf nuclear do bebØ e os self objectos, os
quais devem comear desde logo por encorajar as pot encialidades mais arcaicas do self
nuclear. Os pais deverªo empaticamente ajudar a eme rgir dois novos eixos indispensÆveis
para a edificaªo de um narcisismo saudÆvel, o self grandioso e a imago parental idealizada.
O self grandioso surge quando os self objectos espelham orgulhosamente os primeiros
impulsos exibicionistas da criana permitindo que s e edifique uma fantasia de grandiosidade
em relaªo a si prpria. Esta fantasia significa qu
e a criana esta a consolidar as primeiras
ideias, o que irÆ facilitar a idealizaªo futura da imago parental, a qual deve transmitir
criana a existŒncia de pais fortes, confiÆveis e esguros. Sªo estas, segundo Kohut (1971)
duas instancias primÆrias transicionais.
O autor afirma (1971) que, com a possibilidade de realizar estas primeiras idealizaıes,
esta aberto o caminho gradual para uma saudÆvel conversªo das mesmas em auto-estima,
auto-confiana e concretizaªo de ambiıes pessoais
, valores e padrıes de comportamento.
Como foi mencionado anteriormente, tendo em conta os factores genØticos, o self nuclear
esta apto para se desenvolver naturalmente no sentido da busca de satisfaªo dos seus ideais.
Sªo as reacıes da mªe s primeiras necessidades da
criana que vªo ditar a forma como se
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irÆ relacionar com as vicissitudes e como irÆ gerir
as situaıes adversas que possam gerar
tensıes.
Kohut (1971) traz-nos um novo conceito, o de uma falha empÆtica que se revela ideal, ou
seja, o autor diz-nos que no crescimento emocional e narcisismo ideal, a criana deverÆ
passar por decepıes pequenas nªo gravemente traumÆ ticas, as quais vªo originar pequenas
desilusıes com o objecto idealizado, fazendo com qu e passe gradualmente de uma
idealizaªo do outro para uma noªo cada vez mais r
ealista das suas funıes.
Ainda no mesmo texto, o autor refere-nos que, em consequŒncia destas falhas ideais, o
aparelho psquico do bebØ, vai fragmentar os vÆriosaspectos do objecto idealizado, retira a
idealizaªo desse aspecto do objecto que falhou e m uda a sua Œnfase para uma internalizaªo
das suas funıes especificas. O que Kohut (1971, 19 77) chamou de frustraªo ptima, cujo
resultado Ø entªo a transformaªo dos aspectos idea lizados do objecto em estrutura psquica.
O mais importante aspecto do relacionamento inicial mªe-criana Ø o princpio da
frustraªo ideal. Decepıes tolerÆveis no equilbri
o narcsico primÆrio preexistente
levam ao estabelecimento de estruturas internas que fornecem a capacidade de auto
consolo e a aquisiªo de tolerncia de tensªo bÆsic a no domnio narcsico. (Kohut,
1971, p.64).
Deste modo, se a falha nªo for total, o bebØ vai poder transformar a imagem que tinha do
self objecto atØ ao momento, por uma auto suficiŒnc
ia gradual. A este processo Kohut (1971)
deu o nome de, internalizaªo transmutadora.
Embora no incio da vida, o papel da mªe seja de gr ande importncia, Kohut (1971),
salienta o facto de que, atØ fase edipiana (inclu sive), a criana ainda esta numa posiªo
vulnerÆvel e em que uma falha empÆtica nesta faseode
p ser promotora de um retrocesso no
desenvolvimento, caracterizado por uma perigosa regressªo narcsica de fusªo a objectos
arcaicos idealizados. Esta Ø uma fase igualmente promotora de traumas psquicos
semelhana das fases iniciais de desenvolvimento e neste sentido o autor (1971) considera
que:
Como a criana pequena nªo tolerarÆ nenhuma separa ªo quando sentir que a mªe
poderia tornar-se irrecuperavelmente perdida, assim a idealizaªo do super ego Ø
novamente abandonada no inicio da latŒncia quando oobjecto idealizado parece
irrecuperavelmente perdido. (Kohut 1971, p.50).
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A ausŒncia de respostas adequadas por parteda mªe em relaªo necessidade de se
sentir admirada, aceite e estimulada narcisicamente, pode fazer com que a criana se volte
para a figura do pai mas com um investimento excessivo que origina uma hiper idealizaªo,
como refere Kohut (1971). Se for este o caso, as decepıes a partir de agora com esta figura
extremamente idealizada revelam-se traumÆticas e capazes de provocar uma regressªo a
fixaıes antigas narcsicas. Kohut (1971) salienta
no texto A TransferŒncia idealizadora,
que este perigo traumÆtico Ø capaz de originar umafalha estrutural permanente na maturaªo
do narcisismo.
Nos distœrbios narcsicos da personalidade existem pais que nªo compreenderam as
necessidades da criana. A decepªo constante sofri
da com uma mªe nªo empÆtica revela-se
uma das possveis falhas que nªo permitem que se in stalasse uma idealizaªo. Muitos destes
pais sofrem tambØm de deficiŒncias a nvel do seu narcisismo pessoal e deste modo
comprometem a dedicaªo e o respeito pelas naturais
necessidades de crescimento do
narcisismo dos filhos.
Enquanto nªo estiver concluda a fase edipia na com o gradual desinvestimento da imago
parental idealizada, a criana pode a qualquer mome nto regredir a uma figura prØ-estrutural
idealizada. Esta fase deverÆ estar repleta de conquistas e de auto-afirmaªo e ao pai
idealizado, cabe o papel de se mostrar feliz e orgulhoso pelos primeiros movimentos de
autonomia e independŒncia da criana sem projecıes
negativas. portanto psiquicamente
vital a criana nªo vivenciar este perodo com dece pıes e sofrimento. A este respeito o autor
refere, A retirada macia mas adequada Æ fase, das catexias narcsicas do objecto edipiano
leva Æ internalizaªo dessas catexias e a sua liga ªo das funıes aprovadores e proibidas do
super ego, como valores e ideais. (Kohut 1971, p.5 3).
Revelam-se traumÆticas as falhas do self objecto que conduzem a uma desidealizaªo
abrupta, as quais tŒm como consequŒncia a incapacid
ade do self em se estruturar
gradualmente atravØs do processo de internalizaªo transmutadora acima referido.
Se os self objectos quebram a idealizaªo de
forma macia, o aparelho psquico da
criana nªo conseguirÆ desidealizar o self objecto que falhou e e vai mantŒ-lo internalizado
de forma idealizada e reprimida para o inconsciente.
aqui que ficam gravemente
comprometidas as capacidades da criana em, vir a t er uma noªo cada vez mais realista das
funıes do objecto e tambØm de regular as suas prp rias tensıes.
Segundo o autor (1971, 1977), a empatia dos pais ao longo do desenvolvimento Ø
essencial para que a criana consolide as estrutura s controladoras de impulsos. As decepıes
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traumÆticas com o self objecto idealizado podem interferir seriamente com a futura
autonomia do aparelho psquico em manter o equilbr io narcsico e com a modificaªo das
estruturas arcaicas que passam pela dominaªo, neut ralizaªo e diferenciaªo
O autor (1971) clarifica-nos trŒs tipos de oc nsequŒncias destas falhas no decorrer das
fases de desenvolvimento emocional:
Existe uma falha muito precoce no relacionamento com o objecto idealizado que
predispıe a uma fraqueza estrutural generalizada. N este caso, houve uma mªe que nªo
ofereceu uma barreira de estmulos adequada nem uma gratificaªo aliviadora de tensªo e
que enfraqueceu a capacidade bÆsica da psique de manter a homeostase narcsica. A criana
poderÆ sofrer uma vulnerabilidade narcsica difusa.
Assim como na primeira falha, tambØm na segundaainda encontramos a criana em fases
prØ-edipianas. Neste caso a decepªo com o objecto
idealizado interfere com a
implementaªo da estrutura bÆsica capaz de controla r e neutralizar os instintos. As
consequŒncias comportamentais podem ser a ressexualizaªo dos derivados do instinto, por
exemplo, em fantasias e perversıes. Por exemplo, em indivduos que regrediram e se fixaram
num self grandioso, sªo correntes manifestaıes de
arrogncia e sadismo.
Por œltimo, quando a criana se encontra na fa se edipiana (considerando que houve
constantes decepıes como o objecto prØ-edipiano), se este ultimo investimento na imago
parental for tambØm traumaticamente destrudo, entª o a idealizaªo do super ego fica
incompleta. Vamos ter um indivduo fixado na procur a das funıes do self objecto arcaico e
o relacionamento com os outros serÆ feito, nªo por amor mas por necessidade, como
complemento para as lacunas da estrutura psquica.
Devido a estas decepıes relacionais traumÆti cas precoces, a capacidade bÆsica da psique
de manter por si s o equilbrio narcsico fica com
perturbaıes narcsicas da personalidade revelam-se
prometida. Os indivduos com
adultos emocionalmente desequilibrados.
Hiper investem em comportamentos que outrora nªo fo ram estimulados e aceites pelos pais,
como por exemplo, a falha empÆtica de consolidaªo de um self grandioso pode predispor o
indivduo a um comportamento sexual compulsivo, sÆdico e tirnico. A utilizaªo sistemÆtica
dos outros para o engrandecimento pessoal. No caso da decepªo com a imago parental
idealizada podemos verificar indivduos, que mentem quando descrevem o pai elogiando os
seus feitos, hÆ tambØm indivduos que se tornam delinquentes e se juntam em grupos cujo
lder pela sua personalidade pode ser idealizado.
Khut fala-nos sobretudo de uma angœstia com grandes dificuldades psquicas em manter a
auto-estima e regular as tensıes perante situaıes
que despertem lembranas de decepªo e
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