LGPD e compliance na Administração Pública: O Brasil está preparado para um cenário em transformação contínua dando segurança aos dados da população? É possível mensurar os impactos das adequações necessárias no setor público? Quais mudanças culturais promover para a manutenção da boa governança? LGPD and compliance with the Public Administration: Is Brazil prepared for a continuous transformation scene providing security for given years of the population? Is it possible to measure the impacts of necessary changes not in the public domain? What cultural changes are you promoting for the maintenance of the government? Bruna Toledo Piza Magacho 1 Universidade Federal de Goiás (Goiânia, Goiás, Brasil) https://orcid.org/0000-0003-0538-3306 btoledopiza@gmail.com Melissa Trento 2 Tribunal de Contas do Estado do Paraná (Curitiba, Paraná, Brasil) https://orcid.org/0000-0003-0055-1673 melissatrento@gmail.com Recebido: 12.12.2020 Aprovado: 10.01.2021 RESUMO O artigo tem como objetivo apresentar a relação entre o compliance no setor público e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Destaca formalmente o texto da lei. Apresentar um o capítulo exclusivo voltado ao setor público e, em razão disso, muitos cogitam tal inclusão foi um marco para a história da Administração Pública no Brasil. A importância ao fato é justificada uma vez que deverá resultar em efetivas ações para evitar o uso indevido dos dados coletados, situação anteriormente nunca apurada por uma regra com tamanho rigor e alto nível de detalhamento. Neste sentido busca-se apresentar respostas as seguintes questões: será que a existência de instrumentos normativos garante efetivamente a proteção dos dados do cidadão? É suficiente para assegurar a proteção * 1 2 Como citar este artigo: MAGACHO, Bruna Toledo Piza; TRENTO, Melissa. LGPD e compliance na Administração Pública: O Brasil está preparado para um cenário em transformação contínua dando segurança aos dados da população? É possível mensurar os impactos das adequações necessárias no setor público? Quais mudanças culturais promover para a manutenção da boa governança? Revista Brasileira de Pesquisa Jurídica, Avaré, v. 2, n. 2, p. 07-26, maio/ago. 2021. doi: 10.51284/rbpj.02.trento Mestranda em Direito e Políticas Públicas (UFG), LL.M em Direito Empresarial (FGV), especialista em Compliance, e em Direito e Processo do Trabalho (PUC-GO). btoledopiza@gmail.com MBA em Compliance e Gestão de Riscos: ênfase em Inovação e Governança (Polis Civitas) e Especialista em Direito Administrativo (UniCuritiba). Analista de controle jurídico - Tribunal de Contas do Estado do Paraná. melissatrento@gmail.com Attribution-NonCommercial ShareAlike 4.0 International (CC BY-NC-SA 4.0) Bruna Toledo Piza Magacho e Melissa Trento contra o mal uso das informações no âmbito da governança pública? existe um melhor caminho a ser seguido com vistas a conferir efetividade à LGPD no setor público? Ao fim Aponta a necessidade de incluir o uso e tratamento seguro dos dados pessoais. Atribui a titularidade dos dados à pessoa física a ela referente, e institui regras para o uso dos dados, visando à proteção dessas pessoas físicas e de seus direitos fundamentais. Conclui remetendo-se a princípios gerais de conduta que deveriam sustentar a administração com finas de minimizar o risco de conformidades, e assim possam produzir efeitos concretos à proteção e segurança dos dados pessoais. PALAVRAS-CHAVE: Lei Geral de Proteção de Dados. Compliance. Administração Pública. Mudanças culturais. ABSTRACT The article aims to present the relationship between compliance in the public sector and the General Data Protection Law (LGPD). It formally highlights the text of the law. Presenting an exclusive chapter aimed at the public sector and, as a result, many consider such inclusion was a milestone in the history of Public Administration in Brazil. The importance of the fact is justified since it should result in effective actions to avoid the misuse of the collected data, a situation that was never determined by a rule with such rigor and high level of detail. In this sense, we seek to provide answers to the following questions: does the existence of normative instruments effectively guarantee the protection of citizens' data? Is it sufficient to ensure protection against misuse of information in the context of public governance? is there a better way to go with a view to making LGPD effective in the public sector? At the end It points out the need to include the safe use and treatment of personal data. It attributes the ownership of the data to the individual referring to it, and institutes rules for the use of the data, aiming at the protection of these individuals and their fundamental rights. It concludes by referring to general principles of conduct that should support management to minimize the risk of conformities, and thus can have concrete effects on the protection and security of personal data. KEYS WORDS: General Data Protection Law. Compliance. Public administration. Cultural changes. 1 INTRODUÇÃO O artigo tem como objetivo apresentar a relação entre o compliance no setor público e a LGDP – Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018). Importante destacar que formalmente o texto da LGPD apresenta um capítulo exclusivo ao setor público e, em razão disso, muitos cogitam tal inclusão como um marco para a história da Administração Pública no Brasil. A importância ao fato é justificada uma vez que deverá resultar em efetivas ações para evitar o uso indevido dos dados coletados, situação 8 | RBPJ – Revista Brasileira de Pesquisas Jurídicas, Avaré, v.2, n.2, maio/ago. 2021 LGPD e compliance na Administração Pública: O Brasil está preparado para um cenário em transformação contínua dando segurança... anteriormente nunca apurada por uma regra com tamanho rigor e alto nível de detalhamento. Assim, a governança pública passa a cumprir um papel instrumental, principalmente em assegurar que a atuação de órgãos estatais ou entidades públicas estejam orientadas em suas ações com princípios éticos, focadas no bem estar dos cidadãos e promoção de tratamentos igualitários. O que necessariamente deve incluir, portanto, o uso e tratamento seguro dos dados pessoais. Nesse sentido é que a LGPD atribui a titularidade dos dados à pessoa física a ela referente, e institui regras para o uso dos dados, visando à proteção dessas pessoas físicas (cidadãos) e de seus direitos fundamentais como a liberdade, privacidade e livre desenvolvimento, entre outros. Para isso, o compliance, enquanto instrumento de governança pública, tem o objetivo de atender a legislação vigente mantendo o órgão ou entidade em conformidade com as normas do ordenamento jurídico brasileiro. Neste sentido busca-se apresentar aqui respostas aas seguintes questões: será que a existência de instrumentos normativos garante efetivamente a proteção dos dados do cidadão? É suficiente para assegurar a proteção contra o mal uso das informações no âmbito da governança pública? existe um melhor caminho a ser seguido com vistas a conferir efetividade à LGPD no setor público? 2 BOA GOVERNANÇA A ideia de governança pública originou-se da governança corporativa, que é um conjunto de práticas que objetivam regular a administração e controle das instituições.3 Conforme conceitua o Decreto 9.203/2017 no inciso I do artigo 2°, governança pública é o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade.4 3 COELHO, Cláudio Carneiro Bezerra Pinto. Compliance na Administração Pública. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, v. 3, n. 01, p. 75-95, 1 ago. 2017.p.81. 4 A Lei 13.303/2016 foi outro diploma legal que trouxe normas sobre a boa governança por parte da Administração Pública, nas esferas federal, estadual e municipal. BRASIL. Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, FACULDADE EDUVALE | 9 Bruna Toledo Piza Magacho e Melissa Trento Em resumo, a governança pública compreende tudo o que uma instituição pública faz para assegurar que sua atuação esteja direcionada e alinhada aos interesses da sociedade.5 Segundo o Decreto, são princípios de governança pública a capacidade de resposta, integridade, confiabilidade, melhoria regulatória, prestação de contas, responsabilidade e transparência. Com fundamento nos princípios, a governança pública deve basear-se nas seguintes diretrizes: Art. 19. Os órgãos e as entidades da administração direta, autárquica e fundacional instituirão programa de integridade, com o objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção, estruturado nos seguintes eixos: I - comprometimento e apoio da alta administração; II existência de unidade responsável pela implementação no órgão ou na entidade; III - análise, avaliação e gestão dos riscos associados ao tema da integridade; e IV - monitoramento contínuo dos atributos do programa de integridade.6 É necessário entender as razões que justificaram a criação de uma política específica de orientação à governança pública para não se afastar dos objetivos que lhe deram origem e, assim, proporcionar a boa condução dessa política. As principais motivações para a criação da política de governança foram (i) a necessidade de fortalecimento da confiança do cidadão na gestão estatal; (ii) a busca por uma melhor gerência e iniciativas que provoquem o aprimoramento gerencial; e (iii) a utilidade de se estabelecer uma escala mínima de segurança pela governança pública.7 Um dos problemas mais relevantes, gerado pela inobservância das práticas de governança, é a perda de confiança da sociedade na instituição. A atuação pública deslegitimada tende a gerar regras com alto custo de implementação e isso afeta a confiança da sociedade, além de alimentar o ciclo vicioso de desconfiança que aumenta a burocracia e a desconformidade. Existe uma relação recíproca entre a confiança nos governos e organizações associadas à governança responsiva.8 autárquica e fundacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2017/decreto/D9203.htm Acesso em: 24 out. 2020. 5 BRASIL. Casa Civil da Presidência da República. Guia da política de governança pública. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 2018. p. 16. 6 BRASIL. Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017. Op., cit. 7 BRASIL. Casa Civil da Presidência da República. Op. cit., p.21. 8 Ibidem, p. 21-22. 10 | RBPJ – Revista Brasileira de Pesquisas Jurídicas, Avaré, v.2, n.2, maio/ago. 2021 LGPD e compliance na Administração Pública: O Brasil está preparado para um cenário em transformação contínua dando segurança... O rompimento desse ciclo de ineficiência e a retomada da confiança dos cidadãos é fundamental para que se alcance os resultados econômicos e segurança, e isso não é possível sem a adoção das práticas de governança, “portanto, um dos principais papéis da política de governança é garantir que a atuação pública seja tida como legítima pelo cidadão, de forma a fortalecer o cumprimento voluntário de regras sociais e a reduzir a necessidade de controles mais rígidos e burocráticos”.9 Para se alcançar a boa governança é necessário transparência, integridade, equidade,10 responsabilidade dos gestores e prestação de contas.11 Administração deve realizar tudo, inclusive a manipulação12 e armazenamento de dados, em conformidade com as leis aplicáveis.13 3 COMPLIANCE As notícias sobre vazamento de dados por parte de grandes corporações, bem como os escândalos de corrupção intensificam a busca por empresas éticas, confiáveis e transparentes em suas ações e seguras quanto a utilização e retenção de informações pessoais.14 Nos últimos anos, o Brasil acompanhou inúmeros escândalos de corrupção, e o fato de o Estado não conseguir acompanhar as condutas fraudulentas e criminosas que ocorrem rotineiramente, fez surgir a necessidade de utilização de mecanismos de direito privado que auxiliem no combate à fraudes e corrupção.15 E os referidos escândalos ao longo dos anos “culminaram com diversas formas, mas em todos eles o dinheiro público foi o principal alvo”.16 É de grande importância a implementação de um programa de compliance digital nas organizações públicas para a proteção de dados em conformidade com a LGPD brasileira.17 Os programas de compliance tem relação com a 9 Ibidem, p. 22. Ibidem, p.81-82. 11 COELHO, Cláudio Carneiro Bezerra Pinto. Op. cit.,p.83. 12 Ibidem, p.81-82. 13 Ibidem, p. 24-25. 14 CAVALARI, Ana Paula França. O compliance digital como tecnologia de gestão. In: OLIVEIRA, Claudia Sobreiro de; OLIVEIRA, Fabiana. (Coords.). Elas na advocacia. Porto Alegre: OAB/RS, 2020. p. 40-41. 15 Ibidem, p. 42. 16 COELHO, Cláudio Carneiro Bezerra Pinto. Op. cit.,p.80 17 CAVALARI, Ana Paula França. Op. cit., p. 41. 10 FACULDADE EDUVALE | 11 Bruna Toledo Piza Magacho e Melissa Trento fixação de controles internos em reforço à regulação estatal, mantendo a entidade pública em conformidade com suas políticas.18 O compliance surge com o contorno de disciplinar e de se fazer cumprir normas legais, sejam políticas, de empresa privada, de instituição ou órgão público. Surge também com o objetivo de evitar, detectar e, como antídoto a qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer.19 Dito de outra forma, os programas de compliance são instrumentos de governança corporativa também aplicáveis ao setor público, são políticas e procedimentos que se traduzem em ações sistêmicas com o objetivo de atender ao cumprimento das disposições da legislação vigente, permitindo a prevenção ou minoração de atos ilícitos e a devida sanção de seus responsáveis.20 A relevância do compliance aprofundou-se nas últimas décadas em face da ampliação do papel sancionador do Estado e da preocupação dos agentes econômicos com as elevadas sanções aplicadas. E, a partir disso, percebe-se cada vez mais a incorporação de programas de compliance nos ordenamentos jurídicos, inclusive no brasileiro.21 Apesar de o compliance ter nascido para adequar as empresas privadas à legislação, a Administração Pública também é destinatária de tais normas. O Poder Público, inclusive, não apenas se submete à legislação, como deve dar exemplo de boafé, legalidade e boa governança.22 O artigo 37 da Constituição Federal estabelece os princípios que regem a Administração, são eles legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além de outros como a ética, transparência e integridade.23 Esses princípios, portanto, devem pautar a atuação do Estado, inclusive no tratamento de dados. 18 FRAZÃO, Ana; OLIVA, Milena Donato; ABILIO, Vivianne Da Silveira. Compliance de dados pessoais. In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. (Coord.). A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no direito brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 684. 19 SOUZA, Silvia Regina; MACIEL-LIMA, Sandra; LUPI, André Lipp Pinto Basto. Aplicabilidade do compliance na Administração Pública em face ao momento político atual brasileiro. Percurso - ANAIS DO I CONIBADEC (Congresso Ibro-Americano de Direito Empresarial e Cidadania). vol.01, n°.24, Curitiba, 2018.p.14. 20 FRAZÃO, Ana; OLIVA, Milena Donato; ABILIO, Vivianne Da Silveira. Op. cit., p. 683-684. 21 Ibidem, p. 684. 22 A Lei 13.303/2016, também chamada de “estatuto das Estatais”, traz uma única vez a expressão compliance no artigo 9° §4°, ao determinar a possibilidade de que a área de compliance se reporte diretamente ao Conselho de Administração em situações em que haja suspeitas de envolvimento do diretor presidente em irregularidades ou quando se furtar a obrigação de adotar medidas necessárias em relação a situação a ele relatada. COELHO, Cláudio Carneiro Bezerra Pinto. Op. cit.,p.76. 23 Ibidem, p.71. 12 | RBPJ – Revista Brasileira de Pesquisas Jurídicas, Avaré, v.2, n.2, maio/ago. 2021 LGPD e compliance na Administração Pública: O Brasil está preparado para um cenário em transformação contínua dando segurança... O compliance vem de encontro com a necessidade e a importância de padrões éticos, legais e transparentes nas empresas e instituições. E no caso da Administração Pública o objetivo é o mesmo, passando a preservar então a sociedade e as várias situações que a envolvem.24 Na Administração Pública, o “compliance surge como uma linha mestra entre o administrador, sua função, sua conduta, as leis e princípios, que devem ser seguidas tendo como primazia a sociedade”25, e o “compliance público aponta para a uma efetivação inovadora ao Brasil como um mecanismo de integridade pública”.26 O compliance não se limita ao simples cumprimento de regras, mas à prevenção de demandas judiciais, disseminação da cultura da organização, prevenção da corrupção, evita a manipulação no uso de dados e informações privilegiadas. 27 Em outras palavras, compliance não é só conformidade legal e observância às normas, mas busca promover uma nova cultura para o ambiente onde é aplicado e o comprometimento dos indivíduos envolvidos, e no caso da LGPD, uma cultura de cuidado com os dados pessoais dos cidadãos. Uma das vantagens dos programas de compliance é permitir a adequada gestão do risco da atividade e a prevenção de ilícitos, viabilizando a pronta identificação de descumprimentos e a remediação dos danos decorrentes e o fomento à criação de uma cultura de observância às normas legais e normas internas. Na tutela de dados, é possível ainda, adaptar e operacionalizar comandos gerais e abertos da LGPD. Para a efetiva materialização dessas vantagens é necessário mais do que apenas a adoção de “cartas de intenção” ou “programas de fachada”, pois a mera existência de instrumentos normativos ou a boa intenção, seja das empresas ou da Administração Pública, não garante a proteção de dados pessoais, são necessários requisitos mínimos para a efetividade dos programas de compliance.28 É preciso seguir elementos mínimos para a estruturação de um programa de compliance efetivo. Um importante elemento é a avaliação dos riscos da atividade e para se prevenir o descumprimento é necessário identificar os pontos de vulnerabilidade a que 24 SOUZA, Silvia Regina; MACIEL-LIMA, Sandra; LUPI, André Lipp Pinto Basto. Op. cit.,p.16. Idem. 26 Ibidem, p.17. 27 SIMAS, Manuela Santos. Ética pública: o diálogo entre os princípios da administração pública e as políticas de compliance na gestão pública. 2018. 37 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gestão Pública Municipal) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2018.p.21. 28 FRAZÃO, Ana; OLIVA, Milena Donato; ABILIO, Vivianne Da Silveira. Op. cit., p. 686. 25 FACULDADE EDUVALE | 13 Bruna Toledo Piza Magacho e Melissa Trento a Administração está submetida. O objetivo é antecipar as áreas de exposição para que sejam tomadas medidas preventivas proporcionais aos riscos identificados.29 Outra medida necessária é a elaboração de códigos de conduta, que oriente quais comportamentos são aceitos ou vedados, quais são os valores e princípios da entidade e é destinado a todos os envolvidos, inclusive terceiros, Então, é necessária a criação de uma cultura de respeito à ética e às leis, uma cultura de compliance. As ações devem ser contínuas, no intuito de promover o aculturamento de todos os integrantes.30 Existem três fatores que fortalecem os mecanismos de compliance na proteção de dados pessoais. Em primeiro lugar, em decorrência do amplo escopo de incidência da LGPD, se faz necessária a adaptação de atividades de coleta e tratamento de dados e de qualquer outra operação que perpasse a utilização de informações relacionadas a pessoas naturais. Mesmo as mais simples atividades e operações laterais terão de se adequar à lei, inclusive aquelas que envolvem eventuais trocas de informações entre o setor público e o setor privado. “O compliance de dados assume caráter transversal, a tornar necessário rever os padrões de conduta estabelecidos para cumprimento de outras normas”. 31 O segundo fator associa-se ao primeiro, há em cada comando da lei níveis de exigência distintos e adaptações para o tratamento dos dados envolvidos, com o objetivo de evitar que a proteção acabe inviabilizando algumas atividades.32. O terceiro e último fator consiste na necessidade de conferir concretude à alguns preceitos empregados pela LGPD e, assim, permitir que sejam adotados comportamentos em conformidade com a lei, pois há muitos dos comandos legais que comportam significativa margem interpretativa e essa complementação pode ser realizada pelos programas de compliance.33 Além de ser um dever ético, a conformidade com a LGPD no setor público traz vantagens não só para a Administração Pública, mas especialmente para os cidadãos, para a economia e para o meio ambiente.34 29 Ibidem, p. 687-688; 691-693. “De fato, a LGPD aprofunda preceitos já extraídos de outros diplomas normativos (como o Marco Civil da Internet e a Lei do Cadastro Positivo), em especial diante da interpretação sistemática à luz do Código de Defesa do Consumidor. Sua consolidação e, principalmente, o tratamento direto e específico de diversos pontos na LGPD auxiliam na intensificação da proteção dos dados pessoais, conferindo-lhes maior efetividade”. Ibidem, p. 693-694. 31 Ibidem, p. 695. 32 Ibidem, p. 696. 33 Ibidem, p. 697-698. 34 CAVALARI, Ana Paula França. Op. cit., p. 42. 30 14 | RBPJ – Revista Brasileira de Pesquisas Jurídicas, Avaré, v.2, n.2, maio/ago. 2021 LGPD e compliance na Administração Pública: O Brasil está preparado para um cenário em transformação contínua dando segurança... 4 LGPD A LGPD institui regras a respeito do tratamento de dados pessoais, visando à proteção dos direitos fundamentais da pessoa natural, diante da sua vulnerabilidade. O texto legal traz em seu bojo a aplicabilidade a todas as pessoas jurídicas, privadas ou públicas, imposições relativas a medidas de segurança, implementação de procedimentos técnicos e de cunho político-administrativo, hábeis a realizar o tratamento efetivo de proteção dos dados pessoais das pessoas naturais que a lei busca assegurar. Inspirada na regulação europeia de proteção de dados (General Data Protection Resolution - GDPR), a LGPD é o primeiro instrumento normativo específico sobre o tema, de modo que a obrigação de implantação de políticas de integridade de segurança de dados, embora decorra de imposição legal já vigente, apresentará enormes desafios para a sua concretização. Depreende-se que a mens legis é salvaguardar à pessoa natural, detentora dos dados pessoais a serem tratados, os direitos individuais da liberdade, privacidade e livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural (Art. 1º), fundamentada na autodeterminação informativa, na liberdade de expressão, de informação, de comunicação e opinião, na inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, no desenvolvimento econômico e tecnológico e na inovação, na livre iniciativa, livre concorrência e na defesa do consumidor e nos direitos humanos, no livre desenvolvimento da personalidade, na dignidade e no exercício da cidadania pelas pessoas naturais, conforme descreve o artigo 2º da lei. Observa-se que o propósito primário da lei é a proteção aos direitos fundamentais individuais. Contudo, as exceções de aplicação se coadunam com as hipóteses de segurança pública, defesa nacional, segurança do estado, ou atividades de investigação e repressão de infrações penais (art. 4), ou seja, resta evidente que a lei procurou equilibrar os direitos individuais com as situações nas quais o interesse público deve prevalecer. A inclusão do setor público no escopo da LGPD constitui um marco na Administração Pública, obrigando-a a se adequar e investir em políticas de segurança e a atuar de forma a evitar a utilização de dados pessoais para fins diversos daqueles para os FACULDADE EDUVALE | 15 Bruna Toledo Piza Magacho e Melissa Trento quais foram coletados.35 Ademais, a lei reservou um capítulo próprio para estabelecer as regras específicas para o tratamento de dados pelo Poder Público, normatizando que a finalidade pública deve ser atendida, na persecução do interesse público, seja através da execução das competências constitucionais ou legais impostas, seja para a prestação de serviços públicos. De qualquer sorte, atribuiu ao Poder Público o dever de fornecer informações claras e atualizadas a respeito da finalidade legal atrelada à necessidade do tratamento de dados em questão e a obrigação de indicar um encarregado, nos termos do art. 39 da Lei. Saliente-se que revestem as empresas públicas ou sociedades de economia mista do mesmo tratamento normativo conferido aos órgãos do Poder Público quando estiverem no exercício de políticas públicas. O grande desafio da Administração Pública será em relação ao compartilhamento dos dados pessoais sem comprometer a proteção e segurança das informações, desde a coleta até a sua destruição, visto que a interoperabilidade é permitida, observados os pressupostos do atendimento de políticas públicas ou da prestação de serviços públicos. Note-se que o compartilhamento de dados pelo Poder Público a entidades privadas é vedado, exceto nos casos de execução descentralizada de atividade pública para finalidade específica e determinada, nos casos em que os dados forem acessíveis publicamente, baseadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres ou na hipótese exclusiva de prevenir fraudes ou proteger a segurança do titular dos dados. Imprescindível destacar que todas as operações relativas ao tratamento de dados, ainda que promovidas pelo Poder Público, devem observar as premissas respeitantes à necessidade, proporcionalidade e adequação, em razão das quais deve-se limitar o tratamento de dados ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades; livre acesso ou autodeterminação informativa, o que confere aos titulares a garantia de consulta gratuita e facilitada sobre a forma e duração do tratamento, bem como sobre a possibilidade de revogabilidade do consentimento, nos casos aplicáveis. O fundamento da autodeterminação informativa faculta ao titular o poder de fiscalização acerca da licitude, finalidade e regularidade do uso dos seus dados. A transparência e o livre acesso 35 LACET, Érika. LGPD e os impactos na Administração Pública. Disponível em: https://www.becompliance.net.br/lgpd-e-os-impactos-naadministracaopublica#:~:text=Apesar%20da%20necessidade%20de%20regulamenta%C3%A7%C3%A3 o,ainda%20maior%20para%20que%20as Acesso em: 19 out. 2020 16 | RBPJ – Revista Brasileira de Pesquisas Jurídicas, Avaré, v.2, n.2, maio/ago. 2021 LGPD e compliance na Administração Pública: O Brasil está preparado para um cenário em transformação contínua dando segurança... conferem a possibilidade de exercer o controle sobre os seus dados pessoais, averiguando se corretos, atualizados e adequados à finalidade para a qual foram coletados, operacionalizados ou compartilhados (no caso do Poder Público, essencialmente delimitado às consecuções de políticas públicas ou prestação de serviços públicos). Frente às disposições da lei, tornou-se imperiosa a adoção de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão, sob pena de responsabilização civil (desde já pelo Ministério Público, por exemplo) ou administrativa, quando for criada a ANPD – Agência Nacional de Proteção de Dados. É consabido que os sistemas de tecnologia da informação são suscetíveis a rastreamentos e invasões por hackers e assim, vulneráveis a possíveis adulterações. Entretanto, com o avanço progressivo da tecnologia, cabe ao Poder Público investir na excelência dos sistemas de inteligência e tecnologia de forma a garantir a segurança e proteção dos dados pessoais dos titulares, sobretudo aos dados sensíveis. Outro aspecto legal relevante condiz com a adoção de medidas preventivas ao intuito de coibir danos decorrentes do tratamento de dados pessoais. Tal princípio reafirma a necessidade de boas práticas de segurança no tratamento de dados pessoais, sendo que um dos objetivos finalísticos da LGPD é o desenvolvimento e amadurecimento da cultura de proteção de dados pessoais em âmbito nacional, mitigando-se riscos antes mesmo de se iniciar o tratamento dos dados.36 Nesse sentido, o princípio da prevenção Privacy by Design, disciplinado na GDPR, é desmembrado em sete outros princípios fundamentais expostos por Ann Cavoukian, dentre os quais destaca-se o relativo à Privacidade Incorporada ao Design, no qual a privacidade de dados é incorporada à estrutura do sistema intrinsecamente, de modo que a privacidade se torna um componente essencial do sistema tecnológico de informação37. No que diz respeito à responsabilização e prestação de contas, a lei é clara ao exigir que o controlador comprove a adoção de medidas eficazes capazes de garantir o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas 36 VAINZOF, Rony. Disposições Preliminares. In: MALDONADO, Viviane Nóbrega; BLUM, Renato Opice (coords.). LGPD: Lei Geral de Proteção de Dados comentada. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 158. 37 CAVOUKIAN, Ann. Privacy by Design: The 7 Foundational Principles - Implementation and Mapping of Fair Information Practices. Disponível em: https://iab.org/wp-content/IABuploads/2011/03/fred_carter.pdf . Acesso em: 18 out. 2020. FACULDADE EDUVALE | 17 Bruna Toledo Piza Magacho e Melissa Trento medidas. Este talvez seja o cerne da questão no âmbito público, tendo em vista a complexidade e enorme responsabilidade no tocante ao tratamento de dados de grande parte da população brasileira. A despeito da necessária criação e instituição da Agência Nacional de Proteção de Dados e suas correspondentes atribuições regulamentares para a almejada conformidade da LGPD no setor público, é certo que a administração pública necessitará investir significativamente em três pilares38: tecnologia, instituindo uma política robusta de segurança em TI, evitando possíveis adulterações, vazamentos, compartilhamento ou uso ilícito ou indevido; processos, mapeando-os para entender todo o fluxo do tratamento de dados, desde a sua coleta até a destruição, além de identificar os riscos inerentes ao tratamento; e pessoas, capacitando-as e conscientizando-as, promovendo a cultura da integridade, ressaltando a importância em estar e permanecer em conformidade com a lei. É a partir da vigência da LGPD que a interligação entre os fundamentos preconizados na lei e o Compliance se tornam evidentes e indissociáveis. Para o efetivo cumprimento da LGPD, a Administração Pública deverá implementar e assegurar a continuidade do Compliance Público, sobretudo em razão do indispensável mapeamento do fluxo do tratamento de dados e identificação de potenciais riscos no processo de tratamento. A LGPD constitui-se, pois, como a nova fase do compliance. Nesse aspecto, promove-se o tratamento ético dos dados pessoais, tendo em vista os fundamentos e premissas da lei, ao intento de assegurar os direitos fundamentais da liberdade, da privacidade, da intimidade e do livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. 5 CULTURAS E CENÁRIOS DA BOA GOVERNAÇA Dado o caráter eminentemente principiológico da LGPD, considerando que não há regras pragmáticas sobre os mecanismos de implantação das políticas de integridade, é que emerge o grande desafio ao pleno atendimento legal. O amadurecimento da cultura de proteção aos dados pessoais é um processo instaurado pela edição da lei e que necessita 38 LACET, Érika. Op. cit. 18 | RBPJ – Revista Brasileira de Pesquisas Jurídicas, Avaré, v.2, n.2, maio/ago. 2021 LGPD e compliance na Administração Pública: O Brasil está preparado para um cenário em transformação contínua dando segurança... ser elevado à importância máxima no cenário da boa governança pública. Para tanto, algumas ações são imprescindíveis a serem consideradas desde já, quais sejam: os órgãos públicos devem começar a capacitação das pessoas para atuarem como encarregados (ou DPO na concepção da GDPR); formular os relatórios de impactos; mapear o fluxo de dados de seus sistemas: por onde trafegam, como são guardados e compartilhados os dados, avaliando quais mudanças devem ser realizadas nesses procedimentos39, como por exemplo, a reconsideração se determinado dado pessoal é realmente útil à finalidade vinculada e se existe base legal para o tratamento dos dados. Sendo o setor público o grande detentor de dados pessoais, muitos deles de natureza sensível, não é difícil supor que os sistemas de dados possam estar sobrecarregados de informações desnecessárias e desatualizadas, o que certamente torna as tarefas primárias de adequação à lei bastante intensas, porém essenciais ao cumprimento das normas. Além disso, as avaliações decorrentes do mapeamento de dados têm o condão de proporcionar informações úteis à formulação dos relatórios de impacto e planejar ações preventivas. Frente aos novos desafios impostos pelo crescimento tecnológico, digital e globalizado de dados pessoais, torna-se premente a necessidade de conformidade não apenas legal, mas também cultural no sentido de adotar políticas de boas práticas e governança no tratamento de dados pessoais. As medidas a serem implementadas vão além da segurança digital, de modo que a lei é expressa em seu artigo 50 ao ampliar as políticas que estabeleçam as condições de organização, o regime de funcionamento, os procedimentos, incluindo reclamações e petições dos titulares, as obrigações dos envolvidos no tratamento, ações educativas e outros aspectos relacionados ao tratamento de dados pessoais. Nesse sentido, impõe-se a importante missão de traçar e efetivar novas diretrizes e fundamentos de governança. O Estudo 13 – PSC/IFAC desenvolvido pelo Comitê do Setor Público ou Public Sector Committee (PSC), decorrente da Federação Internacional de Contadores ou Council of the International Federation of Accountants (IFAC) foca nas práticas de governança na gestão pública relacionadas à responsabilidade dos governantes e das instituições competentes para acompanhar o setor público. Tal estudo reflete os princípios fundamentais sobre governança corporativa elencados no Cadbury 39 OTERO, Rodrigo Guynemer Lacerda. A LGPD e seus efeitos no setor público. Disponível em: https://www.serpro.gov.br/lgpd/noticias/2019/lgpd-setor-publico-efeitos. Acesso em: 19 out. 2020. FACULDADE EDUVALE | 19 Bruna Toledo Piza Magacho e Melissa Trento Report de 1992, adaptados para o setor público com base Nolan Report. O primeiro relatório do Comitê instituiu “Os Sete Princípios da Vida Pública” também conhecidos como os Princípios de Nolan: princípios gerais de conduta que deveriam sustentar a vida pública40 • abnegação – os agentes públicos devem agir apenas em prol do interesse público; • integridade e honestidade - os detentores de cargos públicos não devem receber qualquer benefício financeiro de indivíduos ou organizações que possam influenciá-los no desempenho de suas funções oficiais; • objetividade - na execução de políticas públicas ou na prestação de serviços públicos, os detentores de cargos públicos devem fazer escolhas sobre o mérito; • responsabilidade - os titulares de cargos públicos são responsáveis por suas decisões e ações para o público; • abertura/transparência – exige que os agentes públicos sejam transparentes em todos os seus atos. Devem fundamentar as suas decisões e restringir informações apenas quando houver sigilo amparado por lei; • liderança – no sentido de promover e apoiar todos os princípios descritos através da liderança e exemplo. Os três princípios identificados no Cadbury Report foram então redefinidos pelo IFAC levando-se em consideração os sete princípios do Nolan Report, transformando-os em “Princípios de Governança no contexto do Setor Público”: Transparência - necessária para garantir que stakeholders possam ter confiança nas ações e nos processos de tomada de decisão, na gestão das atividades das entidades do setor público; Integridade – compreende os conceitos de honestidade, objetividade, probidade na gestão dos recursos públicos; Responsabilização: no qual os agentes públicos são responsáveis por suas 40 MARCELLI, Selma. Governança no setor público: diagnóstico das práticas de gestão da Polícia Federal à luz do estudo 13 do PSC/IFAC. 2013.106 f. Dissertação (Mestrado Executivo em Gestão Empresarial) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. p.28-46. 20 | RBPJ – Revista Brasileira de Pesquisas Jurídicas, Avaré, v.2, n.2, maio/ago. 2021 LGPD e compliance na Administração Pública: O Brasil está preparado para um cenário em transformação contínua dando segurança... decisões e ações, incluindo a gestão de recursos públicos e todos os aspectos de desempenho.41 Depreende-se, assim, que à luz do programa de governança em privacidade delineado pelo parágrafo 2º do art. 50 da LGPD, o estudo do Comitê do Setor Público da IFAC fornece boas diretrizes na adoção de boas práticas de política à nova formatação de modelo de gestão, posto que em consonância com os parâmetros prescritos. No mesmo sentido seguem as Normas Brasileiras de Auditoria no Serviço Público - NBASP, cujos preceitos constituem um importante instrumento de melhoria do controle e da gestão pública. Em 2019 o Instituto Rui Barbosa lançou a NBASP 4000 – Norma para Auditoria de Conformidade, que é a tradução realizada pelo Tribunal de Contas da União para o português da ISSAI 4000 – Standard for Compliance Audit. As Normas Internacionais das Entidades Fiscalizadoras Superiores (ISSAI) são emitidas pela INTOSAI, a Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores. Os princípios e regras ali instituídos vão de encontro às boas práticas necessárias à governança no tratamento de dados pessoais, visto que são prescritos os requisitos da objetividade e ética, compreendido o comportamento profissional íntegro e a confidencialidade,42 o que se coaduna com os preceitos de segurança e proteção de dados pessoais amparados pela LGPD. Demais disso, para a concretização das normas de segurança da informação, proteção e privacidade dos titulares dos dados pessoais, a transparência e a integridade são fundamentais. Dentro dessa perspectiva, a implantação de um sistema de integridade, com a compreensão de governança de dados, compliance e gestão de riscos bem consolidados43 é medida inadiável que inicialmente se propõe e no qual deve prosseguir, de forma consistente e ainda mais específica. Aliado a padrões de boa governança no setor público recomendados por diversos estudos e imposições decorrentes de instrumentos normativos, é certo que as peculiaridades de cada ente 41 SLOMSKI, Valmor. Princípios de governança no contexto do setor público segundo o IFAC. In: SLOMSKI, Valmor; MELLO, Gilmar Ribeiro de; TAVARES Filho, Francisco; MACÊDO, Fabrício de Queiroz. Governança Corporativa e Governança na Gestão Pública. São Paulo: Atlas, 2008. passim. 42 INSTITUTO RUI BARBOSA. Normas Brasileiras de Auditoria do Setor Público (NBASP): nível 3requisitos mandatórios para auditorias do setor público. Curitiba: IRB, 2019. p. 71. 43 NASCIMENTO, Juliana Oliveira. Proteção de Dados, Integridade, Governança e Riscos em Segurança e Privacidade no Brasil. Disponível em: https://dspace.stm.jus.br/bitstream/handle/123456789/135189/ldpsbntbook_ed_02_gov_2019_final.pdf?s equence=1&isAllowed=y Acesso em: 19 out. 2020. FACULDADE EDUVALE | 21 Bruna Toledo Piza Magacho e Melissa Trento público irão demandar adequações e procedimentos sui generis, razão pela qual a perspectiva de grandes transformações é positiva, porém desafiadora ao setor público. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão emblemática que gira em torno das proposições e objetivos da lei e do compliance público relaciona-se com o verdadeiro comprometimento e encorajamento para enfrentar as adversidades na gestão de dados pelo Poder Público. Especula-se muito a respeito da efetividade da LGPD e do compliance. A mera existência de instrumentos normativos garante proteção e segurança dos dados pessoais aos quais estamos vulneráveis? Infelizmente, a realidade aponta no sentido negativo. A simples previsão normativa não implica que os dados pessoais serão protegidos repentinamente ou que impedirá o uso indevido, o compartilhamento ilícito ou até a negociação das informações economicamente valiosas, as quais se tornaram os dados pessoais. A rapidez e a evolução digital globalizada elevaram os dados pessoais a uma verdadeira condição de commodities e com isso, trazem em si riscos inerentes a sua própria natureza. O estabelecimento do compliance e dos preceitos da LGPD são apenas vetores em prol da ética, integridade e proteção dos dados pessoais. A necessidade e urgência vão muito além das normas positivadas; significa envolver e assegurar o comprometimento dos agentes públicos em sua essência. Talvez o âmago da temática possa estar relacionado com a efetiva responsabilização dos controladores e operadores do tratamento de dados. Reconhecer como exitosos os objetivos da lei requer o estabelecimento de parâmetros de efetivo controle e monitoramento no fluxo dos dados. Assim, a identificação e individualização subjetivas no decorrer do tratamento de dados será crucial para os fins sancionatórios, inclusive o do seu efeito pedagógico. É preciso minimizar o risco de conformidades pro forma, usando metodologias efetivas e inteligentes que produzam efeitos concretos. A implementação do compliance de Dados, compreendendo todas as facetas de integridade à proteção e segurança dos dados pessoais possui potencial para o aprimoramento do processo de transformação, embora o efetivo aculturamento seja a grande chave para o novo cenário de governança. 22 | RBPJ – Revista Brasileira de Pesquisas Jurídicas, Avaré, v.2, n.2, maio/ago. 2021 LGPD e compliance na Administração Pública: O Brasil está preparado para um cenário em transformação contínua dando segurança... Assumir riscos e arcar subjetivamente com as consequências legais pode iniciar um processo civilizatório consistente em termos de integridade. Aplicado tal preceito como regra primordial, reduz-se o efeito divergente e antagônico entre a teoria e a prática, o concreto e o abstrato, e decisivamente, o coletivo e o individual. Tal pressuposto transcende esferas e a sua perfeita compreensão, ao transmutar-se a uma condição de premissa inegociável diante de qualquer ato que macule a proteção, segurança e privacidade dos dados pessoais certamente trará benefícios coletivos extraordinários. REFERÊNCIAS BRASIL. Casa Civil da Presidência da República. Guia da política de governança pública. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 2018. BRASIL. Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9203.htm Acesso em: 24 out. 2020. CAVALARI, Ana Paula França. O compliance digital como tecnologia de gestão. In: OLIVEIRA, Claudia Sobreiro de; OLIVEIRA, Fabiana. (Coords.). Elas na advocacia. Porto Alegre: OAB/RS, 2020. CAVOUKIAN, Ann. 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Revista Brasileira de Pesquisa Jurídica, Avaré, v.2, n.2, p. 07-26, maio/ago. 2021. doi: 10.51284/rbpj.02.trento ______________________ DOTTA, Alexandre Godoy; LOPES, Andréa Roloff Responsabilidade social das instituições de educação superior: pespectivas de novos marcos frente ao mundo globalizado In: Actas Del II Congreso Internacional Ciencias, Tecnologías Y Culturas. Diálogo entre las Disciplinas del Conocimiento. hacia el Futuro de America Latina y el Caribe, 2010, Santiago de Chile. Diálogo entre las diciplnas del conocimiento. Santiago de Chile: Universidad de Santiago de Chile, 2010. v.1. p.222-264. DOTTA, Alexandre Godoy; LOPES, Andréa Roloff; Responsabilidade Social e Avaliação da Qualidade das Instituições de Educação Superior In: Responsabilidad Social de las Organizaciones: perspectivas de nuevos marcos institucionales en América Latina. Buenos Aires: Ediciones Cooperativas de Buenos Aires, 2011, v.1, p. 220-228. 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RESUMEN El artículo tiene como objetivo presentar la relación entre el cumplimiento en el sector público y la Ley General de Protección de Datos (LGPD). Destaca formalmente el texto de la ley. Presentar un capítulo exclusivo dirigido al sector público y, como resultado, muchos consideran que dicha inclusión fue un hito en la historia de la Administración Pública en Brasil. La importancia del hecho se justifica ya que debe resultar en acciones efectivas para evitar el mal uso de los datos recolectados, situación que nunca fue determinada por una regla con tanto rigor y alto nivel de detalle. En este sentido, buscamos presentar respuestas a las siguientes preguntas: ¿La existencia de instrumentos normativos garantiza efectivamente la protección de los datos de los ciudadanos? ¿Es suficiente garantizar la protección contra el uso indebido de la información en el contexto de la gobernanza pública? ¿Existe una mejor manera de hacerlo con miras a hacer que la LGPD sea efectiva en el sector público? Al final señala la necesidad de incluir el uso y tratamiento seguro de los datos personales. Atribuye la propiedad de los datos a la persona que se refiere a ellos e instituye normas para el uso de los datos, con el objetivo de proteger a estas personas y sus derechos fundamentales. Concluye refiriéndose a principios generales de conducta que deben apoyar la gestión para minimizar el riesgo de conformidades y, por tanto, pueden tener efectos concretos en la protección y seguridad de los datos personales. PALABRAS CLAVE: Ley General de Protección de Datos. Compliance. Administracion Publica. Cambios culturales. Referencias DOTTA, Alexandre Godoy; CUNHA FILHO, Valter Fernandes da;A Qualidade do Ensino Jurídico no Brasil: O processo de avaliação ENADE, Exame de Ordem e o Selo OAB Recomenda. CADERNOS DA ESCOLA DE DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNIBRASIL. v.1, p.107 - 111, 2014. [http://revistas.unibrasil.com.br/cadernosdireito/index.php/direito/article/view/473] DOTTA, Alexandre Godoy. Os Indicadores de desenvolvimento do Serviço Público de Educação Superior no Brasil In: XXX Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, 2016, Natal. A regeneração da Administração Pública Brasileira. Curitiba: Íthala, 2017. p.231 - 231 DOTTA, Alexandre Godoy; GABARDO, Emerson; A Avaliação da Qualidade da Educação como Estratégia de Promoção do Desenvolvimento In: I Seminário Ítalo-Brasileiro em Inovações Regulatórias em Direitos fundamentais, Desenvolvimento e Sustentabilidade, 2011. 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