TCC Mariana 1 (1)

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UNIVERSIDADE DE RIO VERDE (UniRV)
FACULDADE DE DIREITO
MARIANA ALVES FURQUIM
ALTERAÇÃO DE NOME E GÊNERO NO REGISTRO CIVIL DE
TRANSEXUAIS
RIO VERDE, GO
2017
MARIANA ALVES FURQUIM
ALTERAÇÃO DE NOME E GÊNERO NO REGISTRO CIVIL DE TRANSEXUAIS
Monografia apresentada à Banca Examinadora do
curso de Direito da Universidade de Rio Verde
(UniRV) como exigência parcial para obtenção do
título de bacharel em Direito.
Orientadora: Prof. Esp. Valéria Cristina Garcia
Cabral.
RIO VERDE, GO
2017
Ficha Catalográfica
FURQUIM, Mariana Alves
Alteração de nome e gênero no registro civil de transexuais.
Rio Verde/GO. 2017.
35 f.:il: 18 cm
Monografia (Graduação) apresentada à Universidade de Rio
Verde – (UniRV). Faculdade de Direito, 2017.
Orientador: Prof. Esp. Valéria Cristina Garcia Cabral
1. Nome. 2. Gênero. 3. Registro Civil. 4. Transexual.
Bibliotecária responsável:
MARIANA ALVES FURQUIM
ALTERAÇÃO DE NOME E GÊNERO NO REGISTRO CIVIL DE TRANSEXUAIS
MONOGRAFIA APRESENTADA À BANCA EXAMINADORA DO CURSO DE DIREITO DA
UNIVERSIDADE DE RIO VERDE (UniRV) COMO EXIGÊNCIA PARCIAL PARA A
OBTENÇÃO DO TÍTULO DE BACHAREL EM DIREITO.
Rio Verde, GO.........de ....................de 2017
BANCA EXAMINADORA
..............................................................................................
Prof. Esp. Valéria Cristina Garcia Cabral
Universidade de Rio Verde (UniRV)
..............................................................................................
Prof. (membro 1)
Universidade de Rio Verde (UniRV)
..............................................................................................
Prof. (membro 2)
Universidade de Rio Verde (UniRV)
Aos meus pais, Edivaldo e Cecilia, a minha
irmã, aos meus verdadeiros amigos que
me incentivaram para que eu chegasse ao fim
de mais uma caminhada.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Edivaldo e Cecilia que a quem devo agradecer pela pessoa que sou. A
educação que me foi dada, por estarem sempre me acompanhando, apoiando e torcendo por
minha vitória.
A minha irmã Jéssica, minha companheira, que sempre me incentivou a seguir meus
objetivos.
A minha orientadora pela ajuda e compreensão nas horas difíceis.
Aos amigos e colegas que conquistei durante a faculdade, pessoas que espero levar
comigo para o resto da minha vida.
Enfim, agradeço a todos que de alguma forma contribuíram para a realização desta
conquista.
RESUMO
Os direitos de personalidade são essenciais para a proteção dos indivíduos. Dentre eles, o
direito ao nome e o direito ao próprio corpo assumem papel determinante na constituição da
identidade do ser humano e em sua autodeterminação. O transexual é um indivíduo
inconformado com seu gênero biológico e possui reconhecimento pela identidade de gênero
oposto ao seu. No que tange os transexuais, a garantia do livre exercício ao nome é ainda mais
relevante. Cada vez mais, os transexuais buscam o judiciário para alterar seu e nome e gênero
no registro civil, contudo não há uma lei específica que permite tal alteração, o que ocasiona
diferentes entendimentos jurisprudenciais. O estudo foi realizado a partir de revisão
bibliográfica e análise jurisprudencial existente sobre o tema. Considera-se relevante a
realização do presente estudo, pois para que os transexuais tenham seus direitos resguardados
deve-se levar em conta o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é essencial na
defesa da possibilidade de alteração do registro civil do transexual, previsto na Constituição
Federal.
Palavras-chave: Nome. Gênero. Registro Civil. Transexual.
ABSTRACT
Personality rights are essential for the protection of the individual. Among them, the right to a
name and the right to own body play a determining role in the constitution of the identity of
human being and in its self-determination. The transsexual is an individual who is unhappy to
his / her biological gender and recognizes itself by a gender identity that is opposed to his
condition. In the theme of the transgender people, the guarantee to free exercise of the right to
the name is even more relevant. Increasingly, transsexuals seek the judiciary to change his
name and gender in the civil registry, although there is no specific law allowing this change,
which results in different jurisprudence agreements. The study was based on bibliographical
review and jurisprudential analysis on the subject. It is considered relevant to carry out this
study, because in order for transsexuals to have their rights protected, the principle of the
dignity of the human person must be taken into account, which is essential in defending the
possibility of changing the civil registry of the transsexual in the Federal Constitution.
Keywords: Name. Gender. Civil Registry. Transsexual.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS................................................................................. 10
1.1 PRINCÍPIO DA ISONOMIA ......................................................................................... 11
1.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ............................................. 13
1.3 PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE ............................................................................ 15
2 NOME ................................................................................................................................... 17
2.1 DIREITO FUNDAMENTAL AO NOME ..................................................................... 18
2.2 DIREITO FUNDAMENTAL AO CORPO .................................................................... 20
2.3 HIPÓTESES DE ALTERAÇAO DO NOME.................................................................21
3 TRANSEXUALIDADE ....................................................................................................... 26
3.1 CONCEITO .................................................................................................................... 26
3.2 DIFERENÇA DO TRANSEXUAL E DA ORIENTAÇÃO SEXUAL.......................... 28
3.2.1 Homossexuais........................................................................................................... 28
3.2.2 Bissexuais ................................................................................................................. 28
3.2.3 Travestis ................................................................................................................... 29
3.3 CIRURGIA DE ADEQUAÇÃO SEXUAL .................................................................... 29
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 32
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 33
9
INTRODUÇÃO
O nome pode ser considerado como uma das maiores expressões dos direitos da
personalidade, e está constitucionalmente protegido como direito fundamental. Encarrega-se
de exprimir a inviolabilidade inerente, a intimidade, a vida privada, a honra e imagem dos
indivíduos, posto que enseje a noção de autopercepção de cada indivíduo.
A desarmonia entre a percepção nominal e a pessoa, a quem lhe foi conferido, propicia
diversos impasses sociais e individuais. Tais episódios são constantemente vivenciados pelos
transexuais, enfrentam batalhas diárias para alcançar o reconhecimento e o amparo das
instituições estatais em razão da sua identidade e gênero.
No Brasil há um grande número de transexuais que procuram o Poder Judiciário para
adequar o nome a sua condição sexual. O ordenamento jurídico brasileiro não possui uma lei
que regularize, especificamente, os direitos inerentes aos transexuais.
Deste modo os transexuais se deparam com as divergências doutrinárias e
jurisprudenciais quando pretendem alterar seu nome e gênero no registro civil, pois cabe ao
aplicador do direito utilizar-se destes meios para tomar e fundamentar sua decisão, ficando a
mercê das discordâncias jurídicas.
O presente estudo procurará explorar a possibilidade dos transexuais conseguirem
realizar as alterações dos seus nomes e dos sexos nos registros civis. De início serão
apresentados os princípios constitucionais, sendo eles: princípio da isonomia, da dignidade da
pessoa humana e da razoabilidade, aos quais são aplicados aos casos concretos, em razão de
inexistirem na legislação específica. Em seguida aborda-se o direito ao nome, sua importância
e proteção legal, assim como, as hipóteses legais de alteração. Por fim, trata-se sobre a
transexualidade, destacando seu conceito e características, fazendo-se distinção do transexual
das demais orientações sexuais existentes: homossexuais, bissexuais e travestis. Na
oportunidade, também será abordado sobre a cirurgia de adequação sexual.
No decorrer deste se elucidará a relação entre a possibilidade de o transexual alterar
seu registro civil e a sua realização pessoal no que diz respeito a sua identidade e corpo.
10
1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Os princípios são os alicerces do ordenamento jurídico, eles direcionam a
interpretação e aplicação das normas jurídicas, sendo também uma forma de delimitação da
vontade subjetiva dos juristas.
Segundo Delgado (2008, p.184), os princípios são “as proposições fundamentais que
se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que
depois de formadas, direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade”.
Miguel Reale (2003) expõe o seguinte pensamento:
Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e
orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração
ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de
um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou
por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de
caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da
pesquisa e da práxis (REALE, 2003, p. 37).
É notável a importância dos princípios, pois estes são o suporte de todo o ordenamento
jurídico, sobretudo da Constituição. São considerados como elementos fundamentais do
sistema normativo. Deste modo, são os princípios que dão parâmetros as demais normas do
sistema legal.
Ensina Figueiredo (2001, p. 38), princípios são “normas gerais, abstratas, não
necessariamente positivadas expressamente, porém às quais todo ordenamento jurídico, que
se construa, com a finalidade de ser um Estado Democrático de Direito, em sentido material
deve respeito”.
Os princípios constitucionais são soberanos e percursores do nosso sistema normativo
apoiando as garantias e os direitos fundamentais expressos na Constituição Federal, eles
propiciam a coesão do sistema jurídico.
Assim elucida Barroso (1999) acerca dos princípios constitucionais:
Os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como
fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A
atividade de interpretação da constituição deve começar pela identificação
do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais
genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que
vai reger a espécie [...] Em toda ordem jurídica existem valores superiores e
diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes. Os princípios
11
constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem
jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e
os caminhos a serem percorridos (BARROSO, 1999, p. 1499).
Percebe-se que embora não estejam escritos, os princípios exercem a função de
instruir o legislador e outros agentes, dando apoio ao direito e conduzindo a criação e
integração de normas, jurídicas, amparados pelo ideal de justiça.
1.1 PRINCÍPIO DA ISONOMIA
O princípio da isonomia, também denominado de princípio da igualdade, é o esteio de
sustentação de todo estado democrático de direito, tal princípio aponta tratamento justo entre
os cidadãos, sendo que deve ser aplicado em amplo sentido, visto que, só haverá igualdade
quando houver tratamento igual entre iguais.
Por se tratar de um direito fundamental, o princípio da isonomia está previsto no artigo
5°, caput da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade [...] (BRASIL, 1988).
Silva (2006) elucida que igualdade constitucional é uma maneira digna de se viver em
sociedade, afirmando que tal princípio é à base de sustentação e norteador da interpretação
das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental.
A isonomia é uma igualdade formal que pode ser entendida como o tratamento justo
conferido pela lei aos indivíduos, sendo também uma norma autoaplicável, que é aquela que
não depende de regulamentação por outras normas, é de imediata aplicação, estando vedado
que os legisladores criem ou editem leis que a violem, aplicando-se a lei em todos os casos
concretos. O intérprete e a autoridade política não podem aplicar leis e atos normativos aos
casos concretos de forma a criar ou ampliar desigualdades. O particular não pode basear
suas condutas em atos discriminatórios, preconceituosos, racistas ou sexistas.
Para Ferreira (1983) a isonomia, deve ser entendida como igualdade diante da lei
vigente e da lei a ser elaborada, interpretando-a como um impedimento à legislação de
promover privilégios de classes, como igualdade diante dos administradores e dos juízes.
12
O princípio da isonomia pressupõe que pessoas colocadas em situações distintas sejam
tratadas de forma desigual. Conforme aponta Nery Júnior (1999, p. 42) “Dar tratamento
isonômico as partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na
exata medida de suas desigualdades”.
A isonomia não tem o propósito de acabar com todas as desigualdades existentes entre
as pessoas, ela busca identificar ocasionais diferenças havidas nas mesmas características e
conceder tratamentos diferenciados de modo geral e impessoal. Enquanto princípio, a
isonomia limita a atuação das autoridades públicas e dos particulares, posto que, impedem
taxativamente a prática de atos discriminatórios ou preconceituosos vindo a ocasionar a
responsabilização do agente que os praticou.
Moraes expõe o seguinte entendimento acerca da isonomia:
O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos
distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na
edição, respectivamente de leis, atos normativos e medidas provisórias,
impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a
pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na
obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a
lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de
diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou
políticas, raça, classe social (MORAES, 2006. p. 32).
Ao criar as leis, o legislador ambiciona a redução dos conflitos sociais, almejando
tutelar as pessoas de forma a dissipar as desigualdades ou pelo menos minimizá-las. Mello
(2008, p. 10) entende da seguinte maneira “[...] o alcance do princípio não se restringe a
nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em
desconformidade com a isonomia”.
Na interpretação desse princípio deve ser considerada a existência de desigualdades,
de um ângulo e de outro, as injustiças causadas por tal circunstância, para assim, existir a
possibilidade de termos uma igualdade plena. A isonomia deve achar-se perante a lei, perante
todo o Direito, perante a justiça, perante os propósitos sociais e políticos, ocasionando
oportunidades do ser humano obter condições íntegras de vida.
A prática de atos discriminatórios em virtude da raça, da classe e do gênero ofende não
só a Constituição diante de seu princípio da isonomia, mas também denigre a essência do
próprio ser humano, se opondo ao Estado democrático brasileiro.
13
1.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana é legitimado pela Constituição Federal de
1988, em seu artigo 1º, inciso III, assim sendo um dos elementos do Estado Democrático de
Direito demonstrando a relevância que tal princípio detém em nosso ordenamento jurídico
atual.
De acordo com Bastos e Martins (2004) a inserção do princípio da dignidade da
pessoa humana sob o prisma da Constituição Federal, indica que é um dos fins do Estado
propiciar as condições para que as pessoas se tornem dignas.
Acerca do princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal dispõe
Cavalieri Filho:
Entre os superiores princípios (valores) consagrados na Constituição de
1988, merece especial destaque o da dignidade da pessoa humana, colocado
como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III).
Temos hoje o que podemos chamar de direito subjetivo constitucional à
dignidade. Ao assim fazer, a Constituição colocou o homem no vértice do
ordenamento jurídico da Nação, fez dele a primeira e decisiva realidade,
transformando os seus direitos no fio condutor de todos os ramos jurídicos.
Isso é valor (CAVALIERI FILHO, 2004. p. 61).
Enquanto princípio a dignidade da pessoa humana determina que ninguém poderá
trespassar os direitos do homem, competindo ao Estado a proteção desses direitos e a garantia
do exercício das liberdades individuais.
Deste modo dispõe Moraes:
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à
pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por
parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que
todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente
possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas
sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas
enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à
imagem, entre outros, aparece como consequência imediata da consagração
da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa
do Brasil (MORAES, 2003, p. 129).
Da mesma forma, aduz Silva:
Correlacionados assim os conceitos, vê-se que a dignidade é atributo
intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um
valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição
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equivalente. Assim a dignidade entranha-se e se confunde com a própria
natureza do ser humano (SILVA, 2007, p. 146).
No mesmo sentido Roxana Borges salienta da seguinte maneira sobre a autonomia do
princípio em questão:
A dignidade da pessoa humana não depende de estado nem de outros
qualificativos jurídicos, não nasce de um contrato nem de declaração de
vontade, não está ligada aos papéis ou atividades que a pessoa desempenha,
não tem relação com a capacidade. […] a dignidade da pessoa humana
independe, inclusive, do nascer com vida, pois o nascituro, mesmo sem
ainda ter nascido, possui a qualidade de humano (BORGES, 2005, p. 16).
O princípio da dignidade da pessoa humana figura em todas as ramificações do
Direito, e está intimamente relacionado aos direitos fundamentais que permitem as pessoas o
exercício dos direitos que lhes são inerentes pelo simples fato de serem seres humanos. Este
princípio em tempo algum pode ser colocado em segundo plano, pois o propósito de proteção
à dignidade concerne a qualquer ser humano, independentemente da idade, sexo, origem, cor,
condição social.
A dignidade humana não reside somente na garantia de que a pessoa não será alvo de
ofensas ou discriminações, bem como insere a prerrogativa do pleno desenvolvimento da
personalidade de cada indivíduo. Esse princípio presume o desenvolvimento sem
interferências ou impedimentos externos, das ações próprias de cada homem.
Segundo o entendimento de Barroso (2001), a dignidade da pessoa humana reflete a
superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade
de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar.
O princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio básico, que proporciona a
todos os indivíduos, indistintamente, o absoluto gozo dos direitos fundamentais, fixando
limitações ao poder estatal em todo seu âmbito, protegendo o ser humano, na elaboração e
aplicação das normas, bem como dos possíveis abusos do Estado que possam violar sua
dignidade.
O princípio da dignidade da pessoa humana cumpre um papel significativo na
estrutura constitucional, visto que é fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais, e,
assim, medida que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais.
O presente princípio abrange uma posição privilegiada no meio jurídico sua
relativização só será admitida em casos específicos, nos quais a dignidade humana se
15
contradiga a algum outro princípio constitucional também de grande relevância. Assim sendo,
nas demais eventualidades o princípio da dignidade da pessoa humana irá preponderar por ser
uma norma garantidora de existência digna aos seres humanos, cuja aplicação é irrefutável.
1.3 PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
A razoabilidade é considerada um componente norteador da administração, que
direciona o agente da administração à atuação que melhor atenda o propósito da lei e aos
interesses públicos considerando-se a conveniência e a oportunidade. A administração, ao
atuar seu poder de discricionariedade, terá que obedecer a critérios aceitáveis do ponto de
vista racional, em harmonia com o que é considerado o senso comum da sociedade.
Quanto ao instituto da razoabilidade elucida Di Pietro:
O princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige proporcionalidade
entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que
alcançar. E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios
pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em
que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do
caso concreto (DI PIETRO, 2001, p. 80).
O princípio da razoabilidade instaura a coesão do sistema jurídico. A falta de
coerência ou racionalidade de alguma lei, ato administrativo ou decisão jurisdicional ocasiona
vício de legalidade, uma vez que o Direito é feito por seres racionais, para ser aplicado em um
determinado local e em determinada época.
Além de analisar a coerência dos atos jurídicos a razoabilidade se atenta a verificar se
esses atos foram ou não editados em observância a todos os princípios e normas que
compõem o ordenamento jurídico a que pertencem, ou seja, apurar se tais atos respeitam o
esquema de prioridades adotado pelo nosso sistema jurídico.
A Constituição Federal de 1988, não traz de forma expressa, o princípio da
razoabilidade. Contudo, é possível encontrá-lo implicitamente no artigo 5º, LV, no qual está
garantido o devido processo legal.
Cademartori esclarece que a relação entre a razoabilidade e o devido processo legal
obedeceu duas etapas, formal e substantiva:
Em termos históricos, a trajetória de consolidação do princípio do devido
processo legal como princípio conexo ao da razoabilidade observou duas
etapas. A primeira enfatizou o caráter estritamente formal e processual
16
(procedural processo) do Direito. Numa segunda etapa, produto de um
avanço paulatino, o devido processo legal assumiu um caráter substantivo
(substantive due process) onde passou a ser avaliada, também, a
razoabilidade e racionalidade das normas, num processo de análise baseado
na verificação de compatibilidade entre o respeito pelas liberdades
individuais, de um lado, e, por outro, as exigências sócio-políticas que
moldam os valores constitucionais do Estado (CADEMARTORI, 2006, p.
116).
Em suma, o princípio da razoabilidade é passível de ser usado em dois momentos
distintos: na estática do Direito, para a compreensão do sistema jurídico; e na dinâmica do
Direito, ou seja, indicando quando deverá ser aplicado, para assegurar que a representação
constitucional
do
Estado
Social
e
Democrático
de
Direito
esteja
devidamente
consubstanciado.
O princípio da razoabilidade é um importante dispositivo de proteção dos direitos
fundamentais e do interesse público, pois oportuniza o controle da discricionariedade dos atos
do Poder Público e indica como uma norma deve ser interpretada no caso concreto para a
aplicação de uma medida justa.
17
2 NOME
O nome é de grande importância para identificação dos seres humanos, ele
individualiza e correlaciona às pessoas em seu meio familiar e social, perdurando durante toda
a vida bem como após a morte, dado que nossos feitos persistem além da vivência física, e
estarão sempre ligados a nós, através deste símbolo de identificação e individuação, assim
sendo, o nome nos propaga no tempo.
Segundo o entendimento de Venosa (2013) o nome pode ser visto como marca
distintiva na sociedade, sendo algo que nos rotula no meio em que vivemos, até a morte.
O nome é mais que simplesmente palavra escrita ou falada, ele está voltado a
representar aquilo que somos e como nos sentimos perante a sociedade, externando o que se
passa dentro de cada um de nós. Segundo o entendimento de Diniz (2005) o nome integra a
personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a
pessoa no seio da família e da sociedade.
Para Ulhoa (2012, p. 428) “O nome é a identificação da pessoa natural. É o principal
elemento de individualização de homens e mulheres. Tem importância não apenas jurídica,
mas principalmente psicológica: é a base para a construção da personalidade”.
Pode-se dizer que o nome tem duas finalidades básicas: individualizadora e
identificadora, a primeira advém da necessidade de diferenciar os indivíduos que integram a
sociedade, a segunda é consequência de um preceito investigativo, pois na medida em que
relações sociais e econômicas se constituem é necessário ter algo que identifique os
indivíduos da relação para fins de direitos e obrigações.
Conforme Venosa (2013, p. 196) “Pelo lado do Direito Público, o Estado encontra no
nome fator de estabilidade e segurança para identificar as pessoas; pelo lado do Direito
privado, o nome é essencial para o exercício regular dos direitos e do cumprimento das
obrigações”.
O nome é um direito conferido pelo costume, lei, jurisprudência e doutrina, ele é um
direito inerente à pessoa humana e constitui, portanto, um direito da personalidade.
Nos dizeres de Amorim:
A melhor doutrina atribui ao nome à natureza jurídica de direito de
personalidade, na medida em que, como sinal verbal ou mesmo marca
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do indivíduo, o identifica dentro da sociedade e da própria família e é capaz
de ser tutelado erga omnes. A lei assegura o direito ao nome, assim como
seu registro em local adequado, obedecidas as formalidades, criando a
particularização da pessoa, no mundo jurídico. Ele faz, pois, parte integrante
da personalidade (AMORIM, 2003, p. 8).
Por ser um atributo da personalidade, o nome deve resguardar a identidade da pessoa,
com o atributo da não patrimonialidade. Enquanto direito da personalidade, o nome guarda
suas
principais
características:
obrigatoriedade,
indisponibilidade,
exclusividade,
imprescritibilidade, inalienabilidade, intransmissibilidade, irrenunciabilidade e imutabilidade,
ressalvadas algumas exceções.
A obrigatoriedade refere-se à obrigação de se ter um nome e registrá-lo perante o
Cartório de Registro Civil. Também se entende como a obrigação de utilizar o nome sem
alcunhas. A indisponibilidade versa sobre a incapacidade de dispor do nome sendo que uma
vez registrado um indivíduo, não poderá dele se dispor. A exclusividade se apoia no
fundamento do nome pertencer a uma única pessoa, é visível há a existência de homônimos,
de maneira que a exclusividade é relativizada.
A imprescritibilidade concerne ao fato que o titular do direito da personalidade em
tempo algum perder o direito ao nome por ação ou inação. A inalienabilidade compreende que
o nome da pessoa física não pode trocado por dinheiro, tampouco por qualquer outro meio.
Outra característica do nome é a intransmissibilidade, ele não pode ser transferido,
visto que, por ser um direito da personalidade depreende do ideal de inerência ao ser humano.
A irrenunciabilidade aduz que o titular do nome não pode se opor a ele, em razão do
entendimento de que os direitos da personalidade são indisponíveis.
A imutabilidade é outra característica do nome, sendo que esta é relativa, haja vista as
exceções da própria legislação, podendo ser encontradas no Código Civil e na Lei de
Registros Públicos.
2.1 DIREITO FUNDAMENTAL AO NOME
O direito ao nome é considerado como direito público subjetivo, que existe para coibir
a influência do Estado aos direitos da personalidade. Pode-se compreender que o direito ao
nome é considerado o mais importante direito que uma pessoa natural adquire, ao receber um
nome ela passa a existir diante o meio social.
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Como consequência natural, entende-se que todo ser humano precisa ser reconhecido
enquanto tal e, assim sendo, tem o direito a ter um nome, enquanto designação que
proporcione o seu reconhecimento social e o permita, na medida em que estiver inserido nos
diversos âmbitos da sociedade, torná-lo capaz de ser titular de direitos e deveres nesta ordem
social.
O direito ao nome é um dos direitos da personalidade e está descrito no artigo 16 do
Código Civil de 2002, o qual expõe que: “Toda pessoa tem direito ao nome, nele
compreendidos o prenome e o sobrenome”. O objeto de proteção não é exatamente o nome,
mas o indivíduo e sua dignidade, que seriam através do nome atingidas.
A Lei nº 6.015/1973 em seu artigo 54, parágrafo 4º, versa sobre o caráter obrigatório
do nome dispondo que é obrigatório o registro de nascimento o nome e prenome que foi dado
a criança. O registro civil é também um direito assegurado no Estatuto da Criança e do
Adolescente, previsto no artigo 10, inciso IV, instituindo que hospitais e estabelecimentos de
atenção à saúde devem “fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as
intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato”.
No Brasil o direito ao nome se contrai antes do registro, mesmo sendo um direito
obrigatório à pessoa que não for devidamente registrada. Mesmo assim, esta será identificada
por algum nome no lugar em que vive.
Destarte, o nome mostra-se como o componente individual em que se compreende a
essência íntima de um ser humano. E se por um lado, o nome é o que antecipa, precede e
aparece anunciando cada indivíduo, é a primeira impressão, é o que identifica, individualiza e
torna conhecido aquele ser humano, por outro, o nome civil apresenta-se como o elemento
basilar a habilitar a pessoa humana como titular de direitos e também de deveres na ordem
social e por consequência na ordem jurídica.
É notório que o nome é de suma importância para a formação da identidade pessoal,
isto nos permite dizer que ao ser individualizado por um nome, a pessoa deve se sentir
confortável e a nomenclatura precisa retratar a maneira como a pessoa se vê e como ela é vista
pela sociedade.
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2.2 DIREITO FUNDAMENTAL AO CORPO
Em meio aos direitos da personalidade está o direito ao corpo, nele compreendidos os
tecidos, órgãos e partes separáveis, igualmente a proteção ao cadáver. O corpo é inerente à
pessoa que nasce e representa sua forma física. Assim como o nome, o corpo também tem
uma função social fundamental na formação da identidade do indivíduo.
Acerca do referido tema assim dispõe Gonçalves:
O direito à integridade física compreende a proteção jurídica à vida, ao
próprio corpo vivo ou morto, quer na sua totalidade, quer em relação a
tecidos, órgãos e partes suscetíveis de separação e individualização, quer
ainda ao direito de alguém submeter-se ou não a exame e tratamento médico
(GONÇALVES, 2012, p. 185).
No mesmo diapasão Barboza aduz que:
O corpo juridificado, politizado, medicalizado, torna-se cada vez mais
expressão da individualidade, em todas as suas manifestações culturais,
religiosas, políticas, sentimentais, enfim de uma diversidade de aspectos que
em seu conjunto constroem a identidade de cada ser humano. No corpo se
inscrevem o pensar, o sentir e as diferenças sexuais, confirmadas e
traduzidas nos papéis de gênero, signos que distinguem o indivíduo dos
demais (BARBOZA, 2013, p. 9).
O ordenamento jurídico restringe a prática de atos que comprometam o bem maior que
é o direito à vida. Isto acontece basicamente por meio dos bons costumes e da lei, procurando
regulamentar os limites possíveis de disposição do corpo humano.
A proteção ao corpo está previsto no artigo 13 do Código Civil de 2002, o qual dispõe:
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio
corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou
contrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será
admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial
(BRASIL, 2002).
Segundo a concepção de Pereira:
No conceito de proteção de integridade física, inscreve-se o direito ao corpo,
no que se configura a disposição de suas partes, em vida ou para depois da
morte, para finalidades cientificas ou humanitárias, subordinado, contudo a
preservação da própria vida ou de sua integridade (PEREIRA, 2016, p. 212).
Em uma leitura literal do conteúdo constante no artigo 13 do Código Civil de 2002,
poderia se dizer que é vedado à realização de cirurgias de natureza estética, até mesmo
21
aplicações de piercings e tatuagens no corpo humano. No entanto percebe-se que o objetivo
do legislador ao editar a lei era proibir atos de violência contra o próprio corpo.
Para Lisboa (2010, p. 221) o “titular do direito ao corpo pode dele se utilizar conforme
lhe aprouver, vedando-se o uso atentatório à vida ou à saúde física ou mental, pois estes
últimos são valores mais significativos”.
Ainda abordando o tema da disposição do corpo humano, em relação à
transexualidade, o artigo 13 do Código Civil de 2002, já foi usado para impedir a disposição
dos transexuais ao seu próprio corpo afastando assim a formação de sua identidade e
dignidade, quando se proibia possibilidade de realização de cirurgia para adequação sexual.
Atualmente a transexualidade ainda está elencada no rol de doenças psíquicas, em razão disto,
é admitida a realização da cirurgia sob a justificativa da recomendação médica, assim
retirando também a alegação de contrariar os bons costumes.
O importante é que cada pessoa tem autonomia para determinar o caminho que deseja
acerca da disposição do seu próprio corpo, sem olvidar que a vida humana guarda especial
proteção constitucional. Embora a pessoa não possa fazer com o seu corpo o que bem
entende, ela tem liberdade para dele dispor, contanto que isto não provoque ofensa ao direito à
vida ou atinja os direitos de terceiros.
2.3 HIPÓTESES DE ALTERAÇÃO DO NOME
A imutabilidade do nome é relativa, podendo ser afastada apenas em casos de
necessidade comprovada, não apenas por não agradar o seu portador. A Lei nº 6.015/1973
prevê que para qualquer alteração no Registro Civil, é preciso autorização judicial.
Na Lei de Registros Públicos está descrito no Parágrafo único do art. 55 o dever de
cuidado conferido aos oficiais dos registros públicos quando levarem ao conhecimento do
juiz, casos em que a escolha do nome possa ridicularizar a pessoa que será registrada.
Art.55 [...] Parágrafo único. Os oficiais do registro civil não registrarão
prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os
pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito
o caso, independente da cobrança de qualquer emolumento, à decisão do juiz
competente (BRASIL, 1973).
O termo “ridículo” pode ser conceituado como digno de riso, merecedor de escárnio e
zombaria, por isso a escolha do nome deve ser baseada no bom senso.
22
Assim elucida Venosa sobre o assunto:
A própria lei prevê os casos de substituição do prenome. Não só o prenome
pode ser ridículo, como também, a própria combinação de todo o nome.
Nesse caso, entendemos que o dever de recusa do oficial persiste. Em caso
de levantamento de dúvidas pelo serventuário, deve o juiz impedir o registro
de nomes que exponham seus portadores ao riso, ao ridículo e à chacota da
sociedade (VENOSA, 2013, pg. 220).
Quando o oficial não se opuser e posteriormente a pessoa quiser modificar o nome por
entender que ele é ridículo, estará amparada pelo artigo 56 da Lei dos Registros Públicos a
qual permite que o interessado “no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá,
pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os
apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa”.
A mudança do nome por erro de grafia, também é permitida, sendo considerada como
regra geral. Conforme o entendimento de Venosa (2013), quando houver falha ortográfica no
nome, pode se pedir sua retificação a qualquer momento, mas os fundamentos são os do
parágrafo único do art. 58.
O registro civil poderá sofrer alteração quando houver algum equívoco evidente
quanto ao: gênero, a data de nascimento, ser gêmeo, nome e prenome da criança, bem como
dos pais, avós maternos, paternos e testemunhas. Qualquer equívoco existente no Registro
Civil deve ser alterado para substituir-se por dados adequados.
As pessoas transexuais vivem permanentemente em conflito com a sua identidade de
gênero e com o nome constante no registro civil. Neste caso, ao invés de cumprir a função
identificadora, o nome cria certo embaraço a qualquer terceira pessoa que não saiba a maneira
como deve chamar o transexual, sendo muito mais embaraçoso para esta, que se expõe
cotidianamente a tais situações vexatórias.
A possibilidade de o transexual que realizou ou não cirurgia de adequação alterar seu
nome e sexo no registro civil não está prevista em lei, cabendo aos juízes fundamentar suas
decisões em correntes doutrinarias e jurisprudências.
Em razão de não existir uma lei uniforme, observa-se a ocorrência de decisões
divergentes, sendo que em alguns casos ocorre a mudança do nome, entretanto no registro
permanece o gênero originário, constantemente pelo fato de o transexual não ter realizado a
cirurgia de adequação.
23
Muitas vezes o desejo de uma pessoa assumir uma nova identidade de gênero surge na
primeira infância, momento em que ela começa a se identificar com o sexo oposto,
apresentando, assim os primeiros sinais de transexualidade.
A cirurgia de adequação como prerrogativa para alterar o gênero no registro civil, não
se faz coerente, pois, para o indivíduo que se submete a ela, há somente uma adequação do
órgão genital com o gênero que ela previamente se identificava e se apresentava.
Portanto, é desnecessário vincular a alteração no registro civil com a cirurgia de
adequação, pois um transexual pode se sentir satisfeito com seus órgãos genitais biológicos, e
optar por não realizar a cirurgia.
Para um transexual, o nome é elemento fundamental para configurar sua identidade,
sendo que a grande maioria dos transexuais adota o nome social que condiz com sua
aparência física. No ano de 2016 foi publicado o Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016 que
permite transexuais e travestis usarem seu nome social em todos os órgãos públicos,
autarquias e empresas estatais federais.
Conforme o Decreto nº 8.727 art. 1º:
Art. 1o Este Decreto dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento
da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da
administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Parágrafo
único.
Para os fins deste Decreto, considera-se:
I - nome social - designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se
identifica e é socialmente reconhecida; e
II - identidade de gênero - dimensão da identidade de uma pessoa que diz
respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade
e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar
relação necessária com o sexo atribuído no nascimento (BRASIL, 2016).
Dar a possibilidade ao transexual modificar o seu nome é fundamental uma vez que
haveria coerência entre o nome e a maneira física que ele apresenta, contudo a alteração do
gênero no registro civil ainda encontra divergências. O gênero não deve ser visto como algo
imutável e sim como elemento constituinte da identidade do transexual.
Como não está previsto no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de alteração
do gênero no registro civil, os juízes que se deparam com tal situação, baseiam suas decisões
em doutrinas e jurisprudências, por tal razão existem desacordos entre as decisões proferidas.
24
É comum encontrar julgados que admitem a mudança do nome, entretanto não
admitindo a mudança de gênero no registro em virtude de o transexual não ter realizado a
cirurgia de adequação sexual:
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - Pedido de alteração de nome e
sexo - Possibilidade apenas em relação ao nome - Pessoa que apesar de não
submetida à cirurgia de transgenitalização, se apresenta na sociedade como
do sexo feminino - Nome masculino que lhe acarreta constrangimentos e
aborrecimentos - Admitida a alteração do nome, negada a alteração para
constar ser do sexo oposto - Observância do princípio de veracidade do
registro público - Recurso parcialmente provido.(TJ-SP - APL:
320109120108260602 SP 0032010-91.2010.8.26.0602, Relator: Mendes
Pereira, Data de Julgamento: 28/11/2012, 7ª Câmara de Direito Privado,
Data de Publicação: 05/12/2012).
REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. PEDIDO DE ALTERAÇÃO
DE PRENOME E DE SEXO. ALTERAÇÃO DO NOME.
POSSIBILIDADE. AVERBAÇÃO À MARGEM. A ALTERAÇÃO DO
SEXO SOMENTE SERÁ POSSÍVEL APÓS A CIRURGIA DE
TRANSGENITALIZAÇÃO. 1. O fato da pessoa ser transexual e exteriorizar
tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo
conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justifica a mudança
do nome, já que o nome registral é compatível com o sexo masculino. 2.
Diante das condições peculiares da pessoa, o seu nome de registro está em
descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu usuário a
situação vexatória ou de ridículo, o que justifica plenamente a alteração. 3.
Deve ser averbado que houve determinação judicial modificando o registro,
sem menção à razão ou ao conteúdo das alterações procedidas,
resguardando-se, assim, a publicidade dos registros e a intimidade do
requerente. 4. No entanto, é descabida a alteração do registro civil para fazer
constar dado não verdadeiro, isto é, que o autor seja do sexo feminino,
quando inequivocamente ele é do sexo masculino, pois ostenta órgão
genitais tipicamente masculinos. 5. A definição do sexo é ato médico e o
registro civil de nascimento deve espelhar a verdade biológica, somente
podendo ser corrigido quando se verifica erro. Recurso desprovido, por
maioria. (Apelação Cível Nº 70064503675, Sétima Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado
em... 24/06/2015).(TJ-RS - AC: 70064503675 RS, Relator: Sérgio Fernando
de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento: 24/06/2015, Sétima Câmara
Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/07/2015).
Os julgamentos contrários à alteração do sexo no registro civil não observam a
realidade social vivenciada pelos transexuais, utilizando como principal fundamento para a
decisão denegatória o fato de o transexual não ter realizado a cirurgia de adequação sexual, o
que caracteriza uma situação desconexa entre a identidade da pessoa e os dados do registro
civil.
A exigência da cirurgia de adequação não pode ser requisito para alteração do sexo no
registro civil, pois cabe ao transexual optar por realizar ou não o procedimento, devendo
25
analisar que a cirurgia de adequação, como qualquer outra possui riscos, e essa escolha é
inerente a pessoa.
A cirurgia de adequação não é o que propicia a condição de transexual, assim sendo
não se faz necessária à realização da cirurgia para que ocorra a retificação do sexo no registro
civil.
Os enunciados n° 43 e 44 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expõem que quando
for comprovada a transexualidade é possível à retificação no registro civil sem precisar da
realização de cirurgia de adequação.
Portanto, o direito à mudança de nome e sexo dos transexuais deve alcançar proteção,
garantindo desta forma o reconhecimento da identidade que o transexual exprime para si e
para a sociedade.
26
3 TRANSEXUALIDADE
Neste capítulo será elucidado o conceito de transexual e as devidas distinções quanto
algumas orientações sexuais que são constantemente confundidas, tais como: homossexuais,
bissexuais e travestis, apresentando também os aspectos necessários para a realização da
cirurgia de adequação sexual.
3.1 CONCEITO
A identidade de gênero é elemento fundamental para compreender a transexualidade.
Refere-se à forma como o indivíduo se sente e apresenta-se perante a sociedade na condição
de homem ou mulher, ou de ambos, sem que exista relação direta com o sexo biológico
originário. Portanto, a identidade de gênero trata do gênero com o qual o indivíduo se
identifica, abrangendo a ideia de que gênero é uma categoria ampla que vai além da
determinação biológica.
Cabe ressaltar que a identidade de gênero independe da orientação sexual, sendo que o
indivíduo pode ter nascido com órgãos genitais masculinos e se identificar com o gênero
feminino, tendo orientação sexual heterossexual, homossexual ou bissexual. Desta maneira,
não existe ligação entre a identidade de gênero e a orientação sexual.
Transexual é o indivíduo que apresenta uma identidade de gênero diferente do qual
foi designado no nascimento havendo dissociação entre o seu gênero biológico e o gênero
que ele entende realmente pertencer. O indivíduo nasce com genitálias correspondentes ao
sexo feminino ou masculino, no entanto se identifica com o sexo do gênero oposto.
A transexualidade pode ser caracterizada como a convicção de pertencer ao sexo
biológico oposto, o que leva o indivíduo a realizar uma série de modificações físicas e
comportamentais, para se adequar ao sexo e gênero com o qual se identifica.
Segundo Chaves (1994) a transexualidade, no ponto de vista patológico, seria
originário de falhas cromossômicas ou desequilíbrios hormonais, que impõem uma ruptura
aparentemente definitiva entre a identidade psíquica e a realidade física.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a transexualidade como uma
doença e está catalogada na Classificação Internacional das Doenças. A Classificação
27
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10) expõe
os códigos e a tipificação das doenças oficialmente conhecidas, padronizando a classificação
das enfermidades. Na CID-10 a transexualidade está classificada como "transtornos da
identidade sexual (F64.0)” e é definida como: “um desejo imenso de viver e ser aceito como
membro do sexo oposto, usualmente acompanhado por uma sensação de desconforto ou
impropriedade de seu próprio sexo anatômico e o desejo de se submeter a tratamento
hormonal e cirurgia, para seu corpo ficar tão congruente quanto possível com o sexo
preferido”.
Para Diniz (2006), o transexualismo é confundido como mero distúrbio da
sexualidade, causando resistência, no ambiente social, ao reconhecimento de sua gravidade
e do verdadeiro martírio que acomete o seu portador.
O transexual, psicologicamente, não se sente confortável com o sexo biológico, o
que lhe provoca demasiado sofrimento, vindo a demonstrar características de
inconformismo, depressão, angústia e repulsa pelo próprio corpo, principalmente os órgãos
genitais.
É comum que os transexuais demonstrem conflitos de identidade de gênero desde a
infância. Casos em que preferem se vestir como o sexo oposto, preferem brincadeiras ou
brinquedos do gênero oposto, afirmam que é ou que gostariam de ser do sexo oposto. Em
contrapartida, o desejo de pertencer ao outro gênero pode surgir na adolescência ou na fase
adulta.
O transexual pode externar o desejo de realizar cirurgias para adequar seu corpo ao
gênero com o qual se identifica, entretanto há outros que não sentem a necessidade de
modificar seu corpo através da cirurgia de adequação sexual e isso não significa que não
exista dissonância entre a identidade de gênero e o sexo originário.
Cada pessoa transexual é chamada pelo pronome de acordo com o seu gênero:
mulheres transexuais assumem nome, aparência e comportamentos femininos, e precisam ser
tratadas como quaisquer outras mulheres. Homens transexuais assumem nome, aparência e
comportamentos masculinos, e precisam ser tratados como quaisquer outros homens.
Percebe-se que é mais coerente que a transexualidade deixe de ser elencada no rol de
doenças, por todo o estigma que acarreta aos transexuais. Deve-se procurar uma maneira mais
humanizada de tratar este fenômeno sob o óbice social e não patológico.
28
Em qualquer situação o transexual precisa ser tratado com respeito e dignidade, devese coibir qualquer forma de violência, sendo ela explicita ou não, levando em consideração os
elevados índices de homicídio contra transexuais, em virtude de um preconceito denominado
transfobia.
3.2 DIFERENÇA DO TRANSEXUAL E DA ORIENTAÇÃO SEXUAL
Em razão dos costumes existentes em nossa sociedade é comum dizer que
homossexuais, bissexuais, transexuais e travestis são a mesma coisa, tornando-se necessário
fazer uma distinção entre eles.
3.2.1 Homossexuais
Durante muito tempo, a medicina e a psicanálise consideraram a homossexualidade
como doença, esta era tratada por “homossexualismo” em que o sufixo “ismo” conferia a
ideia de doença. Em 1975, foi inserido na Classificação Internacional das Doenças (CID),
como um transtorno sexual. Em 1985, a Organização Mundial de Saúde (OMS), publicou
Circular, informando que o “homossexualismo” deixava de ser uma doença, vindo a ser
considerado um desajustamento comportamental. Em 1995, o “homossexualismo” deixou de
ser considerado um distúrbio psicossocial e deixou de constar no CID, sendo substituído o
sufixo “ismo” pelo sufixo “dade”, que veio significar “modo de ser”.
Homossexuais são os indivíduos que se sentem atraídos sexualmente emocionalmente
e afetivamente por indivíduos do mesmo gênero, eles não se contrariam com seu gênero
tampouco com seu corpo.
De acordo com Araújo (2000, p. 26), homossexualidade “é uma anomalia sexual que
consiste na prática ativa, passiva ou ambivalente, de atos libidinosos, entre indivíduos do
mesmo sexo”.
3.2.2 Bissexuais
O bissexual sente atração, afeto e desejo sexual com ambos os sexos, sem abrir mão de
sua identidade sexual. No Manual de Comunicação LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e
29
transexuais) e bissexual está conceituado como: “Os bissexuais são aquelas pessoas que se
relacionam com pessoas de ambos os sexos/gêneros”.
São caracterizados pela variação de relacionamento afetivo, ora com pessoa do mesmo
gênero, ora com pessoa do gênero oposto.
3.2.3 Travestis
Os travestis são associados ao ato de travestir-se. Vestir-se com roupas do gênero
oposto, muitas vezes sendo associado à arte, em que utilizam de vestuário e maquiagem
chamativa para realização de espetáculos. Como também, alguns travestis transformam seus
corpos, colocando prótese de silicone ou através de tratamentos hormonais.
Segundo Gomes (1994, p. 399): “travestismo é um desvio do sexo no qual o indivíduo
se sente atraído pelas vestes do sexo oposto”. Divergindo dos transexuais, por não possuírem
interesse em adequar seu corpo com as vestes que usam.
3.3 CIRURGIA DE ADEQUAÇÃO SEXUAL
O processo transexualizador ou cirurgia de adequação sexual é um conjunto de
estratégias assistenciais para transexuais que pretendem realizar modificações físicas do
corpo, motivados por um sentimento de incompatibilidade entre seu sexo biológico e seu
gênero.
No Brasil é permitida a realização de cirurgia de adequação sexual através do Sistema
Único de Saúde (SUS) e também em hospitais particulares, sendo que os transexuais que
desejam realizar a cirurgia de adequação devem encaixar sua condição nos critérios
estabelecidos pela Resolução CFM nº 1.955/2010. Assim sendo, a prática da cirurgia de
adequação sexual não constitui crime de mutilação.
O Conselho Federal de Medicina, em seu artigo 4º, da Resolução CFM nº 1.955/2010
explana os critérios necessários para realização da cirurgia de adequação sexual:
Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo
obedecerá à avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico
psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente
social, obedecendo aos critérios a seguir definidos, após, no mínimo, dois
anos de acompanhamento conjunto:
30
1)
2)
3)
Diagnóstico médico de transgenitalismo;
Maior de 21 (vinte e um) anos;
Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.
Em novembro de 2013, o Ministério da Saúde, através da Portaria nº 2.803, ampliou o
processo de adequação sexual no Sistema Único de Saúde (SUS), aumentando o número de
procedimentos ambulatoriais e hospitalares, incluindo também o procedimento para
adequação sexual de mulher para homem.
Qualquer pessoa que procurar o sistema de saúde pública apresentando
incompatibilidade entre o sexo anatômico e o sentimento de pertencer ao sexo oposto ao do
nascimento tem o direito de receber atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer
tipo de discriminação.
A cirurgia de adequação sexual deve ser vista como uma opção de o transexual se
assemelhar ao gênero com o qual se identifica, e não uma exigência para que posteriormente
ocorra a alteração no registro civil destes indivíduos.
Há julgados na direção do reconhecimento de mudança de nome e gênero no registro
civil sem que seja necessária a realização da cirurgia de adequação sexual:
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSEXUAL QUE
PRESERVA O FENÓTIPO MASCULINO. REQUERENTE QUE NÃO SE
SUBMETEU À CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO, MAS QUE
REQUER A MUDANÇA DE SEU NOME EM RAZÃO DE ADOTAR
CARACTERÍSTICAS FEMININAS. POSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO
AO SEXO PSICOLÓGICO. LAUDO PERICIAL QUE APONTOU
TRANSEXUALISMO. Na hipótese dos autos, o autor pediu a retificação de
seu registro civil para que possa adotar nome do gênero feminino, em razão
de ser portador de transexualismo e ser reconhecido no meio social como
mulher. Para conferir segurança e estabilidade às relações sociais, o nome é
regido pelos princípios da imutabilidade e indisponibilidade, ainda que o seu
detentor não o aprecie. Todavia, a imutabilidade do nome e dos apelidos de
família não é mais tratada como regra absoluta. Tanto a lei, expressamente,
como a doutrina buscando atender a outros interesses sociais mais
relevantes, admitem sua alteração em algumas hipóteses. Os documentos
juntados aos autos comprovam a manifestação do transexualismo e de todas
as suas características, demonstrando que o requerente sofre inconciliável
contrariedade pela identificação sexual masculina que tem hoje. O autor
sempre agiu e se apresentou socialmente como mulher. Desde 1998 assumiu
o nome de "Paula do Nascimento". Faz uso de hormônios femininos há mais
de vinte e cinco anos e há vinte anos mantém união estável homoafetiva,
reconhecida publicamente. Conforme laudo da perícia médico-legal
realizada, a desconformidade psíquica entre o sexo biológico e o sexo
psicológico decorre de transexualismo. O indivíduo tem seu sexo definido
em seu registro civil com base na observação dos órgãos genitais externos,
no momento do nascimento. No entanto, com o seu crescimento, podem
ocorrer disparidades entre o sexo revelado e o sexo psicológico, ou seja,
31
aquele que gostaria de ter e que entende como o que realmente deveria
possuir. A cirurgia de transgenitalização não é requisito para a retificação de
assento ante o seu caráter secundário. A cirurgia tem caráter complementar,
visando a conformação das características e anatomia ao sexo psicológico.
Portanto, tendo em vista que o sexo psicológico é aquele que dirige o
comportamento social externo do indivíduo e considerando que o requerente
se sente mulher sob o ponto de vista psíquico, procedendo como se do sexo
feminino fosse perante a sociedade, não há qualquer motivo para se negar a
pretendida alteração registral pleiteada. A sentença, portanto, merece ser
reformada para determinar a retificação no assento de nascimento do
apelante para que passe a constar como "Paula do Nascimento". Sentença
reformada. Recurso provido. (TJ-SP - APL: 00139343120118260037 SP
0013934-31.2011.8.26.0037, Relator: Carlos Alberto Garbi; Data de
Julgamento: 23/09/2014, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de
Publicação: 25/09/2014).
APELAÇÃO CÍVEL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL.
TRANSGÊNERO.MUDANÇA DE NOME E DE SEXO. AUSÊNCIA DE
CIRURGIA DE TRANGENITALIZAÇÃO. Constatada e provada a
condição de transgênero da autora, é dispensável a cirurgia de
transgenitalização para efeitos de alteração de seu nome e designativo de
gênero no seu registro civil de nascimento. A condição de transgênero, por si
só, já evidencia que a pessoa não se enquadra no gênero de nascimento,
sendo de rigor, que a sua real condição seja descrita em seu registro civil, tal
como ela se apresenta socialmente DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME.
(Apelação Cível Nº 70057414971, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS Relator: Rui Portanova, Julgado em 05/06/2014).
Os entendimentos exibidos acima demonstram que ao proferirem estas decisões,
levaram-se em consideração as peculiaridades do caso concreto, as informações extraídas de
diversas áreas das ciências, além de uma interpretação constitucionalizada do direito, o que se
faz necessário em casos como estes.
32
CONCLUSÃO
O nome é um direito de personalidade, sendo vitalício, inalienável e absoluto. Além do
mais, o nome é a principal identificação dos indivíduos no meio social.
Observou-se que o nome é considerado imutável, havendo exceções, quais sejam:
nome vexatório, erro gráfico, entre outros. Evidencia-se que a retificação do nome será
realizada mediante fundamentação sólida e interferência do judiciário.
Em regra, o nome separa as pessoas em sexo feminino ou masculino. Contudo, em
algumas situações, o nome confronta com a identidade sexual, que é como o indivíduo se
enxerga e como pretende ser visto pela sociedade da qual faz parte.
Mediante o estudo realizado, foram apresentadas diversas orientações sexuais,
enfatizando a transexualidade, estado em que o indivíduo vive em um corpo que entende não
ser seu, ou seja, ele se identifica com o gênero oposto.
Se assim optar, o transexual poderá realizar procedimentos cirúrgicos para se
assemelhar ao gênero que entende pertencer, o que acarretará além da adequação física e
psicológica, a redução de problemas no exercício da cidadania.
O processo para alteração no registro civil do transexual é semelhante aos outros,
havendo total liberdade do requerente para escolha do seu nome. No entanto, mesmo havendo
inúmeros requerimentos de transexuais para alteração do registro civil, o direito brasileiro não
possui legislação específica sobre o assunto. Deste modo, os transexuais ficam à mercê dos
diferentes entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, utilizados pelos juristas para
fundamentarem suas decisões.
Ao lado disso, cabe ao Poder Judiciário assegurar que o registro civil dos transexuais
possa ser alterado, o que afinal traduz o desejo objetivado pelo grupo. Ademais, a tendência
esperada ser a uniformização da jurisprudência nacional permissiva em relação aos
transexuais, independentemente de realizada a cirurgia de adequação sexual.
Segundo considerado ao longo deste estudo deve ser conferido ao transexual o direito
a dignidade da pessoa humana assim, possibilitando sua inserção na sociedade e afastando
qualquer tipo de distinção ou preconceito.
33
REFERÊNCIAS
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ARAÚJO, L. A. D. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000.
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subjetividade. Cadernos IHU ideias , São Leopoldo RS, n. 194, p. 9, maio. 2013. Disponível
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dogmática constitucional transformadora. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
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Paulo: Saraiva, 2004.
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Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a resolução CFM nº 1.1.652/02.
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BRASIL. Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016: dispõe sobre o uso do nome social e o
reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da
administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em: <
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