De Ponta a Ponta O atendimento a crianças e adolescentes em Novo Hamburgo Organização: Fundação Semear De Ponta a Ponta O atendimento a crianças e adolescentes em Novo Hamburgo D419 De Ponta a Ponta : o atendimento a crianças e adolescentes em Novo Hamburgo / Fundação Semear (org.). - [Novo Hamburgo]: Use Propaganda, [2019]. 92 p. : il. ; 30 cm. Redação e conteúdo: Márcia Bernardes e Ponto Pesquisa 1. Desenvolvimento social. 2. Crianças. 3. Adolescentes. 4. Ação social. 5. Políticas públicas. I. Fundação Semear. II. Título. CDU: 316.42 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP): Bibliotecário Alessandro Dietrich - CRB 10/2338 CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE NOVO HAMBURGO (CMDCA NH) Diretoria 2017/2018 Marcia Elisa Glaser – Presidente Anelise Weber de Moraes – Vice-presidente Carlos Eduardo Müller Bock – 1º Secretário Dirlene Correa da Cunha – 2ª Secretária Carla Rosana da Silva e Eronilda Machado – Junta Administra va do FUNCRIANÇA Diretoria 2019/2020 Ricardo Seewald – Presidente Renato Arena – Vice-presidente Dirlene Correa da Cunha – 1ª Secretária Carla Rosana da Silva – 2ª Secretária Eronilda Machado e Débora Malmann – Junta Administra va do FUNCRIANÇA 3 FUNDAÇÃO SEMEAR Diretoria Marcelo Lauxen Kehl – Presidente do Conselho Curador José Flávio Bueno Fischer - Presidente da Fundação Semear Paula Casari Cundari - Vice-presidente de Relações Ins tucionais Luís Felipe Maldaner - Vice-presidente Administra vo-financeiro Paulo Gilson Roos - Vice-presidente Jurídico Edgar L. Fedrizzi Fº - Vice-presidente de Relações Governo e Comunidade Melissa Cruz Hoss - Diretora de Comunicação Equipe Execu va Helena Ieggli Thomé - Gestora Social Ana Maria Paslauski - Assessora Pedagógica Michele Lutz - Analista Financeira Sheila Schuh da Silva - Assessora de Arte e Criação Equipe Técnica | Programa CVR Rosecler Böes Ferst – Assessora Técnica/CVR Carine Herrmann Müller – Assistente Social Djan Costa – Educador de Hip Hop Évelin Adams Escouto – Educadora Social Lisete Schimidt Dias – Merendeira Maria de Lurdes Oliveira – Educadora de Artes Maristela Souza da Silva Amorin – Serviços Gerais Murilo Viegas da Silva – Educador de Ballet e Jazz Tommy Thomé – Educador de Música Equipe do Projeto De Ponta a Ponta: Ana Maria Paslauski – Assessora Pedagógica Helena Ieggli Thomé – Coordenadora Geral Márcia Bernardes – Coordenadora Técnica Maria Isabel Rodrigues Lima – Assistente Técnica Michele Lutz – Analista Financeira Ponto Pesquisa – Trabalho de campo Sheila Schuh da Silva – Assessora de Arte e Criação 4 AGRADECIMENTOS AGRADECIMENTOS A Fundação Semear acredita que as organizações da sociedade civil desempenham um papel fundamental no atendimento qualificado à crianças e adolescentes. Também entende que a união de esforços é o que possibilita que esse público tenha acesso a ferramentas e oportunidades de desenvolvimento saudável. A realização do projeto De Ponta a Ponta foi a concre zação de uma ideia que contou com a parceria e o apoio de muitas organizações. Nosso reconhecimento e gra dão: - Ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Novo Hamburgo (CMDCA), que confiou à Fundação Semear a execução do projeto. - Aos (às) técnicos(as) e colaboradores(as) de serviços e equipamentos públicos da área da saúde, do desenvolvimento social e da educação, lideranças comunitárias, moradores(as) dos territórios pesquisados, pais, responsáveis e adolescentes, que compar lharam suas percepções e visões, contribuindo na construção desse importante diagnós co. - Às organizações da sociedade civil, espaços comunitários, organizações governamentais. - Às Secretarias municipais de educação, saúde e desenvolvimento social, serviços, escolas e equipamentos públicos dos bairros Boa Saúde, Canudos, Kephas, Santo Afonso e Roselândia, que permi ram a interação e as abordagens realizadas. - Ao Itaú Social, que apoiou o projeto apresentado pelo CMDCA NH, possibilitando, assim, a realização do projeto. Nosso muito obrigado a todos(as) que par ciparam do projeto em toda a sua extensão (palestrantes, pesquisadores(as), organizações que compõem o CMDCA NH) e, muito especialmente, aos que acreditam que construir diagnós cos, pensar a realidade e compar lhar o conhecimento são caminhos importantes para a melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes do município de Novo Hamburgo. Fundação Semear 5 A par cipação da sociedade em defesa de crianças e adolescentes Alterar a realidade social e buscar uma sociedade mais igualitária passa, necessariamente, por um caminho de mudanças e de desafios, que exigem a convergência dos papéis exercidos por organizações da sociedade civil, empresas e atores sociais. Justamente com esse pensamento, a Fundação Semear foi criada em 1996, com a missão de proporcionar a par cipação da sociedade em ações de responsabilidade social. Para isso, propôs trabalhar especialmente com pesquisa, qualificação e capacitação de organizações sociais, garan ndo resultados posi vos para o inves mento social privado realizado pelas empresas e empresários que acreditaram nessa ideia. Com o passar dos anos, o trabalho foi ampliado e hoje, quase 23 anos depois, a organização tem uma atuação sólida em busca do desenvolvimento social, com a realização de diversos programas, projetos e ações voltadas para crianças, adolescentes, famílias e comunidade. É um trabalho sério e muito qualificado, que já beneficiou cerca de meio milhão de pessoas direta e indiretamente. Uma das formas de contribuir para o desenvolvimento das a vidades é por meio de doações ao Fundo da Infância e Adolescência (FIA). Esses recursos são provenientes da des nação de um percentual do Imposto de Renda para a realização de projetos voltados para a proteção e a promoção de direitos. Ao fazer isso, o doador não efetua desembolso algum, mas exerce um direito garan do pela legislação. As des nações ao FIA, geridas pelos Conselhos de Direitos (nos níveis federal, estadual e municipal) podem ser u lizadas, por exemplo, para o atendimento direto de crianças e adolescentes, para atendimento a ví mas de violência, para a formação e qualificação de técnicos, conselheiros e profissionais ligados ao atendimento a crianças e adolescentes e para diagnós cos e pesquisas municipais que versem sobre a situação desse público. Com isso, o fundo propicia a par cipação da sociedade na promoção das polí cas e na garan a de direitos. O Projeto De Ponta a Ponta resgatou um dos pilares de atuação da Semear, que é a realização de pesquisas e de capacitação e nasceu da necessidade de diagnos car, perceber e revelar dados sobre a realidade social de Novo Hamburgo, justamente para apontar caminhos para superar vulnerabilidades encontradas. Ao realizar a pesquisa e capacitar a rede de atendimento, a Semear entende que disponibiliza informações, ferramentas e condições para o trabalho de proteção e defesa das crianças e dos adolescentes. É um projeto de grande importância para o município e que qualifica, de maneira fundamental, o trabalho desenvolvido na área social. O Projeto concre zou-se por meio de recursos des nados ao Fundo da Infância e Adolescência (FIA), disponibilizados por meio de edital do Itaú Social. Crianças e adolescentes precisam de proteção. Precisam de condições saudáveis de desenvolvimento, sem a presença de ameaças, exposição à violências e negação de direitos. Superar essas questões e avançar na direção da inclusão social e da melhoria da qualidade de vida dos mais vulneráveis parte da mobilização de vontades e recursos. E parte de inicia vas baseadas em dados, em análise de contextos e de trabalho em rede. A Fundação Semear acredita nesse caminho e convida a todos para par cipar dessa construção. José Flávio Bueno Fischer Presidente da Fundação Semear 6 O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente A polí ca de promoção, proteção, defesa e controle dos direitos da criança e do adolescente do município de Novo Hamburgo, está regulamentada pela Lei Municipal 2822/2015 e tem, como órgãos e instrumentos de garan a, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – FUNCRIANÇA, o Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e, os Conselhos Tutelares (art. 4º, Lei Municipal nº 2822/2015). O CMDCA é o responsável pelo bom funcionamento dos demais, considerando que é o órgão delibera vo, controlador, norma vo e consul vo da polí ca municipal de promoção, proteção, defesa e controle dos direitos da criança e do adolescente, observada a composição paritária de seus membros, nos termos do art. 88, inciso II, da Lei Federal nº 8.069/90 – ECA. Em Novo Hamburgo, o CMDCA foi criado pela Lei Municipal nº 130/90. O Conselho de Direitos de Novo Hamburgo é composto por 18 membros, sendo nove representantes do poder execu vo, oriundos de secretarias vinculadas as polí cas da educação, saúde, assistência social, cultura, esporte e lazer, bem como a área de planejamento. Os demais conselheiros, obedecendo o princípio da paridade, são representantes de en dades da sociedade civil organizada, oriundos das seguintes categorias: cinco representantes de en dades de atendimento, regularmente registradas e com programas inscritos no CMDCA, dois representantes de adolescentes e dois representantes da sociedade civil organizada, envolvidos de alguma forma na proteção, promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Dessa forma, fica assegurado o pluralismo dos segmentos sociais, par cularmente por en dades e organizações sociais, organizações profissionais, sindicatos, en dades representa vas do pensamento cien fico, religioso, filosófico, entre outros (art. 6º, Lei Municipal nº 2822/2015). Por se tratar de um colegiado na essência de sua natureza jurídica, além da paridade, outros princípios basilares norteiam a cons tuição do CMDCA, tais como a legalidade, a publicidade, a par cipação e a autonomia, como garan a de que seus atos sejam realizados por decisão cole va e jamais de forma singular. A proteção integral da criança e do adolescente norteia a atuação do CMDCA que, entre suas competências, destaca o acompanhamento e o controle da execução da polí ca municipal de proteção, promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Para isso, entende como de essencial importância o conhecimento detalhado da realidade local e dos contextos de atuação, a fim de verificar demandas e estabelecer mecanismos eficientes para o desenvolvimento da polí ca em favor da criança e do adolescente. Dessa forma, a realização de estudos, como a pesquisa realizada pelo projeto de Ponta a Ponta, é fundamental para a realização de diagnós cos que servem como base para o desenvolvimento dessa polí ca. O Conselho, ao promover o Projeto De Ponta a Ponta e entregar, nesse momento, um importante diagnós co para o município de Novo Hamburgo, fortalece seu papel e disponibiliza dados atualizados sobre a realidade do atendimento a crianças e adolescentes, possibilitando planejar as próximas ações e fortalecer a rede de atendimento socioassistencial à criança e ao adolescente no município de Novo Hamburgo. Desejamos uma boa leitura a todos! Diretoria CMDCA – Gestão 2019/2020 7 SUMÁRIO Apresentação 09 DE PONTA A PONTA 10 O CONTEXTO DA PESQUISA 11 OS CAMINHOS PERCORRIDOS 14 RETRATO DOS PARTICIPANTES 16 Perfil da amostra quan ta va formada por pais e responsáveis 16 Perfil da amostra quan ta va formada pelos(as) adolescentes 22 CONHECENDO A REALIDADE DOS TERRITÓRIOS 8 31 O Bairro Boa Saúde 32 O Bairro Canudos 43 O Bairro Kephas 52 O Bairro Santo Afonso 60 O Bairro Roselândia 67 PERCEPÇÕES GERAIS DOS PAIS E RESPONSÁVEIS 74 PERCEPÇÕES GERAIS DOS(AS) ADOLESCENTES 78 CAMINHOS POSSÍVEIS 88 APRESENTAÇÃO A pesquisa desenvolvida pelo projeto De Ponta a Ponta é fundamentada pelo entendimento de que a pesquisa social tem grande relevância e que, por meio dela, é possível contribuir para a definição e a construção de obje vos e de ações voltadas para o desenvolvimento social, para a compreensão de contextos e para a transformação de realidades. A pesquisa é uma via para a construção de conhecimento e a obtenção de informações. É orientada pela relação entre as teorias e as prá cas sociais, aliada ao trabalho empírico, sendo responsável por transformações que baseiam o progresso humano. Fazer uma pesquisa é lançar o olhar de forma acurada para alguma questão. Não poderia ser diferente com relação ao trabalho desenvolvido pelas organizações da sociedade civil. Essas organizações estão consolidadas, de maneira geral, em um formato que supera a caridade e desenvolvem um trabalho poli zado na busca da ampliação e da racionalização da sua ação social, formando redes e potencializando resultados. Buscando o desenvolvimento dessas ações de forma cada vez mais profissional e asser va, junto às organizações da sociedade civil, assim como de outras áreas, entende-se que é importante basear-se em dados concretos, que revelem a realidade onde estão inseridas. Mais do que revelar, a pesquisa aqui apresentada pretende compreender a realidade para, de alguma forma, propor o enfrentamento das dificuldades, a melhoria nos atendimentos e, ainda, apontar caminhos para o desenvolvimento social integral de crianças e adolescentes na construção de polí cas públicas. Uma boa leitura e uma boa reflexão para todos e todas! 9 DE PONTA A PONTA O De Ponta a Ponta é um projeto apresentado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Novo Hamburgo, com desenvolvimento e execução da Fundação Semear e apoio do Itaú Social, por meio da contemplação no edital para conselhos de direitos em 2017. O projeto, com período de execução de junho de 2018 até junho de 2019, teve como obje vo buscar compreender a dinâmica de atendimento a crianças e adolescentes em cinco territórios do município de Novo Hamburgo, propondo capacitação para os(as) profissionais que atuam na área e apresentando informações para contribuir na elaboração de polí cas públicas, visando a garan a e a defesa dos direitos da criança e do adolescente. Além disso, teve como obje vos perceber a existência de crianças sem acesso a atendimentos/a vidades no turno inverso ao da escola; pesquisar a rede de atendimento socioassistencial de Novo Hamburgo e fortalecer a rede de atendimento a crianças e adolescentes do município, por meio da realização de diversas capacitações. Para isso, no que tange a realização de diagnós co, foram u lizadas abordagens e métodos diferenciados, em uma metodologia de inspiração etnográfica. O projeto definiu cinco territórios do município (Boa Saúde, Canudos, Kephas, Santo Afonso e Roselândia) para a aplicação da pesquisa de campo que compreendeu: imersão no cenário para reconhecimento dos territórios; realização de dois grupos focais por território e aplicação de 1.020 ques onários, divididos em dois instrumentos diferentes: um para pais/responsáveis e outro para adolescentes. Com isso, a pesquisa teve um caráter qualita vo e quan ta vo. O período de realização do trabalho de campo da pesquisa foi de outubro a dezembro de 2018. O público-alvo da pesquisa foram profissionais da rede de atendimento socioassistencial do município de Novo Hamburgo, pais, responsáveis, familiares, pessoas que cuidam de crianças e adolescentes. Buscando limitar a faixa etária de crianças e adolescentes sujeitos da pesquisa, foi definida a idade de 6 a 16 anos. 10 O CONTEXTO DA PESQUISA A pesquisa foi realizada na cidade de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul que tem uma população es mada de 246.452 pessoas (2018), sendo a população no úl mo censo (2010) de 238.940 pessoas, conforme o Ins tuto 1 Brasileiro de Geografia e Esta s ca (IBGE). Ainda segundo o IBGE, o salário médio mensal dos trabalhadores formais (em 2016) era de 2,4 salários mínimos e a população ocupada correspondia a 38,2%. Considerando domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, nha 26.5% da população nessas condições. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita era R$ 34.620,19 (IBGE, 2016). O município apresenta 92.1% de domicílios com esgotamento sanitário adequado e 71.7% de domicílios urbanos em vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio) (IBGE). 2 Em Novo Hamburgo, o setor coureiro-calçadista desempenhou um papel muito importante e a cidade é denominada Capital Nacional do Calçado, pois foi a primeira a vidade industrial importante a se desenvolver no município. Os pioneiros e empreendedores do Vale do Sinos iniciaram a produção artesanal familiar, buscando atender as necessidades das próprias famílias, até passar a comercializar os produtos fabricados. Entre as décadas de 1930 e 1980, a cidade de Novo Hamburgo foi destaque na produção industrial do Rio Grande do Sul, especialmente pela produção de calçados. Schütz, no livro Novo Hamburgo: sua história, sua gente, retratou que a maioria da mão-de-obra ocupada na indústria de calçados, inicialmente, provinha do próprio município. Porém, com a abertura de mercados e a profissionalização do setor houve a necessidade de ampliação da mão-de-obra. A boa remuneração pela mão-de-obra e a grande disponibilidade de empregos acarretaram o surgimento de grande migração para a região. E foram esses migrantes que desempenharam um papel fundamental para a expansão do setor coureiro-calçadista. A autora destaca que, no ano de 1970 foram instaladas 189 fábricas de calçado em Novo Hamburgo, proporcionando emprego para 9.635 pessoas, independente de idade, sexo ou grau de instrução.3 1 Acesso em: h ps://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/novo-hamburgo/panorama ps://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/novo-hamburgo/panorama 3 Schütz, Liene M. Mar ns. Novo Hamburgo: Sua História, Sua Gente. Porto Alegre: Palo , 1992. 2h 11 Esse ver ginoso crescimento da indústria e, consequentemente da população, refle ram na falta de infraestrutura do município para receber o con ngente de migrantes, o que resultou no surgimento de loteamentos irregulares, com construções precárias e humildes, com pouco acesso a recursos e a equipamentos públicos. As consequências desse momento são percebidas até hoje no município, agravada pelas consecu vas crises e dificuldades econômicas e sociais vivenciadas no país, no estado e na cidade. Na década de 1990, a indústria calçadista entrou em uma forte crise, trazendo profundas alterações no quadro econômico de Novo Hamburgo. Houve um longo período de instabilidade, acarretado pelas mudanças globais, entrada de concorrência estrangeira e outros fatores que levaram o setor calçadista a encolher. Com demissões em grande número, as populações migrantes, muitas vezes sem qualificação para o exercício de outras a vidades, passam a engrossar as camadas populares mais vulneráveis do município, vivenciando problemas sociais e econômicos como a miséria e a violência. Na úl ma década, o setor calçadista con nua marcado por crises sucessivas, que acabam levando a situações de pobreza, especialmente da população com pouca qualificação. As crises afetam pequenas empresas, mas também a ngem grandes indústrias que, muitas vezes, terceirizam o trabalho para pequenos ateliers a cargo de uma família. Em contrapar da, é importante ressaltar que cerca de 40% das exportações brasileiras de calçado são geradas 4 pelo Rio Grande do Sul, a maioria delas vinda de municípios do Vale do Sinos. Nesse contexto, estão as crianças e adolescentes da cidade de Novo Hamburgo e dos cinco territórios que formam essa pesquisa. Muitas crianças e adolescentes desses bairros são oriundos de famílias de migrantes e de trabalhadores da indústria calçadista no próprio município ou nas cidades vizinhas. O co diano dessas crianças e adolescentes é, dessa forma, permeado por situações concretas muito familiares para a maioria da população urbana, mas que incidem de forma mais acentuada sobre esse grupo social. Novo Hamburgo tem uma população de 56.580 crianças e adolescentes entre 5 a 19 anos, conforme dados da Fundação de Economia e Esta s ca (FEE). 5 Segundo a FEE, com relação à educação, em em 2017, foram realizadas 27.844 matrículas no Ensino Fundamental e 8.180 matrículas no Ensino Médio em Novo Hamburgo. O número de estabelecimentos de Ensino Fundamental 12 4h p://www.exclusivo.com.br/_conteudo/2017/08/negocios/ 213645-rs-responde-por-40-das-exportacoes-de-calcados.html 5 É importante ressaltar que a FEE disponibiliza os dados nos seguintes intervalos etários: 5 a 9 anos, 10 a 14 anos e 15 a 19 anos. O valor mencionado é a soma dessas faixas etárias. soma 92 escolas e são 20 os estabelecimentos de Ensino Médio (FEE).6 O percentual de crianças em domicílios onde ninguém tem o ensino fundamental 6 completo, em 2010, era de 32,63% (FEE) e de crianças em situação de extrema pobreza era de 1,74%. Conforme dados da Secretaria Municipal de Educação de Novo Hamburgo, a rede municipal de educação tem mais de 23.600 alunos. Em 2017, o índice de reprovação foi de 6,42% e 115 alunos evadiram. 7 No que se refere à saúde, a taxa de mortalidade infan l média de Novo Hamburgo é de 9.36 para 1.000 nascidos vivos e, em 2009, o município contava com 37 estabelecimentos de saúde vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS), conforme o IBGE. Além disso, dados do Cadastro Único do município, de novembro de 2018, apontavam que 3.782 famílias de Novo Hamburgo, com crianças entre 6 e 18 anos, recebiam o Bolsa Família. Com relação à pesquisa, a coleta de dados qualita va e quan ta va do projeto De Ponta a Ponta foi desenvolvida em cinco territórios do município de Novo Hamburgo: 6 Dados da Fundação de Economia e Esta s ca (FEE), disponíveis em: h ps://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/novo-hamburgo/panorama 7 h ps://www.jornalnh.com.br/_conteudo/2018/02/no cias/regiao/ 2238572-2018-o-ano-de-elevar-a-media-na-educacao-em-novo-hamburgo.html. 13 OS CAMINHOS PERCORRIDOS O campo pesquisado é complexo, tanto pelas diferenças econômicas, sociais e culturais encontradas, como pela situação de vulnerabilidade das áreas pesquisadas. Por isso, a metodologia combinou a pesquisa qualita va e quan ta va de forma híbrida. A pesquisa qualita va tem suas raízes na antropologia, com a u lização de metodologia de inspiração etnográfica. É uma das metodologias mais adequadas quando se tem como obje vo conhecer subje vamente e em profundidade as percepções, os sen mentos e os códigos presentes na comunidade sobre o tema em estudo. A etnografia é um processo que não segue padrões rígidos, mas que se desenha a par r do trabalho de campo no contexto social da pesquisa. Por isso, os instrumentos de coleta e análise são formulados para atender à realidade encontrada no campo. A abordagem etnográfica para a inves gação traz importantes contribuições para estudos que se interessam pelas questões sociais, por processos de exclusão, pelas situações de interações sociais e estudo de estruturas sociais, conferindo aos atores e às atrizes e aos sujeitos envolvidos, uma par cipação a va e dinâmica no processo. Isso ocorre porque há uma imersão sistemá ca, uma convivência e observação detalhada do campo da pesquisa. Na pesquisa realizada, foram combinados métodos e técnicas para a coleta de dados tais como: a imersão em campo, a entrevista em profundidade, a realização de grupos focais, a observação e conversas informais que compuseram a parte qualita va da pesquisa. Além disso, a parte quan ta va foi composta pela aplicação de ques onários com pais/responsáveis e com adolescentes. A variedade de técnicas se jus fica pelo entendimento de que há uma importante complementaridade entre elas e que, dessa forma, a coleta de dados é mais consistente, permi ndo um maior aprofundamento na interpretação das informações recebidas. 14 A imersão é uma técnica u lizada para ouvir as pessoas no seu ambiente natural. A imersão na comunidade tem papel fundamental para colocar o pesquisador inserido na realidade que irá estudar. Consiste na abordagem de pessoas e ins tuições (Centros de Referência de Assistência Social – CRAS, Unidades Básicas de Saúde – UBS, escolas, associações de bairro, por exemplo) por pesquisadores(as) que estabelecem uma conversa sobre o tema em estudo. As imersões do De Ponta a Ponta foram realizadas por uma dupla de pesquisadores(as), com duração de aproximadamente cinco dias por comunidade, com visitas em escolas, associação de moradores, creches, praças, comércio local, postos de saúde, CRAS, organizações da sociedade civil, entre outros espaços. Já o grupo focal busca ouvir vários indivíduos ao mesmo tempo e obje va a conquista de informações, sen mentos, posturas corporais que revelam intenções que buscam compreender e não generalizar. Os grupos focais possibilitam profundidade e qualidade das verbalizações e expressões que são importantes quando se quer ouvir as pessoas, explorar temas de interesse e realizar troca de impressões e opiniões. Na pesquisa, foram realizados dois grupos focais ou rodas de conversa por território, envolvendo lideranças comunitárias, professores(as), agentes de saúde, profissionais de organizações da sociedade civil, técnicos(as) dos serviços e equipamentos públicos, entre outros. As reuniões foram registradas em áudio e vídeo. A parte quan ta va permite mensurar os diferentes aspectos levantados na pesquisa. É a metodologia mais adequada quando se tem como obje vo conhecer numericamente as questões relacionadas a perfil, comportamentos e opiniões. O De Ponta a Ponta u lizou um ques onário composto de 72 questões para adolescentes e outro instrumento com 44 questões para pais/mães e responsáveis. O trabalho de campo (qualita vo e quan ta vo) foi realizado no período de outubro a dezembro de 2018. Foram realizadas entrevistas formais e informais com técnicos e técnicas (assistentes sociais, coordenadores dos Centros de Referência em Assistência Social – CRAS, por exemplo), agentes de saúde, lideranças comunitárias, adolescentes, pais e responsáveis, profissionais da educação e profissionais que atuam em organizações da sociedade civil que atendem crianças e adolescentes. Os ques onários (entrevistas) foram aplicados com 570 adolescentes e 450 pais/responsáveis, totalizando uma amostra de 1.020 pessoas. 15 RETRATO DOS PARTICIPANTES O grupo que compõe a coleta de informações da parte quan ta va da pesquisa (imersão, entrevistas e grupos focais) é bastante heterogêneo, composto por 450 pais/responsáveis e 570 adolescentes. As idades dos pais e responsáveis são bastante variadas, assim como sexo, profissão e atuação profissional, local de residência, etc. Perfil da amostra quan ta va formada por pais e responsáveis Com relação aos pais/responsáveis, a maioria das respondentes é do sexo feminino (82,7%) e a média de idade é de 38 anos. Chama a atenção esse dado, que se relaciona diretamente com outra informação, que será mostrada mais adiante, apontado pelos(as) adolescentes, que têm, na grande maioria, as mães como responsáveis pelo domicílio (70%). Quase 70 % das pessoas entrevistadas moram há mais de 10 anos no bairro e 55,8% possuem o ensino fundamental incompleto. 16 Perfil da amostra quan ta va - Pais/responsáveis Sexo 17,3% Feminino Masculino 82,7% Perfil da amostra quan ta va - Idade 17,30% 18,0% 15,80% 16,0% 13,60% 14,0% 12,90% 11,60% 11,30% 12,0% 10,0% 8,0% 5,60% 6,0% 4,0% 3,80% 3,10% 3,10% 2,0% 2,0% 0,0% Menos de 20 De 20 a 25 De 26 a 30 De 31 a 36 De 37 a 41 De 42 a 45 De 46 a 50 De 51 a 55 De 56 a 60 De 61 a 65 66 e mais Perfil da amostra quan ta va - Pais/responsáveis Quanto tempo mora no bairro 69,10% 5,10% Menos de 1 ano 8,90% 1 a 3 anos 9,80% 4 a 6 anos 6,20% 7 a 10 anos 0,90% mais de 10 anos não sabe /não respondeu 17 Perfil da amostra quan ta va - Pais/responsáveis Escolaridade 2,2% 0,9% 1,6% Fundamental Incompleto Fundamental Completo 14,2% Ensino Médio Incompleto 9,8% 55,8% 15,6% Ensino Médio Completo Superior Incompleto Superior Completo Não frequentou a escola A pesquisa quan ta va buscou priorizar os territórios e áreas de maior vulnerabilidade social. Isso se deve ao entendimento de que o público dessas localidades, dentro dos territórios, é também o que tem mais dificuldade de acesso a serviços e equipamentos públicos e aos atendimentos a crianças e adolescentes no turno inverso ao da escola. Dessa forma, 72% da amostra pode ser enquadrada, dentro dos critérios de classe social estabelecidos pelo IBGE 8 (pelo salário mínimo), como pertencentes à Classe E. É importante destacar que o conceito de classe social é bastante u lizado a par r dessa estra ficação feita pelo IBGE que mostra especialmente as classes de consumo. No entanto, essa classificação dificulta o entendimento dos fenômenos e variedades sociais. Sendo assim, é importante pensar nesses enquadramentos de classes a par r das diferentes posições sociais, que são ocupadas no mesmo espaço social e estão inter-relacionadas, ou seja, são posições que existem em relação a outras e são par lhadas entre aqueles que possuem algo em comum (qualidades, propriedades, atributos, por exemplo). Por isso, temos um sistema de relações sociais, que forma uma estrutura social, 8 O estabelecimento de classes sociais u 18 lizada pelo IBGE no censo populacional a cada dez anos, é baseada no número de salários mínimos (SM). Divide em cinco faixas de renda ou classes sociais Classe A (acima de 20 SM); Classe B (10 a 20 SM); Classe C (4 a 10 SM); Classe D (2 a 4 SM) e Classe E (até 2 SM). Trata-se de um critério de cálculo fácil e obje vo, mas que leva somente em consideração o salário atual da pessoa. Vale ressaltar existe, também, o Novo Critério Brasil, desde 2015, u lizado por ins tutos de pesquisa de mercado e opinião. Esse instrumento u liza a presença, uso e quan dade de alguns itens domiciliares de conforto (como uso diário de computador, lavadora de louças, presença de água encanada, rus asfaltada no domicílio, número de eletrodomés cos, etc) e grau escolaridade do chefe de família para diferenciar a população. O critério atribui pontos em função de cada caracterís ca domiciliar e realiza a soma destes pontos. É feita então uma correspondência entre faixas de pontuação do critério e estratos de classificação econômica definidos por A1, A2, B1, B2, C1, C2, D, E. que comporta uma série de hierarquias e diferenças, fazendo o espaço social ser um local de disputa e de busca por igualdade. A classe social é uma categoria técnica de classificação, mas ela descreve fatos e indica distâncias sociais que separam e dividem as pessoas em grupos a par r das circunstâncias nas quais essas pessoas e grupos vivem. Esses grupos subordinam-se uns aos outros, por estarem estra ficados e diferenciados pelas suas caracterís cas. Isso tudo cons tui uma dimensão simbólica de diferença, mas também uma dimensão polí ca, que coloca essa diferença em um nível hierárquico. Por isso, é importante pensar na classe social em sua totalidade de relações e representação. Os dados da pesquisa apontam para outras caracterís cas que se referem as condições sócio econômicas dos(as) respondentes, como mostram os gráficos: Perfil da amostra quan ta va - Pais/responsáveis Renda Boa Saúde Santo Afonso Kephas Canudos 70,0% 60,0% 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% Roselândia 19 Perfil da amostra quan ta va - Pais/responsáveis Exerce a vidade remunerada e po de vínculo (dos que trabalham) Sempre Quase sempre 53,6% 47,3% 44,4% De vez em quando 45,1% Não Formal Informal Não respondeu 4,2% 4,0% 1,3% Perfil da amostra quan ta va - Pais/responsáveis Par cipação em Programa Social 62,9% 35,3% 1,8% Nenhum Bolsa Família Outro A composição do perfil da amostra quan ta va de pais e responsáveis também traz dados sobre as condições do domicílio dos(as) respondentes. 9 Cerca de 77% afirmaram que possuem terreno próprio e 17,6% estão em terrenos compar lhados. A energia elétrica é própria em 87,1% dos domicílios e compar lhada em 12%. A rede de esgoto está presente em 83,6% das 20 9 Importante destacar que alguns entrevistados vivem em ocupações e áreas de risco e consideram esses espaços como próprios, por não despenderem recursos com aluguel, por exemplo. residências e é compar lhada em 7,6%. Em torno de 7,8% da população afirma que não possuem rede de esgoto nas moradias. Sobre acesso à internet, 63,3% possuem acesso e 31,3% não têm. A coleta de lixo alcança 96% dos domicílios, sendo que os demais 4% não têm ou não sabem responder. Com relação à pavimentação, 30% dos acessos aos domicílios são de terra, 34,9% afirmam que são de pedra, 34,7% têm pavimentação asfál ca.10 10 Aqui são apresentados os principais números. Optou-se por não descrever, em alguns casos, a porcentagem do item “não sabe” ou “não respondeu”, assim como informações que não influenciam de forma incisiva nos números gerais. 21 Perfil da amostra quan ta va formada pelos(as) adolescentes O público alvo da pesquisa quan ta va, como já descrito, foi dividido em dois grupos: · pais e responsáveis, que responderam ao ques onário por serem pais e/ou responsáveis por crianças de até 12 anos; · e adolescentes, que responderam ao instrumento específico elaborado para eles, buscando dar voz para que possam manifestar suas opiniões. Os(as) adolescentes que responderam ao ques onário têm idades entre 12 e 19 anos, sendo 51,8% do sexo feminino, 47,9% do sexo masculino e 0,4% iden ficaram-se como outro sexo. O ar go 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera criança, para efeitos da Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre doze e dezoito anos de idade. Perfil da amostra quan ta va - Adolescentes Idade 1,8% 0,4% 7,3% 9,8% 15,1% 20,5% 16,2% 29,0% 12 anos 22 13 anos 14 anos 15 anos 16 anos 17 anos 18 anos 19 anos Vale ressaltar que, apesar dos ques onários terem sido aplicados em locais públicos (como praças e na rua), grande parte da aplicação com adolescentes foi realizada em escolas, dessa forma, a amostra é composta por 96% de adolescentes que frequentam uma ins tuição escolar. Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) 2015 do IBGE, a população entre 15 e 17 anos de idade fora da escola na região sul do Brasil é de 216.592, o que corresponde a 15,4% (a média brasileira é 15%). Algumas causas apontadas para estar fora da escola são: ter que trabalhar para auxiliar a família e a 11 ocorrência de gravidez precoce. Além do abandono escolar, há ainda questões 12 como analfabe smo, persistência de elevada distorção idade-série e restritas oportunidades de acesso à educação profissional que delineiam o cenário educacional dos(as) adolescentes no Brasil. Ainda com relação à escola, a maioria (67,2%) frequenta escolas estaduais, 27,9% frequentam escolas municipais, 0,9% estão em escolas par culares e 4% não respondeu a essa questão. Os(as) adolescentes que compõem a amostra estão divididos entre o 5º ano do Ensino Fundamental (EF) e o 3º ano do Ensino Médio (EM). 11A cada mil adolescentes brasileiras entre 15 e 19 anos, 68,4 ficaram grávidas e veram seus bebês, diz relatório da Organização Mundial da Saúde.O índice brasileiro está acima da média la no-americana, es mada em 65,5. No mundo, a média é de 46 nascimentos a cada mil. 12 Por isso, na amostra, temos adolescentes com mais de 16 anos que integram a coleta de dados. 23 Perfil da amostra quan ta va - Adolescentes Ano escolar 31,9% 24,0% 14,4% 13,9% 9,1% 2,1% 0,2% 0,4% 4,0% A grande maioria dos(das) adolescentes vai até a escola a pé (72,8%), 1,9% vai de bicicleta, 6,7% vão de carro, 10,9% u lizam o transporte cole vo (ônibus), 1,6% vão de moto, 0,7% u lizam o metrô (Trensurb) e 1,4% declararam ir de outra forma. Sobre o exercício de a vidades remuneradas, a maioria da amostra não desenvolve a vidades pelas quais recebam remuneração. Perfil da amostra quan ta va - adolescentes Exerce a vidade remunerada? 79,5% 6,8% 24 5,8% 4,7% 1,9% 1,2% Com relação aos territórios pesquisados, a amostra se apresenta da seguinte forma: Perfil da amostra quan ta va - Adolescentes Bairro 135 130 115 110 80 22,8 23,7 Boa Saúde Santo Afonso 20,2 Canudos 19,3 Kephas 14 Roselândia Número entrevistados (Total: 570 adolescentes) % Com relação ao domicílio, os números apontam que, em média, residem 4,47 pessoas no domicílio do(a) adolescente, distribuídos da seguinte forma: Número de moradores maiores Número 1 2 3 4 5 6 7 9 11 % 13,2 56,0 22,0 5,7 1,8 0,6 0,4 0,2 0,2 Número de moradores menores Número 11 9 8 7 6 5 4 3 2 1 % 0,4 0,2 0,2 0,2 0,6 3,9 8,7 18,7 29,5 37,7 25 Sobre a cons tuição familiar ( po de família), a maioria dos(as) adolescentes respondeu viver em uma família nuclear. A Escola Nacional de Mediação e Conciliação (2017) define os pos de família como: ü Nuclear: onde pai, mãe e filhos vivem todos juntos; ü Monoparental: os filhos vivem apenas com um dos pais. ü Recomposta ou recons tuída: após o divórcio, a mãe ou o pai passa a viver com outra pessoa. ü Alargada ou ampliada: dentro da mesma casa residem os pais, os filhos, os avós, os os, os primos etc. ü Homoparental: composta por duas pessoas do mesmo sexo, sejam homens ou mulheres que residem juntos. ü Binuclear: composta por dois lares que se formam após o divórcio. Ambos os pais permanecem responsáveis pelos cuidados dos filhos, atendendo as necessidades deles de forma integral. ü Família Poliafe va: consiste na relação entre mais de duas pessoas. Na relação poliafe va todos são casados entre si, podendo inclusive lavrar escritura pública para documentar a relação. ü Família Subs tuta: Em hipótese, quando a família natural não está sendo capaz de garan r os direitos decorrentes do princípio da proteção integral, será promovida a colocação da criança e adolescente em uma família subs tuta, compreendendo três espécies: a guarda, a tutela e a adoção. ü Família Unipessoal: é a composta por apenas uma pessoa. 26 Perfil da amostra quan ta va - Adolescentes Tipo de família 1,1% 4,6% 0,9% 0,7% 7,5% 12,3% 55,8% 17,2% Nuclear Monoparental Recomposta Alargada Subs tuta Não respondeu Homoparental Unipessoal A mãe foi apontada como responsável pelo domicílio na maior parte da amostra. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do Ins tuto Brasileiro de Geografia e Esta s ca (IBGE), o número de famílias chefiadas por mulheres (aquelas que têm as mulheres como a principal referência) mais que dobrou em 15 anos, passando de 14,1 milhões em 2001 para 28,9 milhões em 2015. O Ins tuto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a par r dos dados da PNAD, afirma que 34% das famílias chefiadas por mulheres têm a presença de um cônjuge, mas também é elevado o número de mulheres que não tem companheiros. Segundo o IBGE, em 89,1% dos divórcios, a responsabilidade pela guarda dos filhos é concedida às mulheres. 27 Perfil da amostra quan ta va - Adolescentes Responsável pelo domicílio 70,0% 17,9% 2,8% 1,9% 1,1% 1,3% 0,7% 0,5% 0,4% 1,8% 1,8% O perfil dos(as) adolescentes que integram a amostra qualita va também demonstra algumas caracterís cas que são “marcadores” da adolescência e das culturas juvenis atuais. Navegar na internet e jogar online, por exemplo, foram duas opções muito citadas pelos(as) pesquisados(as). A questão apresentava 14 possibilidades de marcação, da qual os(as) adolescentes deveriam escolher as três que mais fazem. 26 28 Perfil da amostra quan ta va - adolescentes A vidades que mais faz no tempo livre Navegar internet Tarefas de casa Jogar online 5,6% 9,1% 8,2% 1,6% 9,6% Fazer esporte 42,3% Dormir 15,8% Redes sociais 16,5% 41,2% Nada Com amigos na rua 18,6% Estudar/ler livros Cuidar de menor Com amigos em casa 33,3% 21,4% A vidades culturais Jogar offline 21,6% Cuidar de idoso 31,6% Além de responderem sobre as a vidades realizadas, os(as) adolescentes manifestaram, de forma espontânea, três coisas que gostariam de fazer no tempo livre. Perfil da amostra quan ta va - adolescentes O que gostaria de fazer no tempo livre Meditação/Relaxar Tomar chimarrão Fazer parkur Curso fotografia Curso de artes/Desenho Curso robó ca Voluntariado/Acao Social Tarefas de casa/Cuidar Criança/Cuidar Idoso Ficar com família Brincar Namorar Curso Instrumento/Canto/Música Navegar internet/Computador A vidades culturais/música/dança/teatro Estar com amigos/rua/em casa/praças Curso Informá ca/Computação Sair/se diver r Estudar/ler livros Jogar online/offline/Videogame Curso Profissionalizante Trabalhar 0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 29 Os(as) adolescentes apontaram “navegar na internet” como a a vidade que mais fazem no tempo livre. 74,6% informaram que possuem internet em casa, 16,7% acessam no celular. Apenas 1,4% u lizam a internet em espaços públicos e 0,5% na escola. 2,5% da amostra navega na internet na casa de amigos e parentes e 1,2% em outros locais. 1,2% não tem acesso a internet e 1,9% não respondeu. O acesso diário à internet é apontado por 73,2% dos(as) adolescentes. Apenas 2,5% afirmou acessar raramente e 0,7% disseram que nunca acessam. 10,7% acessa quase todos os dias e 10% acessa de vez em quando. 3% da amostra não respondeu essa questão. Além disso, a presença nas redes sociais também é majoritária: 88,8% possui perfil em alguma rede social digital. Os assuntos mais buscados na internet são relacionados à música e dança e também séries e TV. 13 Perfil da amostra quan ta va - Adolescentes Assuntos que busca na internet Música/dança Séries/Tv Pesquisas Escolares 59,3% Esportes/Futebol Dicas de Moda e Beleza Emprego/Cursos profissionalizantes No cias 38,8% 34,9% Namoro Outros esportes Outros Não respondeu 16,1% 14,7% 10,9% 10,0% 5,6% 5,4% 13 26 30 3,3% 5,6% Com relação ao uso da internet, como compara vo, a pesquisa TIC Kids Online , em sua sexta edição, apontou que cerca de oito em cada dez crianças e adolescentes (85%) com idades entre 9 e 17 anos eram usuários de Internet em 2017, o que corresponde a 24,7 milhões de jovens nesta faixa etária em todo o país. Oito em cada dez crianças e jovens dizem que enviam mensagens instantâneas quando conectados à Internet, 77% afirmam assis r a vídeos online, 75% ouvem músicas e 73% navegam em redes sociais. Disponível em: h ps://ce c.br/pesquisa/kids-online/5 a 9 anos, 10 a 14 anos e 15 a 19 anos. O valor mencionado é a soma dessas faixas etárias. CONHECENDO A AGRADECIMENTOS REALIDADE DOS TERRITÓRIOS O BAIRRO EM UMA PALAVRA BATALHADOR ESPERANÇA PRECONCEITO VIOLÊNCIA CÉU VONTADE POSSIBILIDADESCAMINHANDO MISTURA POTENCIALIDADE UNIÃO SUPERAÇÃO DIFICULDADE FALTA INFRAESTRUTUTURA AUMENTO DA POPULAÇÃO AUXÍLIO SOLIDARIEDADE DIVERSIDADEDINÂMICO AMOR VULNERABILIDADE AMIZADE DESAFIO LAR PARTICIPAÇÃO NOVO DOIS LADOS Ao descreveram seus bairros em apenas uma palavra, os(as) par cipantes dos grupos focais da pesquisa qualita va destacaram caracterís cas marcantes de cada localidade: preconceito, vulnerabilidade, desafio, falta de estrutura, violência e dificuldade; que possuem conotações não posi vas, des nando ao bairro uma imagem de fragilidade e dificuldades. Por outro lado, é importante destacar que esperança, superação, amizade, solidariedade, amor, união, par cipação, vontade, novo, também são palavras u lizadas como marcadores desses espaços, o que demonstra que, apesar dos aspectos nega vos observados, a população desses territórios constrói ali seus espaços de sociabilidade, de interação social e de pertencimento. 31 Foto: acervo Fundação Semear O Bairro Boa Saúde Dois lados Aumento populacional Preconceito BOA SAÚDE Vulnerabilidade Dificuldade CEU Mistura O bairro Boa Saúde integra Novo Hamburgo desde 1995.14A área pertencia antes a São Leopoldo e a anexação foi aprovada por meio de um plebiscito realizado em outubro de 1995. Os bairros limítrofes são Petrópolis, Rincão e Primavera e também faz limite com o município de Estância Velha. Área total é de 6,9 quilômetros quadrados. Os primeiros moradores foram populações migrantes de outros municípios que ocuparam a área. Segundo dados do IBGE (2010), o bairro Boa Saúde tem uma população de 11.355 habitantes, que se dividem em 2.581 residências. Em relação aos aspectos econômicos, há 24 indústrias, 70 pontos de comércio e 64 serviços. 14 Disponível em: h ps://www.jornalnh.com.br/_conteudo/2018/04/no cias/regiao/ 2252637-conheca-um-pouco-da-historia-dos-bairros-hamburguenses.html 33 Na úl ma década, o bairro passou por inúmeras modificações e vivenciou um expressivo crescimento populacional a par r da construção e ocupação do Condomínio Novo Hamburgo. Esse conjunto habitacional abrigou, incialmente, famílias provenientes do bairro Kephas. Esta nova composição do bairro gerou inúmeros conflitos, uma vez que não foram construídas estratégias de acolhimento para essa população e houve falta de readequação dos equipamentos públicos para atender o aumento das demandas, além da existência do preconceito em relação aos moradores oriundos do bairro Kephas, devido à associação da região com a incidência de criminalidade. Nos relatos dos grupos focais, é evidente a compreensão dos(as) par cipantes sobre o bairro e as dificuldades que percebem, como a pobreza, a falta de escolas, falta de postos de saúde e de médicos nas proximidades, além da questão do tráfico de drogas, da ocorrência de assaltos e mortes violentas. Diante desse cenário é necessário o desenvolvimento de um trabalho intenso para que haja melhorias efe vas. É importante ressaltar, também, que a pesquisa qualita va apontou a percepção de preconceito quando as pessoas dizem que moram no bairro Boa Saúde, refle ndo a associação da condição de pobreza com a criminalidade. “Muita gente perdeu o emprego quando veio morar aqui. Meu marido foi um. Por exemplo, eu morava no Kephas e trabalhava em Canudos, vamos dizer. A minha irmã trabalhava em Canudos. Tinha um ônibus de manhã que saia do Kephas e levava direto pra Canudos. E outras vezes o ônibus da firma próprio. Pessoal veio morar aqui e muita gente ficou sem emprego porque tu não nha como. O ônibus da firma não passava aqui, aí a firma não quis pagar passagem, porque o custo ia ser muito grande. No fim, as pessoas perderam o emprego e tem gente desempregada até hoje que não consegue mais emprego. A maioria aqui sobrevive com Bolsa Família. Eu digo 'sobrevive', porque não tem como viver.” (Moradora do bairro) Ainda, percebem uma fragmentação do bairro na visão dos próprios(as) moradores(as), segregando quem mora no Condomínio Novo Hamburgo, popularmente conhecido como “casinhas”. Apesar dos conflitos já terem sido atenuados, a dissociação entre os “moradores do bairro Boa Saúde” e os “moradores das casinhas” é percep vel, implicando 26 34 34 diretamente na forma como os moradores acessam – ou não – os serviços e equipamentos públicos e os demais espaços de atendimento presentes no território. “Logo que a gente veio morar aqui não nha ônibus, que nem agora tem, não é suficiente. Quando nós viemos, nha menos horário ainda. A maioria das vezes, a gente era obrigado a pegar os ônibus deles que faz o i nerário aqui de cima, do Primavera... Tu quie nha só ouvindo no ônibus, tu ouvia que só ladrão mora aqui.” (Moradora do bairro) Além do es gma social dos moradores, as questões geográficas são relevantes para o acesso da população aos serviços. A maioria dos equipamentos públicos e outros espaços de atendimento está situada no eixo central dos bairros Boa Saúde e Primavera, dificultando o acesso e a vinculação da população mais vulnerável. Como exemplo, é possível citar o 15 Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), que fica situado no bairro Primavera, muitas vezes impossibilitando o acesso da população ao serviço. Ao indicarem o que tem no bairro, a percepção dos pais e responsáveis apresenta: 15 O CRAS é uma unidade de proteção social básica do Sistema Único de Assistência Social, que tem por obje vo prevenir a ocorrência de situações de vulnerabilidade e riscos sociais nos territórios, por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, e da ampliação do acesso aos direitos de cidadania. O CRAS tem como público prioritário em suas ações os beneficiários de algum bene cio da assistência social, famílias em situação de vulnerabilidade social devido a fragilização dos vínculos familiares ou com a comunidade. O principal serviço do CRAS é o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), desenvolvido principalmente em grupos busca a par cipação da família para promover orientações e prevenir situações de vulnerabilidade ou violência; O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos busca reunir as pessoas, nas suas respec vas faixas etárias, crianças e adolescentes ou idosos, para o desenvolvimento de ações em grupos visando a prevenção a situações de vulnerabilidade e violência, cons tuem-se em espaços de convivência e fortalecimento de vínculos com a comunidade; É previsto, também, o serviço no domicilio para pessoas com deficiência ou idosos que não tenham condições de buscar pelos serviços no CRAS ou na sua comunidade; Realiza ações na comunidade que es mulem à convivência comunitária, divulgação do acesso aos direitos, a par cipação da comunidade na construção da vida pública do seu território etc. 35 Indique o que tem no Bairro - Boa Saúde (Pais e Responsáveis) 93,4% 87,9% 86,8% 80,2% 70,3% 67,0% 62,6% 61,5% 41,8% 41,8% 31,9% 29,7% 29,7% 22,0% 22,0% 22,0% 18,7% 18,7% 14,3% 12,1% 5,5% 36 26 O território conta com equipamentos públicos e privados que disponibilizam algumas a vidades extracurriculares ou no contraturno para crianças e adolescentes. Contudo, a percepção é de que a rede é fragmentada e as ações não são ar culadas entre os serviços. Além disso, em algumas situações verifica-se que as equipes são insuficientes e/ou incompletas. As inicia vas comunitárias encontram-se fragilizadas e as ações sofrem com a descon nuidade, com realização apenas pontual. O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos desenvolvido pelo CRAS, oferecido pela polí ca de assistência social, é realizado por inscrições e mediante a liberação de vagas, após a análise da situação de vulnerabilidade social. São priorizadas situações que envolvam trabalho infan l, atraso escolar e acolhimento ins tucional. Entretanto, segundo os(as) técnicos(as), os recursos para a manutenção e a criação de novas a vidades não são suficientes. “Ano passado, a gente nha um serviço de convivência em duas tardes, mas ficamos sem educador e vemos que fechar.” (Técnico/a) Também existem inicia vas privadas (organizações da sociedade civil) reconhecidas no território como a União Jovem do Rincão (UJR), que atende, em média, 100 crianças e adolescentes nas a vidades, mas que ressalta que o bairro tem uma demanda reprimida de ações voltadas para crianças e adolescentes. “A gente (...) tem alunos e uns de extrema dificuldade socioeconômica. Tem vários alunos do residencial ali que par cipam com a gente. Até pouco tempo nha muita resistência, até pelo próprio local, com a praça CEU, e ou é tudo assim. A gente tenta captar algumas coisas com eles, conversar. Então tem várias combinações que a gente tem com os alunos. (...) A gente tenta trabalhar alguma coisa, mas (...) tem demanda de pessoas que buscam (...) até pela pouca a vidade que tem dentro do bairro, né? Tem muitos alunos. A gente tem 6 pontos dentro da cidade que a gente a nge ao todo são 100 alunos. A gente chega até 130, até com lista de espera.” (Técnico/a) A presença das igrejas também é percebida no território (Pastoral da Igreja Católica e Projeto Conexões da Igreja Luterana), que desenvolvem ações pontuais por meio de grupos de jovens. En dades como o CTG e a Escola de Samba Cruzeirinho disponibilizam cursos de dança e capoeira. O Ins tuto Ilda Maciel e a Associação de Moradores oferecem algumas a vidades como capoeira, zumba e judô. Porém, segundo o relato dos (as) (as) 37 entrevistados(as), as ins tuições estão frágeis, sem aportes financeiros e as ações acontecem esporadicamente. Os(As) jovens do bairro costumavam acessar um projeto da Associação Atlé ca Banco do Brasil (AABB), mas o programa foi ex nto em 2017, devido à dificuldade de manutenção. Os relatos evidenciam a inexistência de uma rede de atendimento a crianças e adolescentes e a falta de ações estruturadas, seja pela ausência de inves mentos privado – um reflexo do contexto sócio econômico, polí co e cultural do país – ou pela dificuldade de sustentabilidade das a vidades executadas por organizações comunitárias. Em relação à educação, os(as) par cipantes da pesquisa apontaram que as escolas existentes não atendem a demanda da população. “Eu vou comunicar vocês que eu já pedi uma reunião aqui com a Secretaria de Educação, nós vamos debater isso aí. Eu não botei a minha no colegião, porque eu acho um desaforo, um descaso isso aí. (...) E eu não matriculei a minha e eu disse 'já comuniquei o conselho tutelar' porque a S. tá há dois anos sem estudar. Eu fui no conselho e comuniquei que não nha condições de pagar a passagem e eu não vou mandar ela a pé. Da outra vez, as outras duas minhas estavam estudando lá no Primavera e nha e ir e voltar e foram assaltadas na estrada de noite. Tirei elas do colégio na mesma hora e fui no conselho e comuniquei 'não vão mais'. Eu prefiro uma filha minha burra e viva, do que inteligente e morta.” (Moradora do bairro) Não existem escolas de Ensino Médio no território e apenas uma escola de Ensino Fundamental é iden ficada pela população, que é a Escola Estadual de Ensino Fundamental Jair Foscarini (do sexto ao nono anos). É importante destacar que foi recorrente a associação da escola com questões de violência, criminalidade, tráfico e outros conflitos, além da percepção de uma grande resistência dos pais em relação à escola. Contudo, a escola tem sofrido readequações e reformas, após incidentes, não apenas no que se refere questões estruturais, mas também no corpo técnico. Com isso, é percep vel uma maior ar culação entre a escola e os serviços e equipamentos públicos de assistência social, em uma tenta va de desenvolver ações mais integradas para a minimização da evasão escolar, um dos principais desafios do bairro com relação à educação. 38 26 Outro ponto citado é a questão cultural do bairro com relação à escolaridade: “O que eu traria assim de mais marcante é a cultura da família de baixa escolaridade e aí não es mula que a criança par cipe e frequente a escola e não ter a escola no bairro. Então pensa, tu já não tem um es mulo em casa pra ir na escola, e aí tu tem que sair 6h da manhã, abaixo de temporal, caminhando, porque não tem recurso pra vir até o Clemente a pé, caminhando, caminhando...é uma coisa muito marcante. Bom, os que con nuam frequentes e que conseguem garan r ali, passar de ano e romper com aquela cultura da família são guerreiros, assim. Porque é muita dificuldade.” (Técnico/a) As ações de contraturno ofertadas pela educação são pouco percep veis entre os(as) moradores(as). O município, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SMED) desenvolve o projeto Movimentos e Vivências na Educação Integral (MOVE). Com relação a espaços de sociabilidade, o Centro de Artes e Esportes Unificados, conhecido como Praça CEU, é o único espaço de sociabilidade de 16 jovens e adolescentes consolidado no território. O complexo foi construído para concentrar diversas a vidades de cultura, lazer, arte e esportes e está situado nas imediações do Condomínio Novo Hamburgo. Inicialmente, o prédio abrigaria uma unidade do CRAS mas até o momento da pesquisa de campo não se concre zou. É possível inferir que a fragilidade das equipes técnicas inviabiliza o desenvolvimento de algumas a vidades e serviços. A Praça CEU oferece a vidades no contraturno escolar, como jogos, aulas de jiu-jitsu, capoeira, dança, informá ca, oficinas de comunicação, horta comunitária e EJA. A Secretaria de Cultura é responsável pelo espaço e algumas a vidades oferecidas fazem parte do Programa Municipal de Desenvolvimento Integrado, parceria da Prefeitura Municipal com o BID que será encerrada em 2019. 16 A Praça CEU possui quadras espor vas, área de jogos, salão, playground, equipamentos de ginás ca e quadra coberta e integra em um mesmo espaço sico, programas e ações culturais, prá cas espor vas e de lazer, formação e qualificação para o mercado de trabalho, serviços socioassistenciais, polí cas de prevenção à violência e inclusão digital. O Centro possui uma área de 3.000 m² e é composto por dois edi cios mul uso, que abrigarão o Centro de Referência e Assistência Social (CRAS Boa Saúde), uma biblioteca com 2.250 livros, sendo 250 para atender pessoas com necessidades especiais de leitura, um telecentro com 12 computadores, um cineteatro/auditório com 60 lugares, quadra poliespor va coberta, pista de skate, equipamentos de ginás ca, mesas de xadrez, playground e pista de caminhada, além de salas mul uso. Ver: h p://cultura.novohamburgo.rs.gov.br/modules/conteudo/ conteudo.php?conteudo=10 39 A situação da saúde no bairro também foi citada como um desafio, devido ao aumento da demanda, decorrente do aumento populacional e da escassez de profissionais atuando no serviço. Inicialmente, segundo os(as) par cipantes da pesquisa, havia a previsão da construção de uma unidade de saúde nas imediações do Condomínio, mas o projeto não se concre zou. “Os moradores daqui só são atendidos pela médica que atende esta área. Se ela falta, outro não atende, mas isto não acontece com os outros moradores, só com quem é daqui.” (Moradora do bairro) “Tem muitas pessoas precisando de atendimento e poucos médicos, além de pessoas que não estão cadastradas no Sistema Único de Saúde (SUS) e precisam de atendimento. (...) O bairro aumentou em população, mas sua estrutura permaneceu a mesma, o que prejudica os moradores.” (Agente de Saúde) Ao longo da pesquisa, as fragilidades do bairro com relação aos serviços de atenção e cuidado des nados a crianças e adolescentes ficam evidentes. O Condomínio Novo Hamburgo destaca-se pelo contexto de vulnerabilidade vivenciado pela maioria de seus moradores, que não está inserida formalmente no mercado de trabalho, possui baixa escolaridade, tem sua subsistência ancorada nos programas sociais e trabalhos informais, principalmente com reciclagem. Há a percepção, por parte dos(as) integrantes da amostra, dessas dificuldades, bem como das falhas do poder público no que diz respeito ao transporte público, à educação, à geração de emprego e renda. Ainda que a situação seja desanimadora, a população demonstra um perfil ques onador e atuante, buscando realizar reuniões com representantes de secretarias, diálogos com o poder público e até mesmo protestos por melhorias no bairro. 40 Esse cenário, com caracterís cas marcantes de exclusão e negação de direitos implica em um ambiente árido para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, marcado pela vulnerabilidade e pelo aliciamento constante pelo tráfico. O contexto de pobreza leva adolescentes a contribuírem de forma mais efe va no sustento da família, limitando o acesso e a permanência na escola e potencializando a evasão escolar. O ciclo de pobreza e marginalização não é quebrado, pois os adolescentes e jovens são empurrados para o trabalho informal ou para o crime. Nesse sen do, as percepções dos pais e responsáveis, dos técnicos(as) e dos(as) próprios(as) adolescentes estão alinhadas: apontam para a necessidade da construção de programas que preparem os(as) adolescentes para o mundo do trabalho, aliando a educação formal e a capacitação técnica, prevendo subsídio ou remuneração para os par cipantes. 41 Foto: Leonardo Savaris jan. 2019 42 O Bairro Canudos Diversidade Possibilidade Desafio União Vontade CANUDOS Desejo Complexidade Amplitude Potencialidades Vulnerabilidade Saberes Diversos O bairro Canudos é maior bairro urbano do município de Novo Hamburgo e também tem a maior população, com 62.292 habitantes (IBGE, 2010) em uma área de 14,1 km². O nome é uma referência à Revolta de Canudos, ocorrida no fim do século 19, no interior da Bahia, que foi imortalizada na obra Os Sertões, de Euclides da Cunha. O bairro conta com 13.155 residências, 415 indústrias, 969 pontos de comércio e 1.146 serviços (IBGE). Originalmente, o bairro concentrava um grande número de fábricas de calçados e se estruturou a par r dessa demanda. Com a crise que a ngiu o setor calçadista, a presença das indústrias atualmente é 44 modesta, mas o bairro conta com um eixo comercial bem estruturado e a presença de diversos equipamentos e serviços públicos. Canudos é um bairro importante para a economia do município, pois tem um comércio forte, onde se localizam diversos bancos, fábricas, lojas e também é um bairro fortemente residencial. Devido à dimensão territorial, o bairro Canudos é muito heterogênero, composto por localidades com caracterís cas socioeconômicas bastante dis ntas. Diante disso, entendendo a importância de retratar contextos de maior dificuldade de acesso a atendimento para crianças e adolescentes, a pesquisa concentrou-se em localidades que apresentam mais vulnerabilidade e exposição a riscos. Dessa forma, foram contemplados na pesquisa a Vila Kipling, Morada dos Eucaliptos, Marisol e Vila Flores, que são comunidades que apresentam situações similares, ancoradas na presença consistente do tráfico de drogas, nas situações de pobreza, miséria e na localização periférica, que dificulta o acesso aos principais serviços. Ao iden ficarem o que o bairro apresenta, os pais e responsáveis afirmaram: 95,6% 91,1% 87,8% 83,3% Indique o que tem no Bairro - Canudos (Pais e Responsáveis) 57,8% 51,1% 50,0% 52,2% 44,4% 41,1% 38,9% 30,0% 37,8% 33,3% 28,9% 35,6% 23,3% 13,3% 12,2% 14,4% 5,6% 45 A rede de atendimento a crianças e adolescentes encontra-se em uma situação peculiar e desafiadora. O território conta com alguns equipamentos públicos e privados, que disponibilizam a vidades no contraturno para crianças e adolescentes. Contudo, a rede é fragmentada e as ações não parecem ar culadas, com uma compreensão incipiente do território. As inicia vas comunitárias estão fragilizadas, mantendo algumas ações pontuais e descon nuadas. Em relação aos serviços e equipamentos públicos, o CRAS se apresenta como um importante e sintomá co espaço para a compreensão dos códigos culturais do bairro e dos(as) atores(atrizes) mais relevantes nesse cenário. No CRAS existe o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), estabelecido na polí ca de assistência social. No entanto, desenvolve a vidades pontuais como: horta comunitária, oficinas de fotografia e vídeo, entre outras. O local de atendimento do CRAS é novo e bem estruturado, porém a equipe apresenta certa mobilidade de técnicos(as), dificultando a consolidação de vínculos com usuários(as) e também uma melhor compreensão do território. O entendimento da demanda também é apontado na pesquisa. Os projetos propostos mais recentemente não par ram, segundo entrevistados(as), daquilo que o bairro e a comunidade considera mais importante e também não apontam para a con nuidade das ações. “O próprio BID que é muito interessante lida com recursos muito grandes, né? Comparados com recursos do estado, do município... mas, eles vem com um pacote de encomendas pronto e daí não vai funcionar. E a questão da con nuidade, porque pra construir um espaço onde não há uma cultura de grupo, onde não há uma cultura cole va ligada aos serviços, eu tô dizendo, tu precisa de tempo. Um projeto de um ano vai ter muita dificuldade de se sustentar. (...) O que me parece ser mais per nente é ter projetos mais a longo prazo e que consigam sustentar esse tempo.” (Técnico/a) Outro ponto destacado é a localização geográfica que implica em uma aderência menor aos serviços disponibilizados pelo equipamento. A extensão territorial do bairro Canudos é muito expressiva e gera dificuldades de locomoção para quem deseja par cipar das a vidades oferecidas. A região conta, ainda, com duas Unidades de Referência em 46 Assistência Social (URAS), mas que precisam fortalecer o atendimento e as vinculações de famílias de regiões de maior vulnerabilidade social. Sendo assim, a localização dos serviços, associada à violência e ao tráfico de drogas, bastante evidente em algumas regiões, amedrontam pais e mães e limitam o deslocamento dos adolescentes. Segundo os(as) entrevistados(as), estava prevista a implantação de dois CRAS no território, justamente pelas complexidades e pela amplitude do bairro. No entanto, esse planejamento não foi efe vado e o equipamento encontra dificuldades para atender as demandas do bairro. “Eles têm desejo, eles têm a vontade de que isso se transforme, que isso mude. Que tenha mais ofertas, que essas ofertas sejam mais próximas do território, da casa deles. Isso a gente tem dificuldade. Tem um projeto aqui, outro lá. O bairro tem vários projetos, a gente precisa muito mais, mas tem. (...) Tem o UJR, tem as unidades de referência, tem CRAS, tem alguns espaços que oferecem, porém o território é muito grande e aonde tá o público muitas vezes não tem. Se torna di cil pra eles terem o acesso. Eu noto, eu botei bem isso, eles tem a vontade e o desejo.” (Técnico/a) “É muito di cil num bairro eles deixarem seu filho ir sozinho até o local. Vai passar por pontos onde tem tráfico, vai passar por determinados lugares que os pais não vão deixar seus filhos irem sozinhos e eles trabalham também, eles têm outros compromissos. Então, isso dificulta, por exemplo, ir até o CRAS, para quem mora lá na Tancredo. Não tem como passar e vir, né? Isso é uma das maiores dificuldades.” (Técnico/a) O território também está contemplado com ações financiadas por meio do PMDI BID. As a vidades desenvolvidas pelo projeto no território, no eixo de esporte e lazer, são realizadas na Casa de Cultura e Cidadania e na Unidade da Fase (oficinas de esporte, basquete, cultura hip hop, skate, xadrez, mini vôlei, futebol e jiu-jitsu) entre outros. Também estão previstas 17 a vidades do eixo de comunicação do PMDI BID. Outras a vidades são realizadas em parceria com escolas – CIEP e Salgado Filho – e espaços comunitários 17 No momento da coleta de dados no campo, as a vidades ainda não haviam iniciado. 47 A Casa de Cultura e Cidadania sediava uma série de a vidades financiadas pela Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo e a empresa AES Sul. Contudo, o projeto foi descon nuado e o espaço, atualmente, recebe as a vidades do PMDI BID, algumas ações do MOVE e do Programa Primeira Infância Melhor (PIM), mas a falta de um serviço con nuo no local, impossibilita que ele seja reconhecido como uma referência para moradores do bairro ou um espaço consolidado de sociabilidade para adolescentes e jovens. A ausência de espaços seguros de sociabilidade é um problema apontado pelos(as) entrevistados(as). Essa situação dificulta o vínculo de crianças e adolescentes em ações propostas pelos equipamentos, uma vez que não há um local de referência consolidado, restringindo as possibilidades de vivências e prá ca de esportes no bairro. “Acho que falta muito espaço. O meu filho é um adolescente de 16 anos. Eu moro no bairro. Ele tem a turminha dele, que são nove, dez adolescentes e eles vão para Campo Bom para andar de skate.” (Liderança) “Só tem essa praça aqui e se chove tu não pode vir depois. Ela fica alagada quando chove.” (Técnico/a) O território conta com a presença de algumas ins tuições privadas que disponibilizam a vidades para crianças e adolescentes, como a União Jovem do Rincão (UJR), citada pelos(as) entrevistados(as) também no Bairro Boa Saúde. Porém, a maioria das ações não estão nas localidades que centralizam os maiores contextos de vulnerabilidade. A extensão do território dificulta a iden ficação dos serviços que são disponibilizados de forma mais sistemá ca e existe, inclusive, a percepção de algumas a vidades financiadas pelo tráfico. Nesse cenário, foram iden ficadas a vidades desenvolvidas por programas do poder público, inicia vas comunitárias e privadas ou ligadas a igrejas, como: a vidades aos sábados para jovens (JUAD – ligado ao Ministério Ba sta Cristo é Vida), capoeira e dança (a vidades pontuais da Associação de Moradores da Morada dos Eucaliptos), grupo de adolescentes mul plicadores em saúde (parceria da Unidade de Saúde da Família – USF com a comunidade das Morada dos Eucaliptos) e o já citado futebol social da UJR. 48 “(...) a gente tá no coração latente de Canudos. (...) A gente trabalha dois dias na semana e cada turma a gente trabalha 1 hora e quinze minutos, duas vezes por semana, então não é muita coisa. O que a gente percebeu é que ali as famílias vêm pra assis r o projeto. Tem muita coisa pra gente fazer ali, mas a gente não conseguiu fazer ainda. A gente pensou em fazer alguns laços aqui com o CRAS pra 2019. A gente vai ter que amarrar isso, porque a distância do CRAS lá pra Kipling, às vezes, pode ser um dificultador.” (Técnico/a) “Tem o UJR que é de futebol, e uma ação da Feevale. (...) Tem BID na Casa de Cultura e Cidadania. (...) A ASBEM também, é uma associação comunitária, talvez eles recebam alguma verba da prefeitura (...). Eles estão sempre captando recursos, eles trabalham com profissionalização de jovens e ampliaram alguns projetos do BID, algumas oficinas. Veterano, a escolinha de futebol e tem o Americano também que é gratuito ou baixo custo para as famílias. A cada dois meses, o CRAS faz o Portas abertas em um sábado. Até quem não u liza o CRAS e quer conhecer, quem u liza também. São a vidades diferentes que se oferece naquele dia, já se fez artesanato, contação de histórias para as crianças, abraço grá s.” (Técnico/a) A pesquisa apontou para as percepções dos(as) entrevistados(as) que convergem para a necessidade do desenvolvimento de ações integradas, que atendam às necessidades da comunidade e da população mais vulnerável. “A gente precisaria, sim, de serviço de convivência na Marisol e na Vila Flores. Esses não têm a possibilidade de par cipar desses projetos pela distância. A gente teria que ter mais profissionais para trabalhar diretamente com eles e trabalhar mais esses potenciais que eu sei que existem. Isso já ia fazer bastante diferença.” (Técnico/a) Ainda, a pesquisa indica a necessidade de uma maior ar culação entre os espaços de educação existentes no território, devido à falta de interlocução e sinergia entre os serviços municipais e estaduais, evitando a sobreposição de a vidades e buscando a construção de estratégias de intervenção alinhadas. Essa dificuldade e os desafios encontrados no território com relação ao tráfico de drogas, a limitação do repertório dos(as) adolescentes em relação à formação profissional e ao trabalho, convergem nega vamente para a evasão escolar. 49 Com relação à área de educação, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Francisco Xavier Kunst foi apontada de forma bastante contundente como um exemplo de espaço integrador e importante para crianças e adolescentes no bairro Canudos. “Ao invés de entrar numa de sobrepor ações, fortalecer aquelas que já tem. (...) A escola, ela olha o todo. Ela faz um seminário profissionalizante no final do ano. Tem todo um trabalho de encaminhamento para o trabalho. Da semana passada pra cá a orientadora conseguiu matricular todos do úl mo ano no ensino médio. Ela conseguiu trabalhando junto ali desde pequenino (...) É uma escola que quer que o aluno seja protagonista. Todo o movimento que eu vejo eles fazendo ali, eles querem que o aluno seja o protagonista. Eles não querem que tu vá lá e faça só por fazer. Eles querem que tu queira ir lá fazer e que tu faça o teu melhor. (...) Pra trabalhar em cima do sonho, não da obrigação.” (Técnico/a) A forte presença de uma cultura industrial que valoriza o trabalho em detrimento da educação limita a trajetória escolar dos(as) adolescentes e jovens, uma vez que existe um es mulo con nuo para que sejam inseridos no mercado de trabalho. Isso faz com que alguns e algumas adolescentes exerçam a vidades laborais de forma clandes na em pequenos ateliers, visto que uma trajetória escolar bem sucedida nem sempre agrega valor aos sujeitos. Aliado a isso, existe a necessidade de os(as) adolescentes e jovens colaborarem de forma consistente nas despesas domés cas, potencializando a situação descrita. Nesse cenário, o tráfico se apresenta como uma possibilidade de remuneração interessante, perpetuando um ciclo de violência e marginalização. “Uma questão cultural que se deve considerar, é de 'eu arrumar um emprego' e não de 'eu construir um trabalho, uma renda'. Nas fábricas de sapatos, têm muitas pessoas que abrem atelier. Eu era o chefe na fábrica e depois eu abro um atelier e passo a produzir. Tem todo um movimento social que se mobilizou por aí, mas muito em volta da fábrica de sapato.”(Técnico) Buscando superar essas questões e na tenta va de apontar ações que podem gerar impactos posi vos no território, os(as) entrevistados(as) sugeriram a realização de cursos profissionalizantes remunerados para adolescentes, prevenindo a evasão escolar; a criação de espaços de 50 sociabilidade para adolescentes e jovens, como pista de skate, ciclovia, quadra de esportes, etc e a capilarização dos serviços públicos para áreas de maior vulnerabilidade social. “Aqui no bairro não tem nada de curso profissionalizante que eles possam ter acesso, muito menos acesso à cultura, músicas, apresentações (...) Tem uma centralização. (...) Na verdade não tem espaços dentro do bairro pra esses adolescentes.” (Moradora do bairro) Foto: Leonardo Savaris jan. 2019 51 Foto: acervo Fundação Semear O Bairro Kephas Solidariedade Mu rão Cidade União Violência KEPHAS Agito Batalhadores Esquecimento Desafio Superação O Kephas é originariamente parte do bairro Diehl. O nome é em homenagem a Emílio Diehl, que morou na região por mais de 60 anos. Os bairros limítrofes são Roselândia, São José e São Jorge. Atualmente, segundo o IBGE, contabilizam-se 9.341 habitantes divididos e, 2.143 residências. O nome Kephas vem do Loteamento Kephas, construído em 1978, em forma de mu rão, envolvendo a Prefeitura e os moradores da comunidade. O loteamento possui caracterís cas dis ntas quando 53 comparado as demais localidades do bairro Diehl, sendo apontado como o espaço mais vulnerável do território. Esta percepção está ancorada nas representações sociais que permeiam as narra vas dos moradores, a associação à violência, extrema pobreza e criminalidade. Além disto, o loteamento é bastante heterogêneo, sendo composto por áreas de ocupação irregulares com uma presença incipiente do poder público. Os pais e responsáveis indicaram a existência de serviços, equipamentos e organizações na localidade, conforme o gráfico: Indique o que tem no Bairro - Kephas (Pais e Responsáveis) 96,7% 98,9% 96,7% 91,1% 75,6% 71,1% 62,2% 53,3% 45,6% 43,3% 40,0% 40,0% 33,3% 33,3% 26,7% 21,1% 12,2% 5,6% 54 23,3% 11,1% 7,8% As questões estruturais e sociais do Kephas são publicamente conhecidas, como as ocupações do território que acarretam insegurança, estrutura precária e exposição a riscos constantes. No entanto, é possível perceber fatores que potencializam os processos de exclusão vivenciados pelos(as) moradores(as), especialmente pelas crianças e adolescentes: o es gma, as questões geográficas, as dificuldades de acesso aos equipamentos e serviços públicos, a ausência de espaços des nados ao esporte, ao lazer e a presença ostensiva do tráfico no co diano do bairro. “Quando eu falei que ia vir pra cá disseram coisas: Tu cuida prá sair de lá, né? (...) Sempre quando eu vou, tem uma brincadeira ou outra: Cuida pra sair vivo de lá! Não sei, tem histórias que contam daqui que são bem pesadas, o pessoal pelo menos que eu converso, tenta passar um pouco de tranqüilidade, um pouco de amor pras pessoas. Não é tudo isso que falam. Eu vejo na rua, claro que tem seus obstáculos, né? Mas não é tudo isso que falam, pra mim é como um bairro normal, só que um bairro com mais vulnerabilidade em certas regiões.” (Técnico) “Eu percebi, muitas vezes, o preconceito das próprias pessoas daqui. (...) A questão de segurança hoje não existe em lugar algum, inclusive no interior do Estado, onde eu morei. (...) Por que a gente fala em preconceito racial, em homofobia e tal, mas muitas vezes tem o preconceito com o local que a pessoa mora.” (Técnico) “Moro no Kephas há 22 anos. (...) Não gosto que falem mal do meu Kephas, eu gosto do meu Kephas.” (Moradora do bairro) Apesar desse contexto, o engajamento comunitário é um ponto importante no território. O loteamento conta com três associações de moradores e diversas lideranças comunitárias que desenvolvem ações no bairro. Embora isso potencialize alguns conflitos de interesse, essa caracterís ca singular parece ser um diferencial e uma potência no território. “Tem três associações aqui e mais um monte de gente que se preocupa, que vai para a rua, que tenta manter nossos jovens longe do tráfico. A gente não tá parado. Todo mundo, do seu jeito, tá tentando melhorar o bairro.”(Liderança comunitária) Com relação, especificamente, à atenção e ao atendimento a crianças e adolescentes no Kephas, a rede é bastante frágil e não ampara as 55 demandas da comunidade. Existem ações sistemá cas e outras pontuais, porém insuficientes. O CRAS e o Centro de Vivência Redentora (CVR) foram apontados pelos(as) entrevistados(as) como referências no atendimento. No entanto, devido à localização, o acesso é limitado, não alcançando uma parcela bastante vulnerável da população do loteamento. A aderência ao CRAS também é afetada e os(as) que têm mais acesso a esses serviços são os(as) moradores(as) do Redentora. nononononononononononononnnnn “A gente sabe que muitas crianças e adolescentes não conseguem vir até aqui, dependem de um responsável para trazer e, se não ver quem traga, não vem. Tem que subir a lomba e isso dificulta muito. Deixamos de atender muitas pessoas que precisariam, e muito, dos serviços do CVR.” (Técnico/a) “Na parte do projeto a gente perdeu bastante aluno pelo fato que eles não subiam. 'Eu moro muito longe e daí não vou ir mais', 'o pai não tá deixando' ou 'a mãe não tá deixando a gente ir e tal'. (Técnico/a) O CRAS disponibiliza Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e abriga parte das a vidades desenvolvidas pelo projeto apoiado financeiramente pelo BID. São desenvolvidas oficinas de música (orquestra) e a vidades de comunicação comunitária, esportes e lazer. Porém, segundo os técnicos que atuam nos equipamentos, o acesso aos serviços é parcial devido à localização do CRAS, que impossibilita a integração da população mais desassis da ao projeto. Outra questão apontada é que o projeto não terá con nuidade, fazendo com que haja resistência para a par cipação. “Nós temos o serviço de convivência, mas o serviço de convivência se diferencia dessas outras a vidades. Ele não tem só o foco na a vidade em si, né? Porque é o meio, é a forma. Eles vêm aqui pra conviver. O obje vo é sim a proteção da criança, é esse fortalecimento desse vínculo junto com a família, não só vínculos sociais e comunitários, mas também familiares. Nosso foco é um pouquinho diferente. Por isso que a gente não tem essas oficinas.” (Técnico/a) Ainda, apesar das narra vas não apontarem essa questão de forma contundente, é possível perceber que os vínculos são incipientes, pois a atuação dos técnicos dos serviços públicos no território é recente. Conflitos anteriores imprimiram cautela na atuação e na proposição por parte da equipe, dificultando a incorporação de inovações nos serviços. 56 O Centro de Vivência Redentora é referência na comunidade por desenvolver a vidades de cultura, esportes e inclusão digital para crianças e adolescentes do território. A organização, que é gerida e man da pela Fundação Semear, realiza diversas oficinas e a vidades, tais como: música, teatro, judô e balé. Segundo os(as) entrevistados(as), o CVR possui uma estrutura diferenciada, uma equipe técnica engajada e a vidades de interesse. Além disso, ressaltam a importância da implementação do projeto de capacitação profissional oferecido pela ins tuição para jovens a par r dos 16 anos, o Projeto Vencer. Essa percepção está pautada na relação construída entre a ins tuição, a comunidade e no reconhecimento da importância dos serviços disponibilizados. Contudo, a barreira imposta pela localização geográfica e a capacidade limitada de atendimento por questões de sustentabilidade, são desafios presentes no co diano dos técnicos. “Nós temos vinte vagas para o Projeto Vencer. Nós já temos mais de 50 inscritos e o prazo de inscrições ainda não foi encerrado. Eles chegam aqui e dizem: eu quero me inscrever naquelas oficinas que ganha dinheiro. Isso mobiliza eles, é importante na situação que esses adolescentes vivem.” (Técnico/a) “Eu gostava quando ia no Redentora. Eu fazia balé lá (...) e nha tudo, apresentação, roupa... Eu parei de ir, tenho que ficar com a minha irmã agora.” (Adolescente) Outras ações de inicia va privada, além do CVR, são apontadas, como a UJR, que também estabelece a vidades sistemá cas. Apesar das a vidades da UJR não acontecerem no Loteamento Kephas, existe uma boa adesão ao projeto. O fenômeno mostra o pres gio do esporte junto à comunidade e está alinhado com as expecta vas de modificação de realidade socioeconômica, alavancadas pelo sonho de carreiras espor vas bem sucedidas. O futebol ainda personifica a possibilidade de mudança da trajetória de vida para jovens da periferia e está entre as a vidades mais citadas pelos(as) adolescentes que residem no loteamento. Apesar da presença de escolas públicas no bairro, as que estão localizadas no loteamento possuem uma estrutura deficitária quando comparadas às demais. Nesse cenário, é importante destacar que foi recorrente à associação das escolas com violência, criminalidade, tráfico 57 e conflitos, principalmente a escola Kurt Walzer. A escola tem buscado dirimir essa imagem, implantando melhorias na estrutura e nas questões rela vas à segurança dentro da escola. Algumas escolas oferecem a vidades no contraturno por meio do MOVE, dentre elas, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Adolfina J.M Diefenthaler se destaca por oferecer diversas a vidades, ser referência no desenvolvimento de projetos pedagógicos e na incorporação de novas metodologias. As escolas localizadas no loteamento oferecem poucas a vidades. A comunidade demonstra certo ressen mento com o encerramento do Projeto Escola Aberta e a descon nuidade do Projeto Tipo Assim. Outro aspecto relevante com relação à educação é que há apenas uma escola de Ensino Médio no bairro que se encontra geograficamente distante das comunidades mais vulneráveis. As fragilidades do bairro são evidentes no processo da pesquisa, em especial em relação aos serviços de atenção e cuidado para crianças e adolescentes. Não existem espaços seguros para adolescentes e jovens, impossibilitando a prá ca de esportes e encontros de lazer, por exemplo. “Eu acho que não tem muita coisa pra eles [adolescentes] fazerem. Não tem opção aqui. Estão aprendendo outras coisas já, que não é de aprender... A ficar nas esquinas com o cigarrinho, da maconha já. Tu já não tem uma alterna va.” (Moradora do bairro) A composição desse cenário, aliado ao fato de exis r apenas uma organização privada no bairro que realiza atendimentos e ações sistemá cas, além do CRAS, demonstra a necessidade de um olhar mais acurado para o Kephas. As ações pontuais e fragmentadas são importantes, mas ao mesmo tempo dificultam a vinculação e, quando estão estabelecidas, são encerradas, causando desânimo, desistência e falta de interesse. As percepções dos(as) diversos(as) atores e atrizes sociais entrevistados(as) convergem para a necessidade de desenvolvimento de ações integradas que atendam às diversas necessidades da comunidade, que sejam desenvolvidas em médio e longo prazo, com a construção de projetos mul disciplinares, de abordagem integral, bem como, cursos de geração de renda para as famílias. 58 A compreensão da heterogeneidade do território é fundamental, bem como o fortalecimento e a expansão dos serviços da rede pública de saúde, educação e assistência social. Foto: Leonardo Savaris jan. 2019 “Em termos de precariedade, onde tem diferenças assim bem visíveis, o Kephas tem uma divisão. Tem o pessoal mais tradicional, as pessoas que vivem nas regiões mais regularizadas, a visão de quem tá morando nas ocupações e que vive em condições sub-humanas, que é muito di cil de chegar aqui pra cima. Devia ter as mesmas condições aqui do que a gente encontra lá em certos lugares, po a Vila Esperança, a famosa Rua da Conquista, nº 500. Todo mundo tem o endereço do nº 500 e quer ir. Beco das Bananeiras é um desafio. Não se muda isso com projeto de um ano.”(Técnico/a) Foto: Leonardo Savaris jan. 2019 59 Foto: acervo Fundação Semear O Bairro Santo Afonso Vulnerabilidade Construção Diferente Caminhando Potencialidade SANTO AFONSO Desafio Dinâmico Esperança Acolhedor Amor O Bairro Santo Afonso recebeu esse nome em homenagem ao padre católico Afonso, irmão de Aloysio Hoffmann Schmidt, responsável pelo primeiro loteamento do bairro. Os bairros limítrofes são Liberdade, Industrial, Rondônia, Canudos e Lomba Grande. O bairro Santo Afonso possui 8,6km² de extensão e tem 23.823 habitantes, 4.298 residências, 127 indústrias, 238 pontos comerciais e 326 serviços (IBGE). 61 Segundo os moradores, originalmente, o bairro recebia famílias de operários que trabalhavam na indústria calçadista, durante um certo período, abrigou diversas fabriquetas e ateliers de calçados. Contudo, com as crises que a ngiram o setor, o empobrecimento do território ficou mais evidente. Esse cenário, aliado ao posicionamento estratégico do território no município, possibilitou a estruturação do tráfico de drogas na região, em consequência disso, a associação com a violência e a criminalidade, potencializou o processo de marginalização e es gma zação social dos(as) moradores(as) do bairro. “E isso me chamava a atenção porque não é normal a gente usar carteira de trabalho no bolso, e aí eles falaram: 'não, sor, na rua, na Santo Afonso, tudo neguinho, se não tem carteira de trabalho já é paredão, já é isso, já é aquilo.” (Técnico/a) “O tráfico é muito sedutor para os jovens, é di cil. Quando eu era guri, eu sonhava em ter uma cama, depois um quarto pra mim. Tu não tem nada e chega alguém e te oferece uma chance de ganhar dinheiro. Primeiro, ele te dá um tênis, faz uma preza, te dá atenção, te faz tu te achar um cara importante (...) é di cil resis r.” (Liderança) Ao indicarem a existência de equipamentos públicos e outros serviços no bairro, os pais e responsáveis apontaram: 98,9% 89,9% 92,1% 98,9% 97,8% 97,8% 93,3% 87,6% 94,4% 85,4% 51,7% Indique o que tem no Bairro - Santo Afonso (Pais e Responsáveis) 55,1% 52,8% 46,1% 44,9% 43,8% 49,4% 36,0% 30,3% 27,0% 14,6% 62 Em relação aos equipamentos, percebe-se a importância de espaços como a Praça da Juventude e o CRAS para a compreensão dos códigos culturais do bairro, dos(as) atores(atrizes) mais relevantes nesse cenário, sendo referência no território. É percep vel que o território possui uma rede, bastante consolidada, de serviços des nados a atender crianças e adolescentes no período do contraturno escolar, com diversas ações e técnicos(as) engajados(as). No entanto, também existem ações fragmentadas. Nos úl mos anos, observou-se que alguns programas foram descon nuados e alguns equipamentos estão com a capacidade de a vidades limitada devido à defasagem das equipes técnicas. O CRAS é o ar culador das a vidades no território, centralizando a organização das a vidades, mobilizando os demais equipamentos e ins tuição nas ações. Os(as) técnicos(as) possuem ampla compreensão das fragilidades do bairro e um vínculo consolidado com os(as) moradores(as). Disponibiliza ainda, os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, grupos de arte, jardinagem e ações de protagonismo juvenil. Na Praça da Juventude são desenvolvidas a vidades do eixo de esportes financiadas a par r do projeto PMDI BID: futebol, karatê, futsal, vôlei, basquete, jiujitsu, capoeira, musculação. As a vidades de comunicação cidadã do PMDI BID acontecem no espaço da an ga Base Pronasci que, além disso, abriga aulas de inglês, sessões de cinema, espaço de mediação de conflitos, núcleo de jus ça comunitária e direitos humanos, entre outros. A Praça da Juventude é o principal espaço de sociabilidade do território. O complexo foi construído para concentrar diversas a vidades de lazer, cultura e esportes. Além de sediar as a vidades oferecidas pelo PMDI BID, existem ações sistemá cas na praça e a vidades em contraturno escolar (jogos, aulas de judô, capoeira, dança, futebol). A praça oferece uma ampla infraestrutura para a prá ca de esportes e a vidades de lazer, contando com pistas de skate e quadra de vôlei de areia. Segundo os(as) entrevistados(as) existe um movimento de ocupação da praça e revitalização das a vidades, bem como o estabelecimento de regras junto aos(as) usuários(as). Essas ações buscam evitar que o local seja cenário para violência ou espaço de prá cas ilegais, como o consumo de drogas. 63 “A Praça da Juventude é um lugar de lazer no bairro, é um dos poucos lugares seguros. As pessoas aprenderam a respeitar. Hoje, as principais a vidades do bairro acontecem aqui e as pessoas sabem que, se precisam de algo, sempre tem alguém aqui, ou no CRAS, ou no URAS. Elas se sentem menos largadas.” (Técnico/a) O território também conta com o trabalho de organizações da sociedade civil que mantém a vidades para crianças e adolescentes de forma sistemá ca e bem consolidadas no território, como o SCFV para crianças e adolescentes, desenvolvido pelo Centro Social Madre Regina, que também disponibiliza projeto de inclusão produ va para jovens e adultos; a Ação Encontro, man da pela Associação Beneficente Evangélica da Floresta Imperial – ABEFI, com a vidades educa vas de cidadania, cultura, formação, esporte e lazer, realizadas no contraturno escolar; a União Jovem do Rincão – UJR, com o futebol social. Essas a vidades são reconhecidas pelos(as) diversos(as) atores(atrizes) sociais do território e, apesar da capacidade limitada de atendimento, são fundamentais para as mudanças no co diano do bairro. Além disso, são referência de bom atendimento, confiabilidade e possuem pres gio junto à comunidade. “E tem público. (...) tem par cipantes, tem a busca a va, a gente tá sempre se falando, as escolas. Então a rede, as escolas que tem seus projetos que buscam com a gente, a gente consegue com eles... é um procurando o outro sempre pra... É pra poder fazer um trabalho de qualidade, que dê resultado de qualidade. Então tem ação Encontro, tem o Madre Regina, tem a UBS tem a URAS da Criança.” (Técnico/a) “A minha filha frequentou muito tempo o Madre Regina, foi a melhor coisa que me aconteceu. Um ia para o CRAS e o outro para o Madre Regina. Eu consegui me organizar melhor, é muito di cil quando tu tá sozinha.”(Liderança) A rede de escolas presentes no território é bastante consolidada e atua de forma ar culada com os demais serviços e equipamentos. As escolas municipais desenvolvem a vidades em contraturno por meio do MOVE, da SMED. Apesar disso, os problemas relacionados à evasão escolar e à defasagem de aprendizado estão presentes no co diano. Ainda com relação à educação, o território apresenta como desafio a ausência de escolas de ensino médio no território. Apesar de exis r escolas nas proximidades, 64 elas não são reconhecidas pelos(as) par cipantes da pesquisa como pertencente ao território do bairro Santo Afonso. Outro ponto apontado é que a escola tem dificuldades de trabalhar de forma inclusiva e realizar o acolhimento de adolescentes e jovens, principalmente os(as) que estão em maior risco pelo uso de drogas, por situações de violência, gravidez ou envolvimento com o tráfico. “Os professores têm dificuldade de perceber a realidade daquele jovem que está ali que, por mais que ele seja problema, ele estar ali na escola, insis ndo, já é um diferencial. Tem que considerar a família que ele tem (ou não), a violência que está dentro de casa, o pai preso, a mãe sem trabalho...” (Técnico/a) A rede de serviços e ins tuições que atuam no território é consolidada e atua de forma ar culada. A maturidade apresentada pela rede possibilita a construção de estratégias mais inovadoras, como a possibilidade de uma incubadora social, que possa centralizar novas tecnologias no campo da atenção a crianças e adolescentes, engajando diferentes atores(atrizes) sociais e desenvolvendo metodologias de trabalho que possam ser mul plicadas em outros espaços. Apesar desse potencial e de percebermos ni damente o impacto das ações no co diano do bairro, os(as) entrevistados percebem a necessidade de expansão das ações, principalmente aquelas voltadas às localidades de maior risco social; a realização de projetos de médio e longo prazo; outras possibilidades de sustentabilidade técnica e financeira das ações, maior engajamento dos pais e responsáveis nas a vidades. Além disso, as polí cas públicas precisam refinar o alinhamento com as caracterís cas socioeconômicas dos(as) moradores(as). “O curso da ASBEM, por exemplo, muitos têm escolaridade mínima e idade mínima, daí tu bate a idade e não tem escolaridade, se tu bate a escolaridade, eles já passaram da idade. Então, eu acho que essa polí ca pública, nessa parte, tem uma falha muito grande (...) é um abismo que se abriu ali no meio. Existe a polí ca? Existe. Mas pra que público essa polí ca tá sendo criada? Eu sei porque os nossos, por exemplo na URAS, a gente tem que atender até os 14, né, que a maioria atende. Nós temos adolescentes de 17 ainda, porque, ao invés de ficarem ali, eles ficam na rua sem fazer nada.” (Técnico/a) 65 “Então, assim, o cuidado que eles têm e a falha que a gente tem dentro do projeto é, já que tu tá buscando o problema, é que o obje vo de diminuir a criminalidade e a violência, e aí eu atendo a parte de 15 e consegui descer para 12, mas até as 21h30min atendo de 9, de 8, de 10 anos aqui na rua. Então o que eu falei e aí é assim, o de 15 já entrou no crime.” (Técnico/a) Foto: Leonardo Savaris jan. 2019 66 Foto: Leonardo Savaris jan. 2019 O Bairro Roselândia Amigo Acolhedor Invisível Esquecido Lar ROSELÂNDIA Dividido Abandonado Vulnerável O Bairro Roselândia teve seu nome inspirado em uma plantação de rosas, propriedade de Kurt Schönwald e sua área foi inicialmente ocupada por açorianos. São bairros limítrofes: Operário, São José e Diehl. O território tem uma área de 5,9km², com a presença de 5.994 habitantes, 1.470 residências, 16 indústrias, 55 pontos comerciais e 60 serviços (IBGE). O Roselândia possui estrutura de serviços e comércio inferior aos iden ficados nos demais bairros. Possui a menor população e presença mais incipientes de equipamentos e serviços públicos. Ao iden ficarem a existência de serviços e equipamentos públicos, bem como a presença de organizações e projetos, os pais e responsáveis informaram: 68 Indique o que tem no Bairro - Roselândia (Pais e Responsáveis) 92,2% 91,1% 92,2% 91,1% 82,2% 72,2% 54,4% 51,1% 38,9% 42,2% 41,1% 30,0% 26,7% 22,2% 17,8% 15,6% 11,1% 11,1% 5,6% 8,9% 5,6% O bairro não conta com uma unidade do CRAS, mas com uma URAS, que é o único espaço de referência em assistência social no território. A observação do co diano e das dinâmicas presentes no espaço da URAS foi fundamental para a compreensão dos códigos culturais do bairro e do atual contexto vivenciado pela população do território. Na úl ma década, o bairro passou por um grande crescimento populacional, alavancado pela crescente presença de ocupações irregulares e um incremento do tráfico de drogas, dois fenômenos reiteradamente citados pelos(as) diversos(as) entrevistados(as). Há o receio de que, futuramente, a situação se potencialize e haja um recrudescimento dos contextos de violência e vulnerabilidade. 69 “Na verdade, começou a aumentar faz pouco tempo. An gamente tu não ouvia falar que exis a tanta droga. Hoje em dia, os mais novos, a gente não conhece, que é a gurizada. Às vezes, a gente acha que, pra mim, na minha visão, é muito cedo que a gurizada bandida começa, com 14 anos. Pra mim, eu não conheço essa parte da Roselândia, essa turma, mas a gente sabe que há uns seis, sete anos isso tem aumentado bastante aqui.” (Liderança) “Um projeto legal que tem aqui é o Catavida, uma unidade de reciclagem. Eles trabalham para trazer para a formalidade o pessoal que trabalha na ocupação. Tem muitas situações de violência, isso nos preocupa muito. O tráfico também está chegando, prevalência das facções...” (Técnico/a) A rede de atendimento para crianças e adolescentes no período de contraturno escolar é bastante incipiente e a unidade URAS é matriciada pelo CRAS Centro. O local disponibiliza o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, oficinas de música por meio da banda e algumas ações da Unidade de Saúde da Família (USF). Além disso, organiza esporadicamente a ação Ocupa URAS, que reúne diversos serviços do território. É possível afirmar que há uma aparente invisibilidade dos conflitos e especificidades presentes no bairro, gerando poucos inves mentos em polí cas públicas e projetos con nuados. “Tem muita ocupação e junto vem os problemas. A gente faz o que pode aqui. Agora, nós temos o prédio, mas tem que arrumar. Já temos algumas coisas aqui, mas precisa de mais a vidades. A gente tá meio cansada de reunião. Vem, conversam, mas não fazem nada. Vão esperar virar um Kephas.” (Liderança) Existem poucas ações ins tucionalizadas e a estrutura do equipamento é bastante deficitária, assim como os recursos para o desenvolvimento de ações técnicas e a ausência de uma proposta programá ca para as a vidades de convivência. 70 “É o que te disse: aqui nha professor de desenho, nha as coisas. Tinha o professor de artesanato. Elas faziam as coisinhas e elas vendiam para juntar dinheiro, porque aqui não ganha verba nenhuma da Prefeitura. Ganha a comida. Uma verba pra vocês mudarem essa parede... não vem. Tá caindo. E olha quantas enchentes isso daqui já aguentou. (...) Tu vê que vieram com os olhinhos inchados de tanto dormir, mas só vem pra almoçar pra poder ir pra casa. Agora, nas férias, tá vindo quantos? Duas ou três crianças que chega às nove e às duas vai embora, chega à uma e pouco e vai embora. Os que vem às onze e meia e ficariam até às três já nem vem. E, se vem, é só por causa do almoço mesmo.” (Liderança) O bairro apresenta poucas ins tuições atuando de forma consistente. A Associação Evangélica de Ação Social (AEVAS) é uma organização da sociedade civil apontada como importante por manter, em parceria com a Prefeitura Municipal, duas Escolas Municipais de Educação Infan l (EMEI) e ter sido a ins tuição mantenedora da Raio de Sol. A associação de moradores é bastante atuante, desenvolve algumas ações para crianças e adolescentes, como karatê, balé, zumba, capoeira e o espaço da quadra de esportes. A UJR também está presente no território, com a vidades desenvolvidas na sede da Associação de Moradores. A Raio de Sol oferece oficinas de informá ca, música, brinquedoteca, a vidades de artesanato e geração de renda para pais e mães e o CTG, que oferece danças picas gaúchas. “Houve um projeto de revitalização da praça, para ter espaço de lazer para a comunidade, mas as pessoas têm medo de ir para a praça. O traficante mora muito perto e as pessoas se sentem in midadas. (...) Falta muita coisa no bairro, a gente vê que a situação tem se agravado. Tem outros lugares que tem o projeto do BID, tem oficinas, tem praça para os jovens. Aqui, só tem a URAS.” (Técnico/a) 71 A rede de escolas presente no território é bastante reduzida. Não há uma escola de Ensino Médio e a Escola Estadual de Ensino Fundamental Alvino Weber é a única que oferece ensino a par r do sexto ano. Assim, a maioria dos adolescentes que se mantém na escola estuda no município de Dois Irmãos ou em escolas de bairros adjacentes. Também é percep vel uma resistência dos pais e responsáveis em relação à Escola Alvino Weber. Segundo os(as) entrevistados(as), as mudanças que ocorrem no bairro já se refletem na escola, onde são percebidos episódios relacionados à violência e consumo de drogas. Além disso, as a vidades disponibilizadas em contraturno escolar nas escolas municipais, por meio do MOVE não são suficientes, não atendem à demanda das crianças e adolescentes e de seus responsáveis. Outro aspecto relevante se refere à fragilidade da rede de ensino infan l. O território conta com apenas duas escolas e nenhuma oferece atendimento em turno integral, dificultando a inserção das mães no mercado de trabalho formal. Embora essa deficiência não seja exclusiva do território, esse fator foi fortemente evidenciado nas entrevistas e interações. A rede de serviços do Roselândia é frágil e as equipes técnicas enfrentam problemas de defasagem de profissionais, sendo a UBS o equipamento com melhor estrutura no território. O crescimento das ocupações populares e a falta de serviços disponibilizados para esses(as) moradores(as) é uma questão relevante no cenário local. Existe um temor que esse fenômeno potencialize a violência e o tráfico na região. Além disso, a falta de espaços de sociabilidade, como aqueles des nados à prá ca de esportes e lazer, dificulta o desenvolvimento de a vidades para crianças e adolescentes e, consequentemente, afeta o desenvolvimento integral desse público. 70 72 “[Seria importante ter] Uma aula de dança, porque cada criança se interessa por uma área. Tem que ter uma dança, um judô, um futebol. Tem que ter uma coisa voltada pra cada gosto, né? Eu acho que deveria ter um outro UJR que é um lugar que todo mundo vai e é muito pouca vaga.” (Liderança) Foto: Leonardo Savaris jan. 2019 73 PERCEPÇÕES GERAIS DOS PAIS E RESPONSÁVEIS Especificamente sobre a existência de serviços disponíveis para crianças no contraturno escolar, na amostra geral (todos os bairros) 46,4% dos(as) respondentes afirmam que existem, 28,9% dizem não exis r esses serviços e 24,7% não responderam. A resposta por bairros está demonstrada abaixo. No entanto, a par r das interações, é possível afirmar que o grande desafio é que essas a vidades sejam realizadas de forma sistemá ca e con nuada e não apenas de forma pontual. A descon nuidade não possibilita que o trabalho seja feito de forma e que haja uma avaliação da evolução das crianças e adolescentes que par cipam dessas ações. Existência de a vidades para crianças fora do turno escolar 59,6% 38,5% 56,7% 42,2% 36,3% 35,6% 32,6% 41,1% 34,4% 30,0% 25,3% 24,4% 18,9% 16,7% 7,9% Boa Saúde Santo Afonso Sim 70 74 Kephas Não Canudos Não sabe/Não respondeu Roselândia Ainda sobre os serviços que atendem crianças, os pais e responsáveis concederam notas que variam de zero a dez. Nota que daria para os serviços para crianças 60,8% 8,5% 1,0% 0% 0% 1,0% 2,4% 13,4% 8,1% 2,9% 1,9% Nota 0 Nota 1 Nota 2 Nota 3 Nota 4 Nota 5 Nota 6 Nota 7 Nota 8 Nota 9 Nota 10 Os pais/responsáveis também afirmaram que recomendariam, com certeza, o(s) serviço(s) existentes para amigos(as) ou parentes (34,5%). 16,2% dos(as) respondentes afirmaram que recomendariam, 5,6% disseram ter dúvidas e 1,8% não recomendaria ou certamente não recomendaria. O percentual de 41,9% dos(as) pesquisados(as) não sabe ou não respondeu a essa questão. Sobre a existência de serviços para adolescentes fora do turno escolar, os pais e responsáveis afirmaram: Existência de a vidades para adolescentes fora do turno escolar 48,3% 44,9% 36,3% 44,4% 37,8% 34,1% 29,7% 31,1% 35,6% 31,1% 31,1% 30% 33,3% 25,6% 6,7% Boa Saúde Sto Afonso Sim Kephas Não Canudos Roselândia Não sabe/Não respondeu 75 Nota que daria para os serviços para adolescentes 58,5 15,1 0,6 0 0 1,3 2,5 3,1 4,4 10,7 Nota 0 Nota 1 Nota 2 Nota 3 Nota 4 Nota 5 Nota 6 Nota 7 Nota 8 Nota 9 3,8 % Nota 10 Ao responderem se recomendariam o(s) serviço(s) existentes para adolescentes, 64,7% não sabem ou não responderam, 20,9% com certeza recomendariam, 10,7% recomendaria. Os que têm dúvidas somam 2,6% dos(as) respondentes e 1,1% não recomendaria ou certamente não recomendaria. Apesar de reconhecerem a existência de alguns serviços e atendimentos para crianças e adolescentes nos territórios, concedendo de forma geral uma boa avaliação, ainda existem lacunas observadas pelos pais e responsáveis, que consideram que alguns serviços e a vidades são necessários nos bairros. Ao responderem, espontaneamente o ques onamento “Na sua opinião, quais os três serviços e a vidades mais necessários para crianças no bairro”, os pais e responsáveis apontaram como principais: área de lazer com segurança, a vidades espor vas, creche, música, dança, artes e atendimento em saúde com especialidades médicas. Também foram citados reforço escolar, a vidades de leitura, curso de informá ca, escola em tempo integral, balé e atendimento psicológico. 70 76 Área lazer c/ segurança 41,8% A vidades Espor vas/Natação 31,6% Creche 24,0% Dança/Música/Artes 14,4% Atendimento em Saúde/Especialidades médicas 14,4% “Um posto de saúde que vesse médico. Den sta também é uma coisa bem forte, a cadeira da den sta tá estragada. Mas também não temos médicos.” (Moradora do bairro Boa Saúde) Sobre as a vidades e serviços necessários para adolescentes, os pais e responsáveis responderam, espontaneamente: curso técnico/profissionalizante, quadra espor va ou ginásio, curso de informá ca/robó ca, escola de ensino médio e cursos de idiomas. Outros serviços ou espaços citados como necessários foram atendimento psicológico, orientação profissional, oficinas de dança, música, teatro, biblioteca, atendimento em saúde com especialistas e preparação para o ves bular. Curso técnico/profissionalizante 42,2% Quadra espor va/Ginásio 31,6% Curso Informá ca/Robó ca 26,9% Escola Ensino Médio 11,1% Curso Idiomas 10,9% 77 PERCEPÇÕES GERAIS DOS(AS) ADOLESCENTES É importante considerar as percepções dos(as) adolescentes sobre os equipamentos e serviços existentes nos bairros. De forma geral, os(as) adolescentes iden ficam a existência de espaços e a vidades des nadas para adolescentes. Existem a vidades no bairro? 70,0% 63,1% 56,4% 48,9% 49,6% 45,9% 41,7% 30,0% 30,0% 30,8% 13,5% 8,7% 5,2% 6,2% 0,0% Boa Saúde Canudos Sim 78 70 Kephas Não Roselândia Não sabe/não respondeu Santo Afonso Equipamentos existentes no bairro ONG Skate Locais encontros noturnos Locais encontros diurnos Programas/projetos para adolescentes A vidades Gerais A vidades Orientação A vidades Preven vas A vidades Espor vas A vidades Culturais Posto de saúde Equipamentos ginás ca Ciclovia Ginásio coberto Quadra, campo Parque ou praça Escola 0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 90,0% 100,0% Não respondeu Não Sabe Tem perto Não tem Tem 79 No entanto, os lugares que mais frequentam são a casa de familiares e a casa de amigos. Lugares que frequenta 60,0% 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% Sempre De vez em quando Raramente Nunca Não tem Não respondeu A existência (ou não) de a vidades extracurriculares na escola também foi ques onada. As respostas apontam para grandes diferenças na oferta por bairros, o que corrobora com o observado nas interações, entrevistas e grupos focais. A escola oferece a vidade extracurricular? 80,0% 75,0% 67,0% 56,2% 51,8% 40,9% 37,7% 26,1% 21,3% 13,3% 3,5% 2,2% 4,4% Boa Saúde Canudos Sim 80 70 3,5% 1,8% 5,5% Kephas Não Não sabe 0,0% 3,8% Roselândia Não respondeu 3,1% 3,1% Santo Afonso A par cipação dos(as) adolescentes em a vidades na escola também foi indicada pelos(as) pesquisados(as). Apenas 10,7% disseram par cipar de alguma a vidade extra na escola e 17,2% responderam que não. E 72,1% dos adolescentes entrevistados não disseram se par cipam ou não. Da mesma forma, o número de adolescentes que frequenta a vidades fora da escola também é baixo, apenas 26,8%. Os demais 73,2% indicaram não frequentar cursos ou a vidades fora do ambiente escolar. Perfil da amostra quan ta va - adolescentes Par cipação em a vidades na escola e fora da escola 73,2% 72,1% 26,8% 10,7% Sim 17,2% Não Não respondeu Frequenta a vidade extra NA escola Sim Não Frequenta curso/a vidade FORA da escola Dos que par cipam de algum curso ou a vidade, 18,1% frequentam a vidades gratuitas, 5,7% pagam para par cipar de algum curso. Apenas 1,4% recebe bolsa. Dos entrevistados, 74,8% não sabem ou não responderam sobre a natureza do curso ou a vidade. Além disso, sobre outras formas de auxílio, 13,2% afirmaram não receber qualquer auxílio e 73,2% não responderam. Dos auxílios recebidos: 4,6% recebe vale alimentação, 3% recebe alimentação e 4,2% recebe vale alimentação e alimentação (concomitantemente). Apenas 1,8% recebe ajuda de custo. Sobre a par cipação em a vidades no bairro, a maioria dos(as) adolescentes informou que não par cipa de a vidades. 81 Par cipa/par cipou de a vidade no bairro nos úl mos três meses? 80,0% 68,2% 67,5% 56,9% 55,6% 32,5% 27,4% 19,1% 17,0% 10,0% 16,4% 27,7% 15,5% 15,4% 0,0% Boa Saúde Canudos Sim Kephas Não Roselândia Santo Afonso Não sabe/não respondeu A pesquisa também desvelou o entendimento que os(as) adolescentes possuem do bairro onde estão inseridos. Para isso, a par r de uma série de afirmações, os(as) adolescentes marcaram o grau de concordância com o que estava sendo afirmado. No bairro em que moro existem muitos(as) adolescentes 70,0% 60,0% 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% Boa Saúde Kephas Roselândia Santo Afonso Concordo Nem concordo, nem discordo Discordo Discordo muito Não sabe Não respondeu 82 70 Canudos Concordo muito No bairro em que moro existem muitas crianças 70,0% 60,0% 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% Boa Saúde Canudos Kephas Roselândia Santo Afonso Concordo muito Concordo Nem concordo, nem discordo Discordo Discordo muito Não sabe Não respondeu Os(as) adolescentes encontram a vidades para fazer no bairro 40,0% 35,0% 30,0% 25,0% 20,0% 15,0% 10,0% 5,0% 0,0% Boa Saúde Canudos Kephas Roselândia Santo Afonso Concordo muito Concordo Nem concordo, nem discordo Discordo Discordo muito Não sabe Não respondeu 81 Quase não se vê violência no bairro 45,0% 40,0% 35,0% 30,0% 25,0% 20,0% 15,0% 10,0% 5,0% 0,0% Boa Saúde Canudos Kephas Roselândia Santo Afonso Concordo muito Concordo Nem concordo, nem discordo Discordo Discordo muito Não sabe Não respondeu Os(as) adolescentes do bairro são preocupados(as) com o futuro. 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% Boa Saúde Kephas Roselândia Santo Afonso Concordo muito Concordo Nem concordo, nem discordo Discordo Discordo muito Não sabe Não respondeu 84 70 Canudos Os(as) adolescentes do meu bairro ficam muitas horas do dia sem ter o que fazer 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% Boa Saúde Canudos Kephas Roselândia Santo Afonso Concordo muito Concordo Nem concordo, nem discordo Discordo Discordo muito Não sabe Não respondeu É muito bom ser adolescente no bairro onde moro 50,0% 45,0% 40,0% 35,0% 30,0% 25,0% 20,0% 15,0% 10,0% 5,0% 0,0% Boa Saúde Canudos Kephas Roselândia Santo Afonso Concordo muito Concordo Nem concordo, nem discordo Discordo Discordo muito Não sabe Não respondeu 85 Ao final do ques onário, os(as) adolescentes foram convidados a registrar um recado aos gestores públicos: BOA SAÚDE ü Sejam justos e tenham mais sabedoria. Mais a vidades para crianças e adolescentes. ü Mais segurança no bairro, mais policiamento. ü Mais trabalho para os jovens. ü Uma pista de skate e ciclovia para andar de bicicleta. ü Mais a vidades culturais para os adolescentes. ü Melhorar o posto de saúde e as escolas. ü Colocar mais professores. CANUDOS ü ü ü ü ü ü ü ü Quadra iluminada e coberta, com segurança. Mais projetos no bairro para ajudar adolescentes. Inves r nos jovens para saírem das drogas. Mais diversão e segurança. Menos poluição. Olhar para as pessoas com mais amor. Mais a vidades públicas. Mais áreas de lazer, arrumar as ruas e diminuir a violência. KEPHAS ü ü ü ü ü 86 70 Precisa mais a vidades para adolescentes. Mais lugares públicos seguros no bairro. Mais segurança e menos preconceito. Mais locais para a prá ca de esportes. Quadra de futebol no bairro. ROSELÂNDIA ü ü ü ü ü Pista para skate. Mais segurança. Melhorar a saúde, a educação e os projetos sociais. Ciclovia e mais locais de encontros para adolescentes. Menos violência, mais praças e cursos. SANTO AFONSO ü ü ü ü ü ü Escutar mais a opinião dos jovens. Mais projetos para os adolescentes. Precisa compromisso com a saúde, segurança e educação. Mais segurança. Lugares para a vidades fora do colégio. Menos corrupção, mais segurança. 87 CAMINHOS POSSÍVEIS A importância de a vidades de socialização, educação, cultura e desenvolvimento social no contraturno escolar é mais acentuada quanto maior for o grau de vulnerabilidade em que se encontram as crianças e os adolescentes. Esse público possui dificuldades para encontrar condições que favoreçam a mobilidade social, demonstrando que ainda é grande a necessidade de buscar igualdade de oportunidades para todos(as). Estudos mostram que, na maior parte do planeta, a mobilidade social intergeracional (que ocorre entre diferentes gerações de uma mesma família) costuma ser pequena ou nula, sendo numericamente raros os casos onde a ascensão é radical. Segundo a Oxfam, o Brasil ocupa o penúl mo lugar na lista de 30 países e exibe uma desigualdade social e econômica imensa. Isso representa que, de cada 10 filhos de famílias brasileiras miseráveis, 3,5 morrerão e somente um terá a chance de chegar a outra situação socioeconômica. 18 Dessa forma, as crianças e os adolescentes que não verem acesso a uma série de possibilidades, não conseguirão superar as barreiras impostas pela exclusão social. Por isso, é fundamental pensar na condição de vulnerabilidade social dos sujeitos da pesquisa. O conceito de vulnerabilidade social está relacionado aos riscos sociais e às condições de ocorrência desses riscos. Quanto maior a vulnerabilidade social, maior será a probabilidade de exposição aos riscos, assim como de sofrer danos pela 19 exposição a esses riscos. A vulnerabilidade social pode ser entendida como o resultado nega vo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas e culturais que provêm do Estado, do mercado ou da sociedade. 20 18 O relatório da Oxfam (organização internacional que abriga mais de 100 países) mostra esta 88 70 s camente a relação indireta entre o Coeficiente de Gini e a mobilidade social intergeracional. O Coeficiente de Gini é um indicador usado para medir a desigualdade social em um país, quanto mais baixo ele é, menor é a desigualdade. O relatório da Oxfam aponta que em países com grande desigualdade social, as chances de que um jovem tenha um rendimento diferentes de seus familiares é menor. Ou seja, as possibilidades de ocorrer a mobilidade social são menores. O relatório mostra também que há uma certa transferência de privilégios entre as diferentes gerações de famílias ricas, o que de certa forma contraria a ideia de que há igualdade de oportunidades para todos. No entanto, assim como outros pesquisadores do tema, a Oxfam indica que o inves mento nos serviços públicos e, principalmente na educação, é o caminho mais eficaz para mudar esse quadro. No Brasil, a mobilidade social tem aumentado progressivamente, sofrendo grandes alterações na úl ma década. Os estudos mais recentes atribuem essas mudanças aos programas sociais e ao aumento de pessoas cursando o ensino superior. Ver: h ps://www.oxfam.org.br/tags/mobilidade-social 19 Jaccoud, Hadjab e Rochet, 2009. 20 Abramovay, 2002. Esse entendimento de vulnerabilidade social compreende uma gama de elementos encontrados em determinada situação: é um conjunto de caracterís cas, recursos e habilidades insuficientes, inadequados ou di ceis em um grupo social, dificultando uma relação mais qualita va com o sistema social ou aumentando as possibilidades de deterioração das condições de vida (sociais, culturais, educa vas ou econômicas). Alguns aspectos de vulnerabilidade vivenciadas pelas crianças e adolescentes são: educação deficitária, falta de proteção social, baixa qualidade de vida, ocorrência de gravidez precoce e exposição a violências. Isso se traduz em debilidades ou desvantagens para o desempenho e mobilidade social dos(as) atores e atrizes. O conceito de vulnerabilidade social, assim como o de exclusão social, pede olhares diversificados e múl plos para estruturas sociais vulnerabilizantes ou condicionamentos de vulnerabilidades. No âmbito das relações sociais, o acesso limitado ou dificultado às polí cas de educação, saúde, habitação, entre outros, pode ser visto como aspecto de exclusão ou negação dos direitos de cidadania. Além disso, também no âmbito simbólico e cultural, a es gma zação, as discriminações, a negação do acesso à cultura também são fatores caracterís cos de processos de exclusão. As cinco regiões pesquisadas apresentaram, em algum grau, exposição a riscos provocados por questões socioeconômicas e a falta de acesso a bens e serviços. Essa exposição leva a um estado de exclusão social, que pode ser descrito como fenômenos que envolvem discriminação, afastamento do convívio social, es gma zações, modos de negação de acesso à cultura e ao saber. Por outro lado, as polí cas públicas buscam atuar nesse sen do, mas nem sempre conseguem criar condições que contribuam efe vamente para a superação dos riscos e para o desenvolvimento saudável de forma abrangente. É importante destacar que as organizações da sociedade civil (OSC's) possuem, nesse sen do, um papel fundamental. Essas organizações detêm conhecimento e podem trabalhar em parceria na criação de ações e estratégias que contribuam para a redução de situações de vulnerabilidade social, podendo oferecer ao público atendido a vidades qualificadas em áreas como dança, música, arte, esporte, cidadania e protagonismo social. Essas organizações que oferecem a vidades educa vas e sociais, 89 além de cuidados prote vos e preven vos, conseguem alcançar territórios e populações que os serviços e equipamentos públicos, muitas vezes, não chegam. Parcerias bem organizadas, envolvendo o poder público e as organizações da sociedade civil podem fortalecer as polí cas voltadas para o desenvolvimento social e ser um caminho importante no enfrentamento e na superação das desigualdades. Para isso, é possível iden ficar organizações da sociedade civil que tenham estrutura e capacidade para atuar em sintonia com o poder público e definir critérios para o desenvolvimento de parcerias. Além da parceria com as OSC's, é necessária uma reflexão sobre a qualidade do que crianças e adolescentes podem acessar no turno inverso ao da escola. Acolher as demandas, ideias e sugestões do público mostra-se o caminho mais viável, não apenas porque contempla aquilo que crianças, adolescentes e comunidade gostariam de acessar, mas porque possibilita a vinculação, algo que é apontado como uma dificuldade na execução de a vidades de atendimento a crianças e adolescentes. Vincular-se, muito diferente de colocar-se em contato, pressupõe a par lha com o(a) outro(a), respeitando as subje vidades e as iden dades. A vinculação torna possível alcançar crianças e adolescentes que vivem em territórios que não são alcançados(as) pelas polí cas e pelas a vidades já realizadas, assim como também possibilita a compreensão desses territórios. O fortalecimento do trabalho em rede também se mostra como um caminho possível. Para isso, é necessário que haja disposição para um diálogo permanente, que possibilite o entendimento das realidades, a compreensão dos problemas e uma atuação integrada de todas as partes. As a vidades de contraturno são extremamente posi vas para as crianças e adolescentes, especialmente as que estão expostas a riscos e vulnerabilidades. O fato de estarem ocupados com algo já representa uma diminuição da susce bilidade a esses riscos. Por outro lado, não é possível desconsiderar que as a vidades de atendimento a crianças e adolescentes promovidas no turno inverso ao da escola contribuem para a socialização das crianças e dos adolescentes, para o aumento da autoes ma e possibilitam que descubram novas habilidades. As a vidades devem ser prazerosas, fonte de bene cios sociais, sicos e psicológicos. 90 70 Por meio delas, é possível que as crianças e os adolescentes façam descobertas, assumam responsabilidades, despertem seus talentos e proponham novas inicia vas, fazendo com que a criança e o adolescente sintam-se valorizados e capazes, podendo até descobrir sua vocação profissional por meio das oportunidades que passarão a ter acesso. Os bene cios de oferecer a vidades para as crianças e os adolescentes também são sen dos pelos pais e mães, familiares e responsáveis pelos(as) mesmos(as). Esses caminhos possíveis podem contribuir para que o atendimento a crianças e adolescentes nos territórios pesquisados seja fortalecido e para que o público que atualmente não acessa os espaços disponíveis, possa ter alterna vas de par cipação. A efe vidade do sistema de garan a de direitos para crianças e adolescentes em Novo Hamburgo envolve a todos(as) e se mostra um desafio, mas também apresenta uma série de oportunidades que merecem e devem ser postas em prá ca. 91 Este livro integra o Projeto De Ponta a Ponta, executado no período de junho de 2018 a julho de 2019, contemplado pelo FUNCRIANÇA, de acordo com o Termo de Fomento 009/2018 da Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo, publicado em 16/05/2018. Organização: Fundação Semear Redação e conteúdo: Márcia Bernardes e Ponto Pesquisa Jornalista Responsável: Márcia Bernardes (DRT 021879/02-59) Revisão: Use Propaganda Fotografias: Arquivo Fundação Semear e Leonardo Savaris Foto da Capa: Fotógrafa: Isabelle Clecí Blum Schmitz. Educanda do Projeto Arte.Com Projeto gráfico: Use Propaganda Impressão: Impressos Portão Tiragem: 500 exemplares 92 Contato: Rua Joaquim Pedro Soares, 540 - 1º andar Centro, Novo Hamburgo - RS - CEP: 93510-320 Telefone: 55 51 2108 2108 semear@fundacaosemear.org.br www.fundacaosemear.org.br Promoção: Realização: Apoio: Parceria Institucional: