FACULDADE ARQUIDIOCESANA DE MARIANA GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA Disciplina: Psicologia I Prof.: Me. Pe. José Carlos dos Santos Aluno: Gregory Pablo Rial Araújo Mariana, junho de 2013 A NATUREZA HUMANA EM FREUD E ROGERS: Maldade ou bondade original? “Senhor, que é o homem para dele assim vos lembrardes e o tratardes com tanto carinho?” (Salmo 8) Resumo: este artigo, que soa mais a um ensaio que propriamente a um artigo científico, pretende confrontar a concepção de homem que subjaz as teorias da personalidade elaboradas pela linha psicanalítica e pela psicologia humanista partindo de dois grandes autores: Freud e Rogers, respectivamente. O presente texto visa discutir qual das duas visões acerca do homem é a mais adequada e qual representa melhor aquilo que é o ser humano. Palavras-chave: Freud. Rogers. Homem. Antropologia. As teorias da personalidade desenvolvidas pelos principais mestres da Psicologia não surgiram do nada. Por detrás delas existe uma concepção de homem que as inspira e as delineia. Esta dita “visão antropológica” é um fator determinante na abordagem que o autor decidirá fazer. Assim sendo, o presente artigo visa, brevemente, enumerar alguns dos elementos principais da concepção de homem que está por trás da teoria psicanalítica de Freud e da teoria humanista de Rogers, promovendo um confronto de ambos. A concepção de homem em Freud O ser humano pode ser interpretado a partir do conceito de natureza. No dizer dos medievais, a pessoa humana é substância individual de natureza racional1, compreendendo aqui o termo natureza como aquilo que é dado e que é constitutivo. Neste aspecto, tanto Freud como Rogers acredita em algo que constitui o ser humano e que lhe fora dado naturalmente, e que, por isso, está para todos os indivíduos da espécie. Esse fator generalizante é o que pode permitir esboçar uma “antropologia” freudiana e uma rogeriana. Esta definição de pessoa (em latim: substantia individua naturae rationalis) foi cunhada por Boécio e bastante utilizada pela escolástica, sobretudo por Tomás de Aquino. 1 2 Para Freud, por exemplo, a natureza humana está ligada ao Id. O ser humano é estruturalmente constituído de Id, ego e superego. Na sua teoria psicanalítica, “o Id é o sistema original da personalidade: ele é a matriz da qual se originam o ego e o superego. [...] Consiste em tudo o que é psicológico, que é herdado e que se acha presente no nascimento, incluindo os instintos” (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, p. 53). Por este fato, se comprova a existência numa natureza humana que, freudianamente falando, é marcada pelo irracional. Esta estrutura opera por impulsos que obedecem ao princípio do prazer. Por isso é egoísta e tenta, a todo custo, satisfazer-se a si mesmo. Existem também as pulsões de vida, que incluem o desejo de perpetuar a espécie, a luta pela sobrevivência e as pulsões de morte – a agressividade, o desejo inconsciente de morrer. Guiado por estes impulsos irracionais e inconscientes, o homem luta para obter prazer e evitar a dor. Por estas razões, vive-se um agitado e interminável conflito interior. O ego, que é a porção organizada do Id, existe “para atingir os objetivos do id e não para frustrá-los [...]. Ele não existe separadamente do id, e nunca se torna completamente independente dele.” (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, p. 54). Além disso, existe o superego que cumpre o papel de agente moral interior e que censura as atitudes instintivas que vão contra o código social. Desse modo, a postura mediadora do ego vive sob o comando de três senhores: o id com suas pulsões, o ambiente externo e suas exigências éticas e o superego com suas censuras morais. A delicada situação do ego é motivo de angústia e gera um conflito interior. Além disso, Freud postula que tudo o que o homem faz está determinado psicologicamente. Ele atribui à primeira infância grande importância naquilo que a pessoa vai desenvolver posteriormente. O determinismo psíquico que crê a psicanálise não é muito flexível a mudanças: dificilmente alguém consegue modificar aquilo que é. Por ser a natureza humana má e egoísta é que surge a sociedade. A necessidade de organizar em civilização é, em primeiro lugar, a necessidade de manter a espécie. Este modo de pensar a sociedade logo remete o Tudo o que o homem construiu - as artes, as ciências, suas instituições e a própria civilização - num contexto mais amplo, não passa de sublimações dos seus impulsos sexuais e agressivos. Neste sentido, pode-se afirmar que, sem as defesas é impossível a civilização, e que uma sociedade livre e sem necessidade de controle está fora de cogitação. (GUSMÃO, 1998, p. 2). 3 A concepção de homem em Rogers A visão integrada de Rogers: o homem como organismo e self Se Freud vê o homem como naturalmente mal, sociável por conveniência e com pouca capacidade de mudança, a psicologia humanista de Carl Rogers defende uma outra visão, totalmente contrária à do pai da psicanálise. Rogers (1970, p. 173) diz: Sinto pouca simpatia pela ideia bastante generalizada de que o homem é fundamentalmente irracional e que os seus impulsos, quando não controlados, levam à destruição de si e dos outros. O comportamento humano é extremamente racional, evoluindo com uma complexidade subtil e ordenada para os objetivos que seu organismo se esforça para atingir. Este excerto evidencia claramente a contraposição do autor que, na elaboração de seu método terapêutico, optou por centrar a terapia no cliente e não no terapeuta: sinal de sua crença na possibilidade humana de regeneração e mudança. Na compreensão estrutural, Rogers concebe o homem como um organismo cujo campo fenomenal constitui a vastidão de suas experiências – conscientes e inconscientes. A palavra organismo já evoca uma totalidade, tanto que ao contrário de Freud, não identifica partes bem definidas da personalidade. O conceito de self também é bastante importante, uma vez que ele representa o autoconceito e é o guia de todas as ações. É possível dizer em Rogers que a pessoa é que se constrói. A própria terapia rogeriana enfatiza a auto aceitação como primeiro passo no caminho da mudança e crê que a própria pessoa é capaz de trilhar esse caminho encontrando no terapeuta alguém que a aceita livremente e que lhe ajuda a caminhar. [...] Quando conseguimos libertar o indivíduo da sua atitude de defesa, de modo a que ele se abra ao vasto campo das suas próprias necessidades bem como ao campo igualmente vasto das exigência do meio e da sociedade, podemos confiar que as suas reações serão positivas, progressivas e construtivas.[...] À medida que o indivíduo se torna mais plenamente ele mesmo, torna-se igualmente mais socializado de uma maneira realista. (ROGERS, 1970, p. 172). 4 O que há de problemático na personalidade humana não é fruto de uma natureza má que ele porta, mas da incongruência do organismo com o self. É uma consequência e não uma causa. Rogers aponta para uma vida plena, isto é, para o homem que realiza suas potencialidades e que consegue ver-se a si mesmo. Este é o coroamento da teoria rogeriana e que revela seu otimismo. Não concebo o homem bem caracterizado em sua natureza básica por termos como fundamentalmente hostil, antissocial, destrutivo, mal. Não concebo o homem ser, em sua natureza básica, completamente sem uma natureza, uma tabula rasa na qual qualquer coisa pode ser escrita, nem como uma massa maleável que pode ser moldada em qualquer forma. Não concebo o homem como sendo essencialmente um ser perfeito, infelizmente deformado e corrompido pela sociedade. Na minha experiência, descobri que o homem tem características as quais parecem ser inerentes a sua espécie, e os termos que em diferentes momentos me pareceram bons para descrevê-las são positivo, dinâmico, construtivo, realista, digno de confiança. (ROGERS, 1989, p. 403). Conclusão Destarte, dadas as concepções de Freud e Rogers é possível entrever um confronto de visões antropológicas muito rico e interessante. A visão psicanalista do homem afirma sua maldade original e reconhece que tudo o que é criado por ele – a sociedade, a religião, a arte – funciona como mecanismo de contenção. Os impulsos egoístas é que guiam a pessoa, e isto está de tal modo nela que a determina. Em outra direção, a visão otimista e positiva da psicologia humanista centrada na pessoa postula que a bondade original, não aos moldes de Rousseau (ROGERS, 1989, p. 402), mas com boa dose de realismo. Não se trata de um bom selvagem, mas de um bom ser humano, capaz de transformar-se a si mesmo, de ser congruente, íntegro e realizado, desde que encontre condições para tal. Contudo, Rogers não é ingênuo. Ele sabe que o homem é capaz de atitudes destrutivas e imaturas, mas não atribui à natureza humana e sim ao sistema defensivo do organismo. Poderia, então se perguntar, qual destas visões é a mais adequada ou qual corresponde mais à realidade. Certamente, diante do caos da sociedade contemporânea, a teoria freudiana seria uma resposta rápida e satisfatória. Mas como desconsiderar tantas atitudes generosas e espontâneas de voluntários e de pessoas abnegadas? Observar o ser humano apenas como mal é reduzi-lo a uma de suas facetas. O mesmo se pode dizer de uma visão extremamente positiva que soaria utopia. Não se trata, portanto, de escolher ou uma ou outra concepção, mas 5 no confronto dialético de ambas, perceber o homem: multifacetado, plural, capaz do belo, do que é nobre e elevado, mas também do medíocre e do destrutivo. Referências GUSMÃO, Sônia Maria Lima de. A natureza humana segundo Freud e Rogers. Grupo ser, João Pessoa, out. 1998. Disponível em <http://gruposerbh.com.br/textos/artigos/ artigo22.pdf> Acesso em 9 mai. 2013. HALL, Calvin S.;LINDZEY, Gardner; CAMPBEL, John B. Teorias da Personalidade. Tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. ROGERS, Carl R. Tornar-se pessoa. Lisboa: Moraes, 1970. ______. A note of “nature of man”. In: KIRSHEHNBAUM, Howard; HENDERSON, Valerie Land. The Carl Rogers reader. New York: [s.n], 1989.