Pedro Cerize SKopos ALTERAÇÔES/SUGESTÕES em ITALICO e com Cor de Fundo Amarela GESTÃO DE CARTEIRAS: CONCILIANDO FUNDAMENTALISMO COM ANÁLISE DE RISCO/RETORNO Segue a transcrição da palestra de Pedro Cerize no 5º Congresso Value Investing Brasil, realizado em São Paulo, em 13 junho de 2012. ●●●●● Vim aqui para falar sobre análise de risco/retorno. Hoje é um dia oportuno para se tratar de análise de risco, uma vez que o Jamie Dimon [diretorexecutivo do JPMorgan Chase] estará no Senado dos Estados Unidos explicando porque um dos melhores modelos de risco do mundo falhou e seu banco perdeu cerca de US$ 5 bilhões. O que é um desrespeito ao “bilhão”… O Barings quebrou, em 1995, quando o trader Nick Leeson perdeu US$ 1,3 bilhão; hoje perde-se US$ 5 bilhões em um trimestre e as pessoas nem se preocupam muito com isso… Até o Banco Cruzeiro do Sul perde R$ 1 bilhão — e ninguém liga… Vamos começar com um pouco da história da análise de risco. Séculos atrás, as pessoas já realizavam análise de probabilidades para estratégia em jogos. Este campo evoluiu com alguns tratados de Pascal e Pierre de Fermat — que, provavelmente, ganhavam bastante dinheiro da nobreza francesa, pois conheciam bem as probabilidades dos jogos de cartas e dados. Depois disso, Bernulli escreveu sobre a lei dos grandes números: não é necessário estudar todo o universo em questão — é possível inferir-se, com certo grau de segurança, que uma amostra representa esse universo. Posteriormente, Abraham de Moivre publicou seus estudos sobre o conceito de curva normal [figura 1], de onde temos duas fórmulas importantes: desvio padrão e covariância. ***/*** A próxima grande mudança na análise de risco ocorreu em 1926, quando surgiu a teoria dos jogos. Até então, as probabilidades eram independentes do agente — as observações e ações de um agente não interferiam no universo e nas probabilidades. Mas, pela teoria dos jogos, um agente pode antecipar o que outro agente fará — então, torna-se necessária a análise dessa interação e seus possíveis cenários. Um dos expoentes nesse tema — que evoluiu muito e continua a evoluir — foi John von Neumann. Fundamental para a prática de gestão de recursos é uma tese escrita, em 1952, por Harry Markowitz (que, quando a escreveu, tinha 25 anos e nunca tinha trabalhado em lugar algum). A tese é simples (na época não havia computador — seus cálculos foram feitos manualmente): após o estudo de séries de dados, Markowitz inferiu que as oscilações dos preços de ativos são randômicas, não é possível a previsão de movimentos futuros do preço, o mercado é eficiente e todas as informações estão refletidas no preço. Para Markowitz, o histórico de preços de um ativo permite o cálculo de seu risco e a única forma de se diminuir o risco, sem perda de retorno, é por meio da diversificação. Isso está representado pelo gráfico de cima [figura 2]: é possível obter o mesmo retorno, diminuindo o risco, com o aumento da diversificação. No gráfico de baixo, temos a curva de mercados eficientes, em que os portfolios estão posicionados conforme seu risco e seu retorno. Warren Buffett afirma ter sido muitíssimo ajudado pela teoria do mercado eficiente 1 pois Markowitz demonstrou matematicamente que, nos investimentos, pensar é desnecessário. Ou seja, para aqueles que pensam, essa teoria tornou-se uma enorme vantagem. Com base nessa teoria, desenvolveu-se o CAPM, pelo qual podemos utilizar a fronteira eficiente, determinando qual é o ativo risk-free e construindo o portfolio com o melhor Sharpe ratio — a carteira que dá a maior quantidade de retorno para cada unidade de risco assumida. Todo mundo já ouviu falar sobre isso, todo mundo mede risco dessa forma, todos os relatórios de banco mostram qual é o VaR [Value at Risk] da tesouraria (lá fora, inclusive, é obrigatório)… Sobre o racional por trás do VaR: como tudo é mensurável, eficiente e correlacionado, é possível inserirmos todos os valores em um computador, calcularmos as covariâncias e sabermos a quantidade exata de risco a que estamos expostos em cada dia. Com a capacidade computacional e o aumento de complexidade do sistema, fica possível a realização de muitíssimas simulações. Mas, infelizmente, esses modelos falham quando mais precisamos deles… As conclusões dessa linha de pensamento, que tem uma base científica e apóia toda a análise de risco de hoje em dia, são, primeiro: o mercado é eficiente. Ou seja, o ser humano é racional, tem acesso uniforme às informações, as precifica rapidamente, e, portanto, não deriva vantagem alguma do processo de análise do negócio subjacente ao valor mobiliário, pois preço que está na tela é a realidade do valor do ativo negociado. A segunda conclusão é que a outperformance do gestor é fruto da sorte. Eu sou um sortudo e exploro o marketing para extrair dinheiro dos meus clientes. Terceiro: se as decisões são racionais, as bolhas não existem. Essa é uma afirmação (derivada, obviamente, da primeira conclusão) em que o Greenspan acreditava. Não houve bolha da internet ou bolha imobiliária, pois era racional o que os investidores estavam fazendo… Esta conclusão impediu que vários bancos centrais trabalhassem prevenindo as bolhas — porque as bolhas não existem… Para mim, o grande erro de Markowitz está aqui: para Markowitz e, hoje em dia, para todo mundo, risco é igual a volatilidade. Para o professor Benjamin Graham, risco é a “possibilidade de uma perda permanente de capital”. Esta é a grande diferença: perda permanente de capital é diferente de oscilação de preços — mas toda a base da análise de risco da atualidade tem como premissa que risco é volatilidade. Ou seja, a volatilidade é uma ótima medida do risco do 1 Da carta aos acionistas da Berkshire de 1988: “Naturalmente, o desserviço prestado a estudantes e ingênuos profissionais de investimento que engoliram a TME foi um serviço extraordinário para nós e para outros seguidores do Graham. Em qualquer tipo de disputa — financeira, mental ou física —, é uma vantagem enorme ter oponentes que acreditam que mesmo tentar é inútil. De um ponto de vista egoísta, os Grahamites provavelmente deveriam patrocinar cátedras para assegurar o ensino perpétuo da TME.” ativo que se está operando..2 Quinta conclusão: vocês devem pedir seu dinheiro de volta para os gestores de seu capital. Se tudo isso é verdade, não adianta estudarmos nada aqui neste Congresso — ou fora dele. Devemos ir para casa, operar com custos baixos e diversificar nossas carteiras. Meu tom aqui já mostra que não concordo com essa teoria, mas essas questões são muito sérias pois essa é a ferramenta de análise de risco de todos os mercados em que operamos hoje. Só que a ferramenta está baseada em um princípio “científico” de uma tese de 1952! A tese já deveria ter sido amplamente checada, provada e confirmada — mas continuamos a questionar a teoria do mercado eficiente! Se ela estiver errada, se não funcionar, se os preços não forem randômicos, teremos de rever tudo aquilo que está por trás da análise de risco. Trouxe aqui o exemplo de outra prática “científica” utilizada durante 2.500 anos — a sangria. Olhando pela realidade de hoje, a sangria não faz o menor sentido: quem ia ao médico por estar com gripe era sangrado, quem estava com dor de cabeça era sangrado, quem tinha pneumonia era sangrado, quem tinha hepatite era sangrado, quem tinha câncer era sangrado. A pessoa já estava morrendo e o médico arrancava seu sangue! Mas era assim… A sangria servia para balancear os humores (fluídos corpóreos) das pessoas. Nós aqui não somos médicos mas me parece um absurdo essa prática ter sido utilizada durante 2.500 anos. Meu avô foi sujeito a esse processo, que não está tão distante de nós. Acho que, em 50 ou 100 anos, olharemos para o CAPM como olhamos hoje para a sangria. Estaria longe de ser a primeira revolução de conceitos científicos: a teoria da relatividade geral de Einstein mostrou que a teoria da gravidade de Newton era apenas um caso específico, em que a velocidade relativa era igual a zero; o átomo já foi tido como indivisível — que é o significado da palavra grega “atomos” — e, hoje, sabemos que existem partículas menores que o compõem; Darwin derrubou toda a teoria da evolução que o precedeu. Não tenho a menor pretensão de propor qualquer teoria nova, mas acredito que a teoria de risco atual não deveria ser utilizada. Mesmo sem um modelo melhor, não deveríamos utilizar o modelo atual pois ele causa mais dano do que bem ao sistema. Da mesma maneira, a sangria não deveria ter sido utilizada durante milhares de anos, mesmo sem a penicilina ter sido descoberta — era melhor não ter sangrado as pessoas do que tê-las sangrado. São vários os motivos para não utilizarmos o modelo atual! Primeiro, o universo de possibilidades não é restrito (o histórico passado de preços de uma ação não representa todas as possibilidades) nem aleatório (o comportamento dos preços não é randômico). O histórico passado de preços não tem nada a ver com o que será o risco futuro do ativo. 2 Novamente Buffett, agora na carta aos acionistas da Berkshire de 1993: “De fato, o verdadeiro investidor saúda a volatilidade. Ben Graham explicou por que no Capítulo 8 de The Intelligent Investor [em que descreve a analogia do ‘Sr. Mercado’].” Segundo, os ativos não são estáticos. Um aumento de capital, uma compra alavancada — há uma série de eventos corporativos (e outros não corporativos) que podem mudar, definitivamente, o valor de uma ação e o risco de um negócio. Terceiro, as informações não são conhecidas por todos de maneira uniforme. Não é possível basear uma teoria na premissa de que “todo mundo sabe de tudo ao mesmo tempo e interpreta as informações da mesma forma”. Mesmo dois investidores que têm a mesma informação tendem a interpretá-la de maneiras diversas ou pouco diferentes — podem, inclusive, ter entendimentos diametralmente opostos. Quarto: frequentemente, os investidores são incapazes de entender completamente com o que estão lidando. Um dos grandes problemas de hoje em dia é a questão da complexidade. Os sistemas, principalmente os que contém derivativos e todas as suas correlações, são extremamente complexos — ninguém sabe exatamente como a crise na Grécia vai afetar um banco no Brasil. O sistema é tão complexo, com tantos canais de ligação, que não temos como saber. Essa complexidade, em um momento de pânico, só aumenta a insegurança. Quinto: os investidores têm viés emocional. O Dan Ariely é hoje um grande expoente desse assunto, com seu excelente livro Previsivelmente Irracional. Há outros livros nessa linha, também teremos neste evento uma palestra sobre a questão comportamental. Já é provado que, em vários aspectos do processo decisório, o ser humano não é racional. Então, o fato de a teoria de risco basearse na premissa de que todos os movimentos de preços são racionais, na minha opinião, já invalida a própria teoria. Sexto e último ponto: devemos questionar — agora, cada vez mais, com as crises soberanas — qual é o parâmetro para “risk-free”. O que é risk-free para o brasileiro? O CDI? E para o grego? E para o americano? E para um fundo de pensão na Noruega? Qual é a taxa risk-free? Qual a taxa mínima que você aceita para investir o seu capital, a taxa máxima de retorno que você consegue obter, sem risco? Conheço gente para quem risk-free é boi. Um empresário pode medir seu patrimônio em bois: tenho tantos bois, se receber mais bois, aumento meu patrimônio — essa é minha moeda. Hoje em dia, é uma moeda melhor do que o Euro. Portanto, acho que, um dia, olharemos para o atual modelo de risco e o consideraremos um absurdo. Então, qual é o modelo que eu utilizo? Juntamente com uma equipe de analistas (pequena, não é necessário muita gente) tento unir o fundamentalismo à análise de risco/retorno. Ser um value investor é quase um estilo — uma pessoa que não liga para notícias econômicas, PIB etc. Warren Buffett ajudou a criar essa noção, tendo permanecido, propositadamente, a maior parte de sua carreira em Omaha, longe de Wall Street. Se todos os investidores do mundo fossem value investors, não haveria mais negócios, teríamos de fechar as bolsas, pois todos fariam analises conservadoras e exigiriam uma enorme margem de segurança. Para haver negociações, são necessárias estratégias diferentes, tipos de análises diferentes. Percepções de valor diferentes. (acréscimo LC) Expectativas diferentes. As projeções que vou mostrar para vocês foram montadas como uma adaptação do seven-year forecast (que antes era o ten-year forecast) da GMO. Uma fórmula simples para se projetar o retorno futuro de vários mercados diferentes. Para nós aqui no Brasil, adaptamos o modelo para três anos. Com este horizonte de análise, nós e as empresas que nos fornecem os dados conseguimos ter um grau de segurança um pouco maior. Podemos até perguntar-lhes qual a projeção para dez anos, mas a margem de erro da resposta torna-se muito alta. O longo prazo é bom — mas focar demais no longo prazo nos faz perder a realidade do que, para o negócio, é possível projetar no curto prazo. Temos aqui um exemplo real de uma empresa que analisamos, mas não temos na carteira. Suas ações têm boa liquidez. Esta é a “cara” do nosso modelo de análise [modelo 1]. A primeira coisa que fazemos é traçar três cenários. O primeiro é o pessimista, o último é o otimista. O do meio é o cenário base. Todo mundo, quando faz uma projeção, um DCF, quer descobrir qual será a receita, a margem, o crescimento, onde estarão os múltiplos etc. Todo mundo trabalha somente no cenário base. Estou no conselho de administração de algumas empresas. Nunca vi um orçamento com três possibilidades. “O orçamento pode ser X, Y ou Z.” A resposta seria: “Refaça o trabalho para nos dizer qual desses será, efetivamente, o orçamento.” Mas ninguém sabe, realmente, qual será. As pessoas não gostam de lidar com incertezas — mas a verdade é que ninguém sabe! Em nossas análises, tentamos representar bem o mundo real. O nosso cenário pessimista de 20% não é um cenário distressed [de crise, em que muitas empresas encontram-se em situação problemática], que teria probabilidade de ocorrência de 5% ou 3%. Ou seja, a cada 5 anos, um cenário pessimista desses ocorrerá. Em compensação, o otimista tem a mesma probabilidade. Trabalhamos com o do meio — o cenário base. Tentamos “arrancar” as informações das empresas: “É possível que as vendas, em vez de crescerem 5%, cresçam 3%?” Empresa: “É possível, se o ano for muito ruim.” Nós: “E 0%?” Empresa: “Não, zero é impossível.” Nós: “E a margem, que está em 10%, pode ir para 6%?” Empresa: “Não, a 6% fecharíamos as portas.” Nós: “E para 9%?” Empresa: “Sim, se for muito ruim fica em 9%.” Nós: “Poderia melhorar para 11%?” Empresa: “Difícil, mas se o câmbio ajudar e tudo mais der certo…” Assim, desenhamos os cenários base, pessimista e otimista. Por que as chances são 20%, 60% e 20%? Porque assim escolhemos. Se alguém quiser atribuir outras chances a suas projeções, pode fazê-lo. Mas tem de ser simples. Se incluirmos 17 cenários, no final nos perderemos no meio de tanta conta. Se olharmos o preço de uma ação, daqui a três anos, em relação ao ocorrido com a empresa de hoje até então, conseguiremos “quebrar” segregar o retorno da ação (como fazem na GMO) em quatro componentes. Primeiro, variação de receita. Neste caso, a receita pode sair de R$ 33,2 bilhões para R$ 36,3 bilhões, R$ 38,4 bilhões ou R$ 40,6 bilhões. A taxa de crescimento da receita, na linha cinza, é anual. O segundo componente é a variação de margem (neste modelo, margem EBITDA) que, em três anos, pode estar em 9%, 10%, ou 11%. Na linha cinza, temos a variação anual da margem. O terceiro componente é a variação do múltiplo (neste modelo, EV/EBITDA). Hoje em 5,5, o EV/EBITDA pode ir para 4,5, permanecer em 5,5 ou subir para 6,5. Notem que a oscilação efetiva nos últimos anos esteve bem próxima da faixa entre 4,5 e 6,5 [figura 4], ou seja, simplesmente utilizamos o passado como referência. O último componente é o pagamento de dividendos. Agora um pouco mais na moda, o dividendo tende a ser muito pouco ressaltado pelo sell-side, que gosta muito de crescimento. Notem: nos últimos 100 anos, cerca de 60% do retorno do índice S&P 500 veio dos dividendos. Então, no cenário base, a Empresa A teve crescimento de receita de 5% ao ano, teve compressão de margem EBITDA de 11,3% para 10,0%, continuou negociando pelo múltiplo EV/EBITDA de 5,5 e os dividendos pagos resultaram em um yield de 2,2%. No fim, criei um preço atual teórico de R$ 10 por ação (a ação tem outro preço). Em 2014, no cenário pessimista, o preço estará em R$ 4,9, ou seja, terá uma queda de 51%. No cenário base, terá um ganho de 32% e, no otimista, um ganho de 136%. Em três anos, o preço da ação estará entre R$ 4,9 e R$ 23,6. Essa é uma empresa bastante arriscada. A Empresa B [modelo 2] tem um outro tipo de risco. É uma empresa muito boa, cresce bastante, tem margem estável e boa administração. O “pequeno” problema é que está muito cara. Nos vários cenários, temos crescimento anual de receita de 10%, 13,5% e 16%. A margem, hoje em 22,7%, pode estar 19%, 22% ou 24%, daqui a três anos. O EV/EBITDA, hoje 26,7 vezes, pode ser 9 vezes, 11 vezes ou 13 vezes em 2014. O dividendo pode ser 2,8%, 3,2% ou 3,6% por ano. O desvio padrão é baixo, ou seja, há baixo risco em termos de volatilidade de preços — mas o retorno real ponderado é negativo. No geral, acho que o preço desta ação vai cair. Mesmo no cenário otimista, o preço está praticamente empatado. Já a Empresa C [modelo 3] é uma utility [empresa prestadora de serviços de utilidade pública] — notem que as projeções de crescimento de receitas são baixas. Esses números são nominais, ou seja, crescer 2,7% ao ano significa crescer menos que a inflação e crescer 5% significa um pouco mais que a inflação. As margens são bem estáveis e o múltiplo, hoje em 4,4, pode variar entre 3,5 e 5,5. O dividendo é alto. Esta aqui é uma empresa que consideramos ideal: tem risco muito baixo (7,4%) e retorno esperado de, praticamente, 20% ao ano. Não preciso dizer, a liquidez deste papel é bem baixa… Aqui temos nossas posições em carteira. Estas informações são abertas ao público. (O tamanho de cada bola reflete a porcentagem relativa da respectiva empresa em cada um destes índices.) Nossas quatro maiores posições hoje são Contax, OHL, Copel e Porto Seguro [figura 5]. Dividimos o risco em duas partes. Uma — que podemos controlar melhor — é o lado operacional, que inclui três dos quatro fatores acima: receita, margem e dividendos. Quem paga mais dividendo pode ter uma dívida maior no futuro, então, pode haver certa compensação entre os fatores. Considerando o lado operacional, há negócios cuja natureza é muito estável. Em empresas de geração de energia, como Tractebel, AES Tietê ou CPFL, a chance de errarmos muito na projeção das operações — qual será, em três anos, a receita, o EBITDA e o lucro — é muito pequena. O “risco operacional”, ou seja, a faixa de variação dos resultados efetivos, é estreita — devido às características do próprio negócio. Outros negócios, como Contax ou Porto Seguro, têm características que tornam seus resultados menos previsíveis. Isso está refletido no risco operacional [figura 5, primeiro gráfico]. A vantagem de se diversificar a carteira — e, nesse ponto, Markowitz estava certo — é que, da mistura de setores com características diferentes, o risco que resulta é relativamente mais baixo, enquanto o retorno que resulta é a média dos retornos de cada ativo. Com a ajuda dos modelos matemáticos preparados pela nossa equipe, separamos o risco de mercado do risco operacional [figura 5, segundo gráfico]. Hoje em dia, com o Math Lab, fica relativamente fácil simular 20.000 cenários com variáveis aleatórias. Sabemos que Contax, por exemplo, está com o múltiplo bem elevado porque seu resultado foi muito baixo. Então, quando a incluímos na nossa projeção, já sabemos que seu múltiplo vai baixar quando os resultados melhorarem. Contudo, esperamos que haja compensação entre os fatores: a margem melhorará (está na fase baixa do ciclo, começando a subir), os resultados melhorarão e o múltiplo diminuirá. Como podem ver, para Copel e Porto Seguro, não projetamos grandes expansões em seus múltiplos. Já para OHL e Contax, esperamos uma ligeira redução nos múltiplos. Não estou dizendo que uma determinada ação está barata porque está com baixo múltiplo EV/EBITDA, P/L ou qualquer outro que seja adequado para avaliação do negócio em questão, e que esse será o grande driver de retorno. O múltiplo, por si só, pode ser compensado pelos fatores operacionais, e vice-versa. Não temos controle sobre o mercado… No consolidado [figura 5, terceiro gráfico], podemos ver que Contax, que é um negócio mais arriscado, apresenta uma relação de risco-retorno muito boa — em função do preço e de seu momento no ciclo do negócio. Nosso fundo não é long-only. Quando queremos, vendemos o Ibovespa, para proteção. Neste quarto gráfico, temos representadas as empresas que compõem o Ibovespa, o Ibovespa como um todo (bola dourada) e o nosso fundo. Então, pela nossa modelagem para os próximos três anos, o Skopos tem retorno esperado mais alto e risco mais baixo do que o Ibovespa. Com nossa abordagem long-andshort, esperamos que o retorno de nosso fundo, durante os próximos três anos, seja aproximadamente 8% acima do retorno do Ibovespa (18% menos os 10%), e tende a ser superior também ao CDI. Projetamos cenários de preços para cada uma das empresas que analisamos [figura 6]. Retiramos os nomes das empresas que não estão em nossa carteira — por exemplo, a “Empresa D” é a Vale. Quanto mais para a esquerda o triângulo azul estiver, melhor é o ponto de compra. O ideal é comprarmos quando o triângulo azul estiver em cima, ou para a esquerda, do ponto vermelho. Nesses casos, a compra preserva o capital, pois o ponto vermelho representa um cenário pessimista (mas não distressed, as coisas sempre podem dar errado…). Do outro lado, o ideal é ficarmos vendidos em empresas que estejam com o triângulo azul em cima, ou para a direita, do ponto verde. Com a queda recente da bolsa, notamos que várias empresas começam a caminhar para o ponto de pouco risco de perda de capital. É isso, obrigado! Pergunta da platéia: Desses quatro componentes que você apresentou, existe um que é, na minha opinião, fundamental: a variação de múltiplos. Você usou aqui o EV/EBITDA e existem muitas críticas em relação a esse múltiplo — assim como em relação a todos os outros. Então, na prática, com que múltiplos vocês trabalham e quais acham mais adequados para avaliações? Cerize: Eu acho o EV/EBITDA um número muito ruim… O P/L também é muito ruim… Tudo é ruim. Para os exemplos aqui usei EV/EBITDA, mas para avaliar a Contax, por exemplo, não utilizamos EBITDA e sim EBIT, que é a geração bruta de capital. A Tractebel, uma empresa que conhecemos bem — já a tivemos na carteira —, tem um EBITDA que é muito próximo à sua geração bruta de capital. A depreciação de uma hidrelétrica nunca será uma despesa paga com caixa — por definição. No final do período de concessão, quando toda a depreciação já tiver ocorrido, a concessão pode ser devolvida ao governo. Não há obrigatoriedade de reinvestimento. Todas as despesas com a usina, durante o período de concessão, são contabilizadas como despesas de manutenção (então, já estão acima do EBITDA). Quando examinamos uma empresa de telecomunicações, a depreciação é paga com caixa e não pode ser considerada geração bruta de capital. “Ontem, gastamos R$ 2,5 bilhões com 3G.” Daqui a pouco teremos 4G, 5G, os roteadores, toda a rede de fibras… Em pouquíssimos casos, essas empresas têm depreciação superior aos investimentos — portanto, o EBITDA não refletiria esses custos, necessários para manter o negócio competitivo. *** [Acho que a diferença sobre como o capex é pago pela empresa, em relação ao caso acima, poderia ficar mais clara para o leitor…] Focar apenas no lucro também é complicado. Podemos dizer: “A empresa X sempre negocia a um índice P/L entre 6 e 15.” Mas e se, em 2014, o cenário for pessimista e, conforme a análise, a empresa for ter prejuízo? Ela vale zero? Claro que não! O índice P/L pode variar amplamente. Uma empresa que tem, historicamente, margem de lucro de 30% que está, no momento, em 1%, provavelmente será negociada a um P/L de 200. Naquele determinado ano, o lucro nunca seria a referência ideal. Um índice P/L de 200 não significa que a empresa está cara. Hoje em dia, ouço as pessoas dizerem: “A Vale está muito barata, negociada a sete vezes o lucro e a um múltiplo EV/EBITDA de cinco. Historicamente, a Vale é negociada a 10 vezes o lucro…” Em 2001, eu era sócio da KM Caemi (Nota: Rui: Foi comprada pela Vale, e o nome é esse Caemi) e seu presidente estava muito otimista pois achava que, após 30 anos sem subir, preço do minério de ferro poderia pular de US$ 16 para US$ 19. Chegou a US$ 190! Discordo daqueles que acham que o minério de ferro ficará em US$ 140. Vivemos a bolha das bolhas de construção na China. A China pode continuar crescendo — mas não será por meio de construção. A China constrói hoje perto de dois metros quadrados residenciais, por cidadão, por ano. Quando cobrirem a China inteira com concreto, acabou… Uma vez terminado o ciclo de construção na China, podemos argumentar que haverá um ciclo de construção na Índia. Mas há um pequeno problema: a Índia já tem minério de ferro — o Brasil não vai exportar para a Índia… Se não será na China nem na Índia, onde será o próximo grande ciclo de construção que demandará tanto aço brasileiro? Tenho uma teoria: quando estivermos no ponto de construirmos uma estrela de ferro e aço igual àquelas nos filmes Star Wars, aí precisaremos de tanto minério de ferro — mas ainda vai demorar um pouco… [Risos na platéia.] Não consigo analisar a Vale, como investimento, enquanto o mercado para minério de ferro não se estabilizar. Voltando para a pergunta, concordo com sua crítica em relação aos múltiplos: nada substitui o trabalho do analista. Não há regra! Para se saber usar o múltiplo, é necessário bom senso. Sempre conversarmos com os executivos da empresa para que nosso modelo de análise faça sentido e reflita a dinâmica do mundo real. Pergunta da platéia: Como você analisa a Copel, por exemplo, que está em um mercado regulamentado? Como você avalia o possível impacto de mudanças de regras, pelo governo, no setor? Isso está incorporado de alguma forma nos modelos — ou está incorporado à analise de alguma outra maneira? Cerize: Nos cenários pessimistas, sempre podemos incluir as mudanças de regras. Em vez de três cenários, poderíamos criar quatro cenários, cinco cenários… Podemos criar um cenário pessimista e também um distressed. Com o resultado médio das probabilidades e o desvio padrão, o Math Lab calcula uma curva que vai além da probabilidade de cada cenário e já inclui um cenário de falência de menor probabilidade. Quando olho para empresas como Tractebel, CCR, OHL, enxergo um título de dívida — um bond — alavancado. A empresa tomou dinheiro do BNDES e receberá dinheiro de suas atividades. Para o resultado não se materializar, seria necessário um colapso econômico no Brasil, de magnitude tão grande que resultasse em uma queda de 30% no tráfego nas estradas ou de 20% no consumo de energia. Podemos até incluir esse tipo de cenário no modelo. Notem: nunca modelamos a contrapartida — um boom econômico em que o tráfego nas estradas subisse 30%, por exemplo. Mas, obviamente, diversificação mínima é necessária. Por que não investir tudo em uma empresa dessas? Vejam o caso da Argentina. O governo Argentino manteve a inflação artificialmente baixa por muito tempo. Quando se está em um negócio regulamentado, esse risco é muito maior. Se o governo começa a manter os índices de inflação artificialmente baixos, o investidor terá uma perda permanente de capital — não nominal mas em termos de poder real de compra. A única solução para esse risco é a diversificação. Pergunta da platéia: Conforme sua apresentação, o seu processo de decisão de investimento é bem baseado na análise probabilística de risco e retorno. O seu stock picking é baseado exclusivamente nesses modelos ou você vai além deles para entender os negócios? Cerize: Buffett e Graham têm algumas frases que resumem bem alguns pontos que são fundamentais. Sei que todo mundo aqui já leu e releu seus textos… Um empresário que conheço parafraseou bem um desses pontos: “businesses are people” [negócios são pessoas]. Levo muito em consideração quem é que está por trás de cada negócio — uma lição que vem do Buffett. Outra lição que vem dele: há negócios bons e há negócios ruins. dúvida, fique com os bons. Então, na Finalmente, existe a questão do preço. Por um preço adequado, eu compro até negócio ruim com gente ruim. O Buffett não, ele já disse: “Trabalhar com pessoas que embrulham o estômago lembra muito casar-se por dinheiro — provavelmente uma má idéia em quaisquer circunstâncias e absoluta loucura quando já se é rico.” Há negócios que simplesmente excluo pois não quero envolvimento com certas pessoas… Respondendo à pergunta, um dos modelos que mostrei aqui foi feito depois de já termos montado toda a nossa posição. Em 2008, eu sabia — intuitivamente — que OHL não era tão arriscada quanto o mercado a considerava. Eu achava que o negócio era muito mais seguro — e assim provou-se. Hoje, os preços subiram e a decisão voltou a ser difícil. O bom senso deve sempre prevalecer. A grande vantagem de ser fazer uma análise como as aqui apresentadas, antes da compra, é ponderar o retorno com o risco. Se digo a você “quero comprar Contax, pois o ativo tem 100% de upside”, você pode responder “prefiro comprar Agrenco que tem 300% de upside”. Você “ganhou” a discussão, pois só estamos considerando qual dos ativos pode subir mais. Contudo, posso continuar: “Tudo bem, agora vamos analisar os cenários em que as coisas podem dar certo ou errado. A Agrenco pode subir mais — mas tem 50% de chance de quebrar. Você ainda quer comprar?” Então, começamos a olhar não só para o que podemos ganhar mas para quanto estamos dispostos a arriscar em cada uma das posições da carteira. Se essa é a base da construção da carteira, se cada posição é analisada e cada um dos riscos individuais é conhecido, não há como o risco total da carteira ser desconhecido. Acho que, hoje em dia, todo mundo quer olhar o risco analisandoo por cima, partindo do nível macro e de uma análise top-down, sem saber o que está por baixo, no nível das empresas. Eu não conheço todos os riscos potenciais, mas conheço o risco da minha carteira muito melhor do que quem utiliza a análise de risco convencional — que considera apenas as oscilações de preços das ações em carteira. ●